Editora: Brasil (Versão digitalizada da obra)
Tradução e prefácio: Afonso Bertagnoli
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 248
Sinopse: Na
história da filosofia ocidental, o pensamento de Kant é uma etapa decisiva,
cuja fecundidade está longe de ter se esgotado. Ele foi o ponto de partida da
moderna filosofia alemã e marcou pensadores como Fichte, Schelling e
Shopenhauer. Na Crítica da Razão Prática, Kant expôs a doutrina ética
que lhe serviu de base para a demonstração de uma ordem transcendente, sem que
fosse necessário recorrer à metafísica especulativa. A ética, para ele, não
precisa dos dados da sensibilidade e, portanto, não pode cair em “ilusões”. O
imperativo categórico kantiano pode ser assim enunciado: “Age de tal modo que o
motivo que te levou a agir possa tornar-se lei universal”.
“Vida é a faculdade que possui um ser de agir
segunda as leis da faculdade de desejar. A faculdade de desejar é a faculdade
desse mesmo ser, de ser, por meio de suas representações, causa da realidade
dos objetos dessas representações. Prazer é a representação da coincidência do
objeto ou da ação com as condições subjetivas da vida, isto é, com a faculdade
da causalidade de uma representação em consideração da realidade do seu objeto
(ou da determinação das forças do sujeito para a ação de produzi-lo).”
“Princípios práticos são proposições que
encerram uma determinação universal da vontade, subordinando-se a essa
determinação diversas regras práticas. São subjetivos, ou máximas, quando a condição é considerada pelo sujeito como
verdadeira só para a sua vontade; são, por outro lado, objetivos ou leis práticas quando a condição é
conhecida como objetiva, isto é, válida para a vontade de todo ser natural.
No conhecimento prático, isto é, aquele que
só tem que tratar dos fundamentos da determinação da vontade, os princípios que
alguém formula em si mesmo nem por isso constituem leis a que inevitavelmente
se veja submetido, porque a razão na prática se ocupa do sujeito, ou seja da
faculdade de desejar, segundo cuja constituição especial pode a regra
referir-se por formas bem diversas. A regra prática é sempre um produto da razão,
porque prescreve a ação, qual meio para o efeito, considerado como intenção.
Esta regra, porém, para um ser no qual a
razão não é o fundamento único da determinação da vontade é um imperativo, isto é, uma regra designada
por um “deve ser” que exprime a compulsão objetiva da ação e significa que se a
razão determinasse totalmente a vontade, a ação ocorreria indefectivelmente
segundo essa regra. Desse modo, os imperativos valem objetivamente, sendo em
tudo distintos das máximas, não obstante estas constituírem princípios
subjetivos. Determinam aqueles, porém, ou as condições da causalidade do ser
racional como causa eficiente, só em consideração do efeito e suficiência para
o mesmo, ou, então, determinam só a vontade, seja ou não ela suficiente para o
efeito. Os primeiros seriam imperativos hipotéticos e encerrariam meros
preceitos da habilidade; os segundos, de forma inversa, seriam categóricos,
constituindo, somente eles, leis práticas. Assim, pois, são as máximas, em verdade, princípios, mas não
imperativos. Os próprios imperativos,
contudo, quando condicionados, isto é, quando não determinam a vontade
exclusivamente como vontade, mas somente em vista de um efeito apetecido, ou
seja quando são imperativos hipotéticos, constituem, portanto, preceitos práticos mas não, leis. Devem estas últimas determinar
suficientemente a vontade, mesmo antes que eu indague se tenho a faculdade
necessária para um efeito apetecido ou o que devo fazer para produzir esse
efeito; devem, portanto, ser categóricas, pois do contrário não são leis,
faltando-lhes a necessidade que, se tem de ser prática, urge ser independente
de condições patológicas e, por isso mesmo, casualmente ligadas à vontade.
(...)
A razão, da qual unicamente pode sair toda a
regra que deva conter necessidade, inclui imediatamente também a necessidade
nesse seu preceito (pois sem esta não seria imperativo); mas esta necessidade
só está condicionada subjetivamente e não cabe supô-la em todos os objetos em
grau idêntico. Contudo, para a sua lei se exige que só necessite supor-se ela a
si mesma, porque a regra é objetiva e
universalmente verdadeira só quando vale sem as condições subjetivas,
contingentes, que distinguem um ser natural de outro.”
“Todos os princípios práticos que supõem um objeto (matéria) da faculdade de desejar
como fundamento de determinação da vontade, são, todos eles, empíricos e não
podem proporcionar qualquer lei prática.
Entendo por matéria da faculdade de desejar um
objeto cuja realidade é apetecida. Se o apetecimento para com esse objeto
precede à regra prática e é a condição para adotá-la como princípio, nesse
caso, digo (primeiramente): esse
princípio, então, é sempre empírico. O fundamento da determinação do arbítrio é
então a representação de um objeto, e constitui a relação da representação com
o sujeito, pela qual é determinada a faculdade de desejar para a realização do
objeto. Mas toda a relação com o sujeito se chama o prazer na realidade de um objeto. Assim, pois, esse prazer devia
ter sido pressuposto como condição da possibilidade da determinação do
arbítrio. Mas de nenhuma representação de qualquer objeto, seja qual for, pode
conhecer-se a priori se está ligada
com o prazer, com a dor ou, se é indiferente.
Desse modo, em tal caso, o fundamento de
determinação do arbítrio deve sempre ser empírico e, por tanto, também o
princípio prático material que o supunha como condição.
Pois bem (em
segundo lugar), como um princípio se fundamenta somente na condição
subjetiva da receptibilidade de um prazer ou de uma dor (que em qualquer caso
só empiricamente é conhecida e não pode ser verdadeira de modo idêntico para todos os seres racionais),
não obstante possa servir, para o sujeito que a possui, como sua máxima, não
pode, por outro lado, servir para este mesmo como lei (porque carece de
necessidade objetiva, a qual deve ser conhecida a priori), resultando que a tal princípio nunca é dado proporcionar
uma lei prática.”
“Ser
consequente é a máxima obrigação do filósofo; entretanto, é o que menos se
observa. As antigas escolas gregas nos apresentam muitos exemplos dessas
virtudes, exemplos que não encontramos nesta época sincretística, na qual se constroem com princípios totalmente
contraditórios sistemas conciliadores,
destituídos de solidez e boa fé, porque se recomendam melhor a um público que
se satisfaz com saber um pouco de tudo, sem saber afinal coisa alguma,
pretendendo, contudo, tratar de todos os assuntos.”
“A quem convém o efeito convirá também a
causa.”
“Cada um coloca o seu bem-estar ou felicidade
nisto ou naquilo, de acordo com a sua opinião particular do prazer ou da dor,
fazendo as variações desta opinião experimentar diferentes necessidades ao
mesmo indivíduo; e uma lei subjetivamente
necessária (como lei natural) é, portanto, objetivamente um princípio prático de inteiro contingente, podendo e devendo ser diverso em diferentes sujeitos e
que, por conseguinte, não pode proporcionar uma lei, se bem que no desejo da
felicidade não se trate de uma forma da lei mas apenas da matéria, isto é, se
posso eu esperar prazer do cumprimento da lei e em que proporção. Os princípios
do amor-próprio podem, certamente, encerrar regras universais da habilidade (na
pesquisa dos meios para os fins em mira), não sendo, porém, mais do que
princípios teóricos como, por exemplo, o do que todo aquele que quer
comer pão deverá imaginar um moinho. Mas os preceitos práticos que assentam no
amor-próprio não podem ser universais, porque o princípio que determina a
faculdade de desejar se fundamenta no sentimento de prazer ou de dor, o qual
nunca pode ser aplicado universalmente aos mesmos objetos.
Ainda quando os seres racionais finitos pensassem todos absolutamente do
mesmo modo acerca dos objetos dos seus sentimentos de prazer ou de dor, bem
como acerca dos meios ajustados para conseguir uns e evitar outros, não
poderiam, todavia, tomar por uma lei
prática o princípio do amor-próprio, porque essa identidade seria por si
mesma contingente, casual. O fundamento de determinação continuaria sendo só
objetivamente verdadeiro e meramente empírico, não havendo aquela necessidade
objetiva que se funda em princípios a
priori e que acompanha a ideia de qualquer lei. Não se deveria, então, dar
de modo algum essa necessidade como prática, mas como meramente física, ou
seja: que a ação não é tão inevitavelmente imposta por nossa inclinação, como o
bocejo quando vemos outros bocejar. Melhor ainda, poderíamos sustentar que não
há nenhuma lei prática, mas apenas conselhos
para os nossos apetites, em lugar de erigir princípios puramente subjetivos
à condição de leis práticas, porque estas devem ter uma necessidade
inteiramente objetiva e não apenas subjetiva, tendo que ser conhecidas pela
razão a priori e não pela experiência
(por empiricamente universal que possa ser).”
“Seria
portanto estranhável que sendo esta máxima o desejo da felicidade universal,
por conseguinte, também resultasse universal a máxima, segundo a qual cada um
faz desse desejo o fundamento da determinação de sua vontade, como é de
assombrar que tenha vindo à mente de homens de raciocínio tomar este princípio
como lei prática universal. Efetivamente, se emprestássemos a esta máxima a
universalidade de uma lei, em lugar da ordem que uma lei universal da natureza
estabelece onde quer que seja, conseguiríamos precisamente o contrário, uma
extrema desordem, ou então desapareceriam a finalidade da máxima ou ela
própria. A vontade de todos não tem nesse particular um objetivo idêntico e
único, mas cada um tem o seu (o seu próprio bem-estar), o qual, se pode
concordar acidentalmente com os desígnios dos outros, dirigidos também,
identicamente, por eles a si próprios, não é, entretanto, nem mesmo com
esforço, suficiente para perfazer em lei, porque as exceções, que ocasionalmente
se tem o direito de fazer, além de serem infinitas em número, não têm
fundamento, sendo impossível compreendê-las de modo determinado em uma regra
universal; de forma que se chegaria a uma harmonia semelhante a que nos mostra
certo poema satírico a propósito de dois esposos que tem o mesmo escopo de
arruinar-se: “Maravilhosa harmonia! O que ele quer, também ela quer”. Ou,
então, semelhante à do rei Francisco I, aceitando um compromisso para com o
imperador Carlos V: “O que meu irmão Carlos quer possuir (Milão), também eu o
quero”. Os princípios de determinação empíricos não se prestam para uma
legislação universal exterior, mas também não podem assentar uma interior,
porque, tendo a inclinação a sua base na natureza de cada um, há também
inclinações diferentes, dominando-as o indivíduo, ora a uma e ora a outra.
Atinar-se com uma lei que venha reger todas as inclinações em conjunto, sob
esta condição, ou seja a coincidência entre todas, é absolutamente impossível.”
“Age
de tal modo que a máxima de tua vontade possa valer-te sempre como princípio de
uma legislação universal. (...)
A
regra prática é, portanto, incondicionada, sendo, por consequência,
representada como proposição categoricamente a priori, em virtude da qual a vontade é determinada, objetiva,
absoluta e imediatamente (pela mesma regra prática que aqui, evidentemente, é
lei). Com efeito, a razão pura, em si mesma prática, aqui resulta
imediatamente legisladora. A vontade é concebida como independente de condições
empíricas e, por conseguinte, como vontade pura, determinada mediante a simples forma da lei, sendo
esse motivo de determinação considerado como a suprema condição de todas as
máximas.”
“Esta
santidade da vontade, é contudo uma ideia prática que, necessariamente, avulta
como modelar, como protótipo; aproximarmo-nos dela no infinito é a única coisa
que corresponde a todos os seres racionais finitos, pondo-lhes tal ideia
constantemente diante dos olhos a lei moral pura, por esse motivo também
chamada santa. Possuir a segurança do progresso no infinito das suas máximas e
da imutabilidade das mesmas para uma ininterrupta marcha progressiva, ou seja
chegar a possuir a virtude, é a coisa mais elevada que a razão prática finita
possa conseguir, sendo que esta, pelo menos, como poder, adquirido
naturalmente, nunca chega a ser perfeita, porque, neste caso, a segurança nunca
é uma certeza apodítica, resultando, portanto, como persuasão, extremamente
perigosa.”
“O
conceito do bem e do mal não deve ser determinado antes da lei moral (para a
qual esse conceito aparentemente deverá servir de fundamento) mas somente (como
ocorre aqui) depois desta lei e pela mesma.”
“Acresce que, como de todo o inteligível não existe absolutamente nada
mais do que a liberdade (por meio da lei moral) que para nós possua realidade
e, ainda, só como liberdade é uma suposição inseparável da lei moral, como
também todos os objetos inteligíveis, aos quais quiçá pudesse conduzir-nos a
razão, guiada por essa lei, não têm, para nós, chegada a sua vez, nenhuma
realidade que não seja em relação a essa mesma lei, e ao uso da razão pura
prática, e como esta razão está autorizada e compelida a usar da natureza
(segundo as formas puras de entendimento da mesma) como tipo do juízo, resulta
que a presente observação serve para impedir que o que pertence só à típica dos conceitos seja incluído entre
os próprios conceitos. Esta, portanto, como típica do juízo vem preservar-nos
do empirismo da razão prática, o qual
situa os princípios correlatos advindos do bem e do mal simplesmente nas
consequências da experiência (na chamada felicidade), embora esta e um número
infinito de consequências úteis de uma vontade determinada mediante o amor
próprio, se essa vontade arvorasse ao mesmo tempo em si mesma a lei universal
da natureza, pode, na verdade, servir de tipo em tudo adequado ao bem moral,
sem ser, contudo, idêntico a ele. Esta mesma típica também nos preserva do misticismo da razão prática, o qual,
daquilo que só servia como símbolo faz
um esquema, isto é, submete à
aplicação dos conceitos morais intuições reais, mas, contudo, insensíveis (de
um reino invisível de Deus), perdendo-se no transcendental. Correlato ao uso
dos conceitos morais, só temos como apto o racionalismo do juízo, porque este
não toma da natureza sensível mais do que aquilo que lhe é dado pensar por si
mesma a razão pura, isto é, a conformação à lei, não introduzindo no
suprassensível nada mais do que aquilo que por si mesmo, dada a sua vez, possa
realmente ser representado no mundo dos sentidos mediante ações, segundo a
regra formal de uma lei da natureza em geral. Entretanto, preservar-se contra o
empirismo da razão prática é muito
mais importante e digno de recomendação especial, porque o misticismo também se imiscui na sublime pureza da lei moral, não
sendo, além disso, adequado com precisão natural ao modo de pensar comum
distender a imaginação própria até onde residem as intuições supra-sensíveis;
por isso, neste setor, o perigo não é tão generalizado. Por outro lado, como o
empirismo extirpa a raiz da moralidade nas intenções (nas quais e não apenas
nas ações reside o alto valor que a humanidade pode e deve adquirir mediante a
moral), substituindo o dever, por coisa bem distinta, ou seja, pelo interesse
empírico, com isso as inclinações em geral entram em relação entre si; e como,
além disso, precisamente por estar unido com todas as inclinações que (tomem as
formas que porventura recebem), elevadas à dignidade de um princípio supremo
prático, degradam a humanidade, por favoráveis que sejam, embora, no modo de
pensar de todos, resulte esse empirismo, por isso mesmo, mais perigoso do que
qualquer exaltação mística, a qual, de forma geral, nunca pode constituir um
estado durável para muitos homens.”
“Para a finalidade da lei moral e para
proporcionar-lhe um influxo sobre a vontade, não há necessidade de buscar
qualquer motor estranho que substituísse o da lei moral, pois isso tudo
resultaria em pura e inconsistente hipocrisia, sendo até perigoso deixar que alguns outros motores (como o do proveito)
cooperem com a lei moral, ainda que seja apenas paralelo a ela; disso resulta, portanto, que não resta mais do que
determinar cuidadosamente de que modo a lei moral resulta em motor, ou, quando
o seja, o que ocorre com a faculdade humana de desejar, como consequência de
tal fundamento determinante dessa faculdade. Porque a questão de como uma lei
possa ser, imediatamente e por si mesma, o motivo determinante de uma vontade
(que é essencial de toda a moralidade) é um problema insolúvel para a razão
humana e idêntico ao de como seja possível uma vontade livre. Desse modo,
devemos assinalar a priori não o
fundamento pelo qual a lei moral em si proporciona um motor, mas o que ela,
sendo motor, leva a efeito no espírito (ou, para dizer-se com mais propriedade,
o que deve levar a efeito). Qualquer determinação da vontade mediante a lei
moral tem alguma coisa essencial e que, como vontade livre, sem cooperação,
portanto, não só de impulsos sensíveis, mas, ainda, com exclusão de todos eles
e em prejuízo de todas as inclinações quando contrárias a essa lei, apenas pela
lei é determinada. Nesta medida, portanto, o efeito da lei moral como motor é
só negativo e, como tal, esse motor pode ser conhecido a priori. Mas, na verdade, toda a inclinação e todo o impulso
sensível tem como base um sentimento, sendo o efeito negativo sobre tal
sentimento (pelo dano que infere às inclinações) também um sentimento. Por
conseguinte, podemos constatar a priori que
a lei moral, como fundamento de determinação da vontade, deve produzir um
sentimento ao prejudicar as inclinações, ao qual poderemos denominar dor; e
aqui temos agora o primeiro e quiçá, também, o único caso em que podemos
determinar por conceitos a priori a
relação de um conhecimento (neste caso de uma razão pura prática) com o
sentimento do prazer ou da dor. A união de todas as inclinações (que podem ser
reduzidas a um sistema vulgar, ao qual se denominaria felicidade) constituem o egoísmo. É este o do amor de si mesmo, de uma benevolência
excessiva para consigo mesmo ou da satisfação de si mesmo. Aquele denominamos
particularmente amor-próprio e este presunção. A razão pura prática infere prejuízo ao amor-próprio pelo fato de
apenas conceder-lhe os limites estritamente justos e que correspondem à lei
moral, estando, ainda antes da mesma manifestar-se, natural e vivo em nós
mesmos; então, é chamado de amor-próprio racional.
Todavia, é completamente subjugada pela presunção, sendo todas as
pretensões da estimativa de si mesmo, que precedem à coincidência com a lei
moral, ocas e destituídas de qualquer direito, pois a certeza precisa de uma
intenção que coincide com essa lei é a condição primordial de todo o valor da
pessoa, sendo toda a pretensão anterior a ela falsa e contrária à lei. A
tendência à estimativa de si mesmo pertence às inclinações a que a lei moral
causa dano, enquanto essa estimativa só assenta na sensibilidade. Com isso a
lei moral aniquila a presunção. Convenhamos, porém, que sendo essa lei moral,
alguma coisa positiva por si mesma, isto é, a forma de uma causalidade
intelectual, ou seja, da liberdade, resulta que, ao debilitar a presunção, opondo-se à resistência subjetiva, a saber,
às inclinações que se manifestam em nós mesmos, é, ao tempo, objeto de respeito e ao derrotá-la completamente
ou, então, humilhando-a, resulta um objeto de sumo respeito, sendo portanto
também o fundamento de um sentimento positivo, que não é de origem empírica e
que é conhecido a priori. Desse modo,
pois, o respeito para com a lei moral é um sentimento que se produz por um
fundamento intelectual, sendo esse sentimento o único que nos é dado conhecer
anteriormente a priori e cuja
necessidade podemos ter como evidente. Vimos que tudo aquilo que se apresenta
como objeto da vontade antes da lei
moral, resulta excluído dos fundamentos de determinação da vontade que levam o
nome do bem incondicionado, mediante essa mesma lei como condição suprema da
razão prática e, ainda, que a mera forma prática, consistente na aptidão das
máximas para a legislação universal, determina em primeiro lugar o que é
absolutamente bom em si, fundamentando a máxima de uma vontade pura que é boa
em todos os sentidos. Julgamos, todavia, que a nossa natureza, como seres
sensíveis que somos, constituindo-se de tal modo que a matéria da faculdade de
desejar (objetos da inclinação, da esperança ou do temor) logo se impõe, antes
de qualquer outra coisa, resultando o nosso eu patologicamente determinável,
ainda que seja mediante as suas máximas totalmente desconforme à legislação
universal; contudo, como se constituísse todo o nosso eu, esforça-se em fazer
valer anteriormente as suas pretensões à guisa de principais e de mais genuínas
na sua origem. Esta tendência de em fazer de si mesmo, segundo os fundamentos
objetivos da determinação do seu arbítrio, o fundamento objetivo da
determinação da vontade em geral, pode denominar-se de amor a si mesmo, o qual, em se tornando legislador é princípio
prático incondicionado, pode chamar-se presunção.
Pois bem: a lei moral, que só é verdadeira (em todo o sentido) como objetiva,
exclui totalmente o influxo do amor a si mesmo sobre o princípio prático
supremo, inferindo à presunção que prescreve como leis as condições subjetivas
do amor a si mesmo, um dano infinito. Mas tudo o que infere dano à nossa
presunção julgamos uma humilhação. Assim, portanto, a lei moral humilha
inevitavelmente a todo o homem quando este compara a tendência sensível da sua
natureza com aquela lei. Resulta disso que aquilo cuja representação, como motivo determinante de nossa vontade,
humilha a nossa consciência, é o que excita (porque é um motivo positivo e
determinante) em nós o respeito próprio.
Desse modo, portanto, a lei moral é também um fundamento subjetivo do respeito.
Pois bem: como tudo o que se situa, nessa objetivação, no amor de si mesmo
pertence à inclinação, repousa também, como toda inclinação, nos sentimentos,
e, portanto, o que infere dano no amor a si mesmo a todas as inclinações em
conjunto tem, por isso mesmo, influência sobre o sentimento, por isso,
concebemos como é possível compreender a
priori que a lei moral, ao excluir as inclinações e a tendência a fazer
delas a condição prática suprema, isto é, o amor a si mesmo, de todo o acesso à
legislação suprema, possa exercer um efeito no sentimento, efeito que por um
lado é meramente negativo, sendo por
outro — isso em consideração da razão pura prática — positivo, não podendo para isso ser admitida qualquer espécie
particular de sentimento com a nominação de prático ou moral, na qualidade de
sentimento que precedesse ou que servisse de base à lei moral.
O
efeito negativo sobre o sentimento (do desagrado) é, como todo o influxo sobre
o mesmo, e como todo o sentimento em geral, patológico.
Mas o efeito da consciência da lei moral, consequentemente correlato com uma
causa inteligível, a saber, o sujeito da razão pura prática, como suprema
legisladora, designamos certamente assim a esse sentimento de um ser racional
afetado por inclinações, humilhações (desprezo intelectual), mas, em relação
com o fundamento positivo da humilhação, com a lei, chama-se, ao mesmo tempo,
respeito a essa lei; para esta lei não há lugar em qualquer sentimento, a não
ser no juízo da razão, quando a lei afasta do caminho a resistência, sendo
então a remoção do obstáculo tida como igual a um impulso positivo da
causalidade. Por isso, pode este sentimento ser denominado agora também um
sentimento de respeito para com a lei moral, embora por esses dois fundamentos
em conjunto possa ser denominado um sentimento
moral.
A lei moral, portanto, assim como é
fundamento formal de determinação da ação mediante a razão pura prática, assim
como, também é fundamento material, embora só objetivo da determinação dos
objetos da ação sob o nome de bem e de mal, constitui também fundamento
subjetivo de determinação, isto é, o motor dessa ação, porque tem influência
sobre a sensibilidade do sujeito, produzindo um sentimento que fomenta o
influxo da lei sobre a vontade. Aqui não precede
ao sujeito qualquer sentimento que se sentisse com disposição à moralidade.
Contudo, isso é impossível, dada a sensibilidade de todo o sentimento; o motor
da intenção moral deve, todavia, estar livre de toda condição sensível.
Preferentemente, é o sentimento sensível o que se encontra como fundamento de
todas as nossas inclinações e a condição de toda a sensação a que denominamos
de respeito; mas a causa da determinação desse sentimento reside na razão pura
prática; por isto, e pela sua origem, não devemos chamá-la de uma sensação
patológica, mas sim de uma sensação praticamente
efetuada; porque, como a representação da lei moral usurpa ao amor de si
mesmo o influxo, e à presunção a ilusão, é diminuto o obstáculo que se depara à
razão pura prática, produzindo-se no juízo da razão a representação da superioridade
de sua lei objetiva, acima dos impulsos da sensibilidade, resultando, portanto,
aumentando o peso da lei de um modo relativo (em consideração de uma vontade
afetada pelos impulsos sensíveis) mediante a supressão do contrapeso. Desse
modo, o respeito para com a lei não constitui motor para a moralidade, mas sim
a própria moralidade, considerada subjetivamente qual motor, porque a razão
pura prática, ao deitar por terra todas as pretensões do amor a si mesmo em
oposição a ela, proporciona autoridade à lei, que só agora tem influência.
Deve-se notar agora nisso que, assim como o respeito é um efeito sobre o
sentimento, portanto também sobre a sensibilidade de um ser racional, tal
respeito presume essa sensibilidade e, assim, também o caráter finito daqueles
seres a quem a lei moral impõe respeito, não podendo atribuir respeito para com
a lei a um ser supremo ou também a um ser livre de toda a sensibilidade, para o
qual, não pode, todavia, esta constituir qualquer obstáculo da razão prática.”
“A
consciência de uma livre submissão da
vontade à lei, consenso também ligado a uma violência inevitável que é preciso
exercer sobre todas as inclinações, violência essa que deve ser exercida
unicamente mediante o ditame da própria razão, constitui o respeito à lei. Como
acabamos de constatar, a lei que exige esse respeito não é outra senão a lei
moral, que também o inspira (porque nenhuma outra exclui as inclinações, em
razão da influência imediata que estas exercem sobre a vontade). A ação que por
sua vez, segundo esta lei, exclui a participação dos motivos determinantes
derivados da inclinação é uma ação objetivamente prática que se denomina dever contendo em virtude desta exclusão
e no seu próprio conceito, uma compulsão
prática, isto é, uma determinação que produz as ações, embora ocorram à nossa revelia. Do fato de ter consciência
desse constrangimento, resulta um sentimento que não é patológico,
assemelhando-se ao que fosse produzido por um objeto dos sentidos, mas apenas
prático, isto é, possível mediante uma determinação precedente (objetiva) da
vontade e pela causalidade da razão. Não encerra este sentimento, portanto,
como submissão a uma lei, isto é,
como mandato recebido (que significa coação para um sujeito sensivelmente
afetado), prazer algum; antes, contém pesar para com a ação em si mesma. Mas,
pelo contrário, como essa coação só é exercitada pela legislação da própria razão, encerra também elevação e o efeito subjetivo no
sentimento, enquanto a sua causa única é a razão
pura prática, podendo chamar-se portanto aprovação de si mesmo, no sentido vulgar, em consideração à última,
desde que se conhece alguém como determinado a ele sem qualquer interesse mas,
apenas, mediante a lei. Em virtude disso adquirimos imediatamente a consciência
de um interesse diverso e, por esse motivo, produzido subjetivamente, o qual é
inteiramente prático e livre,
interesse que, segundo nos aconselha uma inclinação, não deveríamos tomar para
uma ação que se coadune ao dever e que, por outro lado, a razão, mediante a lei
prática, não só nos impõe como mandato para tomarmos interesse em tal ação,
como, também produz por si mesma esse interesse, designando-o, por isso, com um
nome especial: o de respeito.”
“Coaduna-se perfeitamente com isso a possibilidade do mandato que
ordena: Ama a Deus sobre todas as coisas
e ao próximo como a ti mesmo*. Porquanto isto, na qualidade de mandamento,
exige o respeito a uma lei que ordena
amor, não relegando à escolha arbitrária a faculdade de fazer ou não de tal
um princípio. Entretanto o amor de Deus, como inclinação (amor patológico) é
impossível, porque não é nenhum objeto dos sentidos. Esse mesmo amor para com
os homens, embora possível, não pode, todavia, ser ordenado, pois não está na
faculdade de qualquer homem amar a alguém só por mandato. Assim, portanto, só
ao amor prático concerne esse núcleo
de leis. Amar a Deus, nessa significação, quer dizer: cumprir com satisfação os seus mandamentos; amar
ao próximo quer dizer cumprir com
satisfação todos os deveres para com o próximo. Mas o mandamento que com
todo o ditame perfaz uma regra para nossa conduta, pode, entretanto, não
ordenar que as nossas ações, consoantes ao dever, contenham a disposição de ânimo, que constitui essa regra, mas que
encerrem apenas a aspiração a isso. É
que um mandato de que se deve fazer algo com
satisfação é, em si mesmo contraditório, porque se já sabemos por nós
mesmos o que devemos fazer e se, ainda, tivéssemos consciência de que o
faríamos com satisfação, seria um mandato sobre ele inteiramente desnecessário;
mas se na verdade o fizéssemos, mas não precisamente com satisfação e sim
apenas por respeito para com a lei, então um mandato que torna esse respeito
precisamente o motor da máxima, agiria exatamente em sentido contrário à
disposição de ânimo ordenada. Aquela lei de todas as leis, apresenta, pois,
como todo o preceito moral do Evangelho, a disposição moral de ânimo em toda a
sua perfeição, assim como, enquanto um ideal de santidade é inexequível para
toda criatura, é também, apesar de tudo, o protótipo para o qual devemos
propender a igualá-lo em progresso ininterrupto mais infinito. Pudesse alguma
vez um ser racional chegar a cumprir com plena satisfação todas as leis morais,
isso significaria tanto como não se encontrar nele nem mesmo a posição de um
desejo que o incitasse a separar-se delas, porque superar semelhante desejo
importa sempre em sacrifício para o sujeito; necessita, portanto, de coação
sobre si mesmo, isto é, constrangimento íntimo no que não se opera inteiramente
a seu gosto. Mas uma criatura nunca pode chegar a esse grau de disposição moral
de ânimo. Porque, sendo uma criatura e, por consequência, sempre, em relação ao
que exige para completa satisfação com seu estado, é dependente, nunca pode
estar inteiramente livre de desejos e inclinações, os quais, assentando em
causas físicas, não concordam por si mesmos com a lei moral, que tem uma fonte
inteiramente diversa, tornando, por isso, sempre necessário que, tendo em conta
essas inclinações, venha fundir-se a intenção de suas máximas em
constrangimento moral, não em elevação espontânea mas, sim, no respeito que a
observância da lei requer, embora
este cumprimento não seja levado a efeito de boa-vontade, fazendo-se deste
último, isto é, do amor vulgar à lei (que cessaria então de ser mandato, deixando também a moralidade,
que se transformaria então subjetivamente em santidade, de ser virtude) o termo
constante embora inexequível dos seus esforços. É que naquilo que muito
prezamos, mas todavia (por termos consciência da nossa debilidade) tememos,
isso para maior facilidade em satisfazê-lo, substituindo-se ainda ao respeito o
amor, o que seria, pelo menos, a perfeição de uma intenção dedicada à lei, se a
uma criatura tal perfeição fosse dado alcançar.”
Esta consideração está destinada nesta altura não só a reduzir a
conceitos claros o mencionado mandato evangélico para reprimir ou, na medida do
possível, prevenir o misticismo religioso
fanático em consideração ao amor de Deus, mas, também, a determinar com
exatidão a intenção moral, também imediatamente no que se refere aos deveres
para com os homens e, na medida do possível, reprimir ou prevenir um misticismo
fanático meramente moral, que
infeccione muitos espíritos. O grau moral em que o homem determinadamente se
encontra (e assim, segundo o que nos é dado saber através dos nossos
conhecimentos, também qualquer criatura racional) constitui respeito para com a
lei moral. A intenção que lhe é imposta para cumprir essa lei é a de cumpri-la
por dever, um dever do qual o mesmo
tomou a iniciativa, não o sendo por arbitrária propensão ou por um esforço que
alguém lhe ordene. O estado moral em que poderá encontrar-se sempre é o da virtude, isto é, a intenção moral na luta e não a santidade em suposta posse de
uma pureza completa nas intenções da
vontade. É simplesmente misticismo moral e crescimento da presunção a que se
dispõem os ânimos quando incitados a ações apresentadas como nobres, sublimes e
magnânimas, colocando-se os mesmos na ilusão equívoca de que não é o dever,
isto é, o respeito para com a lei, cujo jugo (embora suave, por ser imposto
pela razão) ainda que a contragosto, devem suportar, o que constitui o motivo
determinante de suas ações e, também, a sua humilhação, sempre que tal ilusão
aceitam (obedecem), como se dela e da
presunção se devessem esperar as ações e, por conseguinte, não por dever mas
por merecimento puro. Acresce que se eles imitassem essas ações ou fatos, isto é,
além de não terem, mediante esses princípios, cumprido o espírito da lei nem
mesmo no mínimo, o qual consiste na submissão da intenção à lei e não na
conformação da ação à lei (seja qual for o princípio), não só assentam o motor patologicamente (na simpatia ou também
na gabação) e não moralmente (na lei), produzindo desse modo um modo de pensar
ligeiro, superficial e fantástico, por meio do qual se compenetram da bondade
voluntária do seu espírito, que não necessita de látego e de freio, nem mesmo
de mandato, esquecendo a sua sujeição, na qual, preferentemente ao mérito,
deveriam pensar. Pode-se, perfeitamente, exaltar ações alheias, operadas com
grande sacrifício, e ao certo só pelo dever, dando-lhes a denominação de nobres e sublimes, embora apenas, não obstante a isso, enquanto houver
indícios que deixam supor que tenham ocorrido em tudo por respeito ao seu dever
e não por um impulso do coração. Mas se quisermos apresentar alguém como
exemplo a seguir, devemos usar imperativamente como motor o respeito ao dever
(qual único sentimento moral verdadeiro), preceito sério e sagrado, que não
permite ao amor-próprio fátuo julgar com impulsos patológicos (enquanto sejam
análogos à moralidade) nem se vangloriar de um valor meritório. Se investigarmos bem, encontraremos para todas as ações
que são dignas de exaltação uma lei do dever que ordena e não deixa depender do nosso capricho o que pudesse ser
agradável à nossa inclinação. É esse o modo exclusivo de representação que a
alma perfaz moralmente, porque só ele é capaz de princípios firmes e exatamente
determinados.”
*: Contrasta esta lei com o princípio da
nossa própria felicidade, princípio com o qual alguns pretendem fazer a base da
moralidade, a qual equivaleria a reputar ajustado o ditame: Ama-te a ti mesmo
sobre todas as coisas; mas a Deus e ao teu próximo, ama-os por amor de ti
mesmo.
Nenhum comentário:
Postar um comentário