terça-feira, 24 de julho de 2018

História da filosofia contemporânea – Ivan Luiz Monteiro

Editora: Intersaberes
ISBN: 978-85-4430-308-5
Opinião: ★★☆☆☆
Páginas: 244
Sinopse: A filosofia contemporânea apresentou ao pensamento humano muitos temas e assuntos até então inexplorados. Após as grandes escolas de pensamento mais clássico terem se preocupado com os grandes temas, como a metafísica e a lógica, a contemporaneidade acrescentou a elas sua maneira de perceber o mundo, mais fragmentada, assistemática, privilegiando o contato do pensamento profundo com realidades mais prosaicas e problemáticas mais específicas. Apresentamos nesta obra as principais correntes de pensamento que debateram, cada uma em sua abordagem própria, diferentes aspectos da realidade e do pensamento. Nessa perspectiva, apresentamos um painel bastante amplo das principais escolas e tendências que segue o pensamento contemporâneo, desde o fim do século XIX até tendências atuais do pensamento.



“A teoria da alienação fundamenta o materialismo histórico. De acordo com Marx, o modo de pensar (as ideias) e a consciência de determinado período histórico configuram-se a partir das ideias dominantes, que, por sua vez, são fruto das mentes que regem a economia e os modos de produção. Assim, a estrutura econômica (material) termina por ditar a consciência da superestrutura social (ideológica). Isso se mostra em A ideologia alemã. A Vida (in concreto), material no qual se fixa a produção, é a base do pensamento e da conduta dos homens em dado período histórico.
A transformação ou o desenvolvimento dos meios de produção funcionam, para Marx, como condições para a mudança e o estabelecimento de novas ideias de dominação. Marx entende que o ser do homem (sua essência) se caracteriza pela atividade produtiva. Ao produzir os meios para atender as suas necessidades mais elementares, surgem outras necessidades. Sanadas as necessidades básicas (comer, vestir etc.), aparecem outros   bens necessários, de cunho espiritual, por assim dizer. É por meio da constatação de que alguns apenas conseguem atender às necessidades básicas enquanto outros podem ir além disso que verificamos a divisão do trabalho. Com base nas atividades que desenvolvem, há a criação de duas classes, uma a viver do fruto do trabalho da outra.
O trabalho como força empregada na transformação da natureza, para melhor servir ao homem, serve para verificação da história concreta dos indivíduos. Quando as condições de existência material estão garantidas, o emprego da força de trabalho passa a ser intelectual, sobrepondo-se ao trabalho daqueles que somente conseguem atender às necessidades essenciais do ser humano.
Contudo, é preciso deixar claro que o trabalho intelectual não seria possível sem o trabalho de base. São as condições históricas da vida material, ao engendrarem os meios de produção para a existência, que permitem e transformam as produções e ideias de um dado período histórico. Aquilo que a moralidade, a religiosidade ou a filosofia de uma época expressam em ideias (ideologia) é tão somente um pensamento em defesa de um tipo de produção econômica já estabelecido.
O materialismo histórico é a garantia de que as ideias de uma dada sociedade são, na verdade, frutos do sistema de produção, refletindo sua economia política. Por isso, as mudanças ou a permanência da estrutura econômica de produção viabilizam as transformações ou consolidam a superestrutura ideológica de uma sociedade, uma vez que visam justificar o sistema produtivo já estruturado.
É preciso frisar, entretanto, que o materialismo histórico marxista é, ao mesmo tempo, materialismo dialético. Isso significa que o homem alienado historicamente (fisicamente) busca se opor às condições que o oprimem. Ao buscar negar aquilo que o faz alienado, ele procura se autoafirmar. Contradizendo a realidade da situação em que se encontra, o homem sai do plano meramente das ideais (ideal ou teórico) e passa a agir no plano real (âmbito prático dos fatos). A autoafirmação em relação à situação vivida lança as bases para a transformação social, possibilitando, segundo Marx e Engels, o desenvolvimento histórico humano.
O materialismo dialético surge por meio das teses estabelecidas pelas forças da classe dominante, as quais sofrem resistência das antíteses da classe dominada. Tal dinâmica faz com que desse jogo de forças surja a síntese, estabelecendo um novo plano de relações sociais, que, novamente, sofre o mesmo jogo de forças.”


“Em O capital, de 1867, Marx tem como objetivo demonstrar que o valor da mercadoria é determinado mediante o trabalho empregado para produzi-la. Assim, para produzir dada mercadoria, é necessária determinada quantia de trabalho. É justamente o tempo socialmente empregado na produção de algo, ou seja, o emprego da força de trabalho na elaboração de uma mercadoria, que determina seu valor.
A troca de mercadorias por outras, ou a troca de mercadoria por moeda, somente é possível porque somos levados a pensar em um valor comum para determinado produto. Porém, é preciso lembrar que a mercadoria é fruto do trabalho humano. Desse modo, as relações de troca ou compra e venda de mercadorias não são propriamente relações entre coisas. Antes de tudo, trata-se de relações entre aqueles que as produzem e as comercializam. Portanto, a relação de troca ou compra e venda de produtos é, em primeiro plano, uma relação humana (Lukács, História e consciência de classe, 2003). Desde o nível mais elementar da produção – na qual também se insere o trabalho intelectual – até a última instância da cadeia produtiva, quando o produto chega ao seu destino, que é o consumo, a mercadoria é cercada por um caráter antropológico.”


“A habilidade humana em intuir essências e o repúdio pelas formulações abstratas dos filósofos teriam levado Max Scheler (1874-1928) a dirigir-se ao método fenomenológico para tratar das questões da ética. Contrária à ética de Kant, a fenomenologia de Scheler busca justificar o plano das ações de modo diferente do imperativo categórico kantiano. Segundo Scheler, a moral do dever pelo dever não acarreta um sentido de todo justificável objetivamente para nossas ações. A ética kantiana constitui a ética do ressentimento, pois é incapaz de dissolver a problemática do querer e da impossibilidade de alcançar – problema em decorrência da “intuição de si próprio”, a qual se manifesta em todos nós. A ética meramente a favor do dever termina por suprir a Vida em seu real sentido.
A noção de valor é chave na ética de Scheler, e não a noção de dever, como queria Kant. Para que possamos conceber o real significado do conceito de valor, é preciso distinguir valor de bem. Se, para Scheler, os bens são as coisas que detém valor, então o valor é a essência (aquilo que a fenomenologia de Husserl discrimina). O valor é a qualidade pela qual nomeamos algo como bom.
Da teoria de Kant, Scheler adota as proposições a priori (necessárias e universais), porém nega que se dirijam apenas a um âmbito formal. A normatividade ética é material porque define a instância dos valores de modo concreto. Ou seja, o material das proposições a priori são as essências (os valores); trata-se da proposta de formar materialmente a ética do valor (essência), e não a ética do bem (coisa ou fato).
Os valores são intuídos emotivamente. Se, na ordem das coisas, nos encontramos imersos em um mundo de valores, então não nos cabe produzi-los (pois eles já estão dados). Nossas tarefas seriam o reconhecimento e a descoberta dos valores por meio da constatação evidente de que “o nada não é”. Esse espanto, segundo Scheler, é o que nos permite intuir essências, sendo possível estabelecermos valores.
Nossa habilidade em intuir valores (essências) não pode ser negada. Temos uma intenção sentimental na captação dos valores que nos circundam. Para Scheler, querer intuir valores com o intelecto seria falta de senso, pois o entendimento (intelecto) não é a faculdade que nos permite o reconhecimento da essência valorativa. Para compreendermos as essências, precisamos recorrer à intuição emocional. Os sentimentos respondem ao modo como captamos as essências valorativas das coisas que são bens e, principalmente, ao princípio elementar da vida) que nos é dado à consciência.
Temos uma espécie de ferramenta, a intuição emocional, que nos permite a captação dos valores. Nisso consiste nossa habilidade em atribuir valores objetivamente às coisas, organizando-os hierarquicamente. A hierarquia dos valores instituídos sentimentalmente nos coloca à frente de outros valores que se submetem à intuição sentimental de maneira imediata. Aquilo que Pascal chama de “razão do coração” é, na verdade, a intuição emocional de Scheler. Em resumo, a razão do coração nos impõe a via imediata para o reconhecimento dos valores e determina sua hierarquia.”


“Por meio da exposição de Heidegger, Gadamer buscou evidenciar que toda compreensão decorre de uma interpretação circular. A maneira como atribuímos significados ao texto que se submete à nossa interpretação não decorre de uma neutralidade. uma vez que em nós está presente uma intencionalidade — antes mesmo da interpretação — que se mantém presente no modo como interpretarmos.
Quando buscamos a compreensão de algo, na leitura de um texto, por exemplo, estamos realizando um projeto, o qual tomamos como sendo parte de um todo. No mesmo instante, partimos de uma pré-compreensão (nosso saber prévio e nossas expectativas em relação a certos elementos que o texto há de trazer) que entra em jogo na hora de interpretarmos e compreendermos. Apenas quando nos confrontamos com o texto é que temos condições de saber se nossas expectativas correspondem ao que lemos ou se será preciso reanalisar e reavaliar nossas antecipações. Esse ir e vir entre expectativas, antecipações e readequações encerra uma estrutura circular de compreensão chamada de circulo hermenêutico, o qual nos impõe um confronto entre aquilo que trazemos de conhecimento e experiência e aquilo que, de fato (facticidade), se apresenta a nós como objeto a ser interpretado.
Desse modo, para a filosofia hermenêutica de Gadamer, devemos ter mente que a interpretação se realiza sob condições culturais e históricas, bem como sob nossa própria constituição ao analisar o texto. Assim, devemos verificar se nossa compreensão é a mais adequada para dar sentido àquilo que interpretamos.”


“A corrente existencialista em filosofia postula que a existência, no que se refere ao sujeito, tem a primazia diante da essência. Dito de outro modo, os filósofos existencialistas entendem que a noção de ser humano não está em primeiro plano no que se refere ao indivíduo, isto porque, anterior à identidade humana há algo que existe. Neste sentido, a humanidade é um atributo posterior ao valor existencial. São as situações que cercam o existir do homem que o definem. Seguindo essa concepção, importa compreendermos que, em um primeiro momento, o homem existe, delimitado pelo espaço e por um período de tempo. Mediante as situações que se lhe apresentam, ele pode interagir e se desenvolver. Em um segundo momento, o ser humano pode empreender o saber sobre seu ser. É por isso que, para os existencialistas, a existência precede a essência: os problemas que cercam o existir são mais relevantes.”


“Quando buscou definir a gênese do poder, Foucault se deparou com a noção de que o poder se estabelece por meio de uma relação; não se trata de uma posse ou de algo real que se tem ou se perde.
Mas o que Foucault atingiu com sua análise genealógica sobre o poder? Primeiramente, ele deslocou a perspectiva da questão que sempre procura investigar o poder como exercício exclusivamente do Estado. Era sobre esse órgão, na maioria das vezes, que repousavam as investigações acerca do poder. Procurando evidenciar que existem outras instituições, além do Estado, que executam técnicas de poder, Foucault mostrou como o emprego de um saber (discurso) e as práticas constituídas nas instituições dominam (têm poder) o sujeito que encerram.
Embora se estabeleça com maior visibilidade em instituições como Estado, escola, hospício, família etc., o poder não se encerra em uma instituição de forma centralizada. Não é a partir de um lugar específico que ele emana. Naquilo que é mais periférico, a institucionalização do próprio corpo do indivíduo, há também uma forma de poder. Assim, Foucault fala do poder (como relação) de um modo dicotômico, isto é, não há irradiação do poder a partir de um ponto (centro ou periferia). Existe um intercambiar mútuo, que não é palpável, no domínio e na implementação do exercício do poder. Não há, portanto, um poder exclusivo do Estado ou da escola sobre o sujeito. Com efeito, existe uma relação de poder que ora emana da instituição e conforma o indivíduo, ora emana do indivíduo, de forma que se aperfeiçoa o poder institucional. Assim, as relações de poder se dão de acordo com a relação estabelecida entre os elementos inscritos no processo.
Desse modo, segundo Machado, o Estado não absorve e confisca de todo o uso do poder; ele não cria o poder. Os diversos poderes, que emanam de instituições de diferentes níveis, podem estar ou não conectados ao aparelho estatal. A elaboração e o uso dos poderes são contingentes em relação ao Estado.
Nesse sentido, a noção de poder se relaciona muito mais à constituição e ao emprego elaborados para o exercício do poder por determinada sociedade. A sociedade efetiva ou transforma, por meio das relações de seus elementos – indivíduos x instituições; instituições x indivíduos; indivíduos x indivíduos; instituições x instituições –, a cadeia de poderes que ela mesma instaura. Jamais se trata de uma relação unívoca. No mínimo, ela se constitui por meio de dois polos, que se inter-relacionam mutuamente. (...)
Em última instância, o poder, de forma eficaz, aprimora e potencializa, de maneira estratégica, o uso da força naquilo que é sua meta: o corpo humano. (...)
O caráter apenas negativo da lei e das penalidades não é capaz de gerar a compreensão adequada sobre o poder. Para tanto, Foucault nos indica que a caracterização do poder deve responder à seguinte questão: por que a disciplina infligida sobre o corpo do indivíduo resulta de modo afirmativo e termina por gerar (em relação tanto à personalidade quanto às ações) esse mesmo sujeito? Respondendo a indagação, diríamos que o poder, nesse caso, não tolhe ou impede o agir do sujeito. “O poder disciplinar não destrói o indivíduo; ao contrário, ele o fabrica. O indivíduo não é o outro do poder, realidade exterior, que é por ele anulado; é um de seus mais importantes efeitos" (Foucault, Vigiar e punir, 2008b, p. 160).
Desse modo, devemos admitir que o sujeito moderno, como o quer Foucault, é produto de uma sociedade institucionalizada pelas relações de poder que caracterizam o corpo social. O poder disciplinar é aquele que molda a conduta do indivíduo em todos os níveis de sua vida. Tal controle, que acontece durante toda a vida do indivíduo, denota a constante observação de seus atos, os quais são passíveis de serem administrados pelas instituições sociais que o formaram (família, escola, Estado, Igreja) e que permitem sua manifestação na vida pública.
A tese foucaultiana acerca do poder disciplinar não deixa de apresentar os órgãos do poder como instrumentalizadores do sujeito. Mostra, também, que o sujeito é formatado, via de regra, pelas condições disciplinares que se lhe impõem desde sempre. Mas sua constatação mais interessante é a de que a disciplina é introduzida no sujeito a tal ponto que ele próprio passa a disciplinar os demais.”


“O que mais contribui, segundo Adorno, para a sociedade moderna se constituir e se manter como sociedade totalmente administrada pela lógica do esclarecimento é a indústria cultural, a qual manipula os interesses das massas em favor do consumo desenfreada de mercadorias produzidas a todo custo.
A mídia (rádio, cinema, TV) e, em geral, a propaganda operam como máquina a favor do sistema (sociedade totalmente administrada pela razão instrumental), mantendo o status quo da sociedade moderna. O poder constituído por meio desses meios determina as condutas a serem seguidas e os valores que devem manter-se em favor dessa sociedade. Utilizando-se da propaganda, a mídia engendra necessidades a fim de manter os sujeitos padronizados, estipulando um modelo a ser seguido.
Ao adotar os padrões determinados midiaticamente, o indivíduo é aniquilado, o que faz com que todos ajam e pensem, em geral, da mesma forma. Mesmo o lazer, que deveria se opor ao trabalho, acaba por obedecer à lógica do sistema, tendo em vista que, operado pela indústria cultural, não passa de mero consumo. Compramos, a todo momento, somente o que o sistema admite. Somos considerados não como indivíduos, mas como seres substituíveis. Mediante a lógica do sistema – formado pelo progresso tecnológico e idealizado pela razão instrumental – somos descartáveis.”


“Para Horkheimer, a absolutização das instituições humanas, operada pelo processo da razão instrumental, determinou a sociedade moderna e seus anseios por obter cada vez mais lucro. Isso fez da razão uma prisioneira que opera somente na objetivação dos fins do sistema, como se isso fosse o fim, a meta a ser alcançada por todos os indivíduos.
Na verdade, o que se alcançou com esse modo de operar da razão foi o fascismo, o domínio pela força de tudo o que se possa controlar. Esse papel, em última instância, cabe principalmente ao Estado, o qual, segundo Horkheimer, em seu capitalismo exacerbado, contido na figura do consumismo, encerra a administração da vida na sociedade moderna Desvinculado da objetivação do lucro das grandes companhias, o indivíduo se vê cercado pelas amarras da administração, que continua a lhe conferir padrões de controle.
A razão instrumental coloca o homem no plano da mera instrumentalização, tornando-o apenas uma ferramenta empregada para dominar a natureza. Ao cumprir um papel, como meio para se alcançar um fim, o ser humano torna-se impessoal.
O progresso tecnológico empregado nesse modo de instrumentalização acaba por desumanizar o homem. Assim, a ideia de homem é substituída pela necessidade de transformar e dominar a natureza. Aquilo que deveria ser em si mesmo, a noção de humanidade, passa a ser meio: o modo pelo qual a natureza deve ser conformada.
Quando a razão deixa de ser autônoma na proposição e promoção dos fins humanos, ela passa a operar como base para os fins do sistema. A razão perdeu a prerrogativa de determinar e orientar a humanidade para seu fim, pois serve a um sistema que visa continuar no controle da situação, tornando-se instrumento.”

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