quinta-feira, 15 de dezembro de 2022

Modernidade Líquida (Parte I), de Zygmunt Bauman

Editora: Zahar

ISBN: 978-65-5979-000-5

Tradução: Plínio Dentzien

Opinião: ★★★★★

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Páginas: 280

Sinopse: Zygmunt Bauman cumpre aqui sua missão de sociólogo, esclarecendo como se deu a transição da modernidade e nos auxiliando a repensar os conceitos e esquemas cognitivos usados para descrever a experiência individual humana e sua história conjunta.

É a essa tarefa que se dedica este livro. Analisando cinco conceitos básicos que organizam a vida em sociedade ― emancipação, individualidade, tempo/espaço, trabalho e comunidade ―, Bauman traça suas sucessivas formas e mudanças de significado.

Modernidade líquida complementa e conclui a análise realizada pelo autor em Globalização: As consequências humanas e Em busca da política. Juntos, esses três volumes formam uma análise brilhante das condições cambiantes da vida social e política.


 

“Esse estágio na carreira da modernidade foi bem descrito por Claus Offe (em “A utopia da opção zero”, publicado originalmente em 1987 em Praxis international): as sociedades “complexas se tornaram rígidas a tal ponto que a própria tentativa de refletir normativamente sobre elas ou de renovar sua ‘ordem’, isto é, a natureza da coordenação dos processos que nelas têm lugar, é virtualmente impedida por força de sua própria futilidade, donde sua inadequação essencial”. Por mais livres e voláteis que sejam os “subsistemas” dessa ordem, isoladamente ou em conjunto, o modo como são entretecidos é “rígido, fatal e desprovido de qualquer liberdade de escolha”. A ordem das coisas como um todo não está aberta a opções; está longe de ser claro quais poderiam ser essas opções, e ainda menos claro como uma opção ostensivamente viável poderia ser real no caso pouco provável de a vida social ser capaz de concebê-la e gestá-la. Entre a ordem como um todo e cada uma das agências, veículos e estratagemas da ação proposital há uma clivagem — uma brecha que se amplia perpetuamente, sem ponte à vista.

Ao contrário da maioria dos cenários distópicos, este efeito não foi alcançado via ditadura, subordinação, opressão ou escravização; nem através da “colonização” da esfera privada pelo “sistema”. Ao contrário: a situação presente emergiu do derretimento radical dos grilhões e das algemas que, certo ou errado, eram suspeitos de limitar a liberdade individual de escolher e de agir. A rigidez da ordem é o artefato e o sedimento da liberdade dos agentes humanos. Essa rigidez é o resultado de “soltar o freio”: da desregulamentação, da liberalização, da “flexibilização”, da “fluidez” crescente, do descontrole dos mercados financeiro, imobiliário e de trabalho, tornando mais leve o peso dos impostos etc. (como Offe observou em “Amarras, algemas, grades”, publicado originalmente em 1987); ou (para citar Richard Senett em Flesh and Stone) das técnicas de “velocidade, fuga, passividade” — em outras palavras, técnicas que permitem que o sistema e os agentes livres se mantenham radicalmente desengajados e que se desencontrem em vez de encontrar-se. Se o tempo das revoluções sistêmicas passou, é porque não há edifícios que alojem as mesas de controle do sistema, que poderiam ser atacados e capturados pelos revolucionários; e também porque é terrivelmente difícil, para não dizer impossível, imaginar o que os vencedores, uma vez dentro dos edifícios (se os tivessem achado), poderiam fazer para virar a mesa e pôr fim à miséria que os levou à rebelião. Ninguém ficaria surpreso ou intrigado pela evidente escassez de pessoas que se disporiam a ser revolucionários: do tipo de pessoas que articulam o desejo de mudar seus planos individuais como projeto para mudar a ordem da sociedade.”

 

 

“O que está acontecendo hoje é, por assim dizer, uma redistribuição e realocação dos “poderes de derretimento” da modernidade. Primeiro, eles afetaram as instituições existentes, as molduras que circunscreviam o domínio das ações-escolhas possíveis, como os estamentos hereditários com sua alocação por atribuição, sem chance de apelação. Configurações, constelações, padrões de dependência e interação, tudo isso foi posto a derreter no cadinho, para ser depois novamente moldado e refeito; essa foi a fase de “quebrar a forma” na história da modernidade inerentemente transgressiva, rompedora de fronteiras e capaz de tudo desmoronar. Quanto aos indivíduos, porém — eles podem ser desculpados por ter deixado de notá-lo; passaram a ser confrontados por padrões e figurações que, ainda que “novas e aperfeiçoadas”, eram tão duras e indomáveis como sempre.

Na verdade, nenhum molde foi quebrado sem que fosse substituído por outro; as pessoas foram libertadas de suas velhas gaiolas apenas para ser admoestadas e censuradas caso não conseguissem se realocar, através de seus próprios esforços dedicados, contínuos e verdadeiramente infindáveis, nos nichos pré-fabricados da nova ordem: nas classes, as molduras que (tão intransigentemente como os estamentos já dissolvidos) encapsulavam a totalidade das condições e perspectivas de vida e determinavam o âmbito dos projetos e estratégias realistas de vida. A tarefa dos indivíduos livres era usar sua nova liberdade para encontrar o nicho apropriado e ali se acomodar e adaptar: seguindo fielmente as regras e modos de conduta identificados como corretos e apropriados para aquele lugar.

 São esses padrões, códigos e regras a que podíamos nos conformar, que podíamos selecionar como pontos estáveis de orientação e pelos quais podíamos nos deixar depois guiar, que estão cada vez mais em falta. Isso não quer dizer que nossos contemporâneos sejam guiados tão somente por sua própria imaginação e resolução e sejam livres para construir seu modo de vida a partir do zero e segundo sua vontade, ou que não sejam mais dependentes da sociedade para obter as plantas e os materiais de construção. Mas quer dizer que estamos passando de uma era de “grupos de referência” predeterminados a uma outra de “comparação universal”, em que o destino dos trabalhos de autoconstrução individual está endêmica e incuravelmente subdeterminado, não está dado de antemão, e tende a sofrer numerosas e profundas mudanças antes que esses trabalhos alcancem seu único fim genuíno: o fim da vida do indivíduo.

Hoje, os padrões e configurações não são mais “dados”, e menos ainda “auto-evidentes” eles são muitos, chocando-se entre si e contradizendo-se em seus comandos conflitantes, de tal forma que todos e cada um foram desprovidos de boa parte de seus poderes de coercitivamente compelir e restringir. E eles mudaram de natureza e foram reclassificados de acordo: como itens no inventário das tarefas individuais. Em vez de preceder a política-vida e emoldurar seu curso futuro, eles devem segui-la (derivar dela), para serem formados e reformados por suas flexões e torções. Os poderes que liquefazem passaram do “sistema” para a “sociedade”, da “política” para as “políticas da vida” — ou desceram do nível “macro” para o nível “micro” do convívio social.

A nossa é, como resultado, uma versão individualizada e privatizada da modernidade, e o peso da trama dos padrões e a responsabilidade pelo fracasso caem principalmente sobre os ombros dos indivíduos. Chegou a vez da liquefação dos padrões de dependência e interação. Eles são agora maleáveis a um ponto que as gerações passadas não experimentaram e nem poderiam imaginar; mas, como todos os fluidos, eles não mantêm a forma por muito tempo. Dar-lhes forma é mais fácil que mantê-los nela. Os sólidos são moldados para sempre. Manter os fluidos em uma forma requer muita atenção, vigilância constante e esforço perpétuo — e mesmo assim o sucesso do esforço é tudo menos inevitável.

Seria imprudente negar, ou mesmo subestimar, a profunda mudança que o advento da “modernidade fluida” produziu na condição humana. O fato de que a estrutura sistêmica seja remota e inalcançável, aliado ao estado fluido e não-estruturado do cenário imediato da política-vida, muda aquela condição de um modo radical e requer que repensemos os velhos conceitos que costumavam cercar suas narrativas. Como zumbis, esses conceitos são hoje mortos-vivos. A questão prática consiste em saber se sua ressurreição, ainda que em nova forma ou encarnação, é possível; ou — se não for — como fazer com que eles tenham um enterro decente e eficaz.”

 

 

“A guerra hoje, pode-se dizer (parafraseando a famosa fórmula de Clausewitz), parece cada vez mais uma “promoção do livre comércio por outros meios”.”

 

 

“A desintegração da rede social, a derrocada das agências efetivas de ação coletiva, é recebida muitas vezes com grande ansiedade e lamentada como “efeito colateral” não previsto da nova leveza e fluidez do poder cada vez mais móvel, escorregadio, evasivo e fugitivo. Mas a desintegração social é tanto uma condição quanto um resultado da nova técnica do poder, que tem como ferramentas principais o desengajamento e a arte da fuga. Para que o poder tenha liberdade de fluir, o mundo deve estar livre de cercas, barreiras, fronteiras fortificadas e barricadas. Qualquer rede densa de laços sociais, e em particular uma que esteja territorialmente enraizada, é um obstáculo a ser eliminado. Os poderes globais se inclinam a desmantelar tais redes em proveito de sua contínua e crescente fluidez, principal fonte de sua força e garantia de sua invencibilidade. E são esse derrocar, a fragilidade, o quebradiço, o imediato dos laços e redes humanos que permitem que esses poderes operem.”

 

 

““Libertar-se” significa literalmente libertar-se de algum tipo de grilhão que obstrui ou impede os movimentos; começar a sentir-se livre para se mover ou agir. “Sentir-se livre” significa não experimentar dificuldade, obstáculo, resistência ou qualquer outro impedimento aos movimentos pretendidos ou concebíveis. Como observou Arthur Schopenhauer, a “realidade” é criada pelo ato de querer; é a teimosa indiferença do mundo em relação à minha intenção, a relutância do mundo em se submeter à minha vontade, que resulta na percepção do mundo como “real”, constrangedor, limitante e desobediente. Sentir-se livre das limitações, livre para agir conforme os desejos, significa atingir o equilíbrio entre os desejos, a imaginação e a capacidade de agir: sentimo-nos livres na medida em que a imaginação não vai mais longe que nossos desejos e que nem uma nem os outros ultrapassam nossa capacidade de agir. O equilíbrio pode, portanto, ser alcançado e mantido de duas maneiras diferentes: ou reduzindo os desejos e/ou a imaginação, ou ampliando nossa capacidade de ação. Uma vez alcançado o equilíbrio, e enquanto ele se mantiver, “libertação” é um slogan sem sentido, pois falta-lhe força motivacional.”

 

 

“O que está errado com a sociedade em que vivemos, disse Cornelius Castoriadis, é que ela deixou de se questionar. É um tipo de sociedade que não mais reconhece qualquer alternativa para si mesma e, portanto, sente-se absolvida do dever de examinar, demonstrar, justificar (e que dirá provar) a validade de suas suposições tácitas e declaradas.

Isso não significa, entretanto, que nossa sociedade tenha suprimido (ou venha a suprimir) o pensamento crítico como tal. Ela não deixou seus membros reticentes (e menos ainda temerosos) em lhe dar voz. Ao contrário: nossa sociedade — uma sociedade de “indivíduos livres” — fez da crítica da realidade, da insatisfação com “o que aí está” e da expressão dessa insatisfação uma parte inevitável e obrigatória dos afazeres da vida de cada um de seus membros. Como Anthony Giddens nos lembra, estamos hoje engajados na “política-vida” somos “seres reflexivos” que olhamos de perto cada movimento que fazemos, que estamos raramente satisfeitos com seus resultados e sempre prontos a corrigi-los. De alguma maneira, no entanto, essa reflexão não vai longe o suficiente para alcançar os complexos mecanismos que conectam nossos movimentos com seus resultados e os determinam, e menos ainda as condições que mantêm esses mecanismos em operação. Somos talvez mais “predispostos à crítica”, mais assertivos e intransigentes em nossas críticas, que nossos ancestrais em sua vida cotidiana, mas nossa crítica é, por assim dizer, “desdentada”, incapaz de afetar a agenda estabelecida para nossas escolhas na “política-vida”. A liberdade sem precedentes que nossa sociedade oferece a seus membros chegou, como há tempo nos advertia Leo Strauss, e com ela também uma impotência sem precedentes.”

 

 

“A sociedade que entra no século XXI não é menos “moderna” que a que entrou no século XX; o máximo que se pode dizer é que ela é moderna de um modo diferente. O que a faz tão moderna como era mais ou menos há um século é o que distingue a modernidade de todas as outras formas históricas do convívio humano: a compulsiva e obsessiva, contínua, irrefreável e sempre incompleta modernização; a opressiva e inerradicável, insaciável sede de destruição criativa (ou de criatividade destrutiva, se for o caso: de “limpar o lugar” em nome de um “novo e aperfeiçoado” projeto; de “desmantelar”, “cortar”, “defasar”, “reunir” ou “reduzir”, tudo isso em nome da maior capacidade de fazer o mesmo no futuro — em nome da produtividade ou da competitividade).

Como assinalava Lessing há muito tempo, no limiar da era moderna fomos emancipados da crença no ato da criação, da revelação e da condenação eterna. Com essas crenças fora do caminho, nós, humanos, nos encontramos “por nossa própria conta” — o que significa que, desde então, não conhecemos mais limites ao aperfeiçoamento além das limitações de nossos próprios dons herdados ou adquiridos, de nossos recursos, coragem, vontade e determinação. E o que o homem faz o homem pode desfazer. Ser moderno passou a significar, como significa hoje em dia, ser incapaz de parar e ainda menos capaz de ficar parado. Movemo-nos e continuaremos a nos mover não tanto pelo “adiamento da satisfação”, como sugeriu Max Weber, mas por causa da impossibilidade de atingir a satisfação: o horizonte da satisfação, a linha de chegada do esforço e o momento da autocongratulação tranquila movem-se rápido demais. A consumação está sempre no futuro, e os objetivos perdem sua atração e potencial de satisfação no momento de sua realização, se não antes. Ser moderno significa estar sempre à frente de si mesmo, num Estado de constante transgressão (nos termos de Nietzsche, não podemos ser Mensch sem ser, ou pelo menos lutar para ser, Übermensch); também significa ter uma identidade que só pode existir como projeto não-realizado. A esse respeito, não há muito que distinga nossa condição da de nossos avós.

Duas características, no entanto, fazem nossa situação — nossa forma de modernidade — nova e diferente.

A primeira é o colapso gradual e o rápido declínio da antiga ilusão moderna: da crença de que há um fim do caminho em que andamos, um telos alcançável da mudança histórica, um Estado de perfeição a ser atingido amanhã, no próximo ano ou no próximo milênio, algum tipo de sociedade boa, de sociedade justa e sem conflitos em todos ou alguns de seus aspectos postulados: do firme equilíbrio entre oferta e procura e a satisfação de todas as necessidades; da ordem perfeita, em que tudo é colocado no lugar certo, nada que esteja deslocado persiste e nenhum lugar é posto em dúvida; das coisas humanas que se tornam totalmente transparentes porque se sabe tudo o que deve ser sabido; do completo domínio sobre o futuro — tão completo que põe fim a toda contingência, disputa, ambivalência e consequências imprevistas das iniciativas humanas.

A segunda mudança é a desregulamentação e a privatização das tarefas e deveres modernizantes. O que costumava ser considerado uma tarefa para a razão humana, vista como dotação e propriedade coletiva da espécie humana, foi fragmentado (“individualizado”), atribuído às vísceras e energia individuais e deixado à administração dos indivíduos e seus recursos. Ainda que a ideia de aperfeiçoamento (ou de toda modernização adicional do status quo) pela ação legislativa da sociedade como um todo não tenha sido completamente abandonada, a ênfase (juntamente, o que é importante, com o peso da responsabilidade) se transladou decisivamente para a autoafirmação do indivíduo. Essa importante alteração se reflete na realocação do discurso ético/político do quadro da “sociedade justa” para o dos “direitos humanos”, isto é, voltando o foco daquele discurso ao direito de os indivíduos permanecerem diferentes e de escolherem à vontade seus próprios modelos de felicidade e de modo de vida adequado.

As esperanças de aperfeiçoamento, em vez de convergir para grandes somas nos cofres do governo, procuram o troco nos bolsos dos contribuintes. Se a modernidade original era pesada no alto, a modernidade de hoje é leve no alto, tendo se livrado de seus deveres “emancipatórios”, exceto o dever de ceder a questão da emancipação às camadas média e inferior, às quais foi relegada a maior parte do peso da modernização contínua. “Não mais a salvação pela sociedade”, proclamou o apóstolo do novo espírito da empresa, Peter Drucker. “Não existe essa coisa de sociedade”, declarou Margaret Thatcher, mais ostensivamente. Não olhe para trás, ou para cima; olhe para dentro de você mesmo, onde supostamente residem todas as ferramentas necessárias ao aperfeiçoamento da vida — sua astúcia, vontade e poder.

E não há mais “o Grande Irmão à espreita” sua tarefa agora é observar as fileiras crescentes de Grandes Irmãos e Grandes Irmãs e observá-las atenta e avidamente, na esperança de encontrar algo de útil para você mesmo: um exemplo a imitar ou uma palavra de conselho sobre como lidar com seus problemas, que, como os deles, devem ser enfrentados individualmente e só podem ser enfrentados individualmente. Não mais grandes líderes para lhe dizer o que fazer e para aliviá-lo da responsabilidade pela consequência de seus atos; no mundo dos indivíduos há apenas outros indivíduos cujo exemplo seguir na condução das tarefas da própria vida, assumindo toda a responsabilidade pelas consequências de ter investido a confiança nesse e não em qualquer outro exemplo.”

 

 

“Resumidamente, a “individualização” consiste em transformar a “identidade” humana de um “dado” em uma “tarefa” e encarregar os atores da responsabilidade de realizar essa tarefa e das consequências (assim como dos efeitos colaterais) de sua realização. Em outras palavras, consiste no estabelecimento de uma autonomia de jure (independentemente de a autonomia de facto também ter sido estabelecida).

Os seres humanos não mais “nascem” em suas identidades. Como disse Jean-Paul Sartre em frase célebre: não basta ter nascido burguês — é preciso viver a vida como burguês. (Note-se que o mesmo não precisaria ser nem poderia ser dito sobre príncipes, cavaleiros ou servos da era pré-moderna; nem poderia ser dito de modo tão resoluto dos ricos nem dos pobres de berço dos tempos modernos). Precisar tornar-se o que já se é é a característica da vida moderna — e só da vida moderna (não da “individualização moderna”, a expressão sendo evidentemente pleonástica; falar da individualização e da modernidade é falar de uma e da mesma condição social). A modernidade substitui a determinação heterônoma da posição social pela autodeterminação compulsiva e obrigatória. Isso vale para a “individualização” por toda a era moderna — para todos os períodos e todos os setores da sociedade. No entanto, dentro daquela condição compartilhada há variações significativas, que distinguem gerações sucessivas e também as várias categorias de atores que compartilham o mesmo cenário histórico.”

 

 

“Não se engane: agora, como antes — tanto no estágio leve e fluido da modernidade quanto no sólido e pesado —, a individualização é uma fatalidade, não uma escolha. Na terra da liberdade individual de escolher, a opção de escapar à individualização e de se recusar a participar do jogo da individualização está decididamente fora da jogada. A autocontenção e a autossuficiência do indivíduo podem ser outra ilusão: que homens e mulheres não tenham nada a que culpar por suas frustrações e problemas não precisa agora significar, não mais que no passado, que possam se proteger contra a frustração utilizando suas próprias estratégias, ou que escapem de seus problemas puxando-se, como o Barão de Munchausen, pelas próprias botas. E, no entanto, se ficam doentes, supõe-se que foi porque não foram suficientemente decididos e industriosos para seguir seus tratamentos; se ficam desempregados, foi porque não aprenderam a passar por uma entrevista, ou porque não se esforçaram o suficiente para encontrar trabalho ou porque são, pura e simplesmente, avessos ao trabalho; se não estão seguros sobre as perspectivas de carreira e se agoniam sobre o futuro, é porque não são suficientemente bons em fazer amigos e influenciar pessoas e deixaram de aprender e dominar, como deveriam, as artes da autoexpressão e da impressão que causam. Isto é, em todo caso, o que lhes é dito hoje, e aquilo em que passaram a acreditar, de modo que agora se comportam como se essa fosse a verdade. Como Beck adequada e pungentemente diz, “a maneira como se vive torna-se uma solução biográfica das contradições sistêmicas”.10 Riscos e contradições continuam a ser socialmente produzidos; são apenas o dever e a necessidade de enfrentá-los que estão sendo individualizados.”

10. Beck, Risk Society, p.137.

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