Editora: Companhia das Letras
Opinião: ★★★★★
ISBN: 978-85-3590-952-4
Páginas: 428
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Sinopse: Ver Parte I
“30. A crise da economia cafeeira
No
último decênio do século XIX criou-se uma situação excepcionalmente favorável à
expansão da cultura do café no Brasil. Por um lado, a oferta não brasileira
atravessou uma etapa de dificuldades, sendo a produção asiática grandemente
prejudicada por enfermidades, que praticamente destruíram os cafezais da ilha
de Ceilão. Por outro, com a descentralização republicana o problema da
imigração passou às mãos dos estados, sendo abordado de forma muito mais ampla
pelo governo de São Paulo, vale dizer, pela própria classe dos fazendeiros de
café. Finalmente, o efeito estimulante da grande inflação de crédito desse período
beneficiou duplamente a classe de cafeicultores: proporcionou o crédito
necessário para financiar a abertura de novas terras e elevou os preços do
produto em moeda nacional com a depreciação cambial. A produção brasileira, que
havia aumentado de 3,7 milhões de sacas (de sessenta quilos) em 1880-81 para
5,5 milhões em 1890-91, alcançaria em 1901-02 16,3 milhões.149
A
elasticidade da oferta de mão de obra e a abundância de terras, que
caracterizavam os países produtores de café, constituíam clara indicação de que
os preços desse artigo tenderiam a baixar a longo prazo, sob a ação persistente
das inversões em estradas de ferro, portos e meios de transporte marítimo que
se iam avolumando no último quartel do século XIX. Percebe-se melhor a natureza
desse problema observando-o de uma perspectiva mais ampla. Os empresários das
economias exportadoras de matérias-primas, ao realizarem suas inversões, tinham
de escolher dentre um número limitado de produtos requeridos pelo mercado
internacional. No caso do Brasil, o produto que apresentava maior vantagem
relativa era o café. Enquanto o preço desse artigo não baixasse a ponto de que
aquela vantagem desaparecesse, os capitais formados no país continuariam
acorrendo para a cultura do mesmo. Portanto, era inevitável que a oferta de
café tendesse a crescer, não em função do crescimento da procura, mas sim da
disponibilidade de mão de obra e terras subocupadas, e da vantagem relativa que
apresentasse esse artigo de exportação.
Ocorreu,
entretanto, que a grande expansão da cultura cafeeira, do final do século XIX,
teve lugar praticamente dentro das fronteiras de um só país. As condições
excepcionais que oferecia o Brasil para essa cultura valeram aos empresários
brasileiros a oportunidade de controlar três quartas partes da oferta mundial
desse produto. Essa circunstância é que possibilitou a manipulação da oferta
mundial de café, a qual iria emprestar um comportamento todo especial à
evolução dos preços desse artigo. Ao comprovar-se a primeira crise de
superprodução, nos anos iniciais do século XX, os empresários brasileiros logo
perceberam que se encontravam em situação privilegiada, entre os produtores de
artigos primários, para defender-se contra a baixa de preços. Tudo de que
necessitavam eram recursos financeiros para reter parte da produção fora do
mercado, isto é, para contrair artificialmente a oferta. Os estoques assim
formados seriam mobilizados quando o mercado apresentasse mais resistência,
vale dizer, quando a renda estivesse a altos níveis nos países importadores, ou
serviriam para cobrir deficiências em anos de colheitas más.
A
partir da crise de 1893, que foi particularmente prolongada nos EUA, começaram
a declinar os preços no mercado mundial. O valor médio da saca exportada em
1896 foi 2,91 libras, contra 4,09 naquele ano. Em 1897 ocorreu nova depressão
no mercado mundial, declinando os preços nos dois anos seguintes até alcançar
1,48 libra em 1899. Se os efeitos da crise de 1893 puderam ser absorvidos por
meio de depreciação externa da moeda, a situação de extrema pressão sobre a
massa de consumidores urbanos, que já existia em 1897, tornou impraticável
insistir em novas depreciações. Já assinalamos que essa excessiva pressão levou
a uma crescente intranquilidade social e finalmente à adoção de uma política
tendente à recuperação da taxa de câmbio.
Exatamente
nessa etapa em que se fazia impraticável apelar para o mecanismo cambial, a fim
de defender a rentabilidade do setor cafeeiro, configura-se o problema da
superprodução. Os estoques de café, que se avolumam ano a ano, pesam sobre os
preços, provocando uma perda permanente de renda para os produtores e para o
país. A ideia de retirar do mercado parte desses estoques amadurece cedo no
espírito dos dirigentes dos estados cafeeiros, cujo poder político e financeiro
fora amplamente acrescido pela descentralização republicana. No convênio
celebrado em Taubaté em fevereiro de 1906, definem-se as bases do que se
chamaria política de “valorização” do produto. Em essência, essa política
consistia no seguinte:
a) com o fim de restabelecer o
equilíbrio entre oferta e procura de café, o governo interviria no mercado para
comprar os excedentes;
b) o financiamento dessas compras
se faria com empréstimos estrangeiros;
c) o serviço desses empréstimos
seria coberto com um novo imposto cobrado em ouro sobre cada saca de café
exportada;
d) a fim de solucionar o problema
mais a longo prazo, os governos dos estados produtores deveriam desencorajar a
expansão das plantações.
A
acalorada polêmica que suscitou a política de “valorização” constituiu uma
clara indicação das transformações que na época se operavam na estrutura
político-social do país. A descentralização republicana havia reforçado o poder
dos plantadores de café em nível regional. Vimos já que essa descentralização —
que chegou a extremos no caso da aplicação da reforma bancária — não é estranha
à excessiva expansão das plantações de café, que ocorre entre 1891 e 1897.
Durante esse mesmo período, sem embargo, os grupos que exerciam pressão sobre o
governo central tornaram-se mais numerosos e complexos. Assinalamos a
importância crescente da classe média urbana, na qual se destacava a burocracia
civil e militar, diretamente afetada pela depreciação cambial. O importante
grupo financeiro internacional reunido em torno da casa Rothschild segue de
perto a política econômico-financeira do governo brasileiro, particularmente
depois do empréstimo de consolidação de 1898.150 Por último os
comerciantes importadores e os industriais, cujos interesses por motivos
distintos se opõem aos dos cafeicultores, encontram no regime republicano
oportunidade para aumentar o seu poder político.
O
primeiro esquema de valorização teve de ser posto em prática pelos estados
cafeicultores — liderados por São Paulo — sem o apoio do governo federal.
Diante da relutância deste último, os governos estaduais — aos quais a
descentralização republicana concedera o poder constitucional exclusivo de
criar impostos sobre as exportações — apelaram diretamente para o crédito
internacional e puseram em marcha o projeto. Essa decisão lhes valeu a vitória
sobre os grupos opositores. O governo federal teve finalmente que chamar a si a
responsabilidade maior na execução da tarefa. O êxito financeiro da experiência
veio consolidar a vitória dos recalcitrantes, que reforçaram o seu poder e por
mais um quarto de século — isto é, até 1930 — lograram submeter o governo
central aos objetivos de sua política econômica.
O
plano de defesa elaborado pelos cafeicultores fora bem concebido. Sem embargo,
deixava em aberto um lado do problema. Mantendo-se firmes os preços, era
evidente que os lucros se mantinham elevados. E também era óbvio que os negócios
do café continuariam atrativos para os capitais que neles se formavam. Em
outras palavras, as inversões nesse setor se manteriam em nível elevado,
pressionando cada vez mais sobre a oferta. Dessa forma, a redução artificial da
oferta engendrava a expansão dessa mesma oferta e criava um problema maior para
o futuro. Esse perigo foi perfeitamente percebido na época. Entretanto, não era
fácil contorná-lo. A solução, aparentemente, estaria em evitar que a capacidade
produtiva continuasse crescendo, ou que crescesse mais intensamente como efeito
da estabilidade dos preços num nível elevado. As medidas tomadas nesse sentido
foram, porém, infrutíferas. Teria sido necessário que se oferecessem ao
empresário outras oportunidades, igualmente lucrativas, de aplicação dos
recursos que estavam afluindo continuamente a suas mãos sob a forma de lucros.
Em síntese, a situação era a seguinte: a defesa dos preços proporcionava à
cultura do café uma situação privilegiada entre os produtos primários que
entravam no comércio internacional. A vantagem relativa que proporcionava esse
produto tendia, consequentemente, a aumentar. Por outro lado, os lucros
elevados criavam para o empresário a necessidade de seguir com suas inversões.
Destarte, tornava-se inevitável que essas inversões tendessem a encaminhar-se
para a própria cultura do café. Dessa forma, o mecanismo de defesa da economia
cafeeira era, em última instância, um processo de transferência para o futuro
da solução de um problema que se tornaria cada vez mais grave.
O
complicado mecanismo de defesa da economia cafeeira funcionou com relativa
eficiência até fins do terceiro decênio do século XX. A crise mundial em 1929 o
encontrou, entretanto, em situação extremamente vulnerável. Vejamos a razão
disso. A produção de café, em razão dos estímulos artificiais recebidos,
cresceu fortemente na segunda metade desse decênio. Entre 1925 e 1929 tal
crescimento foi de quase cem por cento, o que revela a enorme quantidade de
arbustos plantados no período imediatamente anterior.151 Enquanto
aumenta dessa forma a produção, mantêm-se praticamente estabilizadas as
exportações. Em 1927-29 as exportações apenas conseguiam absorver as duas
terças partes da quantidade produzida.152 A retenção da oferta
possibilitava a manutenção de elevados preços no mercado internacional. Esses
preços elevados se traduziam numa alta taxa de lucratividade para os
produtores, e estes continuavam a intervir em novas plantações. A procura, por
outro lado, continuava a evoluir dentro das linhas tradicionais de seu
comportamento. Se se contraía pouco nas depressões, também pouco se expandia
nas etapas de grande prosperidade. Com efeito, não obstante a grande elevação
da renda real, ocorrida nos países industrializados no decênio dos 1920, essa
prosperidade em nada modificaria a dinâmica própria da procura de café, a qual
cresce lenta mas firmemente com a população e a urbanização. Nos EUA, principal
importador, onde a renda real per capita aumentou cerca de 35 por cento no
correr desse decênio, o consumo de café se manteve em torno de doze libras-peso
por habitante, se bem que os preços no varejo se mantivessem estáveis.153
Existia,
portanto, uma situação perfeitamente caracterizada de desequilíbrio estrutural
entre oferta e procura. Não se podia esperar um aumento sensível da procura
resultante de elevação da renda disponível para consumo nos países
importadores. Tampouco se podia pensar em elevar o consumo desses países
baixando os preços. A única forma de evitar enormes prejuízos para os
produtores e para o país exportador era evitar — retirando do mercado parte da
produção — que a oferta se elevasse acima daquele nível que exigia a procura
para manter um consumo per capita mais ou menos estável a curto prazo. Era
perfeitamente óbvio que os estoques que se estavam acumulando não tinham
nenhuma possibilidade de ser utilizados economicamente num futuro previsível.
Mesmo que a economia mundial lograsse evitar nova depressão, após a grande
expansão dos anos 1920, não havia nenhuma porta pela qual se pudesse antever a
saída daqueles estoques, pois a capacidade produtiva continuava a aumentar. A
situação que se criara era, destarte, absolutamente insustentável.
A
partir da perspectiva mais ampla de que hoje dispomos para observar esse
processo histórico, podemos perguntar onde estava o erro básico de toda essa
política, seguida inegavelmente com excepcional audácia. O erro, se assim o
podemos qualificar, estava em não se terem em conta as características próprias
de uma atividade econômica de natureza tipicamente colonial, como era a
produção de café no Brasil. O equilíbrio entre oferta e procura dos produtos
coloniais obtinha-se, do lado desta última, quando se atingia a saturação do
mercado, e do lado da oferta quando se ocupavam todos os fatores de produção —
mão de obra e terras — disponíveis para produzir o artigo em questão. Em tais
condições era inevitável que os produtos coloniais apresentassem uma tendência,
a longo prazo, à baixa de seus preços.
Manter
elevado o preço do café de forma persistente era criar condições para que o
desequilíbrio entre oferta e procura se aprofundasse cada vez mais. Para evitar
essa tendência teria sido necessário que a política de defesa dos preços
houvesse sido completada por outra de decidido desestímulo às inversões em
plantações de café. Essa política de desestímulo era impraticável se não se
abria uma alternativa para o empresário produtor de café, isto é, se não lhe
era dada oportunidade de aplicar alhures os lucros obtidos no setor cafeeiro
com uma rentabilidade comparável à deste último. Essa oportunidade quase por
definição não existia, pois nenhum outro produto colonial poderia ser objeto de
uma política de defesa do tipo da que beneficiava o café. Na verdade,
requeria-se dar um passo mais adiante e criar artificialmente a referida
oportunidade. Para tanto, teria sido necessário estimular outras exportações
através de uma política de subsídios, o que só seria praticável transferindo
recursos financeiros do setor cafeeiro. Os preços pagos ao produtor de café
teriam de ser mantidos em um nível desencorajador de novas inversões, e os
frutos da diferença entre os preços pagos ao produtor e os de exportação,
cobertos os demais gastos, poderiam ser utilizados para criar estímulos a
outras atividades exportadoras, estímulos esses que poderiam tomar a forma de
empréstimos a longo prazo e de subsídios diretos à exportação.
Mesmo
que se lograsse evitar a superprodução, na forma indicada no parágrafo
anterior, não seria possível evitar que a política de defesa dos preços do café
fomentasse a produção desse artigo naqueles outros países que dispusessem de
terras e de mão de obra em condições semelhantes às do Brasil, ainda que menos
vantajosas. A manutenção dos preços a baixos níveis era condição indispensável
para que os produtores brasileiros retivessem sua situação de semimonopólio. Ao
se prevalecerem dessa situação semimonopolística para defender os preços,
estavam eles destruindo as bases em que se assentara o seu privilégio. Dessa
forma, por mais bem concebida que tivesse sido a política de defesa dos preços
do café, a longo prazo ela surtiria certos efeitos negativos. Esses efeitos
teriam sido certamente menores se a referida política houvesse obedecido a
princípios mais amplos. Não resta dúvida, porém, de que, na forma como foi
seguida, ela precipitou e aprofundou a crise da economia cafeeira no Brasil.
Vejamos
mais uma vez os dados gerais do problema, antes de analisarmos a solução que o
mesmo encontrou na prática. O terceiro decênio do século XX foi uma etapa de
excepcional prosperidade para os países industrializados. Entre 1920 e 1929, o
produto nacional bruto dos EUA cresceu de 103,6 bilhões para 152,7 bilhões de
dólares (a preços constantes), o que representa um aumento da renda real per
capita de mais de 35 por cento. Enquanto isso o consumo de café se mantivera
estável em torno de doze libras, e o preço pago pelo consumidor
norte-americano, com pequenas variações, em torno de 47 centavos de dólar por
libra. As possibilidades de expansão do mercado eram portanto praticamente
nulas. A manutenção daquele nível de preços vinha sendo obtida à custa de
grandes retenções de estoques. O valor dos estoques acumulados entre 1927-29
alcançou a soma avultada de 1,2 milhão de contos, ou seja, pelos preços de
1950, cerca de 24 bilhões de cruzeiros. Em 1929 o valor dos estoques acumulados
sobrepassou dez por cento do produto territorial bruto do ano.154
É
fácil compreender a enorme força perturbadora potencial que representava para a
economia esse tipo de operação. O financiamento desses estoques havia sido
obtido em grande parte de bancos estrangeiros. Pretendia-se, dessa forma,
evitar o desequilíbrio externo. Vejamos o que em realidade se passara. Os
empréstimos externos serviam de base para a expansão de meios de pagamentos
destinados à compra de café que era retirado do mercado. O aumento brusco e
amplo da renda monetária dos grupos que derivavam suas receitas da exportação
não podia, evidentemente, deixar de provocar pressão inflacionária.155
Essa pressão é particularmente grande numa economia subdesenvolvida, e se
manifesta de imediato em rápido crescimento das importações, em razão da baixa
elasticidade da oferta interna.156
Do
que se disse no parágrafo anterior se depreende que a política de acumulação de
estoques de café criaria necessariamente uma pressão inflacionária. Ocorre,
entretanto, que as maiores inversões em estoques foram realizadas em 1927-29,
época que se caracterizou igualmente por fortes entradas de capital privado
estrangeiro no país. A coincidência da afluência de capitais privados e da
chegada dos empréstimos destinados a financiar o café deu lugar a uma situação
cambial extremamente favorável e induziu o governo brasileiro a embarcar numa
política de conversibilidade.157
Deflagrada
a crise no último trimestre de 1929, não foram necessários mais que alguns
meses para que todas as reservas metálicas acumuladas à custa de empréstimos
externos fossem tragadas pelos capitais em fuga do país. Dessa forma, a ventura
da conversibilidade do final dos anos 1920 — a qual em última instância era um
subproduto da política de defesa do café — serviu apenas para facilitar a fuga
de capitais. Não fosse a possibilidade de conversão que existiu nesse período,
a queda do mil-réis teria sido muito mais brusca, estabelecendo-se
automaticamente uma taxa sobre a exportação de capitais. Essa taxa
evidentemente chegou, mas somente depois de se evaporarem todas as reservas.158”
149.
PIERRE DENIS, op. cit., p. 176, recolhe dados relativos à produção brasileira e
mundial no período 1870-1905.
150.
A atitude de lorde Rothschild, que publicou uma carta violenta contra a
“valorização”, refletia o temor de que nova bancarrota do governo brasileiro
viesse repercutir no serviço da dívida externa, que deveria ser retomado em
1911. Não desejando participar de uma empresa arriscada, Rothschild tampouco
via com bons olhos que dela se aproveitassem outros grupos financeiros
internacionais, que buscavam uma oportunidade para firmar o pé num domínio bem
guardado da velha casa financeira, a que se ligara o governo brasileiro desde o
seu segundo empréstimo externo, realizado em 1825.
151.
A produção exportável de café aumentou de 15,761 milhões para 28,492 milhões de
sacas de sessenta quilos, segundo dados publicados pelo Instituto Brasileiro do
Café. Os dados estatísticos relativos à evolução do problema cafeeiro a partir
de 1925 estão reunidos em O desenvolvimento econômico do Brasil, Banco
Nacional do Desenvolvimento Econômico — Comissão Econômica para a América Latina
das Nações Unidas, segunda parte, capítulo II, anexo estatístico.
152.
A produção média de 1927-29 foi de 20,9 milhões de sacas, e a exportação, de
14,1 milhões. O desequilíbrio máximo foi alcançado no ano da crise, 1929,
quando a produção atingiu 28,941 milhões de sacas, e a exportação, 14,281
milhões.
153.
Os preços pagos em 1929 pelo consumidor norte-americano não eram mais elevados
que os de 1920 e estavam um pouco abaixo dos de 1925. Veja-se, para detalhes
sobre este problema, Capacidad de los Estados Unidos para absorber los
productos latino-americanos, CEPAL, 1951.
154.
Os dados relativos ao produto territorial e às inversões, nominais e reais, no
período 1925-39, a que se faz referência neste capítulo e no seguinte, foram
elaborados pelo autor com base no valor e volume físico da produção agrícola e
industrial, no valor e no quantum das importações, na relação de preços do
intercâmbio e nos gastos do governo federal, usando-se como deflator para estes
últimos o índice do custo de vida na cidade do Rio de Janeiro. Para os dados
básicos, veja-se Anuário estatístico do Brasil, 1937-39, e para os
índices de produção agrícola, industrial, quantum das importações e relação de
preços do intercâmbio, CEPAL, Estudio económico de América Latina, 1949,
capítulo VII.
155.
O aumento do valor das exportações determina um crescimento da renda monetária
maior, de acordo com a magnitude do multiplicador. Como a oferta é inelástica,
entre a expansão da renda monetária e o aumento da real, há uma série de
ajustamentos no nível de preços.
156.
Entre 1920-22 e 1929, enquanto o quantum das exportações aumentava apenas dez
por cento, o das importações crescia cerca de cem por cento. Para os dados
básicos, veja-se Estudio económico de América Latina, cit.
157.
Em 1926 o governo Washington Luís estabeleceu a paridade do mil-réis em 0,200
grama de ouro fino, correspondente a 5115⁄128d., e criou uma Caixa de
Estabilização, à qual caberia emitir papel-moeda contra reserva de cem por
cento de ouro. À semelhança do que já ocorrera com a Caixa de Conversão, criada
em 1906, no governo Afonso Pena, as notas emitidas com anterioridade não eram
conversíveis, passando a existir dois meios circulantes no país: um conversível
e outro não. Em 1929 circulavam notas não conversíveis no valor de 2,543
milhões de contos e conversíveis na importância de 848 mil contos.
158.
As reservas de ouro do governo alcançaram 31,1 milhões de libras em setembro de
1919. Em dezembro de 1930 haviam desaparecido em sua totalidade.
“A inflação é o processo pelo qual a economia tenta absorver um excedente
de procura monetária. Essa absorção faz-se através da elevação do nível de
preços, e tem como principal consequência a redistribuição da renda real. O
estudo do processo inflacionário focaliza sempre esses dois problemas: a
elevação do nível de preços e a redistribuição da renda. Seria, entretanto,
errôneo supor que se trata aí de dois problemas autônomos. A palavra inflação
induz a esse erro, pondo em primeiro plano o aspecto monetário do processo,
isto é, a expansão da renda monetária. Contudo essa expansão é apenas o meio
pelo qual o sistema procura redistribuir a renda real com o fim de alcançar uma
nova posição de equilíbrio.183 Pode-se conceber uma situação na qual
todos os grupos sociais desenvolvam mecanismos de defesa, destinados a
dificultar ou mesmo a impossibilitar a redistribuição da renda real, exigida
pela introdução de um desequilíbrio no sistema. Uma tal situação, se levada ao
extremo, poderá dar lugar a uma espécie de inflação neutra, isto é, uma
inflação sem efeitos reais. Os preços se elevariam permanentemente sem nenhuma
repercussão na forma como se distribui a renda real.
Poder-se-ia
argumentar que, se em determinado caso a inflação não tem efeitos reais, não
haveria nenhuma dificuldade em suprimi-la, pois nenhum grupo se sentiria
prejudicado com a estabilização. Essa observação se funda num dos equívocos que
impedem a muitos observadores perceberem a natureza real do processo
inflacionário. O equívoco consiste em não conceber a inflação em termos
dinâmicos. Na inflação que chamamos de neutra, os efeitos reais existem, se bem
que não sejam perceptíveis para um observador que analisa o processo econômico
comparando períodos de tempo de certa magnitude. Assim, o período de um ano é
suficientemente grande para que todos os grupos sociais que lideram a
distribuição da renda realizem o circuito completo na corrida da
redistribuição. Ao final do ano, as posições relativas poderão ser praticamente
iguais às do final do ano anterior. É apenas nesse sentido que se pode dizer
que a inflação não tem efeitos reais sobre a distribuição da renda. Se
observamos mais de perto o processo, vemos que esses efeitos existem, mas que
se anulam mutuamente dentro do período de um ano. Uma inflação absolutamente
neutra seria aquela em que todos os preços crescessem simultaneamente e com o
mesmo ritmo. Quando dizemos simultaneamente, queremos significar que o período
de observação teria de ser tão curto que dentro dele não se poderiam operar efeitos
reais. Ora, uma elevação de preços dessa natureza é um fenômeno totalmente sem
sentido para o analista econômico.
A
dificuldade que existe em deter a alta de preços, numa inflação neutra de
circuito anual, está em que a estabilização teria como resultado aquilo contra
o que o sistema econômico se está defendendo, isto é, a redistribuição da renda
real. Em qualquer dia ou mês do ano existe um grupo que está na frente, na luta
pela redistribuição da renda. Esse grupo seria o beneficiário da estabilização
do nível de preços. Mesmo que fosse possível estabelecer o padrão médio de
distribuição da renda no período de um ano, e que se pretendesse estabilizar os
preços tomando como base esse padrão — vale dizer, introduzindo uma série de
reajustamentos de preços e salários —, dificilmente se lograria contentar a
todos os grupos. O padrão médio de distribuição da renda no período de um ano
terá que ser totalmente diverso se se começa a contar esse ano no mês de
janeiro ou no de junho, e ninguém poderá assegurar em que mês terá começado a
elevação dos preços. Quando se cria uma situação desse tipo, isto é, em que
todos os grupos sociais estão aparelhados para defender-se e têm uma
consciência clara da posição que ocupam em cada momento, a estabilização se
torna um problema difícil. A elevação do nível de preços vai deslocando o
sistema de uma posição de equilíbrio instável para outra, sem que se forme
nenhum processo tendente a reverter o sistema à estabilidade.
As
observações que vimos de fazer põem a claro que a inflação é fundamentalmente
uma luta entre grupos pela redistribuição da renda real e que a elevação do
nível de preços é apenas uma manifestação exterior desse fenômeno.”
183.
Observando o processo de outro ângulo, pode-se dizer que a elevação do nível de
preços é a forma como o sistema reage contra uma redistribuição que já existe
virtualmente quando tem lugar o desequilíbrio. Suponha-se, por exemplo, que,
através da criação de meios de pagamentos, se aumente a renda monetária de um
setor. Opera-se, automaticamente, uma redistribuição da renda em benefício
desse setor. Se o grupo beneficiado aumentasse sua liquidez, essa
redistribuição poderia continuar como um fenômeno puramente virtual.
Entretanto, se a procura inflada pressiona no mercado e encontra uma oferta
inelástica, forma-se um desequilíbrio que poderá resolver-se em alta de preços.
Se o sistema bancário proporciona aos demais setores recursos para defender-se
dessa alta — isto é, para operar em um nível de custos mais elevado —, a
redistribuição poderá abortar. Contudo, mesmo que se forme uma espiral
inflacionária, o grupo que partiu na frente terá uma vantagem que será tanto
maior quanto o for o circuito da inflação.
“Assim
como a segunda metade do século XIX se caracteriza pela transformação de uma
economia escravista de grandes plantações em um sistema econômico baseado no
trabalho assalariado, a primeira metade do século XX está marcada pela
progressiva emergência de um sistema cujo principal centro dinâmico é o mercado
interno.
O
desenvolvimento econômico não acarreta necessariamente redução da participação
do comércio exterior no produto nacional. Nas primeiras etapas do
desenvolvimento das regiões de escassa população e abundantes recursos naturais
— conforme observamos ao comparar as experiências do Brasil e dos EUA na
primeira metade do século XIX186 — uma rápida expansão do setor
externo possibilita uma alta capitalização e abre o caminho à absorção do
progresso técnico. Sem embargo, à medida que uma economia se desenvolve, o
papel que nela desempenha o comércio exterior se vai modificando. Na primeira
etapa a indução externa constitui o fator dinâmico principal na determinação do
nível da procura efetiva. Ao debilitar-se o estímulo externo, todo o sistema se
contrai em um processo de atrofiamento. As reações ocorridas na etapa de
contração não são suficientes, entretanto, para engendrar transformações
estruturais cumulativas em sentido inverso. Se se prolonga a contração da
procura externa, tem início um processo de desagregação e a consequente
reversão a formas de economia de subsistência. Esse tipo de interdependência
entre o estímulo externo e o desenvolvimento interno existiu plenamente na
economia brasileira até a Primeira Guerra Mundial, e de forma atenuada até fins
do terceiro decênio do século XX.
Numa
segunda etapa do desenvolvimento, reduz-se progressivamente o papel do comércio
exterior como fator determinante do nível da renda, mas, concomitantemente,
aumenta sua importância como elemento estratégico no processo de formação de
capital. Com efeito, numa economia agrícola extensiva o aumento da capacidade
produtiva é, em grande parte, simples decorrência da incorporação de mão de
obra e recursos naturais. O desflorestamento, a extensão das plantações, a
abertura de estradas, o aumento dos rebanhos, a edificação rural são todas
formas de capitalização baseadas numa utilização extensiva de mão de obra e
recursos naturais. Entretanto, ao começar a transformação estrutural do
sistema, com aumento relativo das inversões no setor industrial e serviços
conexos, cresce rapidamente a procura de equipamentos mecânicos. O sistema
entra, por conseguinte, numa etapa de intensa assimilação de processos
tecnológicos mais complexos, aos quais tem acesso através do intercâmbio
externo.
A
etapa intermediária de desenvolvimento caracteriza-se, assim, por modificações
substanciais na composição das importações e por uma maior dependência do
processo de ampliação da capacidade produtiva com respeito ao comércio
exterior. A ampliação da capacidade para importar constitui, também nessa
etapa, forte estímulo ao desenvolvimento da economia. Sem embargo, pelo fato de
que a procura externa já não é o principal fator determinante do nível da
renda, o crescimento pode continuar mesmo com estagnação da capacidade para
importar. Em tais condições, entretanto, é de esperar que o desenvolvimento
seja acompanhado de forte pressão inflacionária. Essa pressão é tanto maior
quanto mais amplas sejam as transformações requeridas na composição das
importações pelo desenvolvimento, transformações essas que refletem o grau de
dependência do processo de capitalização com respeito à importação de
equipamentos. (...)
O
período compreendido entre 1920 e 1957 está assinalado por uma redução
substancial da importância relativa da procura externa como fator determinante
do nível da renda. Com efeito, enquanto o produto real aumenta ao redor de
trezentos por cento, isto é, quadruplica, o quantum das exportações cresce
apenas oitenta por cento. Se se tem em conta que nos anos recentes o valor das
importações representava aproximadamente nove por cento do produto bruto,189
pode-se inferir que em 1920 essa participação não era inferior a vinte por
cento. Destarte, contrariamente às formas de crescimento extensivo observadas
nos séculos anteriores, o desenvolvimento no período indicado caracterizou-se
por modificações substanciais na estrutura da economia. Grande parte das
inversões realizadas destinou-se a criar capacidade produtiva para atender a
uma procura que antes se satisfazia com importações. Não obstante, à medida que
crescia a economia com redução do coeficiente de importação, a composição desta
se ia modificando, crescendo dentro da mesma a participação dos bens
diretamente ligados ao processo de capitalização. Dessa forma, se uma redução
brusca da procura externa já não afeta necessariamente o nível de emprego no
país, seu efeito na taxa de crescimento é imediato. Mesmo que se tente manter o
nível das inversões, mediante uma política de obras públicas, não se poderá
evitar que a modificação na estrutura das inversões afete adversamente o ritmo
de crescimento da economia.”
186.
Veja-se capítulo 18.
189.
Em 1955, o produto nacional bruto alcançou 673 bilhões de cruzeiros (veja-se Revista
Brasileira de Economia, cit., p. 31), e o valor das importações — incluídos
os ágios — foi de 60 bilhões, Anuário estatístico do Brasil, 1956, p.
237.
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