segunda-feira, 13 de junho de 2016

Da Guerra, de Carl von Clausewitz

Editora: Martins Fontes

ISBN: 978-85-7827-211-1

Tradução: Luiz Carlos Nascimento e Silva do Valle

Ensaios explicativos: Peter Paret, Michael Howard e Bernard Brodie

Opinião: ★★★★☆

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Páginas: 1040

Sinopse: Neste livro o general prussiano Carl von Clausewitz apresenta o seu tratado de arte militar publicado em 1832-1837, após sua morte.

Clausewitz se mostra um fervoroso defensor da concepção que colocava os valores morais bem acima das forças materiais. Para ele, os meios materiais têm sua importância durante um conflito armado, mas não são decisivos porque a guerra não pode ser considerada como um episódio isolado na história, uma vez que ela está estreitamente ligada à consciência do povo.


 

“A guerra é, portanto, um ato de força para obrigar o nosso inimigo a fazer a nossa vontade.”

 

 

“A guerra é uma atividade tão perigosa que os erros advindos da bondade são os piores. O uso máximo da força não é de maneira alguma compatível com o emprego simultâneo da inteligência. Se um dos lados utiliza a força sem remorso, sem deter-se devido ao derramamento de sangue que ela acarreta, enquanto que o outro se abstém de utilizá-la, o primeiro estará em vantagem. Aquele lado forçará o outro a fazer o mesmo que ele. Cada um deles levará o seu oponente ao extremo e os únicos fatores limitadores serão os contrapesos inerentes à guerra.”

 

 

“A incapacidade de continuar lutando pode, na prática, ser substituída por dois outros motivos para fazer a paz: o primeiro é a improbabilidade da vitória; o segundo é o seu custo inaceitável. (...)

Nem todas as guerras precisam ser travadas até que um dos lados seja aniquilado. Quando os motivos e as tensões geradas pela guerra forem frágeis, podemos imaginar que a menor perspectiva de derrota pode ser suficiente para fazer com que um dos lados se renda. Se desde o início o outro lado sentir que isto é provável, ele obviamente se concentrará em provocar esta probabilidade, em vez de adotar o caminho mais longo e derrotar totalmente o inimigo. (...)

Como a guerra não é um ato de paixão sem sentido, mas é controlada pelo seu propósito político, o valor desse propósito pode determinar os sacrifícios a serem realizados para atingi-lo, tanto em sua magnitude como também em sua duração. Quando o dispêndio de esforços ultrapassar o valor do propósito político, este deverá ser abandonado e a paz deverá ser a consequência inevitável.”

 

 

“Do propósito defensivo advém todas as vantagens, todas as formas mais eficazes de combater e nele está expressa a relação dinâmica existente entre o tamanho do êxito e a probabilidade dele ser obtido.”

 

 

“Muitos caminhos levam ao êxito na guerra, e nem todos eles envolvem a derrota total do oponente. Eles podem ir da destruição das forças do inimigo, passando pela conquista do seu território, por uma ocupação temporária ou uma invasão, por projetos com um propósito político imediato, até finalmente esperar passivamente os ataques do inimigo. Qualquer um destes pode ser utilizado para sobrepujar a determinação do inimigo. A escolha dependerá das circunstâncias.”

 

 

“A vantagem que a destruição do inimigo possui sobre todos os outros meios é contrabalançada pelo seu custo e pelo perigo que oferece, e é apenas para evitar estes riscos que são adotadas outras políticas.

É compreensível que o método de destruição não pode deixar de ser dispendioso. Considerando que as outras coisas sejam iguais, quanto mais decididos estivermos a derrotar as forças do inimigo, maiores terão que ser os nossos próprios esforços.

O perigo deste método é que quanto maior for o êxito que procurarmos obter, maiores serão os danos se não conseguirmos obtê-lo.

Outros métodos são, portanto, menos dispendiosos se derem certo e menos danosos se falharem.”

 

 

“A guerra é o reino do perigo, portanto a coragem é o primeiro requisito.

A coragem pode ser de dois tipos: a coragem em face de um perigo pessoal e a coragem para aceitar responsabilidade, seja perante o tribunal de algum poder externo ou perante a corte da sua própria consciência.”

 

 

“A guerra é o domínio da incerteza, é o reino do acaso.”

 

 

“Enquanto uma unidade lutar satisfeita, com ânimo e arrebatamento, raramente será necessária uma grande força de vontade, mas logo que as condições tornam-se difíceis, como devem ficar quando há muitas coisas em jogo, as coisas não funcionam mais como uma máquina bem lubrificada. A própria máquina começa a resistir e o comandante precisa ter uma tremenda força de vontade para superar essa resistência. A resistência da máquina não precisa consistir em desobediência e em discussão, embora muitas vezes isto ocorra em soldados isolados. É o impacto da queda do moral e da resistência física, do espetáculo dos mortos e feridos, de partir o coração, que o comandante tem que suportar – primeiro sobre ele próprio, e depois sobre todos aqueles que, direta ou indiretamente, depositaram nele os seus pensamentos e sentimentos, esperanças e temores. Na medida em que a resistência de cada homem chega ao fim, na medida em que ela não obedece mais à sua vontade, a inércia do conjunto gradualmente passa a recair somente sobre a determinação do comandante. O fervor da sua fibra deve reacender a chama da determinação em todos os outros. O seu fogo interior deve reavivar a esperança deles. Somente na medida em que ele puder fazer isto é que poderá manter a sua autoridade sobre os seus homens e manter o controle da situação. Uma vez perdida aquela autoridade, uma vez que a sua própria coragem não puder mais fazer renascer a dos seus homens, a massa o arrastará para o mundo animalesco onde o perigo é evitado e a vergonha desconhecida. Estes são os fardos que a coragem e a força de vontade do comandante têm que superar na batalha, se ele esperar alcançar um êxito extraordinário. Os fardos aumentam proporcionalmente ao número de homens sob seu comando e, portanto, quanto mais elevada for a sua posição maior será a força de caráter de que ele precisa para suportar a carga que aumenta.”

 

 

“Com a sua grande quantidade de impressões vigorosas e as dúvidas que caracterizam todas as informações e opiniões, não existe atividade como a guerra para despojar os homens da confiança que têm em si mesmos e em outros, e desviá-los da sua linha de ação original.

Na presença terrível do sofrimento e do perigo, a emoção pode facilmente dominar a convicção intelectual e, nesta névoa psicológica é tão difícil formar ideias claras e completas que as mudanças de opinião tornam-se mais compreensíveis e desculpáveis. Uma ação nunca pode basear-se em nada mais firme do que o instinto, uma percepção da verdade. Consequentemente, em nenhum lugar as diferenças de opinião são tão intensas como na guerra e novas opiniões nunca cessam de destruir as nossas convicções. Nenhum grau de calma pode proporcionar uma proteção suficiente. As novas impressões são demasiadamente intensas, vigorosas demais e sempre agridem as emoções, bem como o intelecto. (...)

Na guerra, muitos relatórios de inteligência são contraditórios, outros, em número ainda maior, são falsos e a maioria é precária. O que podemos razoavelmente pedir de um oficial é que ele possua um padrão de julgamento que ele só adquire a partir do conhecimento dos homens, das coisas e do bom senso. Ele deve orientar-se pelas leis da probabilidade. Estas leis são difíceis de aplicar quando os planos são esboçados num escritório, longe da esfera de ação. A tarefa torna-se infinitamente mais árdua no auge do próprio combate, com relatórios chegando em grande quantidade. Em momentos como estes, uma pessoa tem sorte se as suas contradições anularem-se umas às outras e deixarem um tipo de estimativa para ser avaliada de uma maneira crítica. Será muito pior para o novato se o acaso não o ajudar desta maneira e se, ao contrário, um relatório concordar com outro, confirmá-lo, ampliá-lo, der-lhe colorido, até que ele tenha que tomar uma decisão rápida – que é logo percebida como sendo equivocada, bem como que os relatórios eram mentiras, exageros, enganos e assim por diante. Em resumo, a maior parte da inteligência é falsa, e o efeito do medo é multiplicar as mentiras e as imprecisões. De um modo geral os homens preferem acreditar nas más notícias a acreditar nas boas, e certamente tendem a exagerar essas más notícias. Os perigos que são informados podem logo, como as ondas, acalmar-se, mas também como as ondas, continuam surgindo novamente, sem qualquer motivo aparente. O comandante deve confiar na sua capacidade de julgamento e permanecer firme como uma rocha, sobre a qual as ondas quebrem-se em vão. Não é uma coisa fácil de ser feita. Se ele não tiver um temperamento alegre, se a experiência adquirida na guerra não o tiver adestrado e amadurecido o seu discernimento, é melhor que ele adote como regra suprimir as suas convicções pessoais e dar às suas esperanças, e não aos seus temores, o benefício da dúvida. Somente assim ele poderá manter um equilíbrio adequado.”

 

 

“Raramente as guerras modernas têm sido travadas sem que haja ódio entre nações. Isto serve mais ou menos como um substituto para o ódio entre indivíduos. Mesmo quando no início não existe qualquer ódio, nem qualquer animosidade nacional, o próprio combate despertará sentimentos hostis: a violência cometida por ordem superior despertará o desejo de vingança e de retaliação contra aquele que a cometeu, e não contra os poderes que determinaram a ação. Isto é apenas humano (ou animal, se você desejar), mas é um fato. Os teóricos são propensos a ver o combate, em tese, como sendo uma prova de força sem que a emoção entre nela. Este é um dos milhares de erros que eles cometem de uma maneira bastante consciente, porque não têm qualquer ideia das implicações.

Fora as emoções estimuladas pela natureza do combate, existem outras que não estão tão intimamente ligadas ao combate, mas devido a certa afinidade, são facilmente associados a ele: ambição, amor ao poder, entusiasmos de todos os tipos e assim por diante.”

 

 

“Pode ser verdade que muitas ações mesquinhas, motivadas pelas emoções, deixem de ser praticadas devido às sérias atividades da guerra, mas isto só é válido para os homens de graduações mais baixas que, sendo lançados de um conjunto de ações vigorosas e perigos para o próximo, perdem de vista as outras coisas da vida, renunciam à falsidade porque a morte não a respeitará, e chegam assim à simplicidade de caráter própria dos soldados, que sempre representou o que os militares têm de melhor. Quanto mais alta for a posição do homem, mais amplo será o seu ponto de vista. Interesses diferentes e uma ampla variedade de paixões, boas e más, surgirão em todos os lados. Inveja e generosidade, orgulho e humildade, ira e compaixão – todas podem surgir como forças efetivas neste grande drama.”

 

 

“As palavras, sendo baratas, são a maneira mais comum de criar falsas impressões.”

 

 

“Em qualquer dos lados, nunca as informações relativas às baixas são precisas, raramente são verdadeiras e, na maioria dos casos, são deliberadamente falsificadas.”

 

 

“A batalha é a solução mais sangrenta.”

 

 

“Devemos estar dispostos, portanto, a elaborar o nosso conceito de guerra como ela deve ser travada, não na base da sua simples definição, mas deixando espaço para todo tipo de questões externas. Devemos levar em consideração a inércia natural, toda a fricção das suas partes, toda a incongruência, imprecisão e timidez do homem e, finalmente, devemos enfrentar o fato de que a guerra e as suas formas decorrem das ideias, emoções e condições predominantes naquele momento – e, para ser totalmente honestos, devemos admitir que foi assim, mesmo quando a guerra assumiu o seu estado absoluto sob o comando de Bonaparte.

Se é assim, devemos admitir que a origem e a forma assumida por uma guerra não são o resultado de qualquer decisão definitiva proveniente da vasta série de circunstâncias envolvidas, mas apenas daqueles aspectos que vieram a ser predominantes. Ocorre que a guerra depende da interação de possibilidades e probabilidades, da sorte e do azar, condições nas quais o raciocínio rigorosamente lógico muitas vezes não desempenha qualquer papel e está sempre apto a ser uma ferramenta intelectual extremamente inadequada e inconveniente. Ocorre, também, que a guerra pode ser uma questão de gradação.

A teoria deve reconhecer tudo isto, mas tem a obrigação de dar prioridade à forma absoluta de guerra e fazer daquela forma um ponto de referência geral, de modo que aquele que desejar aprender a partir da teoria fique acostumado a ter constantemente este ponto em mente, a avaliar todas as suas expectativas e temores através dele e a aproximar-se dele quando puder, ou quando dever.”

 

 

“Para verificar o quanto dos nossos recursos deve ser mobilizado para a guerra, devemos examinar primeiro o nosso propósito político e o do inimigo. Devemos avaliar a força e a situação do Estado oponente. Devemos avaliar a força de caráter e as possibilidades do seu governo e do seu povo, e fazer o mesmo com relação ao nosso. Finalmente, devemos avaliar as simpatias de outros Estados e o efeito que a guerra pode exercer sobre eles. Avaliar estas coisas em todas as suas ramificações e em toda a sua diversidade é simplesmente uma tarefa colossal. Uma avaliação rápida e correta delas exige evidentemente a intuição de um gênio. Dominar toda esta massa complexa de puro exame teórico é obviamente impossível.”

 

 

“Demos uma rápida olhada na história.

Os tártaros semibárbaros, as repúblicas da antiguidade, os lordes feudais e as cidades mercantilistas da Idade Média, os Reis do Século XVIII, os governantes e os povos do Século XIX – todos travaram as guerras à sua maneira, empregando diferentes métodos e procurando atingir diferentes propósitos.

As hordas tártaras buscavam uma nova terra. Organizando-se como uma nação, com mulheres e crianças, tinham uma superioridade numérica sobre qualquer outro exército. O seu propósito era conquistar os seus inimigos ou expulsá-los. Se um elevado grau de civilização pudesse ter sido associado a tais métodos, teriam arrastado tudo que estivesse à sua frente.

As repúblicas da antiguidade, com a exceção de Roma, eram pequenas e os seus exércitos menores ainda, pois os plebeus, a grande quantidade da população, estavam excluídos. Sendo tantas e estando tão perto umas das outras, estas repúblicas descobriram que o equilíbrio que sempre alguma lei da natureza estabelecerá entre as pequenas e desconexas unidades constituiria um obstáculo a empreendimentos de vulto. Elas limitaram portanto as suas guerras a saquear a área rural e a tomar umas poucas cidades para obter um certo grau de influência sobre elas.

Roma foi a única exceção a esta regra, e somente nos seus últimos dias. Com poucos grupos de homens, ela havia travado durante séculos a luta normal contra os seus vizinhos pelo produto dos saques ou por alianças. Ela cresceu, não tanto através das conquistas quanto através das alianças que fez, pois os povos vizinhos gradualmente fundiram-se a ela e foram assimilados por ela numa Roma maior. Foi somente quando este processo havia disseminado o domínio de Roma pelo sul da Itália que ela começou a expandir-se através da verdadeira conquista. Cartago caiu. A Espanha e Gália foram tomadas. A Grécia foi conquistada e o domínio romano foi levado para a Ásia e para o Egito. Naquela época, o poderio militar de Roma era imenso, sem que os seus esforços fossem igualmente grandes. Os seus exércitos eram mantidos através da sua riqueza. Roma não era mais como as repúblicas gregas, nem mesmo era fiel ao seu próprio passado. O seu caso é único.

Tão singulares em sua própria maneira de ser foram as guerras de Alexandre. Com o seu exército pequeno, mas excelentemente adestrado e organizado, Alexandre despedaçou os frágeis Estados da Ásia. Implacavelmente, sem interrupções, avançou através da enorme vastidão da Ásia até chegar à Índia. Aquilo foi algo que nenhuma república poderia ter realizado. Somente um Rei, que num certo sentido era o seu próprio condottiere, poderia ter realizado aquilo tão rapidamente.

Os monarcas medievais, grandes ou pequenos, travavam guerras utilizando recrutas feudais, o que restringia as operações. Se algo não pudesse ser terminado rapidamente era impossível de ser feito. O próprio exército feudal era uma reunião de vassalos e dos seus empregados, trazidos e mantidos juntos, em parte devido a obrigações legais, e em parte através de uma associação voluntária – equivalendo o conjunto a uma verdadeira confederação. As armas e as táticas baseavam-se no combate individual e eram, portanto, inadequadas para um combate organizado envolvendo um grande número de homens. E na realidade a coesão no Estado nunca foi tão fraca, nem os indivíduos tão independentes. Foi a combinação destes fatores que deu características especiais às guerras medievais. Elas eram travadas de maneira relativamente rápida. Não se perdia muito tempo no campo, mas normalmente o seu propósito era punir o inimigo, não subjugá-lo. Quando o seu gado tivesse sido mandado embora e os seus castelos tivessem sido queimados, podia-se ir para casa. As grandes cidades comerciais e as pequenas repúblicas criaram os condottieri. Eles eram caros e constituíam, portanto, uma pequena força militar. Ainda menor era o seu valor combatente: o excesso de energia ou de esforços notabilizava-se pela sua ausência e normalmente o combate era uma simulação. Em suma, o ódio e a inimizade não levavam mais o Estado a realizar coisa alguma. Tornaram-se um elemento para ser utilizado nas negociações. A guerra perdeu muitos dos seus riscos. As suas características foram totalmente alteradas e nenhuma dedução extraída da sua própria natureza ainda era aplicável.

O sistema feudal consolidou-se gradualmente numa soberania territorial claramente delimitada. Os Estados estavam mais estreitamente unidos. O serviço militar pessoal tinha sido substituído por tributos em espécie, principalmente sob a forma de dinheiro, e os recrutas feudais foram substituídos por mercenários. A transição foi feita pelos condottieri. Durante algum tempo eles foram também o instrumento dos Estados maiores. Mas logo o soldado contratado a curto prazo evoluiu para o mercenário permanente, e a força armada do Estado tornou-se um exército permanente, pago pelo tesouro.

A lenta evolução em direção a esta meta trouxe evidentemente com ela diversas superposições destes três tipos de instituições militares. Sob o reinado de Henrique IV da França, os recrutas feudais, os condottieri e um exército permanente foram empregados lado a lado. Os condottieri sobreviveram à Guerra dos Trinta Anos e, na realidade, leves vestígios deles podem ser encontrados no Século XVII.

Assim como as características das instituições militares dos Estados europeus fora diferentes nos vários períodos, todas as outras condições também o foram. A Europa, essencialmente, havia sido dividida numa grande quantidade de pequenos Estados. Alguns eram repúblicas turbulentas, outras pequenas monarquias precárias com um poder central muito limitado. Não poderíamos dizer que um Estado daquele tipo fosse verdadeiramente unido. Era mais exatamente um aglomerado de forças vagamente associadas. Não devemos imaginar, portanto, um Estado destes como constituindo uma inteligência personificada, agindo de acordo com regras simples e lógicas.

Este é o ponto de vista a partir do qual devem ser consideradas as políticas e as guerras da Idade Média. Não precisamos pensar apenas nos Imperadores alemães, com as suas constantes incursões à Itália ao longo de um período de quinhentos anos. Estas expedições nunca resultaram em qualquer conquista completa do território, nem jamais se destinaram a isto. Seria fácil considerá-las como sendo um erro crônico, um engano nascido do espírito da época, mas não haveria um maior sentido em atribuí-las a uma grande quantidade de causas importantes, que possivelmente possamos assimilar intelectualmente, mas cuja dinâmica jamais compreenderíamos tão claramente quanto os homens que estavam realmente obrigados a lidar com elas. Enquanto as grandes nações que surgiram por fim deste caos precisaram de tempo para consolidar-se e organizar-se, a maior parte das suas forças e energias eram despendidas neste processo. As guerras com outros países ocorreram em menor número, e as que ocorreram revelavam as marcas de uma coesão política incompleta.

As guerras dos ingleses contra os franceses foram as primeiras a se destacarem. Mas a França ainda não poderia ser considerada uma verdadeira monarquia – era mais precisamente uma aglomeração de ducados e condados, enquanto que a Inglaterra, embora revelando uma maior unidade, ainda combatia com recrutas feudais em meio a muitas lutas domésticas.

Sob o reinado de Luiz XI, a França deu o maior passo no sentido da união interna. Tornou-se uma nação conquistadora na Itália, sob o reinado de Carlos VIII, e o seu Estado e o seu Exército chegaram ao auge sob o reinado de Luiz XIV.

A unidade espanhola começou a formar-se sob o reinado de Ferdinando de Aragon. Sob o reinado de Carlos V, em decorrência de casamentos de conveniência, subitamente emergiu uma poderosa monarquia espanhola composta pela Espanha e Borgonha, Alemanha e Itália. O que faltava a este colosso em termos de coesão e de estabilidade doméstica era compensado pela sua riqueza. O seu exército permanente enfrentou pela primeira vez o da França. Com a abdicação de Carlos V, o colosso partiu-se em dois – Espanha e Áustria. Esta última, fortalecida pela Hungria e pela Boêmia, emergia agora como uma grande nação, arrastando atrás dela a confederação alemã, como um escaler.

O fim do Século XVII, a era de Luiz XIV, pode ser considerada como sendo o momento da história em que o exército permanente, sob a forma conhecida no Século XVIII, atingiu a sua maioridade. Esta organização militar baseava-se no dinheiro e no recrutamento. Os Estados da Europa tinham alcançado uma total unidade interna. Com o serviço militar dos seus súditos transformado em pagamentos em dinheiro, o poder dos governos estava agora totalmente em seus tesouros. Graças aos avanços culturais e a uma administração progressivamente mais sofisticada, o seu poder era muito grande comparado aos dias anteriores. A França colocou diversas centenas de milhares de soldados regulares no campo e outros Estados podiam fazer o mesmo, proporcionalmente às suas populações.

As relações internacionais também mudaram de outras maneiras. A Europa estava agora dividida em uma dúzia de monarquias e um punhado de repúblicas. Era concebível que dois Estados pudessem travar uma grande guerra sem envolver, como em tempos anteriores, outros vinte. Os alinhamentos políticos possíveis ainda eram muitos e diversos, mas podiam ser observados cuidadosamente e a sua probabilidade podia ser avaliada a cada momento.

Domesticamente, quase todos os Estados haviam sido reduzidos a uma monarquia absoluta. Os privilégios e a influência dos Estados haviam desaparecido gradualmente. O poder executivo havia se tornado totalmente unificado e representava o Estado em suas relações exteriores. As instituições políticas e militares haviam evoluído e se transformado num instrumento eficaz, com o qual uma vontade independente no centro do poder poderia agora travar uma guerra que correspondesse ao seu conceito teórico.

Além do mais, durante este período surgiram os três novos Alexandres – Gustavo Adolfo, Carlos III e Frederico o Grande. Com forças relativamente limitadas, mas altamente eficientes, cada um deles procurou transformar o seu pequeno Estado numa grande monarquia e esmagar toda a oposição. Se só estivessem lidando com os impérios asiáticos, poderiam ter se assemelhado ainda mais a Alexandre. Mas em termos dos riscos que correram, inegavelmente prenunciaram Bonaparte.

Mas, se a guerra ganhou em termos de poder e de eficácia, perdeu com relação a outros aspectos.

Os exércitos eram pagos pelo tesouro, cujas regras tratavam a quase todos como se fossem a sua lista civil*, ou pelo menos propriedade do governo, não do povo. Com a exceção de algumas questões comerciais, as relações com outros Estados não interessavam ao povo, mas apenas ao tesouro ou ao governo. Esta era pelo menos a atitude de um modo geral. Um governo comportava-se como se possuísse e administrasse um grande Estado que estivesse constantemente esforçando-se para aumentar – um esforço no qual não se esperava que os habitantes demonstrassem qualquer interesse especial. O povo e o exército tártaros tinham sido um destes Estados. Nas repúblicas da antiguidade, e durante a Idade Média, o povo (se restringirmos o conceito àqueles que possuíam os direitos de cidadãos) ainda desempenhava um papel preponderante, mas nas circunstâncias existentes no Século XVIII, o papel do povo havia sido extinto. A única influência que ele continuava a exercer na guerra era uma influência indireta – através das suas virtudes ou dos seus defeitos em geral.

A guerra tornou-se assim a única preocupação do governo, na medida em que os governos haviam se afastado dos seus povos e agiam como se eles próprios fossem o Estado. Os seus meios de travar guerras passaram a consistir no dinheiro existente em seus cofres e em tantos vagabundos ociosos quanto pudessem pegar, em seu próprio país ou no exterior. Consequentemente, os meios de que dispunham eram razoavelmente definidos, e cada lado podia avaliar as possibilidades do outro, tanto em termos de números como de tempo. A guerra estava assim destituída da sua característica mais perigosa – a sua tendência no sentido do extremo e de toda a cadeia de possibilidades desconhecidas que inevitavelmente resultaria.

Os recursos financeiros do inimigo, o seu tesouro e o seu crédito, eram todos mais ou menos conhecidos, bem como o tamanho das suas forças combatentes. Não era possível realizar qualquer expansão ao ser deflagrada a guerra. Conhecendo os limites do poderio do inimigo, os homens sabiam que estavam razoavelmente a salvo da ruína total e, estando cientes das suas próprias limitações, eram por sua vez obrigados a restringir os seus propósitos. A salvo da ameaça dos extremos, não era mais necessário chegar a eles. A necessidade não era mais um incentivo para fazer isto, e o único estímulo poderia vir da coragem e da ambição. Estas, por outro lado, eram fortemente reprimidas pelas condições reinantes no Estado. Mesmo um comandante real tinha que empregar o seu exército com um mínimo de risco. Se o exército fosse pulverizado ele não poderia formar outro, e depois o exército não havia mais nada. Isto impunha a maior prudência a todas as operações. O precioso instrumento só poderia ser empregado se parecesse possível obter uma vantagem decisiva, e levar as coisas àquele ponto era um feito da mais alta habilidade. Mas enquanto aquilo não fosse realizado, as operações arrastavam-se numa espécie de vácuo. Não havia motivo para agir, e toda força motivadora parecia estar inerte. O motivo original do agressor desaparecia gradualmente e transformava-se em prudência e indecisão.

A condução da guerra tornou-se assim um verdadeiro jogo, no qual as cartas eram dadas pelo tempo e pelo acaso. Com relação ao seu efeito, era uma forma um pouco mais vigorosa de diplomacia, um método de negociação mais convincente, no qual as batalhas e as operações de sítio eram as principais notas trocadas. Mesmo o governante mais ambicioso não possuía um propósito maior do que obter algumas vantagens que pudessem ser utilizadas na conferência de paz.

Esta forma de guerra limitada e restrita era devida, como já dissemos, à estreita base sobre a qual se apoiava. Mas a explicação de porque até mesmo comandantes e monarcas talentosos como Gustavo Adolfo, Carlos XII e Frederico o Grande, com exércitos de qualidade excepcional, elevaram-se tão pouco acima do nível comum da época e porque, até mesmo eles, tiveram que se contentar com um êxito moderado, está no equilíbrio de poder existente na Europa. Com o grande número de pequenos Estados anteriormente existentes, qualquer um deles estava impedido de expandir-se rapidamente devido a fatores imediatos e concretos, como a sua proximidade e vizinhança, seus laços familiares e relações pessoais. Mas agora que os Estados eram maiores e os seus centros estavam mais afastados uns dos outros, os interesses amplamente dispersos que possuíam tornaram-se o fator limitador do seu crescimento. As relações políticas, com as suas afinidades e antipatias, tornaram-se um vínculo tão sensível que nenhum canhão poderia ser disparado na Europa sem que todos os governos sentissem que os seus interesses estavam sendo afetados. Consequentemente, um novo Alexandre precisava mais do que da sua espada afiada: ele precisava também de uma caneta na mão. Mesmo assim, raramente as suas conquistas significaram muita coisa.

Até mesmo Luiz XIV, embora disposto a destruir o equilíbrio de poder na Europa e pouco preocupado com a hostilidade geral que enfrentava no fim do Século XVII, continuou travando guerras ao longo das linhas tradicionais. Embora o seu instrumento militar fosse o do maior e mais rico de todos os monarcas, as suas características não eram diferentes das dos seus oponentes.

Ele havia deixado de estar em harmonia com o espírito da época, de saquear e arrasar a terra do inimigo, que desempenhou um papel importante na antiguidade na época dos tártaros e, na realidade, na época medieval. Isto era corretamente considerado como sendo desnecessariamente bárbaro, um convite a retaliações e uma prática que feria mais os sentimentos dos súditos do inimigo do que o seu governo – uma prática que era, portanto, ineficaz e que só servia para dificultar permanentemente o avanço da civilização em geral. Não apenas com relação aos seus meios, portanto, mas também aos seus propósitos, a guerra tornou-se cada vez mais restrita à força combatente propriamente dita. Os exércitos, com as suas fortificações e posições preparadas, vieram a formar um estado dentro do Estado, no qual a violência desapareceu gradualmente.

Toda a Europa regozijou-se com este avanço. Ele era visto como um resultado lógico do iluminismo. Esta era uma interpretação equivocada. O iluminismo nunca poderá levar a uma contradição: como dissemos anteriormente, e temos que dizer novamente, ele nunca poderá fazer com que dois mais dois seja igual a cinco. Apesar disto, este avanço beneficiou aos povos da Europa, embora não haja como negar que transformou ainda mais a guerra numa preocupação exclusiva dos governos e afastou-a ainda mais dos interesses do povo. Naquela época, o plano de guerra normal de um agressor era tomar uma ou duas províncias. O plano do defensor era simplesmente impedir que ele fizesse isto. O plano para uma determinada campanha era tomar uma fortificação inimiga, ou impedir a tomada de uma nossa. Nunca se procurava o combate, a menos que fosse indispensável para aquela finalidade. Qualquer pessoa que travasse uma batalha que não fosse rigorosamente necessária, simplesmente pelo desejo de vitória, era considerada irresponsável. Normalmente passava-se toda uma campanha numa única operação de sítio, ou duas no máximo. Partia-se do princípio de que os alojamentos de inverno eram necessários para todos. As más condições de um lado não constituíam uma vantagem para o outro, e quase que deixava de existir o contato entre os dois. Os alojamentos de inverno estabeleciam limites rigorosos às operações de uma campanha.

Se as forças estivessem rigorosamente equilibradas, ou se o lado mais audacioso fosse também nitidamente o mais fraco dos dois, nenhuma batalha era travada e nenhuma cidade era sitiada. Toda a campanha transformava-se na manutenção de determinadas posições e de determinados depósitos e na exploração sistemática de certas áreas.

Enquanto fosse este o estilo da guerra em geral, com a sua violência restrita de maneiras tão rigorosas e óbvias, ninguém via qualquer incongruência nela. Pelo contrário, tudo parecia estar absolutamente certo, e quando os críticos do Século XVIII começaram a analisar a arte da guerra, trataram dos detalhes sem preocuparem-se muito com o que era fundamental. A grandeza, na realidade a perfeição, era reconhecida em muitos aspectos, e até mesmo o Marechal-de-Campo austríaco Daun – a quem se devia principalmente o fato de Frederico o Grande ter atingido plenamente o seu propósito e de Maria Tereza ter fracassado completamente em atingir o seu – poderia ser considerado um grande comandante. Somente de vez em quando alguém dotado de uma percepção aguda – ou de um verdadeiro bom senso – poderia afirmar que com forças superiores podiam-se obter resultados positivos. De outro modo a guerra, com toda a sua arte, estava sendo mal conduzida.

Esta era a situação quando foi deflagrada a Revolução Francesa. A Áustria e a Prússia tentaram enfrentá-la com o tipo de guerra diplomática que apresentamos. Logo descobriram a sua inadequabilidade. Vendo a situação da maneira convencional, a princípio as pessoas esperavam ter que lidar apenas com um exército francês gravemente debilitado, mas em 1793 surgiu uma força que ultrapassou toda imaginação. Subitamente a guerra tornou-se uma atividade do povo – um povo de trinta milhões, todos considerando-se cidadãos. Não precisamos estudar em detalhes as circunstâncias que acompanharam esta tremenda evolução. Só precisamos observar os efeitos que são pertinentes à nossa análise. O povo passou a tomar parte nas guerras. Em vez dos governos e dos exércitos, como até então, todo o peso da nação foi jogado na balança. Os recursos e os esforços agora disponíveis para serem utilizados ultrapassaram todos os limites convencionais. Nada obstruía agora o vigor com que a guerra podia ser travada e, consequentemente, os oponentes da França enfrentavam o maior perigo.

Os efeitos desta novidade não se tornaram evidentes, nem foram totalmente sentidos até o fim das guerras revolucionárias. As disputas revolucionárias ainda não tinham avançado inevitavelmente em direção à conclusão definitiva: a destruição das monarquias europeias. Aqui e ali os exércitos alemães ainda eram capazes de resistir a elas e deter o curso da vitória. Mas tudo isto era de fato devido apenas a imperfeições técnicas que dificultavam os franceses e que se tornaram evidentes, primeiro nas praças e em seguida nos seus Generais e, sob o governo do Diretório, no próprio governo.

Tendo sido estas imperfeições corrigidas por Bonaparte, este monstro sagrado da guerra, com base na força de toda a população, iniciou a sua trajetória demolidora através da Europa. Ele movimentava-se com tal confiança e certeza que sempre que era enfrentado por exércitos do tipo tradicional não poderia jamais haver um único minuto de dúvida quanto ao resultado. Na hora certa, manifestou-se a reação. A Guerra Espanhola tornou-se espontaneamente a preocupação das pessoas. Em 1809, o governo austríaco fez um esforço sem precedentes empregando reservas e milícia. Chegou perto do êxito e superou em muito tudo que a Áustria havia anteriormente considerado ser possível. Em 1812 a Rússia tomou a Espanha e a Áustria como modelos: seus espaços imensos permitiram que as medidas que tomou – tardias como foram – surtissem efeito e até mesmo aumentassem a sua eficácia. O resultado foi brilhante. Na Alemanha, a Prússia foi a primeira a levantar-se. Ela fez da guerra uma preocupação do povo e, com a metade da sua população anterior, sem dinheiro e sem crédito, mobilizou uma força duas vezes maior do que a que tinha em 1806. Aos poucos o resto da Alemanha seguiu o seu exemplo, e a Áustria também – embora o seu esforço não se igualasse ao de 1809 – despendeu uma quantidade excepcional de energia. O resultado foi que em 1813 e em 1814 a Alemanha e a Rússia puseram cerca de um milhão de homens no campo contra a França – contando todos os que lutaram e que tombaram nas duas campanhas.

Nestas condições, a guerra era travada com uma diferente intensidade de vigor. Embora nem sempre se igualassem aos franceses em intensidade, e fossem algumas vezes até mesmo marcadas pela timidez, as campanhas eram totalmente conduzidas de uma nova maneira, não na que era utilizada no passado. No período de apenas oito meses, o teatro de operações passou do Oder para o Sena. A orgulhosa Paris teve que baixar a sua cabeça pela primeira vez, e o terrível Bonaparte foi preso e acorrentado.

Desde Bonaparte, portanto, a guerra, primeiro entre os franceses e depois entre os seus inimigos, voltou novamente a dizer respeito ao povo como um todo, assumiu características totalmente diferentes, ou melhor, aproximou-se mais da sua verdadeira característica, da sua perfeição absoluta. Parecia não haver fim para os recursos utilizados. Desapareceram todos os limites com relação ao vigor do entusiasmo demonstrado pelos governos e pelos seus súditos. Diversos fatores aumentaram significativamente aquele vigor: a imensidão de recursos disponíveis, o vasto campo de oportunidades e a profundidade do sentimento que geralmente despertava. O único propósito da guerra era derrotar o oponente. Só era considerado possível fazer uma pausa e tentar conciliar os interesses opostos depois que ele tivesse sido aniquilado.

A guerra, livre de qualquer restrição convencional, irrompeu com toda a sua poderosa fúria. Isto foi devido à nova participação do povo nestes importantes assuntos de Estado, e esta participação resultou, por sua vez, em parte do impacto causado pela Revolução nas condições internas de todos os Estados e em parte do perigo que a França representava para todos.

Será sempre assim no futuro? A partir de agora, serão todas as guerras na Europa travadas utilizando todos os recursos do Estado e só terão que ser travadas, portanto, em torno de questões importantes que afetem o povo? Ou veremos novamente um afastamento gradual entre o governo e o povo? É difícil responder a estas perguntas, e somos o último a ousar respondê-las. Mas o leitor há de concordar conosco quando dizemos que, tendo sido derrubadas as barreiras – que num certo sentido só consistem na ignorância do homem sobre o que é possível – elas não serão facilmente erguidas novamente. Pelo menos quando grandes interesses estiverem em jogo, a hostilidade mútua se revelará da mesma maneira como se revela em nossa própria época.”

* NT - Dotação destinada ao pagamento das despesas pessoais de um monarca.

 

 

“Podemos considerar como tendo sido reconhecido que o propósito da política é unificar e harmonizar todos os aspectos da administração interna, bem como dos valores espirituais e de tudo mais que o filósofo moral possa ter o cuidado de acrescentar. Evidentemente a política nada é por si mesma. É apenas o depositário de todos estes interesses contra outros Estados. Que ela pode errar, servir às ambições, aos interesses privados e à vaidade daqueles que estão no poder, é irrelevante. De modo algum pode a arte da guerra jamais ser vista como sendo a mentora da política, e aqui só podemos tratar a política como sendo a representante de todos os interesses da comunidade.

A única questão é saber, portanto, se quando a guerra está sendo planejada, o ponto de vista político deve ceder o seu lugar ao militar (se de algum modo pode ser concebível a existência de um ponto de vista puramente militar). Isto é, deve ele desaparecer totalmente ou subordinar-se, ou deve o ponto de vista político permanecer preponderante e o militar ser subordinado a ele?

Dificilmente podemos conceber que o ponto de vista político deva deixar totalmente de ser levado em conta no início da guerra, a menos que o puro ódio transforme todas as guerras numa luta de vida ou morte. Na realidade, como dissemos, elas não são nada mais do que expressões da própria política. Subordinar o ponto de vista político ao militar seria absurdo, porque foi a política que criou a guerra. A política é a inteligência norteadora e a guerra apenas o instrumento, não o contrário. Não existe qualquer outra possibilidade, portanto, a não ser subordinar o ponto de vista militar ao político.”

 

 

“O homem que sacrifica o possível em busca do impossível é um idiota.”

Um comentário:

Doney disse...

“Pode ser verdade que muitas ações mesquinhas, motivadas pelas emoções, deixem de ser praticadas devido às sérias atividades da guerra, mas isto só é válido para os homens de graduações mais baixas que, sendo lançados de um conjunto de ações vigorosas e perigos para o próximo, perdem de vista as outras coisas da vida, renunciam à falsidade porque a morte não a respeitará, e chegam assim à simplicidade de caráter própria dos soldados, que sempre representou o que os militares têm de melhor. Quanto mais alta for a posição do homem, mais amplo será o seu ponto de vista. Interesses diferentes e uma ampla variedade de paixões, boas e más, surgirão em todos os lados. Inveja e generosidade, orgulho e humildade, ira e compaixão – todas podem surgir como forças efetivas neste grande drama.”

Este parágrafo me recordou outro trecho do livro "Por quem os sinos dobram", de Ernest Hemingway:
“– Gosto mais do front – dissera Robert Jordan. – Quanto mais perto do front, melhores as pessoas.”