Editora: Brasil (Versão digitalizada da obra de 1959)
Tradução e prefácio: Afonso Bertagnoli
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 248
Sinopse: Ver Parte
I
“Enquanto a virtude e a felicidade constituem
conjuntamente a posse do sumo bem em uma pessoa e enquanto, além disso, estando
a felicidade repartida exatamente, em proporção idêntica, à moralidade (como
valor da pessoa e da sua dignidade de ser feliz), constituem ambas o sumo bem de um mundo possível, isto
significa o mais completo e acabado bem; neste, todavia, a virtude é sempre,
como condição, o bem mais elevado, porque não tem sobre si nenhuma outra
condição, enquanto a felicidade apresenta alguma coisa que é agradável para
aquele que possui, mas sem ser por si mesma absolutamente boa sob todos os
aspectos, dado que supõe, constantemente, de acordo com a lei, a conduta moral
como condição. (...)
O sumo bem é para nós prático; isto é,
devemos realizá-lo mediante a nossa vontade, concebendo nele a virtude e a
felicidade necessariamente ligados, de modo que não é possível, para uma razão
pura prática, admitir aquela e não admitir esta.”
“Torna-se, portanto, fácil compreender de que
modo a consciência de uma razão pura prática pode produzir, por esse próprio
fato (a virtude) uma consciência de supremacia sobre as nossas próprias
inclinações e, por conseguinte, como e até em que ponto podemos considerar a
nossa independência delas e, também, em virtude disso mesmo, conhecer tudo o
que de inapetecível sempre as acompanha, isto é, consequentemente, um contentamento que, na sua fonte,
representa um contentamento do indivíduo para com a sua própria pessoa. Até a
liberdade, desse modo (indireto) pode constituir um prazer que não deve ser
chamado propriamente de felicidade, porquanto não depende da intervenção
positiva de um sentimento e, para sermos mais exatos, também não pode ser
denominada, bem-aventurança, pois não
encerra uma independência total de inclinações e de necessidades, embora seja
semelhante à última quando pelo menos a determinação da vontade pode permanecer
livre da influência das inclinações e, pelo menos na sua origem, análoga à
qualidade do bastar-se a si mesma, a qual só podemos atribuir ao ser supremo.
Desta solução da antinomia da razão pura
prática deduzimos que, nos princípios práticos, uma relação natural e
necessária entre a consciência da moralidade e a esperança de uma felicidade
que lhe seja proporcionada em consequência daquela, pode ser julgada pelo menos
sendo possível (mas nem por isso pode ser imediatamente conhecida e penetrada);
pelo contrário, os princípios da procura da felicidade não podem, de modo
algum, produzir moralidade e, portanto, resulta que o mais elevado bem (como primacial condição do sumo bem) constitui a
moralidade, sendo a felicidade, embora segundo elemento do mesmo, contudo, de
tal modo que é a consequência moralmente condicionada, mas não necessária da
primeira. Nesta subordinação apenas o sumo bem é o objeto total da razão pura
prática, que esta deve representar-se necessariamente como possível, porque é
um mandato da mesma contribuir de todo o modo possível para a sua produção.”
“A atuação do sumo bem no mundo é o objeto
necessário de uma vontade determinável mediante a lei moral. Mas tal vontade é
a total correlação da disposição de
ânimo com a lei moral, a mais elevada condição do seu sumo bem. Deve ela,
portanto ser tão possível quanto o seu objeto, porque está contida no mesmo
mandato de fomentar que o fomenta. Mas a completa correlação da vontade à lei
moral constitui a santidade, ou seja,
uma perfeição para a qual nenhum ser racional está capacitado no mundo
sensível, seja qual for o momento de sua existência. Mas como ela, não obstante
a tudo, é exigida como praticamente necessária, não pode, também, ser
encontrada fora de um progresso que
vai ao infinito, àquela correlação
total, sendo que, segundo os princípios da razão pura prática, é necessário
admitir tal progressão prática como o objeto real da nossa vontade.
Este progresso infinito, todavia, só é
possível sob a suposição de uma existência
e personalidade duradoura no infinito do mesmo ser racional (a que chamamos
imortalidade da alma). Assim, portanto, o sumo bem só é praticamente viável sob
o aspecto da imortalidade da alma, sendo, por conseguinte, esta, ligada
inseparavelmente à lei moral como se encontra, um postulado da razão pura prática (pelo qual entendo eu uma
proposição teórica mas não demonstrável como tal, enquanto depende
inseparavelmente de uma lei prática que possua um valor incondicionado a priori).”
“A lei moral, na análise precedente,
conduziu-nos ao problema prático que, sem a intervenção de qualquer motor
sensível, está prescrito só pela razão pura como elemento necessário para o
conhecimento da primeira parte, a principal e mais complexa do sumo bem: a moralidade e, como este problema só pode
ser completamente resolvido mediante a eternidade, também nos conduz ao
postulado da imortalidade. Essa mesma
lei deve levar-nos, também, à possibilidade do segundo elemento do sumo bem,
isto é, à felicidade, adequada àquela
moralidade, com o mesmo interesse anterior, unicamente pela razão, imparcial,
ou seja, na suposição de uma causa adequada a este efeito na postulação da
existência à possibilidade do sumo bem (objeto da nossa vontade que está
necessariamente ligado à legislação moral da razão pura).”
“A felicidade
é o estado de um ser racional no mundo, para o qual, no conjunto de sua
existência, tudo ocorre segundo o desejo
de sua vontade; assenta, portanto, na concordância da natureza com a
finalidade total a que se propõe e, também, com o fundamento essencial de
determinação da sua vontade. Pois bem: a lei moral, como lei da liberdade,
ordena por meio de fundamentos de determinação, que devem ser inteiramente
independentes da natureza e da coincidência da mesma com a faculdade de desejar
(como motor); mas o ser agente racional no mundo não é ao mesmo tempo causa do
mundo e da própria natureza. Desse modo, portanto, não há na lei moral o menor
fundamento para uma conexão necessária entre a moralidade e a felicidade
proporcionada à natureza de um ser pertencente, como parte, ao mundo, e, por
conseguinte, por isso mesmo, esse ser não pode ser causa dessa natureza
mediante a sua vontade, sendo que, no que concerne à sua felicidade, não pode,
pelos seus próprios meios, produzir um acordo contínuo entre essa natureza e
seus princípios práticos. Entretanto, no problema prático da razão pura, isto
é, na faina necessária do desenvolvimento do sumo bem, tal conexão se postula
como necessária: devemos tratar de
fomentar o supremo bem (que, portanto, tem que ser possível). Postula-se
também, por conseguinte, a existência de uma causa da natureza em seu todo,
distinta da natureza e que encerra o fundamento dessa conexão, isto é, da
concordância exata entre a felicidade e a moralidade. Mas esta causa superior deve
conter o fundamento de uma coincidência da natureza, não só com uma lei da
vontade dos seres racionais, como também para com a representação dessa lei, quando estes a colocam como
fundamento mais elevado de determinação da vontade, desse modo não só com os
costumes, consoante à sua forma, mas também com a sua moralidade como
fundamento motor das mesmas, isto é, com a sua disposição de ânimo moral.
Assim, portanto, o sumo bem só é possível no mundo enquanto for admitida uma
causa superior da natureza, causa essa que encerre uma causalidade consoante à
disposição de ânimo moral. Um ser, portanto, que é capaz de ações segundo a
representação de leis, constitui uma inteligência
(ser racional), sendo a causalidade de um ser semelhante, segundo essa
representação das leis, uma vontade do
mesmo. Assim, portanto, a causa suprema da natureza, enquanto for ela um
pressuposto para o sumo bem, é um ser que, por razão e vontade,
constitui a causa (consequentemente, é o autor) da natureza, isto é, Deus. Por conseguinte, o postulado da
possibilidade do sumo bem derivado (um
mundo ótimo) é ao mesmo tempo o postulado da realidade de um sumo bem originário, isto é, da
existência de Deus. Constituía um dever imposto a nós mesmos fomentar o sumo
bem; por isso, não só era um direito mas também uma necessidade arraigada ao
dever, como exigência, pressupor a possibilidade deste supremo bem, o qual,
ocorrendo apenas sob a condição da existência de Deus, congloba
inseparavelmente a suposição do mesmo para com o dever, isto é, torna-se
moralmente necessário admitir a existência de Deus.
Deve-se notar aqui que esta necessidade moral
é subjetiva, ou seja, exigência, e
não objetiva, isto é o próprio dever;
porquanto não pode haver qualquer dever em aceitar a existência de uma coisa (dado
que isto só interessa ao uso teorético da razão). Também não se deve entender
com isso que seja necessário admitir a existência de Deus como princípio fundamental de toda a obrigação em
geral (porque, como ficou demonstrado de maneira suficiente, este princípio
tem a sua base exclusivamente na autonomia da própria razão).”
“Desse modo, a lei moral, mediante o conceito
do sumo bem, como objeto e fim último da razão pura prática, conduz à religião, isto é, ao conhecimento de todos os deveres como mandamentos divinos, não como
sanções, ou seja, ordens arbitrárias e por si mesmas contingentes de uma
vontade estranha, mas sim como leis essenciais de uma vontade livre por si
mesma, as quais, não obstante a isso, devem ser consideradas como mandamentos
do ser supremo, porque não nos é dado esperar o sumo bem, que a lei moral
projeta como um dever colocar-nos qual objeto do nosso esforço, para além de
uma vontade moralmente perfeita (santa e boa), ao mesmo tempo onipotente e, por
conseguinte, mediante uma concordância com essa vontade. Por isso, aqui tudo
ocorre de um modo desinteressado e fundamentado simplesmente sobre o dever, sem
que seja necessário colocar o temor ou a esperança em seu fundamento, qual
motores, porquanto, se chegam a ser princípios, aniquilam todo o valor moral
das ações. A lei moral ordena-me fazer do sumo bem, possível em um mundo, o fim
último de toda a minha conduta. Mas eu não posso esperar quando não seja por um
acordo de minha vontade com a de um autor santo e bom do mundo; e ainda que a minha própria felicidade se contenha no
conceito do sumo bem, como o de um todo no qual esteja representada como
ligada, na mais exata proporção, a maior felicidade com o maior conjunto de
perfeição moral (possível nas criaturas), todavia, não é ela mais do que a lei
moral (que limita, imediata e preferentemente, dentro das condições mais
rigorosas, o meu ilimitado desejo) o motivo determinante da vontade que se atém
à impulsão do sumo bem. Por isso, a lei moral não é também propriamente a doutrina
que nos ensina como nos tornamos felizes,
mas, sim, como devemos chegar a ser dignos
da felicidade, só depois, quando a realização sobrevém, vemos apresentar-se
também a esperança de ser um dia participantes da felicidade na medida em que
tratamos de não ser indignos dela.
Alguém é digno
da posse de uma coisa ou de um estado, quando o fato de estar nessa posse
concorda com o sumo bem. Pode-se compreender agora facilmente que toda a dignidade só depende da conduta moral,
porque esta, no conceito do sumo bem, constitui a condição do remanescente (que
pertence ao estado), isto é, da participação na felicidade. Deduz-se daqui que
nunca se deve tratar a moral em si como doutrina
da felicidade, isto é, como uma disciplina para chegar a ser participante
da felicidade, porquanto ela só tem relação com a condição racional da última (conditio sine qua non), mas não com um
meio de adquiri-la. Entretanto, quando ela (impondo apenas deveres e não dando
regras aos desejos interessados) foi inteiramente exposta, só então, depois que
despertado o desejo moral fundamentado em uma lei, de fomentar o sumo bem
(conduzir a nós o reino de Deus), desejo que não poderia nascer anteriormente
em qualquer alma egoísta, e depois de que, para satisfazer esse desejo, foi
articulado o passo à religião, podemos denominar esta doutrina moral também
doutrina da felicidade, porque a esperança desta última só desperta mediante a
religião. Também se pode compreender com isso tudo que, se buscarmos o fim último de Deus na criação do mundo,
não se deve aduzir a isso como fim a felicidade
dos seres racionais neste mundo, mas sim o sumo bem, o qual acrescenta àquele desejo dos seres racionais ainda
uma condição, a saber, a de ser digno da felicidade, isto é, a moralidade de todos esses mesmos seres
racionais, que contém a única medida segundo a qual podem eles aspirar à
participação da felicidade por mão de um criador sábio. Ainda que, com efeito, a sabedoria,
considerada teoricamente, importe no conhecimento
do sumo bem e, praticamente, na correlação
da vontade ao sumo bem, não se pode atribuir a uma sabedoria suprema,
independente, um fim que apenas se fundamentasse na bondade. É que não se pode conceber o efeito da bondade
(relativamente à felicidade dos seres racionais) senão sob a condição
restritiva de um acordo com a santidade de
sua própria vontade como conformada ao sumo bem na sua própria origem. Por
isso, aqueles que colocam o fim da criação na honra de Deus (supondo que julgue
este antropomorficamente como a inclinação a ser exaltada) encontraram a melhor
expressão. É que nada honra tanto a Deus do que tê-lo como o que haja de mais
apreciável no mundo: o respeito pelo seu mandato, a observância do santo dever
que nos impõe a sua lei, quando vem acrescentar-se a sua magnífica disposição
de coroar tão formosa ordem com felicidade que a ela se coadune. Se esta última
a torna amável (para falarmos em linguagem humana) é, por outro lado, objeto de
adoração para a primeira. Os próprios homens, praticando o bem, podem ser
dignos de amor; mas somente com isso não podem conquistar nunca o respeito;
desse modo a maior beneficência só os honra quando executada segundo a sua
dignidade.
Que, na ordem dos fins, o homem (e com ele
todo o ser racional) seja um fim em si
mesmo, isto é, não possa nunca ser utilizado só como meio por alguém (nem
mesmo por Deus), sem ao mesmo tempo ser um fim; que, portanto, a humanidade, em
nossa pessoa, deve ser para nós sagrada, é coisa consequente, porquanto o homem
é o sujeito da lei moral, e, por
conseguinte, também do que é em si santo, do que permite chamar santo a tudo o
que com isso for concordante. É que esta lei moral se fundamenta na autonomia
de sua vontade como vontade livre, a qual, necessariamente, deve poder concordar, ao mesmo tempo, segundo as
suas leis universais, com tudo aquilo ao qual se deve submeter.”
“Na amplificação prática de um conhecimento
puro, deve ser dada uma intenção a priori,
isto é, um fim como objeto (da vontade) que, independentemente de todo o
princípio teórico, seja representado como praticamente necessário por um imperativo
que determine imediatamente a vontade (um imperativo categórico), o que,
consiste aqui no sumo bem. Mas este
não é possível sem pressupor três conceitos teóricos (para as quais não se pode
encontrar qualquer intuição correspondente, porque são eles meros conceitos
puros da razão e, por conseguinte, não podemos encontrar para os mesmos
realidade objetiva alguma no roteiro teórico), os quais são: liberdade,
imortalidade e Deus. Desse modo, portanto, mediante a lei prática, que ordena a
existência do sumo bem num mundo, resulta postulada a viabilidade daqueles
objetos da razão especulativa, a realidade objetiva que esta razão não podia
assegurar-lhes, por meio do que, imediatamente, o conhecimento teórico da razão
pura recebe um acréscimo, consistente, muito embora, tão somente no fato
daqueles conceitos que para ela são problemáticos (simplesmente imagináveis),
são agora afirmados assertoricamente, como conceitos aos quais correspondem
realmente objetos, porque a razão prática necessita inevitavelmente da
existência dos mesmos para a possibilidade do seu objeto, o sumo bem, que
praticamente é em absoluto necessário, resultando a teórica autorizada,
portanto, a supô-los.”
“Se, além disso, as ideias de Deus, de um
mundo inteligível (o reino de Deus) e da imortalidade, determinadas mediante
predicados deduzidos da nossa própria natureza, não se pode considerar esta
determinação como representação sensível daquelas
ideias racionais puras (antropomorfismo), nem como conhecimento transcendente
de objetos suprassensíveis, dado que
estes predicados não são outra coisa mais do que a inteligência e a vontade,
consideramo-los em relação recíproca, tais como os devemos conceber na lei
moral e, por conseguinte, só enquanto deles fizermos um uso puro prático.
Então, fazendo abstração de tudo o que depende psicologicamente destes
conceitos, isto é, enquanto observamos empiricamente esta nossa faculdade no seu exercício (por exemplo, que o
entendimento do homem é discursivo, sendo por conseguinte, as suas
representações pensamentos e não intuições; que estas representações ocorrem no
tempo; que a sua vontade tem sempre a sua satisfação dependente da existência
de seu objeto, etc., fatos esses que não ocorrem desse modo no ser supremo), não
resultando assim dos conceitos, mediante os quais nos é dado representar um ser
puro do entendimento, nada mais do que é exigido precisamente para a
possibilidade de conceber e, por conseguinte, o conhecimento de Deus, mas
somente na relação prática. Por isso, se tentarmos distender este conhecimento
a um ponto de vista teorético, resultará que possuímos um entendimento que não
pensa mas apenas intui; uma vontade
que se dirige a objetos de cuja existência não depende, nem em parcela mínima,
a sua satisfação (nem ao menos pretendo mencionar os predicados
transcendentais, como, por exemplo, uma ampla existência, ou seja duração, mas
que não encontra lugar no tempo, único meio possível para representarmos a
existência como sendo magnífica), propriedades estas acerca das quais não
podemos formular qualquer conceito que sirva para o conhecimento do objeto, concluindo com isso que eles nunca podem
ser utilizados para uma teoria de
seres suprassensíveis e, portanto, não podem, nesse particular, estabelecer
qualquer conhecimento especulativo, cabendo-lhe apenas limitar o seu uso ao
exercício da lei moral.”
“Mas em relação ao uso prático, ainda nos
resta nas propriedades de um entendimento e de uma vontade, o conceito de uma
relação, à qual a lei prática (que determina precisamente a priori esta relação do entendimento com a vontade) proporciona
realidade objetiva. Mas uma vez que isso ocorreu, é proporcionada realidade ao
conceito do objeto de uma vontade moralmente determinada (ao do sumo bem), e
com ele às condições de sua possibilidade, às ideias de Deus, de liberdade e de
imortalidade, mas sempre só em relação com o exercício da lei moral (e não para
uma necessidade especulativa).
Depois dessa observação, fácil se torna
encontrar a resposta à importante questão de se o conceito de Deus é um conceito pertencente à física (por
conseguinte também à metafísica, como a que só contém os princípios puros a priori da primeira na significação
universal), ou um conceito pertencente à
moral. Explicar as disposições
naturais, ou as suas mutações, recorrendo a Deus como autor de todas as coisas,
não é certamente uma explicação física, constituindo isso, sempre, uma
confissão de que é ali onde a filosofia termina a sua tarefa, porquanto desse
modo, somos obrigados a admitir algo cujo conceito não as encerra em si mesmo,
para podermos formar um conceito da possibilidade daquilo que temos diante da
nossa vista. Entretanto, alcançar por meio da metafísica o conceito de Deus e a
prova da sua existência mediante
conclusões seguras, partindo do conhecimento deste mundo, é impossível, porque não nos compete conhecer este
mundo como o todo mais perfeito possível; por conseguinte, para tal fim,
deveríamos conhecer todos os mundos possíveis (para podê-los confrontar com
este) e, portanto, ser oniscientes, para dizer que esse mundo só é possível
mediante um Deus (tal e como nos é
dado ter uma ideia desse conceito). Mas, além disso, é absolutamente impossível
conhecer a existência deste ser por simples conceitos,
porque uma proposição existencial, isto é, aquela que acerca de um ser, do qual
eu formulo um conceito, diz que ele existe, é uma proposição sintética, isto é,
uma proposição por meio da qual eu vou além daquele conceito, dizendo mais do
que foi pensado no conceito, ou seja, que a este conceito do entendimento, corresponde um objeto fora do entendimento, o qual é manifestamente impossível de
produzir-se mediante qualquer raciocínio. Desse modo, resta apenas o único
procedimento à razão para alcançar esse conhecimento, a saber: que ela, como
razão pura, partindo do princípio superior de seu uso puro prático (dirigido
este, além disso, só à existência de
algo, como consequência da razão), determine o seu objeto, e então mostre-se
inevitável no seu problema, isto é, a direção necessária da vontade para o sumo
bem, não apenas a necessidade de aceitar esse primeiro em relação com a
possibilidade deste bem no mundo, mas, também, o que ainda é mais de notar,
alguma coisa que faltava em absoluto ao progresso da razão no caminho da natureza,
ou seja, um conceito exatamente
determinado por este ser originário. Como só conhecemos deste mundo uma
pequena parte e, por isso, não podemos compará-lo com todos os mundos
possíveis, embora possamos, pela sua ordem, deduzir que o autor do universo
deve ser sábio, bom, poderoso, etc.;
isso tudo nos é dado deduzir da ordem, da finalidade e da grandeza do universo,
mas não podemos conceber a onisciência,
a bondade infinita e a onipotência, etc., deste autor. Podemos,
ainda, admitir que temos o direito de suprir a nossa carência de poder para
conceber os atributos desse autor mediante uma hipótese totalmente racional e
permitida, isto é, que se em todas as partes que se apresentam ao nosso
conhecimento brilham a sabedoria, a bondade, etc., em todas as demais deverá
ser assim, sendo portanto racional atribuir ao Criador do mundo toda a
perfeição possível; mas estas não são conclusões
por meio das quais possamos enaltecer a nossa penetração, mas apenas
direitos que nos podem ser concedidos e que, apesar de tudo, necessitam de um
assentimento alheio para deles fazermos uso. O conceito de Deus resulta, assim,
portanto, no caminho empírico (da física) um conceito não exatamente
determinado da perfeição do ser primordial, não se podendo considerá-lo
adequado ao conceito de uma divindade (em sua parte transcendental, a
metafísica, nada se pode levar a cabo).”
“Uma exigência da razão pura prática, é fundamentada em um dever, o de tornar algo (o supremo bem)
objeto de minha vontade para fomentá-lo com todas as minhas forças; mas, para
isso, devo eu pressupor a possibilidade do mesmo e, por conseguinte, também as
condições dessa possibilidade, a saber, Deus, a liberdade e a imortalidade,
porque não posso demonstrá-las mediante a minha razão especulativa, nem mesmo
repudiá-las. Este dever está fundamentado em uma lei, imediata e inteiramente
independente destas últimas pressuposições, apoditicamente certa por si mesma,
isto é, na lei moral, não necessitando portanto de qualquer outro apoio em uma
opinião teórica sobre a natureza interior das coisas, sobre o fim secreto da
ordem no mundo ou sobre um governante que o presida, para obrigar-nos
perfeitamente a ações incondicionadas conforme à lei. Mas o efeito subjetivo
dessa lei, isto é, a disposição de ânimo a
ela adequada e também por ela própria necessária para fomentar o supremo bem
praticamente possível, pressupõe, contudo, no mínimo, que este último resulte,
possível, porque, do contrário, seria praticamente impossível esforçar-se para
o objeto de um conceito que fosse, no fundo, vão e sem objetivo.”
“Acredita sempre que é uma abominável
iniquidade preferir a vida à honra, e por amor à vida perder o que a torna
digna de ser vivida.” (Juvenal – Sat. 8. 79-84)
“Vê-se portanto que o método se desenrola do
seguinte modo: Primeiro se trata só de fazer com que o juízo, por meio de leis
morais, venha a ser ocupação natural paralela a todas as ações que nos são
próprias, sem contudo perder de vista as ações livres alheias, de forma a
chegar ser, por assim dizer, um costume que se fortifique em nossa faculdade de
julgar, inquirindo, cada vez com maior penetração e antes de qualquer outra
coisa, se a ação está objetivamente conforme
à lei moral e a que lei. Distinguimos nisso a atenção àquela lei que só nos
é dado proporcionar pelo princípio da
obrigação daquela outra que é de fato obrigatória
como, por exemplo, a lei que manda aliviar a penúria do homem e o direito
desse mesmo homem; a última prescreve deveres essenciais, enquanto a primeira
exige deveres acidentais, podendo cada um capacitar-se assim dos diferentes
deveres que coincidem na mesma ação. Outro ponto acerca do qual se torna
necessário chamar a atenção, é a questão de saber se a ação se realizou também
(subjetivamente) prismada, na lei moral e,
consequentemente, se está enquadrada na sua máxima; se possui, como fato, a
exatidão moral, e se teve, como intenção, um verdadeiro moral. Não resta dúvida
de que este exercício e a consciência da cultura que resulta de nossa razão
quando formula os seus juízos, atendo-se somente ao prático, deva produzir
paulatinamente em nós algum interesse para com a lei que rege a nossa razão e,
por conseguinte, as nossas ações moralmente boas, porque, por fim, acabamos por
amar aquilo que consideramos como fator principal de conhecimentos amplos no
uso mais extenso de nossas faculdades cognoscitivas, extensão esta que devemos
precisamente e de forma especial àquilo onde encontramos a exatidão moral,
porquanto nessa ordem de coisas podemos encontrar a razão perfeitamente
enquadrada nos seus limites quando pode determinar a priori, segundo certos princípios, o que deva ocorrer. Desse modo
acaba um observador da natureza por afeiçoar-se aos objetos que de começo
repugnam aos seus sentidos, ao descobrir nos mesmos a grande finalidade de sua
organização, alimentando assim nessas pesquisas a sua razão. Leibnitz, por
exemplo, depois de ter examinado cuidadosamente um inseto ao microscópio,
tornou a colocá-lo cuidadosamente na folha onde o encontrara, porque, tendo-o
instruído, e portanto proporcionado um benefício, resultara credor de sua
gratidão.”
“Todavia, se posso vencer todas essas
dúvidas, então fica patente aí a consciência das inclinações e das
circunstâncias felizes, além da possibilidade de bastar-se a si mesmo, que
sempre me resulta proveitosa sob outros aspectos. Resultará disso que a lei do
dever, no valor positivo que a observância da mesma nos faz sentir, encontrará
fácil acesso em nosso recôndito, graças ao respeito
para com nós mesmos, que se origina na consciência da nossa liberdade. Se
este respeito for bem estabelecido, se o homem não teme nada tanto quanto
encontrar-se diante de seus próprios olhos em exame de consciência desprezível
e repugnante, pode agora fundamentar-se sobre este sentimento todas as boas
disposições morais, porque isso constitui a melhor custódia, talvez a única
capaz de impedir que instintos pouco nobres, capazes de corrupção, penetrem no
ânimo.”
Nenhum comentário:
Postar um comentário