Editora: Contraponto
ISBN: 978-85-8591-017-4
Tradução: Estela dos Santos Abreu
Opinião: ★★★★★
Páginas: 240
Sinopse: Mais
importante obra teórica produzida no contexto que precedeu os acontecimentos de
Maio de 1968, A sociedade do espetáculo é um livro genial e único,
precursor de toda análise crítica da moderna sociedade de consumo. Para Antonio
Negri, é um dos dez livros mais importantes do século. Para Jean–Jacques
Pauvert, “não antecipou 1968, como normalmente se diz; antecipou o século XXI”.
Está certo: nunca a tirania das imagens e a submissão alienante ao império da
mídia, denunciadas por Debord, foram tão fortes como agora. Nunca os
profissionais do espetáculo tiveram tanto poder: invadiram todas as fronteiras
e conquistaram todos os domínios — da arte à economia, da vida cotidiana à
política —, passando a organizar de forma consciente e sistemática o império da
passividade. O livro é, sem dúvida, a mais aguda crítica à sociedade que se
organiza em torno dessa falsificação da vida comum. A edição brasileira inclui
dois trabalhos posteriores — um de 1979, outro de 1988 — em que Debord comenta
sua própria obra.
Filósofo, agitador social, diretor de cinema, Guy Debord
se definia como ‘doutor em nada’ e pensador radical. Ligou-se nos anos 50 à
geração herdeira do dadaísmo e do surrealismo.
“É sabida a forte tendência dos homens para
repetir inutilmente os fragmentos simplificados das teorias revolucionárias
antigas, cuja usura lhes é escondida pelo simples fato de que não tentam
aplicá-las a qualquer luta efetiva, para transformar as condições em que se
encontram verdadeiramente; de tal forma que compreendem pouco melhor como estas
teorias puderam, com sortes diversas, ser determinantes nos conflitos doutros
tempos. Apesar disto, não oferece dúvida para quem examina friamente a questão,
que aqueles que querem abalar realmente uma sociedade estabelecida devem
formular uma teoria que explique fundamentalmente esta sociedade; ou pelo menos
que tenha todo o ar de dar dela uma explicação satisfatória. Assim que esta
teoria é um pouco divulgada, na condição de que o seja nos afrontamentos que
perturbam a tranquilidade pública, e mesmo antes dela chegar a ser exatamente
compreendida, o descontentamento por toda a parte em suspenso será agravado e
atiçado, pelo simples conhecimento vago da existência de uma condenação teórica
da ordem das coisas. E depois, é começando a dirigir com cólera a guerra da
liberdade, que todos os proletários podem tornar-se estrafegas.”
“Os terroristas se movem às vezes pelo desejo
de fazer com que se fale deles.”
“O espetáculo não é um conjunto de imagens,
mas uma relação social entre pessoas, mediada por imagens.
O espetáculo não pode ser compreendido como o
abuso de um mundo da visão, o produto das técnicas de difusão massiva de
imagens. Ele é bem mais uma Weltanschauung*
tornada efetiva, materialmente traduzida. É uma visão do mundo que se
objetivou.
O espetáculo, compreendido na sua totalidade,
é ao mesmo tempo o resultado e o projeto do modo de produção existente. Ele não
é um suplemento ao mundo real, a sua decoração readicionada. É o coração da
irrealidade da sociedade real. Sob todas as suas formas particulares,
informação ou propaganda, publicidade ou consumo direto de divertimentos, o
espetáculo constitui o modelo presente da vida socialmente dominante. Ele é a
afirmação onipresente da escolha já feita na produção, e o seu corolário, o
consumo. Forma e conteúdo do espetáculo são, identicamente, a justificação
total das condições e dos fins do sistema existente. O espetáculo é também a
presença permanente desta justificação, enquanto ocupação da parte principal do
tempo vivido fora da produção moderna.”
*: cosmovisão.
“Não se pode opor abstratamente o espetáculo
e a atividade social efetiva; este desdobramento está ele próprio desdobrado. O
espetáculo que inverte o real é efetivamente produzido. Ao mesmo tempo, a
realidade vivida é materialmente invadida pela contemplação do espetáculo, e
retoma em si própria a ordem espetacular dando-lhe uma adesão positiva. A
realidade objetiva está presente nos dois lados. Cada noção assim fixada não
tem por fundamento senão a sua passagem ao oposto: a realidade surge no espetáculo,
e o espetáculo é real. Esta alienação recíproca é a essência e o sustento da
sociedade existente.
No mundo realmente reinvertido, o verdadeiro
é um momento do falso.
Considerado segundo os seus próprios termos,
o espetáculo é a afirmação da aparência e a afirmação de toda a vida humana,
isto é, social, como simples aparência. Mas a crítica que atinge a verdade do
espetáculo descobre-o como a negação visível da vida; como uma negação da vida
que se tornou visível.”
“O espetáculo apresenta-se como uma enorme
positividade indiscutível e inacessível. Ele nada mais diz senão que “o que
aparece é bom, o que é bom aparece”. A atitude que ele exige por princípio é
esta aceitação passiva que, na verdade, ele já obteve pela sua maneira de
aparecer sem réplica, pelo seu monopólio da aparência.
O caráter fundamentalmente tautológico do
espetáculo decorre do simples fato de os seus meios serem ao mesmo tempo a sua
finalidade. Ele é o sol que não tem poente, no império da passividade moderna.
Recobre toda a superfície do mundo e banha-se indefinidamente na sua própria
glória.
A sociedade que repousa sobre a indústria
moderna não é fortuitamente ou superficialmente espetacular, ela é
fundamentalmente espetaculosa. No espetáculo, imagem da economia reinante, o
fim não é nada, o desenvolvimento é tudo. O espetáculo não quer chegar a outra
coisa senão a si próprio.
Enquanto indispensável adorno dos objetos
hoje produzidos, enquanto exposição geral da racionalidade do sistema, e
enquanto setor econômico avançado que modela diretamente uma multidão crescente
de imagens-objetos, o espetáculo é a principal produção da sociedade atual.
O espetáculo submete a si os homens vivos, na
medida em que a economia já os submeteu totalmente. Ele não é nada mais do que
a economia se desenvolvendo para si própria. É o reflexo fiel da produção das
coisas, e a objetivação infiel dos produtores.
A primeira fase da dominação da economia
sobre a vida social levou, na definição de toda a realização humana, a uma
evidente degradação do ser em ter. A fase presente da ocupação total da vida
social pelos resultados acumulados da economia conduz a um deslizar
generalizado do ter em parecer, de que todo o “ter” efetivo deve tirar o seu
prestígio imediato e a sua função última. Ao mesmo tempo, toda a realidade
individual se tornou social, diretamente dependente do poderio social, por ele
moldada. Somente nisto em que ela não é, lhe é permitido aparecer.”
“Lá onde o mundo real se converte em simples
imagens, as simples imagens tornam-se seres reais e motivações eficientes de um
comportamento hipnótico. O espetáculo, como tendência para fazer ver por
diferentes mediações especializadas o mundo que já não é diretamente
apreensível, encontra normalmente na visão o sentido humano privilegiado que
noutras épocas foi o tato; o sentido mais abstrato, e o mais mistificável,
corresponde à abstração generalizada da sociedade atual. Mas o espetáculo não é
identificável ao simples olhar, mesmo combinado com o ouvido. Ele é o que
escapa à atividade dos homens, à reconsideração e à correção da sua obra. É o
contrário do diálogo. Em toda a parte onde há representação independente, o
espetáculo reconstitui-se.”
“À medida que a necessidade se encontra
socialmente sonhada, o sonho torna-se necessário. O espetáculo é o mau sonho da
sociedade moderna acorrentada, que finalmente não exprime senão o seu desejo de
dormir. O espetáculo é o guardião deste sono.”
“O sistema econômico fundado no isolamento é
uma produção circular do isolamento. O isolamento funda a técnica e, em
retorno, o processo técnico isola. Do automóvel à televisão, todos os bens
selecionados pelo sistema espetacular são também as suas armas para o reforço
constante das condições de isolamento das “multidões solitárias”. O espetáculo
reencontra cada vez mais concretamente os seus próprios pressupostos.”
“A alienação do espectador em proveito do
objeto contemplado (que é o resultado da sua própria atividade inconsciente)
exprime-se assim: quanto mais ele contempla, menos vive; quanto mais aceita
reconhecer-se nas imagens dominantes da necessidade, menos ele compreende a sua
própria existência e o seu próprio desejo. A exterioridade do espetáculo em
relação ao homem que age aparece nisto, os seus próprios gestos já não são
seus, mas de um outro que lhos apresenta. Eis porque o espectador não se sente
em casa em nenhum lado, porque o espetáculo está em toda a parte.”
“O espetáculo é o capital a um tal grau de
acumulação que se torna imagem.”
“É o princípio do fetichismo da mercadoria, a
dominação da sociedade por “coisas suprassensíveis embora sensíveis” que se
realiza absolutamente no espetáculo, onde o mundo sensível se encontra
substituído por uma seleção de imagens que existem acima dele, e que ao mesmo
tempo se fez reconhecer como o sensível por excelência.”
“O espetáculo é o momento em que a mercadoria
chega à ocupação total da vida social. Não só a relação com a mercadoria é
visível, como nada mais se vê senão ela: o mundo que se vê é o seu mundo.”
“O espetáculo é uma permanente guerra do ópio
para fazer aceitar a identificação dos bens às mercadorias; e da satisfação à
sobrevivência, aumentando segundo as suas próprias leis. Mas se a sobrevivência
consumível é algo que deve aumentar sempre, é porque ela não cessa de conter a
privação. Se não há nenhum além para a sobrevivência aumentada, nenhum ponto
onde ela poderia cessar o seu crescimento, é porque ela própria não está para
além da privação, mas é sim a privação tornada mais rica. (...)
É a realidade desta chantagem, o fato de o
uso sob a sua forma mais pobre (comer, habitar) já não existir senão
aprisionado na riqueza ilusória da sobrevivência aumentada, que é a base real
da aceitação da ilusão em geral no consumo das mercadorias modernas. O
consumidor real toma-se um consumidor de ilusões. A mercadoria é esta ilusão
efetivamente real, e o espetáculo a sua manifestação geral.”
“Esta constante da economia capitalista, que
é a baixa tendencial do valor de uso, desenvolve uma nova forma de privação no
interior da sobrevivência aumentada, a qual não está, por isso, mais liberta da
antiga penúria, visto que exige a participação da grande maioria dos homens,
como trabalhadores assalariados, no prosseguimento infinito do seu esforço; e que
cada qual sabe que é necessário submeter-se lhe ou morrer. É a realidade desta
chantagem, o fato de o uso sob a sua forma mais pobre (comer, habitar) já não
existir senão aprisionado na riqueza ilusória da sobrevivência aumentada, que é
a base real da aceitação da ilusão em geral no consumo das mercadorias
modernas. O consumidor real toma-se um consumidor de ilusões. A mercadoria é
esta ilusão efetivamente real, e o espetáculo a sua manifestação geral.”
“O espetáculo é a outra face do dinheiro: o
equivalente geral abstrato de todas as mercadorias. Mas se o dinheiro dominou a
sociedade enquanto representação da equivalência central, isto é, do caráter
permutável dos bens múltiplos cujo uso permanecia incomparável, o espetáculo e
o seu complemento moderno desenvolvido, onde a totalidade do mundo mercantil
aparece em bloco como uma equivalência geral ao que o conjunto da sociedade
pode ser e fazer. O espetáculo é o dinheiro que se olha somente, pois nele é já
a totalidade do uso que se trocou com a totalidade da representação abstrata. O
espetáculo não é somente o servidor do pseudo-uso. É já, em si próprio, o
pseudo-uso da vida.”
“A vitória da economia autônoma deve ser, ao
mesmo tempo, a sua perda. As forças que ela desencadeou suprimem a necessidade
econômica que foi a base imutável das sociedades antigas. Quando ela a
substitui pela necessidade do desenvolvimento econômico infinito, ela não pode
senão substituir a satisfação das primeiras necessidades, sumariamente
reconhecidas, por uma fabricação ininterrupta de pseudonecessidades que se
reduzem à única pseudonecessidade da manutenção do seu reino. Mas a economia
autônoma separa-se para sempre da necessidade profunda, na própria medida em
que sai do inconsciente social que dela dependia sem o saber. “Tudo o que é
consciente se usa. O que é inconsciente permanece inalterável. Mas uma vez
liberto, não cai por sua vez em ruínas?” (Freud).”
“A consciência do desejo e o desejo da
consciência são identicamente este projeto que, sob a sua forma negativa, quer
a abolição das classes, isto é, a posse direta pelos trabalhadores de todos os
momentos da sua atividade. O seu contrário é a sociedade do espetáculo onde a
mercadoria se contempla a si mesma num mundo que ela criou.”
“O espetáculo, como a sociedade moderna, está
ao mesmo tempo unido e dividido. Como esta, ele edifica a sua unidade sobre o
dilaceramento. A contradição, quando emerge no espetáculo, é por sua vez
contradita por uma reinversão do seu sentido; de modo que a divisão mostrada é
unitária, enquanto que a unidade mostrada está dividida.”
“Não é somente pela sua hegemonia econômica
que a sociedade portadora do espetáculo domina as regiões subdesenvolvidas.
Domina-as enquanto sociedade do espetáculo. Lá onde a base material ainda está
ausente, a sociedade moderna já invadiu espetacularmente a superfície social de
cada continente. Ela define o programa de uma classe dirigente e preside à sua
constituição. Do mesmo modo que apresenta os pseudobens a cobiçar, ela oferece
aos revolucionários locais os falsos modelos de revolução.”
“É a unidade da miséria que se esconde sob as
aposições espetaculares. Se formas diversas da mesma alienação se combatem sob
as máscaras da escolha total, é porque elas são todas identificadas sobre as
contradições reais recalcadas. Conforme as necessidades do estádio particular
da miséria, que ele desmente e mantém, o espetáculo existe sob uma forma
concentrada ou sob uma forma difusa. Nos dois casos, ele não é mais do que uma
imagem de unificação feliz, cercada de desolação e de pavor, no centro
tranquilo da infelicidade.”
“O espetacular concentrado pertence
essencialmente ao capitalismo burocrático, embora possa ser importado como
técnica do poder estatal sobre economias mistas mais atrasadas, ou em certos
momentos de crise do capitalismo avançado. A própria propriedade burocrática é
efetivamente concentrada, no sentido em que o burocrata individual não tem
relações com a posse da economia global senão por intermédio da comunidade
burocrática, senão enquanto membro desta comunidade. Além disso, a produção
menos desenvolvida das mercadorias apresenta-se, também, sob uma forma
concentrada: a mercadoria que a burocracia detém é o trabalho social total, e o
que ela revende à sociedade é a sua sobrevivência em bloco. A ditadura da
economia burocrática não pode deixar às massas exploradas nenhuma margem
notável de escolha, visto que ela teve de escolher tudo por si própria, e que
toda outra escolha exterior, quer diga respeito à alimentação ou à música, é já
a escolha da sua destruição completa. Ela deve acompanhar-se de uma violência
permanente. A imagem imposta do bem, no seu espetáculo, recolhe a totalidade do
que existe oficialmente e concentra-se normalmente num único homem, que é a
garantia da sua coesão totalitária. Com esta vedete absoluta, deve cada um
identificar-se magicamente, ou desaparecer. Pois se trata do senhor do seu
não-consumo, e da imagem heroica de um sentido aceitável para a exploração
absoluta, que é na realidade a acumulação primitiva acelerada pelo terror. Se
cada chinês deve aprender Mao, e assim ser Mao, é que ele não tem mais nada
para ser. Lá onde domina o espetacular concentrado domina também a polícia.”
“Sem dúvida, a pseudonecessidade imposta no
consumo moderno não pode ser oposta a nenhuma necessidade ou desejo autêntico,
que não seja, ele próprio, modelado pela sociedade e sua história. Mas a
mercadoria abundante está lá como a ruptura absoluta de um desenvolvimento
orgânico das necessidades sociais. A sua acumulação mecânica liberta um
artificial ilimitado, perante o qual o desejo vivo fica desarmado. A potência
cumulativa de um artificial independente conduz, em toda a parte, à
falsificação da vida social.”
“A própria impostura da satisfação deve
denunciar-se ao substituir-se, ao seguir a mudança dos produtos e das condições
gerais da produção. Aquilo que afirmou, com o mais perfeito descaramento, a sua
própria excelência definitiva muda não só no espetáculo difuso, mas também no
espetáculo concentrado, e é só o sistema que deve continuar: Stalin, como a
mercadoria fora de moda, é denunciado por aqueles mesmos que o impuseram. Cada
nova mentira da publicidade é também a confissão da sua mentira precedente.
Cada derrocada de uma figura do poder totalitário revela a comunidade ilusória
que a aprovava unanimemente e que não era mais do que um aglomerado de solidões
sem ilusões.”
“A unidade irreal que o espetáculo proclama é
a máscara da divisão de classe sobre a qual repousa a unidade real do modo de
produção capitalista. O que obriga os produtores a participar na edificação do
mundo é também o que disso os afasta. O que põe em relação os homens libertos
das suas limitações locais e nacionais é também o que os distancia. O que
obriga ao aprofundamento do racional é também o que alimenta o racional da
exploração hierárquica e da repressão. O que faz o poder abstrato da sociedade
faz a sua não-liberdade concreta.”
“O fascismo foi uma defesa extremista da
economia burguesa, ameaçada pela crise e pela subversão proletária, o estado de
sítio na sociedade capitalista, pelo qual esta sociedade se salva e se dota de
uma primeira racionalização de urgência, fazendo intervir maciçamente o Estado
na sua gestão. Mas uma tal racionalização é, ela própria, agravada pela imensa
irracionalidade do seu meio. Se o fascismo se lança na defesa dos principais
pontos da ideologia burguesa tornada conservadora (a família, a propriedade, a
ordem moral, a nação), reunindo a pequena burguesia e os desempregados
desnorteados pela crise ou desiludidos pela impotência da revolução socialista,
ele próprio não é fundamentalmente ideológico. Ele apresenta-se como aquilo que
é: uma ressurreição violenta do mito, que exige a participação numa comunidade
definida por pseudovalores arcaicos: a raça, o sangue, o chefe. O fascismo é o
arcaísmo tecnicamente equipado. O seu ersatz
decomposto do mito é retomado no contexto espetacular moderno, do mesmo modo
que a sua parte na destruição do antigo movimento operário faz dele uma das
potências fundadoras da sociedade presente; mas como também acontece que o
fascismo é a forma mais dispendiosa da manutenção da ordem capitalista, ele
devia normalmente abandonar a boca da cena que ocupam os grandes papéis
desempenhados pelos Estados capitalistas, eliminado por formas mais racionais e
mais fortes desta ordem.”
“Neste desenvolvimento complexo e terrível,
que arrastou a época das lutas de classes para novas condições, o proletariado
dos países industrializados perdeu completamente a afirmação da sua perspectiva
autônoma e, em última análise, as suas ilusões, mas não o seu ser. Ele não foi
suprimido. Permanece irredutivelmente existente na alienação intensificada do
capitalismo moderno: ele é a imensa maioria dos trabalhadores que perderam todo
o poder sobre o emprego da sua vida, e que, desde que o sabem, se redefinem
como o proletariado, o negativo em marcha nesta sociedade. Este proletariado é,
objetivamente, reforçado pelo movimento do desaparecimento do campesinato, como
pela extensão da lógica do trabalho na fábrica, que se aplica a uma grande
parte dos “serviços” e das profissões intelectuais. É subjetivamente que este
proletariado está ainda afastado da sua consciência prática de classe, não só
nos empregados, mas também nos operários que ainda não descobriram senão a
impotência e a mistificação da velha política. Porém, quando o proletariado
descobre que a sua própria força exteriorizada concorre para o reforço
permanente da sociedade capitalista, já não só sob a forma de trabalho seu, mas
também sob a forma dos sindicatos, dos partidos ou do poder estatal que ele
tinha constituído para se emancipar, descobre também pela experiência histórica
concreta que ele é a classe totalmente inimiga de toda a exteriorização
petrificada e de toda a especialização do poder. Ele traz a revolução que não
pode deixar nada no exterior de si própria, a exigência da dominação permanente
do presente sobre o passado, e a crítica total da separação; e é disto que ele
deve encontrar a forma adequada na ação. Nenhuma melhoria quantitativa da sua
miséria, nenhuma ilusão de integração hierárquica é um remédio durável para a
sua insatisfação, porque o proletariado não pode reconhecer-se veridicamente
num dano particular que teria sofrido, nem, portanto, na reparação de um dano
particular, nem de um grande número desses danos, mas somente no dano absoluto
de estar posto à margem da vida.”
“A história existiu sempre, mas não sempre
sob a sua forma histórica. A temporalização do homem, tal como ela se efetua
pela mediação de uma sociedade, é igual a uma humanização do tempo. O movimento
inconsciente do tempo manifesta-se e torna-se verdadeiro na consciência
histórica.
O movimento propriamente histórico, embora
ainda escondido, começa na lenta e insensível formação da “natureza real do
homem”, esta “natureza que nasce na história humana – no ato gerador da
sociedade humana” –, mas a sociedade que então dominou uma técnica e uma
linguagem, se é já o produto da sua própria história, não tem consciência senão
de um presente perpétuo. Todo o conhecimento, limitado à memória dos mais
velhos, é sempre aí levado pelos vivos. Nem a morte nem a procriação são
compreendidas como uma lei do tempo. O tempo permanece imóvel como um espaço
fechado. Quando uma sociedade mais complexa acaba por tomar consciência do
tempo, o seu trabalho é bem mais o de negar, porque ela vê no tempo não o que
passa, mas o que regressa.”
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