Editora: Zahar
ISBN: 978-65-5979-000-5
Tradução: Plínio
Dentzien
Opinião: ★★★★★
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Páginas: 280
Sinopse: Zygmunt
Bauman cumpre aqui sua missão de sociólogo, esclarecendo como se deu a transição
da modernidade e nos auxiliando a repensar os conceitos e esquemas cognitivos usados
para descrever a experiência individual humana e sua história conjunta.
É a essa tarefa que se dedica este livro. Analisando cinco
conceitos básicos que organizam a vida em sociedade ― emancipação, individualidade,
tempo/espaço, trabalho e comunidade ―, Bauman traça suas sucessivas formas e mudanças
de significado.
Modernidade líquida complementa e conclui a análise realizada pelo autor em Globalização:
As consequências humanas e Em busca da política. Juntos, esses três volumes
formam uma análise brilhante das condições cambiantes da vida social e política.
“Esse
estágio na carreira da modernidade foi bem descrito por Claus Offe (em “A
utopia da opção zero”, publicado originalmente em 1987 em Praxis
international): as sociedades “complexas se tornaram rígidas a tal ponto
que a própria tentativa de refletir normativamente sobre elas ou de renovar sua
‘ordem’, isto é, a natureza da coordenação dos processos que nelas têm lugar, é
virtualmente impedida por força de sua própria futilidade, donde sua
inadequação essencial”. Por mais livres e voláteis que sejam os “subsistemas”
dessa ordem, isoladamente ou em conjunto, o modo como são entretecidos é
“rígido, fatal e desprovido de qualquer liberdade de escolha”. A ordem das
coisas como um todo não está aberta a opções; está longe de ser claro quais
poderiam ser essas opções, e ainda menos claro como uma opção ostensivamente
viável poderia ser real no caso pouco provável de a vida social ser capaz de
concebê-la e gestá-la. Entre a ordem como um todo e cada uma das agências,
veículos e estratagemas da ação proposital há uma clivagem — uma brecha que se
amplia perpetuamente, sem ponte à vista.
Ao
contrário da maioria dos cenários distópicos, este efeito não foi alcançado via
ditadura, subordinação, opressão ou escravização; nem através da “colonização”
da esfera privada pelo “sistema”. Ao contrário: a situação presente emergiu do
derretimento radical dos grilhões e das algemas que, certo ou errado, eram
suspeitos de limitar a liberdade individual de escolher e de agir. A rigidez
da ordem é o artefato e o sedimento da liberdade dos agentes humanos. Essa
rigidez é o resultado de “soltar o freio”: da desregulamentação, da
liberalização, da “flexibilização”, da “fluidez” crescente, do descontrole dos
mercados financeiro, imobiliário e de trabalho, tornando mais leve o peso dos
impostos etc. (como Offe observou em “Amarras, algemas, grades”, publicado
originalmente em 1987); ou (para citar Richard Senett em Flesh and Stone)
das técnicas de “velocidade, fuga, passividade” — em outras palavras, técnicas
que permitem que o sistema e os agentes livres se mantenham radicalmente
desengajados e que se desencontrem em vez de encontrar-se. Se o tempo das
revoluções sistêmicas passou, é porque não há edifícios que alojem as mesas de
controle do sistema, que poderiam ser atacados e capturados pelos
revolucionários; e também porque é terrivelmente difícil, para não dizer
impossível, imaginar o que os vencedores, uma vez dentro dos edifícios (se os
tivessem achado), poderiam fazer para virar a mesa e pôr fim à miséria que os
levou à rebelião. Ninguém ficaria surpreso ou intrigado pela evidente escassez
de pessoas que se disporiam a ser revolucionários: do tipo de pessoas que
articulam o desejo de mudar seus planos individuais como projeto para mudar a
ordem da sociedade.”
“O
que está acontecendo hoje é, por assim dizer, uma redistribuição e realocação
dos “poderes de derretimento” da modernidade. Primeiro, eles afetaram as
instituições existentes, as molduras que circunscreviam o domínio das
ações-escolhas possíveis, como os estamentos hereditários com sua alocação por
atribuição, sem chance de apelação. Configurações, constelações, padrões de
dependência e interação, tudo isso foi posto a derreter no cadinho, para ser
depois novamente moldado e refeito; essa foi a fase de “quebrar a forma” na história
da modernidade inerentemente transgressiva, rompedora de fronteiras e capaz de
tudo desmoronar. Quanto aos indivíduos, porém — eles podem ser desculpados por
ter deixado de notá-lo; passaram a ser confrontados por padrões e figurações
que, ainda que “novas e aperfeiçoadas”, eram tão duras e indomáveis como
sempre.
Na
verdade, nenhum molde foi quebrado sem que fosse substituído por outro; as
pessoas foram libertadas de suas velhas gaiolas apenas para ser admoestadas e
censuradas caso não conseguissem se realocar, através de seus próprios esforços
dedicados, contínuos e verdadeiramente infindáveis, nos nichos pré-fabricados
da nova ordem: nas classes, as molduras que (tão intransigentemente como
os estamentos já dissolvidos) encapsulavam a totalidade das condições e
perspectivas de vida e determinavam o âmbito dos projetos e estratégias
realistas de vida. A tarefa dos indivíduos livres era usar sua nova liberdade
para encontrar o nicho apropriado e ali se acomodar e adaptar: seguindo
fielmente as regras e modos de conduta identificados como corretos e
apropriados para aquele lugar.
São esses
padrões, códigos e regras a que podíamos nos conformar, que podíamos selecionar
como pontos estáveis de orientação e pelos quais podíamos nos deixar depois
guiar, que estão cada vez mais em falta. Isso não quer dizer que nossos
contemporâneos sejam guiados tão somente por sua própria imaginação e resolução
e sejam livres para construir seu modo de vida a partir do zero e segundo sua
vontade, ou que não sejam mais dependentes da sociedade para obter as plantas e
os materiais de construção. Mas quer dizer que estamos passando de uma era de
“grupos de referência” predeterminados a uma outra de “comparação universal”,
em que o destino dos trabalhos de autoconstrução individual está endêmica e
incuravelmente subdeterminado, não está dado de antemão, e tende a sofrer
numerosas e profundas mudanças antes que esses trabalhos alcancem seu único fim
genuíno: o fim da vida do indivíduo.
Hoje,
os padrões e configurações não são mais “dados”, e menos ainda “auto-evidentes”
eles são muitos, chocando-se entre si e contradizendo-se em seus comandos
conflitantes, de tal forma que todos e cada um foram desprovidos de boa parte
de seus poderes de coercitivamente compelir e restringir. E eles mudaram de
natureza e foram reclassificados de acordo: como itens no inventário das
tarefas individuais. Em vez de preceder a política-vida e emoldurar seu curso
futuro, eles devem segui-la (derivar dela), para serem formados e
reformados por suas flexões e torções. Os poderes que liquefazem passaram do
“sistema” para a “sociedade”, da “política” para as “políticas da vida” — ou
desceram do nível “macro” para o nível “micro” do convívio social.
A
nossa é, como resultado, uma versão individualizada e privatizada da
modernidade, e o peso da trama dos padrões e a responsabilidade pelo fracasso
caem principalmente sobre os ombros dos indivíduos. Chegou a vez da liquefação
dos padrões de dependência e interação. Eles são agora maleáveis a um ponto que
as gerações passadas não experimentaram e nem poderiam imaginar; mas, como
todos os fluidos, eles não mantêm a forma por muito tempo. Dar-lhes forma é
mais fácil que mantê-los nela. Os sólidos são moldados para sempre. Manter os
fluidos em uma forma requer muita atenção, vigilância constante e esforço
perpétuo — e mesmo assim o sucesso do esforço é tudo menos inevitável.
Seria
imprudente negar, ou mesmo subestimar, a profunda mudança que o advento da
“modernidade fluida” produziu na condição humana. O fato de que a estrutura
sistêmica seja remota e inalcançável, aliado ao estado fluido e não-estruturado
do cenário imediato da política-vida, muda aquela condição de um modo radical e
requer que repensemos os velhos conceitos que costumavam cercar suas
narrativas. Como zumbis, esses conceitos são hoje mortos-vivos. A questão
prática consiste em saber se sua ressurreição, ainda que em nova forma ou
encarnação, é possível; ou — se não for — como fazer com que eles tenham um
enterro decente e eficaz.”
“A
guerra hoje, pode-se dizer (parafraseando a famosa fórmula de Clausewitz),
parece cada vez mais uma “promoção do livre comércio por outros meios”.”
“A
desintegração da rede social, a derrocada das agências efetivas de ação
coletiva, é recebida muitas vezes com grande ansiedade e lamentada como “efeito
colateral” não previsto da nova leveza e fluidez do poder cada vez mais móvel,
escorregadio, evasivo e fugitivo. Mas a desintegração social é tanto uma
condição quanto um resultado da nova técnica do poder, que tem como ferramentas
principais o desengajamento e a arte da fuga. Para que o poder tenha liberdade
de fluir, o mundo deve estar livre de cercas, barreiras, fronteiras
fortificadas e barricadas. Qualquer rede densa de laços sociais, e em
particular uma que esteja territorialmente enraizada, é um obstáculo a ser
eliminado. Os poderes globais se inclinam a desmantelar tais redes em proveito
de sua contínua e crescente fluidez, principal fonte de sua força e garantia de
sua invencibilidade. E são esse derrocar, a fragilidade, o quebradiço, o
imediato dos laços e redes humanos que permitem que esses poderes operem.”
““Libertar-se”
significa literalmente libertar-se de algum tipo de grilhão que obstrui ou
impede os movimentos; começar a sentir-se livre para se mover ou agir.
“Sentir-se livre” significa não experimentar dificuldade, obstáculo,
resistência ou qualquer outro impedimento aos movimentos pretendidos ou
concebíveis. Como observou Arthur Schopenhauer, a “realidade” é criada pelo ato
de querer; é a teimosa indiferença do mundo em relação à minha intenção, a
relutância do mundo em se submeter à minha vontade, que resulta na percepção do
mundo como “real”, constrangedor, limitante e desobediente. Sentir-se livre das
limitações, livre para agir conforme os desejos, significa atingir o equilíbrio
entre os desejos, a imaginação e a capacidade de agir: sentimo-nos livres na medida
em que a imaginação não vai mais longe que nossos desejos e que nem uma nem os
outros ultrapassam nossa capacidade de agir. O equilíbrio pode, portanto, ser
alcançado e mantido de duas maneiras diferentes: ou reduzindo os desejos e/ou a
imaginação, ou ampliando nossa capacidade de ação. Uma vez alcançado o
equilíbrio, e enquanto ele se mantiver, “libertação” é um slogan sem
sentido, pois falta-lhe força motivacional.”
“O
que está errado com a sociedade em que vivemos, disse Cornelius Castoriadis, é
que ela deixou de se questionar. É um tipo de sociedade que não mais reconhece
qualquer alternativa para si mesma e, portanto, sente-se absolvida do dever de
examinar, demonstrar, justificar (e que dirá provar) a validade de suas
suposições tácitas e declaradas.
Isso
não significa, entretanto, que nossa sociedade tenha suprimido (ou venha a
suprimir) o pensamento crítico como tal. Ela não deixou seus membros reticentes
(e menos ainda temerosos) em lhe dar voz. Ao contrário: nossa sociedade — uma
sociedade de “indivíduos livres” — fez da crítica da realidade, da insatisfação
com “o que aí está” e da expressão dessa insatisfação uma parte inevitável e
obrigatória dos afazeres da vida de cada um de seus membros. Como Anthony
Giddens nos lembra, estamos hoje engajados na “política-vida” somos “seres
reflexivos” que olhamos de perto cada movimento que fazemos, que estamos
raramente satisfeitos com seus resultados e sempre prontos a corrigi-los. De
alguma maneira, no entanto, essa reflexão não vai longe o suficiente para
alcançar os complexos mecanismos que conectam nossos movimentos com seus
resultados e os determinam, e menos ainda as condições que mantêm esses
mecanismos em operação. Somos talvez mais “predispostos à crítica”, mais
assertivos e intransigentes em nossas críticas, que nossos ancestrais em sua
vida cotidiana, mas nossa crítica é, por assim dizer, “desdentada”, incapaz de
afetar a agenda estabelecida para nossas escolhas na “política-vida”. A
liberdade sem precedentes que nossa sociedade oferece a seus membros chegou,
como há tempo nos advertia Leo Strauss, e com ela também uma impotência sem
precedentes.”
“A
sociedade que entra no século XXI não é menos “moderna” que a que entrou no
século XX; o máximo que se pode dizer é que ela é moderna de um modo diferente.
O que a faz tão moderna como era mais ou menos há um século é o que distingue a
modernidade de todas as outras formas históricas do convívio humano: a
compulsiva e obsessiva, contínua, irrefreável e sempre incompleta modernização;
a opressiva e inerradicável, insaciável sede de destruição criativa (ou de
criatividade destrutiva, se for o caso: de “limpar o lugar” em nome de um “novo
e aperfeiçoado” projeto; de “desmantelar”, “cortar”, “defasar”, “reunir” ou
“reduzir”, tudo isso em nome da maior capacidade de fazer o mesmo no futuro —
em nome da produtividade ou da competitividade).
Como
assinalava Lessing há muito tempo, no limiar da era moderna fomos emancipados
da crença no ato da criação, da revelação e da condenação eterna. Com essas
crenças fora do caminho, nós, humanos, nos encontramos “por nossa própria
conta” — o que significa que, desde então, não conhecemos mais limites ao
aperfeiçoamento além das limitações de nossos próprios dons herdados ou
adquiridos, de nossos recursos, coragem, vontade e determinação. E o que o
homem faz o homem pode desfazer. Ser moderno passou a significar, como
significa hoje em dia, ser incapaz de parar e ainda menos capaz de ficar
parado. Movemo-nos e continuaremos a nos mover não tanto pelo “adiamento da
satisfação”, como sugeriu Max
Weber, mas por causa da impossibilidade de atingir a satisfação: o
horizonte da satisfação, a linha de chegada do esforço e o momento da autocongratulação
tranquila movem-se rápido demais. A consumação está sempre no futuro, e os objetivos
perdem sua atração e potencial de satisfação no momento de sua realização, se
não antes. Ser moderno significa estar sempre à frente de si mesmo, num Estado
de constante transgressão (nos termos de Nietzsche, não podemos ser Mensch
sem ser, ou pelo menos lutar para ser, Übermensch); também significa ter
uma identidade que só pode existir como projeto não-realizado. A esse respeito,
não há muito que distinga nossa condição da de nossos avós.
Duas
características, no entanto, fazem nossa situação — nossa forma de modernidade
— nova e diferente.
A
primeira é o colapso gradual e o rápido declínio da antiga ilusão moderna: da
crença de que há um fim do caminho em que andamos, um telos alcançável
da mudança histórica, um Estado de perfeição a ser atingido amanhã, no próximo
ano ou no próximo milênio, algum tipo de sociedade boa, de sociedade justa e
sem conflitos em todos ou alguns de seus aspectos postulados: do firme
equilíbrio entre oferta e procura e a satisfação de todas as necessidades; da
ordem perfeita, em que tudo é colocado no lugar certo, nada que esteja
deslocado persiste e nenhum lugar é posto em dúvida; das coisas humanas que se
tornam totalmente transparentes porque se sabe tudo o que deve ser sabido; do
completo domínio sobre o futuro — tão completo que põe fim a toda contingência,
disputa, ambivalência e consequências imprevistas das iniciativas humanas.
A segunda mudança é a desregulamentação e a
privatização das tarefas e deveres modernizantes. O que costumava ser
considerado uma tarefa para a razão humana, vista como dotação e propriedade
coletiva da espécie humana, foi fragmentado (“individualizado”), atribuído às
vísceras e energia individuais e deixado à administração dos indivíduos e seus
recursos. Ainda que a ideia de aperfeiçoamento (ou de toda modernização
adicional do status quo) pela ação legislativa da sociedade como um todo
não tenha sido completamente abandonada, a ênfase (juntamente, o que é
importante, com o peso da responsabilidade) se transladou decisivamente para a
autoafirmação do indivíduo. Essa importante alteração se reflete na realocação
do discurso ético/político do quadro da “sociedade justa” para o dos “direitos
humanos”, isto é, voltando o foco daquele discurso ao direito de os indivíduos
permanecerem diferentes e de escolherem à vontade seus próprios modelos de
felicidade e de modo de vida adequado.
As
esperanças de aperfeiçoamento, em vez de convergir para grandes somas nos
cofres do governo, procuram o troco nos bolsos dos contribuintes. Se a
modernidade original era pesada no alto, a modernidade de hoje é leve no alto,
tendo se livrado de seus deveres “emancipatórios”, exceto o dever de ceder a
questão da emancipação às camadas média e inferior, às quais foi relegada a
maior parte do peso da modernização contínua. “Não mais a salvação pela
sociedade”, proclamou o apóstolo do novo espírito da empresa, Peter Drucker.
“Não existe essa coisa de sociedade”, declarou Margaret Thatcher, mais
ostensivamente. Não olhe para trás, ou para cima; olhe para dentro de você
mesmo, onde supostamente residem todas as ferramentas necessárias ao
aperfeiçoamento da vida — sua astúcia, vontade e poder.
E
não há mais “o Grande Irmão à espreita” sua tarefa agora é observar as fileiras
crescentes de Grandes Irmãos e Grandes Irmãs e observá-las atenta e avidamente,
na esperança de encontrar algo de útil para você mesmo: um exemplo a imitar ou
uma palavra de conselho sobre como lidar com seus problemas, que, como os
deles, devem ser enfrentados individualmente e só podem ser enfrentados individualmente.
Não mais grandes líderes para lhe dizer o que fazer e para aliviá-lo da
responsabilidade pela consequência de seus atos; no mundo dos indivíduos há
apenas outros indivíduos cujo exemplo seguir na condução das tarefas da própria
vida, assumindo toda a responsabilidade pelas consequências de ter investido a
confiança nesse e não em qualquer outro exemplo.”
“Resumidamente,
a “individualização” consiste em transformar a “identidade” humana de um “dado”
em uma “tarefa” e encarregar os atores da responsabilidade de realizar essa
tarefa e das consequências (assim como dos efeitos colaterais) de sua
realização. Em outras palavras, consiste no estabelecimento de uma autonomia de
jure (independentemente de a autonomia de facto também ter sido
estabelecida).
Os
seres humanos não mais “nascem” em suas identidades. Como disse Jean-Paul
Sartre em frase célebre: não basta ter nascido burguês — é preciso viver a vida
como burguês. (Note-se que o mesmo não precisaria ser nem poderia ser dito
sobre príncipes, cavaleiros ou servos da era pré-moderna; nem poderia ser dito
de modo tão resoluto dos ricos nem dos pobres de berço dos tempos modernos).
Precisar tornar-se o que já se é é a característica da vida
moderna — e só da vida moderna (não da “individualização moderna”, a expressão
sendo evidentemente pleonástica; falar da individualização e da modernidade é
falar de uma e da mesma condição social). A modernidade substitui a
determinação heterônoma da posição social pela autodeterminação compulsiva e
obrigatória. Isso vale para a “individualização” por toda a era moderna — para
todos os períodos e todos os setores da sociedade. No entanto, dentro daquela
condição compartilhada há variações significativas, que distinguem gerações
sucessivas e também as várias categorias de atores que compartilham o mesmo
cenário histórico.”
“Não
se engane: agora, como antes — tanto no estágio leve e fluido da modernidade
quanto no sólido e pesado —, a individualização é uma fatalidade, não uma
escolha. Na terra da liberdade individual de escolher, a opção de escapar à
individualização e de se recusar a participar do jogo da individualização está
decididamente fora da jogada. A autocontenção e a autossuficiência do indivíduo
podem ser outra ilusão: que homens e mulheres não tenham nada a que culpar por
suas frustrações e problemas não precisa agora significar, não mais que no
passado, que possam se proteger contra a frustração utilizando suas próprias
estratégias, ou que escapem de seus problemas puxando-se, como o Barão de
Munchausen, pelas próprias botas. E, no entanto, se ficam doentes, supõe-se que
foi porque não foram suficientemente decididos e industriosos para seguir seus
tratamentos; se ficam desempregados, foi porque não aprenderam a passar por uma
entrevista, ou porque não se esforçaram o suficiente para encontrar trabalho ou
porque são, pura e simplesmente, avessos ao trabalho; se não estão seguros
sobre as perspectivas de carreira e se agoniam sobre o futuro, é porque não são
suficientemente bons em fazer amigos e influenciar pessoas e deixaram de
aprender e dominar, como deveriam, as artes da autoexpressão e da impressão que
causam. Isto é, em todo caso, o que lhes é dito hoje, e aquilo em que passaram
a acreditar, de modo que agora se comportam como se essa fosse a verdade. Como
Beck adequada e pungentemente diz, “a maneira como se vive torna-se uma solução
biográfica das contradições sistêmicas”.10 Riscos
e contradições continuam a ser socialmente produzidos; são apenas o dever e a
necessidade de enfrentá-los que estão sendo individualizados.”
10. Beck, Risk Society, p.137.
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