Editora: Intersaberes
ISBN: 978-85-4430-308-5
Opinião: ★★☆☆☆
Páginas: 244
Sinopse: A
filosofia contemporânea apresentou ao pensamento humano muitos temas e assuntos
até então inexplorados. Após as grandes escolas de pensamento mais clássico
terem se preocupado com os grandes temas, como a metafísica e a lógica, a
contemporaneidade acrescentou a elas sua maneira de perceber o mundo, mais
fragmentada, assistemática, privilegiando o contato do pensamento profundo com
realidades mais prosaicas e problemáticas mais específicas. Apresentamos nesta
obra as principais correntes de pensamento que debateram, cada uma em sua
abordagem própria, diferentes aspectos da realidade e do pensamento. Nessa
perspectiva, apresentamos um painel bastante amplo das principais escolas e
tendências que segue o pensamento contemporâneo, desde o fim do século XIX até
tendências atuais do pensamento.
“A teoria da alienação fundamenta o materialismo
histórico. De acordo com Marx, o modo de pensar (as ideias) e a consciência de
determinado período histórico configuram-se a partir das ideias dominantes,
que, por sua vez, são fruto das mentes que regem a economia e os modos de produção.
Assim, a estrutura econômica (material) termina por ditar a consciência da
superestrutura social (ideológica). Isso se mostra em A
ideologia alemã. A Vida (in
concreto), material no qual se fixa a produção, é a base do pensamento e da
conduta dos homens em dado período histórico.
A transformação ou o desenvolvimento dos
meios de produção funcionam, para Marx, como condições para a mudança e o
estabelecimento de novas ideias de dominação. Marx entende que o ser do homem
(sua essência) se caracteriza pela atividade produtiva. Ao produzir os meios para
atender as suas necessidades mais elementares, surgem outras necessidades.
Sanadas as necessidades básicas (comer, vestir etc.), aparecem outros bens necessários, de cunho espiritual, por
assim dizer. É por meio da constatação de que alguns apenas conseguem atender
às necessidades básicas enquanto outros podem ir além disso que verificamos a
divisão do trabalho. Com base nas atividades que desenvolvem, há a criação de
duas classes, uma a viver do fruto do trabalho da outra.
O trabalho como força empregada na
transformação da natureza, para melhor servir ao homem, serve para verificação
da história concreta dos indivíduos. Quando as condições de existência material
estão garantidas, o emprego da força de trabalho passa a ser intelectual,
sobrepondo-se ao trabalho daqueles que somente conseguem atender às
necessidades essenciais do ser humano.
Contudo, é preciso deixar claro que o
trabalho intelectual não seria possível sem o trabalho de base. São as
condições históricas da vida material, ao engendrarem os meios de produção para
a existência, que permitem e transformam as produções e ideias de um dado
período histórico. Aquilo que a moralidade, a religiosidade ou a filosofia de
uma época expressam em ideias (ideologia) é tão somente um pensamento em defesa
de um tipo de produção econômica já estabelecido.
O materialismo histórico é a garantia de que
as ideias de uma dada sociedade são, na verdade, frutos do sistema de produção,
refletindo sua economia política. Por isso, as mudanças ou a permanência da
estrutura econômica de produção viabilizam as transformações ou consolidam a
superestrutura ideológica de uma sociedade, uma vez que visam justificar o
sistema produtivo já estruturado.
É preciso frisar, entretanto, que o materialismo
histórico marxista é, ao mesmo tempo, materialismo
dialético. Isso significa que o homem alienado historicamente (fisicamente)
busca se opor às condições que o oprimem. Ao buscar negar aquilo que o faz
alienado, ele procura se autoafirmar. Contradizendo a realidade da situação em
que se encontra, o homem sai do plano meramente das ideais (ideal ou teórico) e
passa a agir no plano real (âmbito prático dos fatos). A autoafirmação em
relação à situação vivida lança as bases para a transformação social, possibilitando,
segundo Marx e Engels, o desenvolvimento histórico humano.
O materialismo dialético surge por meio das teses estabelecidas pelas forças da
classe dominante, as quais sofrem resistência das antíteses da classe dominada. Tal dinâmica faz com que desse jogo
de forças surja a síntese,
estabelecendo um novo plano de relações sociais, que, novamente, sofre o mesmo jogo
de forças.”
“Em O
capital, de 1867, Marx tem como objetivo demonstrar que o valor da
mercadoria é determinado mediante o trabalho empregado para produzi-la. Assim,
para produzir dada mercadoria, é necessária determinada quantia de trabalho. É
justamente o tempo socialmente empregado na produção de algo, ou seja, o
emprego da força de trabalho na elaboração de uma mercadoria, que determina seu
valor.
A troca de mercadorias por outras, ou a troca
de mercadoria por moeda, somente é possível porque somos levados a pensar em um
valor comum para determinado produto. Porém, é preciso lembrar que a mercadoria
é fruto do trabalho humano. Desse modo, as relações de troca ou compra e venda
de mercadorias não são propriamente relações entre coisas. Antes de tudo,
trata-se de relações entre aqueles que as produzem e as comercializam.
Portanto, a relação de troca ou compra e venda de produtos é, em primeiro
plano, uma relação humana (Lukács, História
e consciência de classe, 2003). Desde o nível mais elementar da
produção – na qual também se insere o trabalho intelectual – até a última instância
da cadeia produtiva, quando o produto chega ao seu destino, que é o consumo, a
mercadoria é cercada por um caráter antropológico.”
“A habilidade humana em intuir essências e o
repúdio pelas formulações abstratas dos filósofos teriam levado Max Scheler
(1874-1928) a dirigir-se ao método fenomenológico para tratar das questões da
ética. Contrária à ética de Kant, a fenomenologia de Scheler busca justificar o
plano das ações de modo diferente do imperativo categórico kantiano. Segundo
Scheler, a moral do dever pelo dever não acarreta um sentido de todo
justificável objetivamente para nossas ações. A ética kantiana constitui a
ética do ressentimento, pois é incapaz de dissolver a problemática do querer e
da impossibilidade de alcançar – problema em decorrência da “intuição de si
próprio”, a qual se manifesta em todos nós. A ética meramente a favor do dever
termina por suprir a Vida em seu real sentido.
A noção de valor é chave na ética de Scheler, e não a noção de dever, como
queria Kant. Para que possamos conceber o real significado do conceito de valor, é preciso distinguir valor de bem. Se, para Scheler, os bens são as coisas que detém valor, então
o valor é a essência (aquilo que a fenomenologia de Husserl discrimina). O
valor é a qualidade pela qual nomeamos algo como bom.
Da teoria de Kant, Scheler adota as
proposições a priori (necessárias e
universais), porém nega que se dirijam apenas a um âmbito formal. A
normatividade ética é material porque define a instância dos valores de modo
concreto. Ou seja, o material das proposições a priori são as essências (os valores); trata-se da proposta de
formar materialmente a ética do valor (essência), e não a ética do bem (coisa
ou fato).
Os valores são intuídos emotivamente. Se, na
ordem das coisas, nos encontramos imersos em um mundo de valores, então não nos
cabe produzi-los (pois eles já estão dados). Nossas tarefas seriam o
reconhecimento e a descoberta dos valores por meio da constatação evidente de
que “o nada não é”. Esse espanto, segundo Scheler, é o que nos permite intuir
essências, sendo possível estabelecermos valores.
Nossa habilidade em intuir valores
(essências) não pode ser negada. Temos uma intenção sentimental na captação dos
valores que nos circundam. Para Scheler, querer intuir valores com o intelecto
seria falta de senso, pois o entendimento (intelecto) não é a faculdade que nos
permite o reconhecimento da essência valorativa. Para compreendermos as
essências, precisamos recorrer à intuição emocional. Os sentimentos respondem
ao modo como captamos as essências valorativas das coisas que são bens e,
principalmente, ao princípio elementar da vida) que nos é dado à consciência.
Temos uma espécie de ferramenta, a intuição
emocional, que nos permite a captação dos valores. Nisso consiste nossa
habilidade em atribuir valores objetivamente às coisas, organizando-os
hierarquicamente. A hierarquia dos valores instituídos sentimentalmente nos
coloca à frente de outros valores que se submetem à intuição sentimental de
maneira imediata. Aquilo que Pascal chama de “razão do coração” é, na verdade,
a intuição emocional de Scheler. Em resumo, a razão do coração nos impõe a via
imediata para o reconhecimento dos valores e determina sua hierarquia.”
“Por meio da exposição de Heidegger, Gadamer
buscou evidenciar que toda compreensão decorre de uma interpretação circular. A
maneira como atribuímos significados ao texto que se submete à nossa
interpretação não decorre de uma neutralidade. uma vez que em nós está presente
uma intencionalidade — antes mesmo da interpretação — que se mantém presente no
modo como interpretarmos.
Quando buscamos a compreensão de algo, na
leitura de um texto, por exemplo, estamos realizando um projeto, o qual tomamos
como sendo parte de um todo. No mesmo instante, partimos de uma pré-compreensão
(nosso saber prévio e nossas expectativas em relação a certos elementos que o
texto há de trazer) que entra em jogo na hora de interpretarmos e
compreendermos. Apenas quando nos confrontamos com o texto é que temos
condições de saber se nossas expectativas correspondem ao que lemos ou se será
preciso reanalisar e reavaliar nossas antecipações. Esse ir e vir entre
expectativas, antecipações e readequações encerra uma estrutura circular de
compreensão chamada de circulo
hermenêutico, o qual nos impõe um confronto entre aquilo que trazemos de
conhecimento e experiência e aquilo que, de fato (facticidade), se apresenta a
nós como objeto a ser interpretado.
Desse modo, para a filosofia hermenêutica de
Gadamer, devemos ter mente que a interpretação se realiza sob condições
culturais e históricas, bem como sob nossa própria constituição ao analisar o
texto. Assim, devemos verificar se nossa compreensão é a mais adequada para dar
sentido àquilo que interpretamos.”
“A corrente existencialista em filosofia
postula que a existência, no que se refere ao sujeito, tem a primazia diante da
essência. Dito de outro modo, os filósofos existencialistas entendem que a
noção de ser humano não está em primeiro plano no que se refere ao indivíduo,
isto porque, anterior à identidade humana há algo que existe. Neste sentido, a
humanidade é um atributo posterior ao valor existencial. São as situações que
cercam o existir do homem que o definem. Seguindo essa concepção, importa
compreendermos que, em um primeiro momento, o homem existe, delimitado pelo
espaço e por um período de tempo. Mediante as situações que se lhe apresentam,
ele pode interagir e se desenvolver. Em um segundo momento, o ser humano pode
empreender o saber sobre seu ser. É por isso que, para os existencialistas, a
existência precede a essência: os problemas que cercam o existir são mais
relevantes.”
“Quando buscou definir a gênese do poder,
Foucault se deparou com a noção de que o poder se estabelece por meio de uma
relação; não se trata de uma posse ou de algo real que se tem ou se perde.
Mas o que Foucault atingiu com sua análise
genealógica sobre o poder? Primeiramente, ele deslocou a perspectiva da questão
que sempre procura investigar o poder como exercício exclusivamente do Estado.
Era sobre esse órgão, na maioria das vezes, que repousavam as investigações
acerca do poder. Procurando evidenciar que existem outras instituições, além do
Estado, que executam técnicas de poder, Foucault mostrou como o emprego de um
saber (discurso) e as práticas constituídas nas instituições dominam (têm
poder) o sujeito que encerram.
Embora se estabeleça com maior visibilidade
em instituições como Estado, escola, hospício, família etc., o poder não se
encerra em uma instituição de forma centralizada. Não é a partir de um lugar
específico que ele emana. Naquilo que é mais periférico, a institucionalização
do próprio corpo do indivíduo, há também uma forma de poder. Assim, Foucault
fala do poder (como relação) de um modo dicotômico, isto é, não há irradiação
do poder a partir de um ponto (centro ou periferia). Existe um intercambiar
mútuo, que não é palpável, no domínio e na implementação do exercício do poder.
Não há, portanto, um poder exclusivo do Estado ou da escola sobre o sujeito.
Com efeito, existe uma relação de poder que ora emana da instituição e conforma
o indivíduo, ora emana do indivíduo, de forma que se aperfeiçoa o poder
institucional. Assim, as relações de poder se dão de acordo com a relação
estabelecida entre os elementos inscritos no processo.
Desse modo, segundo Machado, o Estado não
absorve e confisca de todo o uso do poder; ele não cria o poder. Os diversos
poderes, que emanam de instituições de diferentes níveis, podem estar ou não
conectados ao aparelho estatal. A elaboração e o uso dos poderes são
contingentes em relação ao Estado.
Nesse sentido, a noção de poder se relaciona muito mais à
constituição e ao emprego elaborados para o exercício do poder por determinada
sociedade. A sociedade efetiva ou transforma, por meio das relações de seus
elementos – indivíduos x instituições; instituições x indivíduos; indivíduos x
indivíduos; instituições x instituições –, a cadeia de poderes que ela mesma
instaura. Jamais se trata de uma relação unívoca. No mínimo, ela se constitui
por meio de dois polos, que se inter-relacionam mutuamente. (...)
Em última instância, o poder, de forma
eficaz, aprimora e potencializa, de maneira estratégica, o uso da força naquilo
que é sua meta: o corpo humano. (...)
O caráter apenas negativo da lei e das penalidades
não é capaz de gerar a compreensão adequada sobre o poder. Para tanto, Foucault
nos indica que a caracterização do poder deve responder à seguinte questão: por
que a disciplina infligida sobre o corpo do indivíduo resulta de modo
afirmativo e termina por gerar (em relação tanto à personalidade quanto às
ações) esse mesmo sujeito? Respondendo a indagação, diríamos que o poder, nesse
caso, não tolhe ou impede o agir do sujeito. “O poder disciplinar não destrói o
indivíduo; ao contrário, ele o fabrica. O indivíduo não é o outro do poder, realidade
exterior, que é por ele anulado; é um de seus mais importantes efeitos"
(Foucault, Vigiar e punir, 2008b, p. 160).
Desse modo, devemos admitir que o sujeito
moderno, como o quer Foucault, é produto de uma sociedade institucionalizada pelas
relações de poder que caracterizam o corpo social. O poder disciplinar é aquele
que molda a conduta do indivíduo em todos os níveis de sua vida. Tal controle,
que acontece durante toda a vida do indivíduo, denota a constante observação de
seus atos, os quais são passíveis de serem administrados pelas instituições
sociais que o formaram (família, escola, Estado, Igreja) e que permitem sua
manifestação na vida pública.
A tese foucaultiana acerca do poder
disciplinar não deixa de apresentar os órgãos do poder como
instrumentalizadores do sujeito. Mostra, também, que o sujeito é formatado, via
de regra, pelas condições disciplinares que se lhe impõem desde sempre. Mas sua
constatação mais interessante é a de que a disciplina é introduzida no sujeito
a tal ponto que ele próprio passa a disciplinar os demais.”
“O que mais contribui, segundo Adorno, para a
sociedade moderna se constituir e se manter como sociedade totalmente
administrada pela lógica do esclarecimento é a indústria cultural, a qual manipula
os interesses das massas em favor do consumo desenfreada de mercadorias
produzidas a todo custo.
A mídia (rádio, cinema, TV) e, em geral, a
propaganda operam como máquina a favor do sistema (sociedade totalmente
administrada pela razão instrumental), mantendo o status quo da sociedade moderna. O poder constituído por meio
desses meios determina as condutas a serem seguidas e os valores que devem
manter-se em favor dessa sociedade. Utilizando-se da propaganda, a mídia
engendra necessidades a fim de manter os sujeitos padronizados, estipulando um
modelo a ser seguido.
Ao adotar os padrões determinados midiaticamente,
o indivíduo é aniquilado, o que faz com que todos ajam e pensem, em geral, da
mesma forma. Mesmo o lazer, que deveria se opor ao trabalho, acaba por obedecer
à lógica do sistema, tendo em vista que, operado pela indústria cultural, não
passa de mero consumo. Compramos, a todo momento, somente o que o sistema
admite. Somos considerados não como indivíduos, mas como seres substituíveis.
Mediante a lógica do sistema – formado pelo progresso tecnológico e idealizado
pela razão instrumental – somos descartáveis.”
“Para Horkheimer, a absolutização das
instituições humanas, operada pelo processo da razão instrumental, determinou a
sociedade moderna e seus anseios por obter cada vez mais lucro. Isso fez da
razão uma prisioneira que opera somente na objetivação dos fins do sistema,
como se isso fosse o fim, a meta a ser alcançada por todos os indivíduos.
Na verdade, o que se alcançou com esse modo
de operar da razão foi o fascismo, o domínio pela força de tudo o que se possa
controlar. Esse papel, em última instância, cabe principalmente ao Estado, o
qual, segundo Horkheimer, em seu capitalismo exacerbado, contido na figura do
consumismo, encerra a administração da vida na sociedade moderna Desvinculado
da objetivação do lucro das grandes companhias, o indivíduo se vê cercado pelas
amarras da administração, que continua a lhe conferir padrões de controle.
A razão instrumental coloca o homem no plano
da mera instrumentalização, tornando-o apenas uma ferramenta empregada para
dominar a natureza. Ao cumprir um papel, como meio para se alcançar um fim, o
ser humano torna-se impessoal.
O progresso tecnológico empregado nesse modo
de instrumentalização acaba por desumanizar o homem. Assim, a ideia de homem é
substituída pela necessidade de transformar e dominar a natureza. Aquilo que
deveria ser em si mesmo, a noção de humanidade, passa a ser meio: o modo pelo
qual a natureza deve ser conformada.
Quando a razão deixa de ser autônoma na
proposição e promoção dos fins humanos, ela passa a operar como base para os fins
do sistema. A razão perdeu a prerrogativa de determinar e orientar a humanidade
para seu fim, pois serve a um sistema que visa continuar no controle da
situação, tornando-se instrumento.”
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