quarta-feira, 4 de setembro de 2024

Medo: Trump na Casa Branca (Parte II), de Bob Woodward

Editora: Todavia

Opinião: ★★☆☆☆

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ISBN: 978-85-8880-836-2

Páginas: 432

Sinopse: Ver Parte I



“Um funcionário sênior da Casa Branca que falou na época com pessoas que participaram da reunião registrou o seguinte resumo: “O presidente deu uma bronca e insultou o grupo inteiro falando que não sabiam nada sobre segurança nacional. Parece claro que muitos dos assessores seniores do presidente, especialmente os da área de segurança nacional, estão extremamente preocupados com a natureza errática dele, com sua ignorância relativa, com sua incapacidade de aprender e com os pontos de vista dele, que consideram perigosos”.5

5. Revisão do autor de anotações feitas na ocasião por um participante.

 

 

Depois da reunião no Tanque, Tillerson, que tem a mais alta patente de escoteiro dos Estados Unidos, foi participar de um jamboree na Virgínia Ocidental e assistir ao casamento do filho no Texas. Ele pensava em renunciar.

“Escute”, Priebus disse mais tarde num telefonema, “você não pode renunciar agora. Isso é ridículo. Venha falar comigo no meu gabinete.”

Tillerson foi. “Não gosto do modo como o presidente fala com esses generais. Eles não merecem isso. Não posso ficar sentado ouvindo. O presidente não passa de um idiota.”

A hostilidade aberta surpreendeu Priebus. A verdadeira mágoa de Tillerson, Priebus percebeu, também tinha a ver com o modo como ele era tratado pelo presidente. Em várias reuniões na Sala da Situação, Tillerson quase literalmente bufava, dando mostras visíveis de estar mais do que apenas incomodado, mal mascarando aquela fala na reunião sobre o presidente ser um idiota.

Priebus sugeriu que Tillerson baixasse o tom. “Você não pode faltar com o respeito. Não pode falar assim com o presidente. Precisa achar um jeito de se comunicar, dizendo as mesmas coisas sem ser ofensivo.”

Priebus admirava a abordagem de Mattis — evitar o confronto, demonstrar respeito e deferência, agir de modo inteligente no trabalho, viajar o máximo possível, dar um jeito de sair de Washington sempre que podia.

Tillerson voltou ao assunto dos generais. “Não posso ficar aqui sentado ouvindo o presidente desancar esses generais. Simplesmente não tolero isso. Não é certo”.”

 

 

McMaster disse que às 6h03 Trump havia tuitado: “Tentativas ucranianas de sabotar a campanha de Trump — ‘trabalhando em silêncio para ajudar Clinton’. E onde está a investigação do P.G. [procurador-geral]?”.1

Evidentemente aquilo era propaganda dos russos, McMaster disse. Ele e os especialistas do Conselho de Segurança Nacional tinham chegado àquela conclusão. Mas o presidente resolvera botar a boca no trombone.

1. Ver o tuíte de Trump em: <twitter.com/realdonaldtrump/status/889788202172780544>.

 

 

Antes de o presidente subir para a residência oficial ao fim de cada dia, Porter entregava a ele um livro com informações relevantes, documentos, memorandos e a agenda do dia seguinte.

Pela manhã, ele descia para o Salão Oval às 10h, 11h ou até 11h30.

“Qual é a agenda do dia?”, perguntava, tendo dado uma olhada no livro ou nem isso. Ele dizia acreditar que o improviso era seu ponto forte. Sabia ler as situações. Sabia ler o que estava acontecendo numa sala. Ou sabia ler o momento, como durante a campanha presidencial.

Trump gostava de fazer as coisas por impulso, Porter concluiu, seguir seu instinto. Ele agia como se uma preparação excessiva fosse diminuir suas habilidades de improvisador. Não queria que pensamentos prévios o desviassem do caminho. Como se a existência de um planejamento acabasse com seu poder, seu sexto sentido.

Os assuntos de que o presidente trataria de manhã normalmente tinham a ver com o que vira na televisão, especialmente na Fox News, ou com alguma coisa publicada nos jornais, que lia com mais atenção do que o público em geral imaginava.

Ao longo do dia Trump pedia opiniões para qualquer um que estivesse por perto — de membros do ministério até funcionários da segurança. Era sua forma de saber o que as pessoas pensavam.

 

 

Toda presidência age pensando na plateia, mas a plateia central de Trump muitas vezes era ele mesmo. Ele vivia avaliando a si mesmo. Na maioria das vezes as avaliações eram apaixonadamente positivas. Estava sempre com a cabeça nos jornais.

O trabalho na Casa Branca frequentemente tinha menos a ver com a arte da negociação e mais a ver com estragá-la. O estrago muitas vezes estava bem diante de seus olhos, um comício de Trump em loop contínuo. Não havia como não olhar.

Na política externa, o ponto eram as relações pessoais, Trump explicava àqueles que passavam mais tempo com ele no Salão Oval. “Tenho muito boas relações com Xi”, ele disse sobre o presidente chinês. “Temos uma química bem boa. Xi gosta de mim. Estendeu um tapete vermelho quando visitei Beijing.” Em novembro de 2017, ele tinha dito publicamente: “Considero Xi um amigo. Ele também me considera um”.2

H. R. McMaster tentou explicar que Xi estava usando o presidente. A China estava numa ofensiva econômica, planejando se tornar a primeira potência mundial.

Trump disse que entendia aquilo, mas todos os problemas eram suplantados por seu bom relacionamento com Xi.

Nos últimos quatro meses de 2017, o Conselho de Segurança da ONU votou por três vezes a imposição de sanções econômicas mais duras à Coreia do Norte. Em 22 de dezembro, o resultado da votação foi quinze a zero, incluindo a China.3 As sanções implicavam a redução da quantidade de petróleo que a Coreia do Norte podia importar em 89%. Trump ficou bastante satisfeito.

“Isso aconteceu porque desenvolvi uma relação realmente boa com o presidente Xi”, ele disse. “E porque ele me respeita e eu o respeito. Não é ótimo que eu seja amigo dele quando todos vocês dizem que eu devia me opor ao cara? Se eu não tivesse esse bom relacionamento com o presidente Xi, eles jamais teriam feito isso.” Era a química, a confiança. “Eu consigo que eles façam coisas que, se não fosse por isso, não fariam.”

Em temas nos quais mantinha as mesmas opiniões havia décadas, argumentar era inútil. Um dos frequentadores com mais experiência na Casa Branca em 2017 e 2018 disse: “Em alguns pontos ele já chegou a uma conclusão e nada que você diga vai ter a menor importância. Tanto faz os argumentos que use. Ele não vai nem ouvir”.

2. Donald J. Trump, “The President’s News Conference with Prime Minister Shinzo Abe of Japan in Tokyo, Japan”, 6 nov. 2017. Postado por Gerhard Peters e John T. Woolley, The American Presidency Project. Disponível em: <www.presidency.ucsb.edu/ws/?pid=128510>.

 

 

“A discussão sobre comércio internacional se repetia. Mesmos argumentos, mesmos pontos, mesmas certezas — dos dois lados. Depois de mais uma semana, ou mais um mês, teriam a mesma discussão.

Trump dizia repetidas vezes que ia romper acordos comerciais e impor tarifas. Várias vezes falava “Vamos fazer”, e pedia um documento para assinar.

“Temos que fazer com que ele pare de pensar no Korus”, Porter disse a Cohn.

“Temos que fazer com que ele pare de pensar no Nafta”, Cohn concordou.

Pelo menos duas vezes, Porter escreveu esboços seguindo ordens do presidente. E pelo menos duas vezes Cohn ou Porter tiraram o documento da mesa dele. Em outras vezes, simplesmente protelaram.

Trump parecia não se lembrar da própria decisão, já que não fazia perguntas. Ele não tinha nenhuma lista — na cabeça ou em outro lugar — de tarefas.

 

 

“Naquele dia, Trump voou para Long Island para fazer um discurso. Priebus foi com ele. Os dois tiveram uma conversa na cabine privativa na parte da frente do Força Aérea Um.

Priebus havia oferecido sua renúncia na noite anterior. Ele já não aguentava mais e sabia que tinha perdido sua utilidade para Trump.

O presidente estava imaginando quem seria um bom substituto e disse que tinha falado com John Kelly, secretário de Defesa Nacional e general de quatro estrelas reformado da Marinha. O que acha do Kelly?, Trump perguntou.

O general Kelly seria ótimo, Priebus disse.

Trump concordou e disse achar que Kelly seria a pessoa certa, mas que não tinha oferecido o cargo a ele.

Priebus estava preocupado com a imagem que sua saída passaria. Podemos fazer isso este fim de semana, ele disse, ou podemos mandar um release para a imprensa. Ou fazer na segunda. Como o senhor quiser. “Estou pronto para fazer como o senhor quiser.”

“Talvez a gente faça no fim de semana”, Trump disse. O que você vai fazer?

Priebus queria voltar para seu antigo escritório de advocacia.

Trump deu um abraço forte nele. “A gente vai resolver”, ele disse. “Você é o cara.”

O Força Aérea Um pousou. Priebus desceu a rampa. Havia pingos de chuva na sua SUV preta, onde Stephen Miller e Dan Scavino esperavam por ele. Estava levando a situação da melhor forma possível.

Priebus recebeu um alerta de um tuíte presidencial. Procurou as últimas postagens de @realdonaldtrump: “Fico feliz de anunciar que acabo de nomear o general/secretário John F. Kelly como chefe de gabinete. Ele é um grande americano…”.5

“Inacreditável!”, pensou Priebus. “Isso é sério?”

Ele tinha acabado de falar com Trump sobre aguardar.

Ninguém esperava o tuíte de Trump. Quando o viram, Miller e Scavino desceram da SUV de Priebus e entraram em outro carro, deixando o ex-chefe de gabinete sozinho.

Enquanto fechava a porta do carro, Priebus pensou se Trump podia ter rascunhado um tuíte e enviado por acidente. Não, não foi o que aconteceu. A conversa na cabine foi só mais uma mentira.

Naquela noite o general Kelly foi se encontrar com Priebus. Eles tinham estado juntos nas trincheiras, mas privadamente Kelly criticava a desordem e o caos da Casa Branca de Trump. Kelly disse ao presidente que acreditava ser capaz de colocar o lugar em ordem.

“Reince”, Kelly disse, “eu jamais faria isso com você. Só me ofereceram o cargo depois do tuíte publicado. Eu teria te dito.”

Não fazia sentido, Priebus percebeu, a menos que você entendesse o modo como Trump tomava decisões. “O presidente tem zero habilidade psicológica para qualquer tipo de empatia ou piedade.”

Pego de surpresa, Kelly ficou em silêncio por várias horas. Precisou telefonar para a esposa e explicar que não tivera escolha senão aceitar depois de receber uma oferta para um dos trabalhos mais importantes do planeta via Twitter. (...)

Em certo sentido, Priebus jamais superou o modo como sua saída aconteceu. Caso você não sinta empatia nem piedade por nada nem ninguém, esse episódio não parece anormal, foi sua conclusão. Por isso Trump pôde ligar para ele dois dias depois e dizer: Reince, meu caro, como estão as coisas? Como você está? O presidente não achava que existisse um problema entre eles, de modo que o telefonema não lhe parecia estranho.

Como regra geral, nas relações com Trump, quanto maior a proximidade, maior a queda. Você começava com cem pontos. Era impossível subir daí. Priebus começara com isso, mas eles foram sumindo. Estar perto de Trump, especialmente no papel de chefe de gabinete, significava perder pontos. Significava pagar um preço.

A parte mais importante do mundo de Trump era o círculo logo a seguir ao centro do alvo — as pessoas que Trump pensava que talvez devesse ter contratado, ou aqueles que tinham trabalhado para ele e que mandara embora e que agora pensava: Talvez eu não devesse ter feito isso. Eram pessoas que tinham estado lá ou que deveriam ter estado lá, ou parceiros ou conhecidos que não deviam nada para ele e que estavam por perto mas nunca levavam a culpa por nada. Era aquele círculo um pouco mais externo que tinha o maior poder, e não as pessoas que estavam do lado de dentro. Não era Kelly nem Priebus nem Bannon.

Meses depois de sua saída da Casa Branca, Priebus fez uma avaliação final: ele achava que tinha estado cercado na Casa Branca de assassinos por natureza de alta patente que não eram obrigados a entregar nenhum produto de seu trabalho regularmente — um plano, um discurso, o esboço de uma estratégia, um orçamento, um cronograma diário e semanal. Eram intrusos que ficavam perambulando pela Casa Branca, um bando de criadores do caos.

Havia Ivanka, uma charmosa caçadora que entrava e saía de reuniões, se envolvia e deixava de se envolver com os assuntos do presidente. Jared tinha os mesmos direitos. O portfólio deles não trazia qualquer experiência.

Kellyanne Conway tinha permissão, ou se dava, para falar praticamente à vontade na TV ou em entrevistas, muitas vezes sem combinar nada com os departamentos de comunicação e de imprensa que Priebus supostamente coordenava.

E havia Bannon, que pegara uma sala estratégica na Casa Branca, perto do Salão Oval, e que enchera as paredes com lousas que listavam as promessas de campanha de Trump. Ele era um estrategista numa operação que não tinha qualquer estratégia. Entrava em discussões com seu modo incendiário sempre que a agenda nacionalista-populista estivesse ameaçada, ou de modo aleatório, ou quando precisava de algo para fazer.

Trump não passou no teste de Lincoln. Não reuniu à mesa uma equipe de rivais ou concorrentes políticos, foi a conclusão de Priebus. “Ele coloca predadores naturais à mesa”, afirmou mais tarde. “Não apenas rivais — predadores.”

Havia gente sem qualquer experiência em governo, uma característica surpreendentemente comum. Gente que passara a vida imersa em opiniões políticas e em debates sobre políticas públicas, ou que era jovem demais.

Em alguns aspectos, aqueles quatro — Ivanka, Jared, Conway e Bannon — tinham o mesmo modus operandi. “Eles entram na Casa Branca. Você não abaixa sua arma”, Priebus disse. “Eu não abaixo a minha.” As discussões deles não tinham como objetivo convencer; assim como no caso do presidente, o objetivo era vencer — arrasar, destruir e humilhar.

“Se você põe predadores naturais à mesa”, Priebus disse, “as coisas não andam.” Assim a Casa Branca não estava no controle de questões fundamentais como planos de saúde e reforma tributária. A política externa não era coerente e muitas vezes se contradizia.

“Por quê?”, perguntou Priebus. “Porque quando você põe uma cobra, um rato, um falcão, um coelho, um tubarão e uma foca num zoológico sem paredes, as coisas começam a ficar vis e sangrentas. É isso o que acontece.”

5. Ver o tuíte de Trump em: <twitter.com/realdonaldtrump/status/891038014314598400>.

 

 

““Estou cansado de ouvir isso”, disse Trump, “porque vocês poderiam dizer a mesma coisa sobre qualquer país do mundo. Vocês ficam falando o tempo todo que o Estado Islâmico está por toda parte. Eles podem estar se organizando para nos atacar. Não temos como estar em todos os lugares.”

Trump explodiu, especialmente para cima dos seus generais. Vocês criaram essa situação. É um desastre. Vocês foram os arquitetos dessa bagunça no Afeganistão. Criaram esses problemas. Vocês são inteligentes, mas eu preciso dizer que são parte do problema. Não foram capazes de resolvê-lo, e o estão tornando ainda pior.

E agora, ele acrescentou, fazendo eco a Sessions, querem mandar ainda mais soldados para um negócio no qual não acredito. Fui contra desde o início.

Ele cruzou os braços. “Quero sair de lá”, disse o presidente. “E vocês estão me dizendo que a resposta é entrar ainda mais fundo.”

Mattis, com seu estilo discreto, teve um impacto imenso na decisão. Ele não costumava bater de frente. Como costumava fazer, adotou a abordagem de que menos era mais.

Acho que você está certo no que você diz, ele falou a Trump, e sua intuição é muito afiada. Mas uma nova abordagem poderia dar certo, acabando com os cronogramas artificiais de Obama e revogando as restrições dos comandantes no campo de batalha. Uma retirada poderia acelerar o colapso do Estado afegão. A retirada das tropas americanas do país criou o vácuo para a Al Qaeda criar um santuário terrorista que levou aos ataques de Onze de Setembro. O problema é que um novo atentado terrorista, especialmente de grandes proporções, originado no Afeganistão seria uma catástrofe.

Ele argumentou que, caso se retirassem, criariam uma convulsão social similar ao Estado Islâmico, que já tinha presença no Afeganistão.

O que aconteceu no Iraque durante o governo Obama, com o surgimento do Estado Islâmico, vai acontecer no seu governo, Mattis disse a Trump, numa de suas declarações mais incisivas. Foi uma alfinetada da qual muitos presentes se lembrariam.

“Você está me dizendo que tenho que fazer isso”, falou Trump, contrariado, “e eu acho que tudo bem, nós vamos fazer, mas ainda acho que está errado. Não sei para que vai servir. Não nos levou a lugar algum. Já gastamos trilhões”, ele exagerou. “Perdemos muitas vidas.” Mesmo assim, ele reconheceu que provavelmente não poderiam simplesmente sair às pressas e deixar um vácuo para a Al Qaeda, o Irã e outros grupos terroristas.

 

 

“Um discurso sobre a estratégia para o Afeganistão transmitido em rede nacional foi preparado para a noite da segunda-feira, 21 de agosto, no Fort Myer, na Virgínia.7 Era um evento muito importante — um dos primeiros pronunciamentos oficiais de Trump a respeito de uma decisão política na frente de uma grande audiência.

“A princípio, minha intuição estava me dizendo para sair de lá — e, historicamente, gosto de seguir meus instintos”, disse Trump. Ele falou três vezes que o objetivo era “vencer” e declarou: “Não vamos falar em números de soldados ou dos nossos planos para ampliar a presença militar na região”.

Com aquilo, Trump escapou de algo que havia sido o calcanhar de aquiles de Bush e Obama. Sua estratégia teve o efeito de tirar o debate sobre a Guerra do Afeganistão de cena, removendo-o da capa dos jornais a menos que houvesse um grande ato de violência. (...)

Bannon conversou com Stephen Miller. “Mas que porra foi esse discurso? Em primeiro lugar, ele só ficou andando em círculos.”

Aquilo não era verdade. O discurso era novo ao mesmo tempo que seguia a velha estratégia de Obama. A principal crítica de Bannon foi em relação à falta de realismo. “Você não pode deixar o cara ali sentado falando sobre vitória. Não vai ter vitória nenhuma.”

Trump se agarrou à retórica da vitória. Ele tinha feito o suficiente pelos militares, por Mattis e McMaster. Os militares haviam sido poupados do constrangimento e não precisariam admitir a derrota.

No dia seguinte ao discurso do presidente, Tillerson encontrou outra maneira de afirmar que uma vitória era inatingível. Ele se dirigiu ao Talibã num comunicado à imprensa: “Vocês não triunfarão no campo de batalha. Talvez não consigamos vencer, mas vocês também não”.10

Xeque.

7. Donald J. Trump, “Address to the Nation on United States Strategy in Afghanistan and South Asia from Joint Base Myer-Henderson Hall, Virginia”, 21 ago. 2017. Postado por Gerhard Peters e John T. Woolley, The American Presidency Project. Disponível em: <www.presidency.ucsb.edu/ws/?pid=126842>.

10. Aaron Blake, “Rex Tillerson Totally Undercut Trump ‘We Will Win’ Rhetoric on Afghanistan”, The Washington Post, 22 ago. 2017.

 

 

Kelly e Porter passaram várias semanas em Bedminster com o presidente durante o recesso do Congresso em agosto. O novo chefe de gabinete era da opinião de que a Casa Branca estava uma bagunça. Priebus e Bannon tinham agido como amadores. Ele pretendia implantar um pouco de ordem e disciplina por lá.

“Meio que tentamos fazer isso”, disse Porter. Ele contou a Kelly como Priebus havia tentado estabelecer a ordem na Casa Branca. Vários meses antes, Priebus convocara o alto escalão do governo — McMaster, Cohn, Bannon, Kellyanne Conway e Porter — para uma reunião numa das salas do edifício do gabinete executivo.

“Precisamos de uma estratégia”, disse Priebus. “Quais são as prioridades? Como vamos elencá-las?” Ele foi escrevendo as ideias nos quadros brancos que cobriam as paredes da sala de reuniões. Parecia com um Centro de Informações Sigilosas Compartimentadas para discussões altamente confidenciais. Estava cheia de computadores e equipamentos de teleconferência.

As ideias surgidas naquela reunião nunca foram levadas a sério. Com muita frequência o presidente tomava decisões envolvendo apenas duas ou três pessoas. Não havia um processo para a coordenação e a tomada de decisões. Caos e desordem não seriam o bastante para descrever a situação. Era um vale-tudo. O presidente tinha uma ideia e dizia: “Quero assinar alguma coisa”. E então Porter tinha de explicar que, embora Trump tivesse toda a autoridade para emitir ordens executivas, por exemplo, os poderes do presidente eram geralmente restritos por lei. Trump não tinha o menor conhecimento de como funcionava o governo. Às vezes ele simplesmente começava a redigir ordens ou as ditava a alguém. A tática que Porter usava desde a época de Priebus envolvia protelar e enrolar, mencionar barreiras legais e, ocasionalmente, remover rascunhos da mesa do presidente. (...)

No fim das contas, Porter desenvolveu uma rotina de levar de dois a dez decretos para que ele assinasse todos os dias. Trump gostava de assinar. Aquilo significava que estava fazendo coisas, e ele tinha um estilo particular de escrever com um pincel atômico preto que dava à sua assinatura um ar autoritário.

 

 

Trump estava determinado a impor tarifas de importação sobre o aço. “Olha”, disse Trump, “vamos tentar. Se não der certo, a gente volta atrás.”

“Sr. presidente”, disse Cohn, “não é assim que se faz com a economia americana.” Como era uma aposta muito arriscada, ser conservador era crucial. “Você só faz alguma coisa quando tem 100% de chance de dar certo, e aí você reza feito um louco para dar certo. Você não faz nada com 50% de certeza na economia americana.”

“Se a gente não estiver certo”, Trump repetiu, “a gente volta atrás.”

 

O Nafta era outro alvo de longa data de Trump. Ele tinha passado meses dizendo que queria sair do acordo e renegociá-lo. “A única maneira de fazer um bom acordo é acabar com o antigo. Não vai dar seis meses e todo mundo vai vir correndo querer renegociar.” A teoria dele sobre negociações era que para receber um sim você precisava dizer um não.

“Quando você acabar com ele”, Cohn respondeu, “pode ser que simplesmente acabe. É a estratégia de maior risco. Ou ela funciona, ou você vai à falência.”

Cohn se deu conta de que Trump tinha ido à falência seis vezes e parecia não se importar muito com aquilo. Falência era só mais uma estratégia de negócios. Saia do acordo, ameace acabar com ele. O verdadeiro poder é o medo.

Durante décadas, a Goldman Sachs nunca fez negócios com a Organização Trump ou com Trump em pessoa, sabendo que ele poderia roubar tudo e todo mundo. Ele simplesmente não pagaria, ou processaria.

 

 

“Cohn produziu um dossiê contendo gráficos e tabelas elaborados no estilo da Goldman Sachs para informar o presidente sobre impostos. Trump não estava interessado naquilo, e não leu.

Numa reunião no Salão Oval, o presidente queria saber quais seriam as novas faixas de alíquota do imposto de renda para pessoa física.

“Gosto de números redondos”, ele disse. “Dez por cento, 20%, 25%.” Números fortes assim seriam mais fáceis de vender.

Mnuchin, Cohn e o diretor do Departamento de Administração e Orçamento, Mick Mulvaney, disseram que análises, estudos e discussões precisariam ser conduzidos para avaliar os impactos disso na receita, no déficit e na sua relação com a projeção das despesas federais.

“Quero saber quais vão ser os números”, disse Trump, trazendo o assunto de volta à mesa. “Acho que eles têm que ser dez, vinte e 25.”

Ele refutou todas as tentativas de fazer os cálculos necessários para chegar a uma resposta. Para o presidente, uma pequena mudança nas alíquotas teria um impacto surpreendente nos impostos arrecadados pelo Tesouro.

“Nada disso me interessa”, disse Trump. Números fortes e redondos eram o xis da questão. “É isso que as pessoas entendem”, ele disse. “É assim que vou vender essa ideia.”

 

 

“Trump culpava duas pessoas em particular. Primeiro, tinha um desprezo especial pelo ex-presidente George W. Bush, que havia dado início à Guerra do Afeganistão em 2001 e, depois, à Guerra do Iraque, em 2003. “Um presidente terrível”, ele disse a Porter. “O negócio dele era fazer guerra. Queria exercer a influência norte-americana e espalhar a democracia por todo o mundo, mas, como queria ser a polícia do mundo, começou todas essas guerras.” Para Trump, aquilo era imprudente, além de errado. Muito embora tenha tomado a decisão de mandar milhares de soldados adicionais, ele disse que não daria continuidade ao status quo.”

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