quinta-feira, 26 de julho de 2018

Os caminhos da reflexão metafísica: fundamentação e crítica – Mauro Cardoso Simões

Editora: InterSaberes
ISBN: 978-85-443-0287-3
Opinião: ★★☆☆☆
Páginas: 232 

““O pensamento humano é, essencialmente, filosófico” (Husserl).
Quer dizer, o espírito humano, desperto e livre de preconceitos, não descansa em suas investigações até que não tenha descoberto as últimas causas do maior número possível de fenômenos. O pensamento deseja ir até as fontes do ser, quer conhecer as relações dos seres entre si e tende a unificar os seus conhecimentos isolados em uma síntese, em uma visão de conjunto. Todo o pensar humano procura refletir, criticamente, sobre o valor daquilo que elabora. Tudo isso é, precisamente, trabalho da filosofia.”



         “A verdade ontológica de uma coisa não é senão a completa concordância com o que ela deve ser, ou seja, com o plano segundo o qual foi feita. É precisamente esse plano de organização metafísica que, em última análise, a inteligência procura descobrir. Ao descobri-lo, dizemos que a verdade ontológica do objeto causa em nós a verdade lógica, isto é, uma concordância intencional entre a realidade e o nosso intelecto. Dizemos “intencional” em um sentido todo próprio, epistemológico: o conceito, que se espelha em nós (que somos a realidade), aponta ao objeto. Nós entendemos realmente a coisa, não o conceito, que não passa de simples meio de conhecimento. Ou, em outros termos: o que a inteligência vê é o conteúdo objetivo do conceito, não a sua forma (subjetiva).”


         “Você pode expulsar a natureza com um forcado, mas ela continuará retornando.” (Horácio)


         “Um sistema científico não é outra coisa senão a concatenação de toda uma série de definições, demonstrações, conclusões, hipóteses e axiomas, segundo determinado “método” e tratando de determinado objeto. É nesse sentido que geralmente se fala hoje em “ciência”.
Todos os três significados da palavra ciência têm uma coisa em comum: a de que procura sempre exprimir seu conhecimento por meio da relação entre causa e efeito; e a condição indispensável é que seja sempre um conhecimento “certo” e “evidente”, ou seja, que do ponto de vista lógico haja estrita consequência das operações cognoscitivas e que do ponto de vista objetivo ou ontológico seja manifesta a concordância entre o conhecimento e a realidade.”


         “Para Platão, a procura pela verdade há de se distinguir como tarefa por excelência da filosofia. Só assim o conhecimento torna-se fundamental e dotado de valor.”


“É adequado afirmarmos que todos os filósofos gregos concordavam que o homem é algo que sobressai ao resto do universo e que a alma humana é a parte mais importante do composto chamado homem. Parece ser também um consenso que a alma sobrevive após a morte do corpo.
Nesse panorama, as duas mais importantes visões sobre o homem que tiveram uma influência decisiva na alta escolástica foram as de Platão e Aristóteles. Podemos incluir nessa influência, também, o neoplatonismo e alguns elementos do estoicismo. Para Platão, a alma é o verdadeiro ser do homem; ela é o espirito exilado no mundo material e sua única tarefa é vencer a matéria e retornar ao mundo a que propriamente pertence, qual seja, o mundo das ideias.
Enquanto na concepção platônica a alma é verdadeiramente o outro-mundo (o mundo das ideias), para Aristóteles ela é primordialmente a substância do corpo. Embora Aristóteles atribua à alma humana certo parentesco com a divina, toda a sua doutrina sobre a alma humana (não “materialista”) revela-se inteiramente assentada e com os “pés no chão”.
Na filosofia estoica, a alma era concebida como uma participação na alma cósmica ou no logos, algo de caráter monístico. Essa alma, um fragmento ou uma “centelha” da alma divina, é a verdadeira personalidade do homem. Além disso, a verdadeira sabedoria consiste em libertar o pensamento e o querer dos liames das coisas terrenas, empíricas ou particulares e conservar a alma em harmonia com a direção divina e universal do cosmos.
Quando o neoestoicismo se encaminhava para uma visão de mundo determinista, naturalista e de um materialismo rígido, surge outra filosofia, o neoplatonismo — que aparece como defensora da doutrina da imortalidade e da “redenção” dos grilhões do mundo material. Para Plotino, a alma do homem é uma emanação da Alma Universal, que, por sua vez, provém do noûs (razão), do Uno*, enquanto pensa e quer por si mesmo.”
*: É uma ideia que significa “centro de onde derivam todas as coisas”. Serve como princípio organizador do mundo, que é pura multiplicidade.


“Segundo Étienne Gilson (1995), a ética de Agostinho forma uma só com a sua metafísica e a sua religião. O conhecimento ético é um caso particular da iluminação divina, que é, ela própria, um efeito das ideias divinas (justiça, amor, caridade). As definições de círculo e de esfera são verdades eternas e necessárias que julgam o nosso pensamento, e este, por sua vez, julga os círculos e as esferas particulares. Mas as verdades morais são tão imutáveis, necessárias e eternas quanto especulativas. Além disso, todo homem as vê na sua própria mente e elas são comuns a todos. Nesse sentido, todos parecem concordar que a sabedoria consiste no conhecimento pelo qual se obtém a felicidade; daí se infere que é necessário se esforçar para obtê-las.
“Única razão de filosofar é ser feliz; só aquele que é verdadeiramente feliz é verdadeiramente filósofo, e só o cristão é feliz, porque é o único que possui – e possuirá para sempre - o verdadeiro Bem, fonte de toda felicidade”. (Fonte: Étienne Gilson, A filosofia na Idade Média, 1995, p. 133.)
Muitas regras de sabedoria são claras, tais como respeitar a justiça, subordinar o inferior ao superior, tratar equitativamente as coisas semelhantes, dar a cada um o que lhe é devido etc. Todas essas regras, e muitas outras mais, constituem em nós as muitas expressões de uma ideia, de uma lei inteligível que é, para a nossa mente, uma luz. Há, portanto, uma iluminação moral das virtudes como há uma iluminação especulativa das cognições científicas. Em outras palavras, a mesma explicação metafísica considera a iluminação física dos corpos pelos números, a iluminação especulativa da mente pela ciência e a sua iluminação moral pela virtude.
As regras morais, cuja luz brilha em nós, constituem a “lei natural”: e o conhecimento, ou a percepção dessa luminosidade, chama-se consciência. Mas a consciência moral e o conhecimento das virtudes não bastam para consumar a vida moral. O homem não é só intelecto, é também vontade, e enquanto a sua vontade não se conformar com as prescrições da verdade moral, não se pode dizer que haja moralidade. O modelo de ordem que se obteria em nós mesmos se encontra diante de nós, na natureza.
A sabedoria de Deus colocou tudo em seu próprio lugar e estabeleceu entre as coisas todas as relações que convêm às suas naturezas. A “justiça” física é o modelo ideal com base no qual as nossas ações deveriam se realizar. As quatro virtudes cardeais de prudência, fortaleza, temperança e justiça são expressões particulares da “lei eterna” – e que, vale dizer, funcionam como regras de conduta aplicáveis a problemas particulares da vida moral.
De modo inverso, a origem comum dos vícios morais é o injusto movimento da vontade que se recusa a conformar-se às prescrições da ordem eterna. Mais especificamente, os vícios são ações desordenadas da vontade, que prefere o deleite dos bens materiais ao gozo da verdade inteligível.”


“A maior contribuição que marca a metafísica de São Tomás de Aquino pode ser considerada a doutrina filosófica sobre Deus, sendo mais conhecida pela doutrina das cinco vias para provar a existência divina.
As cinco vias para provar a existência de Deus
A primeira prova analisa a realidade do movimento e chega à conclusão da existência de um motor imóvel, sendo que a base para essa prova é a seguinte: nada pode mover-se por si mesmo, mas somente por outro (esse é o principio da causalidade). Além disso, não se pode conceber uma série indefinida de causas. Resumindo: todo movimento tem uma causa, sendo que esta deve ser exterior ao ser que está em movimento. Assim, não se pode ser, ao mesmo tempo, o que é movido e o que é o princípio ou causa do movimento. Aquino foi o primeiro a introduzir esse raciocínio aristotélico na escolástica.
A segunda prova foi extraída da série das causas eficientes. Isso significa que há um limite na cadeia delas, e esse limite é a causa primeira, que não possui outra causa que seja o fundamento de sua existência – ou seja, nada pode ser causa eficiente de si mesmo. Desse modo, toda causa eficiente supõe outra, a qual supõe outra, sucessivamente. É necessário, portanto, que exista uma primeira causa da série, uma causa intermediária e uma causa última. Essa causa primeira é Deus.
A terceira prova está fundamentada nas noções de contingência e necessidade e leva à conclusão da existência de um Ser primeiro e necessário. Uma vez que seres contingentes só podem existir pela admissão de um ser necessário que lhe sustente, e sendo que não se pode admitir uma série infinita de seres necessários, Aquino defende ser Deus o Ser primeiro e necessário – ou seja, o Ser necessário por si mesmo e que é causa de todos os seres não pode ser outro a não ser Deus.
A quarta prova é aquela que se fundamenta nos graus de perfeição das coisas. O conhecimento dos diversos graus de bem e de verdade das coisas leva-nos ao conhecimento de um Ser Supremo perfeitíssimo, que é causa de todo bem e de toda perfeição nas coisas.
Por último, a quinta prova da existência de Deus – que tem caráter teológico e se inspira nas obras dos santos padres da Igreja. A tese é a seguinte: a ordem e a finalidade que se observa no mundo nos levam ao conhecimento de uma inteligência suprema ordenadora, e essa inteligência primeira e ordenadora da finalidade das coisas é Deus. Essas provas, para Aquino, não são apenas o fundamento de nosso conhecimento da existência de Deus, mas também apontam o caminho das reflexões sobre a essência e os atributos divinos. Em resumo, tais provas contêm a demonstração de Deus como: a) primeiro motor imóvel e ato puro, sendo a mais pura realidade e sem nenhum grau de potencialidade; b) primeira causa (sem nenhuma outra causa) de todos os seres; c) ser eterno, necessário e perfeito.”

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