Editora: Ediouro
ISBN: 978-85-0001-756-2
Tradução: Daniel Pellizzari
Opinião: ★★★★☆
Páginas: 240
Sinopse: Intriga,
mistério e sensualidade na cosmopolita e poliglota cidade de Alexandria no tempo
da Segunda Guerra Mundial. Os quatro romances que compõem O Quarteto de Alexandria
– Justine, Balthazar, Mountolive e Clea – exploram a sociedade daquela cidade poliglota e cosmopolita, repleta de
intrigas, mistério e sensualidade, retomando genericamente uma mesma história sob
diferentes pontos de vista, acrescentando e refazendo pormenores e situações.
Justine, o primeiro
livro da tetralogia, centra-se na bela esposa judia de Nessim, um poderoso banqueiro
copta, narrando, do ponto de vista de um jovem aspirante a escritor, os encontros
e desencontros de um grupo de amigos que se conhecem na cidade de Alexandria no
período anterior a Segunda Guerra Mundial. Darley, o narrador, envolve-se com duas
mulheres – a misteriosa Justine e a frágil Melissa. A partir desta complexa relação,
nasce uma trama carregada de erotismo e sutilezas.
“Georges-Gaston Pombal, um funcionário subalterno
do consulado, divide comigo um pequeno apartamento na rue Nebi Daniel. É uma figura
rara entre diplomatas, pois parece dotado de coluna vertebral. (...) Seu assunto
predileto são as mulheres, e a julgar pelo séquito infinito que visita o pequeno
apartamento, no qual raramente algum rosto se repete, deve falar de cátedra. “Para
um francês, é interessante o amor em Alexandria. Elas agem antes de pensar. Quando
chega o momento de ter dúvidas, de sentir remorso, já está quente demais e ninguém
tem energia suficiente. Tamanha animalidade carece de finesse, mas me convém. O amor desgastou meu coração e minha cabeça,
quero distância disso – especialmente, mon
cher, desta mania judeu-copta da dissection,
da análise. Quero voltar à minha fazenda na Normandia com o coração intacto”.”
““Há apenas três coisas que podem ser feitas com
uma mulher”, afirmou Clea certa vez. “Você pode amá-la, sofrer por ela ou transformá-la
em literatura”. Eu fracassava em todas essas categorias de sentimento.”
“Capodistria passa o dia inteiro no terraço do
Clube do Comércio, observando as mulheres que passam com o olhar agitado de alguém
que embaralha sem cessar um baralho velho e gasto. De quando em quando faz um leve
sinal, brusco como o ataque da língua de um camaleão – quase invisível aos pouco
atentos. Uma silhueta deixa o terraço para seguir a mulher que ele indicou. Algumas
vezes, seus agentes chegam a deter e assediar as mulheres na rua, abertamente e
em seu nome, mencionando somas de dinheiro. Ninguém se ofende à menção de dinheiro
em nossa cidade. Algumas das garotas apenas riem. Outras aceitam a proposta de imediato.
Nunca se enxerga constrangimento algum em seus rostos. Entre nós, não se finge a
virtude. Nem o vício. Ambos são naturais.”
“Todo excesso converte-se em pecado.”
“Eu estava certo em reconhecê-la como uma filha
de Alexandria, a cidade que impõe às suas filhas uma volúpia pelo sofrimento, em
vez do prazer, condenando-as a perseguir aquilo que menos desejam encontrar!”
““É tolice”, Justine escreveu, “imaginar que a
paixão nasce de uma harmonia mental, de ideias semelhantes; ela é o disparo simultâneo
de dois espíritos empenhados em crescer e conquistar sua harmonia. É como se uma
explosão silenciosa tivesse ocorrido no interior de cada um. Confuso e inquieto,
o amante examina sua própria experiência; sentindo gratidão pelo amante, imagina
estar em comunhão com ele, mas essa impressão é falsa. O objeto amado é simplesmente
alguém que compartilhou uma experiência de forma simultânea e narcisística; e, ao
menos de início, o desejo de estar próximo desse objeto não tem relação com a ideia
de posse, mas apenas com a intenção de comparar as duas experiências, como reflexos
em espelhos diferentes. Tudo isso pode preceder o primeiro olhar, o primeiro beijo,
o primeiro toque; preceder qualquer ambição, orgulho ou cobiça; preceder as primeiras
declarações que marcam o instante da virada – pois daí em diante, o amor degenera-se
em hábito, sentimento de posse e retorno à solidão”.”
“Todo homem é feito de barro e daimon, e não existe mulher capaz de nutrir
a ambos.”
“Não preciso de remédios – é só um resfriado.
Doenças não se interessam por quem deseja morrer.”
“Oh! Nessim, eu sempre fui tão forte! Será que
isso me impediu de ser realmente amada?”
“É um assombro a capacidade que nós, escritores,
temos de ser infelizes.”
“Todos estamos buscando motivos racionais para
acreditarmos no absurdo.”
“Ah! Minha cara, depois de todo o trabalho dos
filósofos em sua alma e dos médicos em seu corpo, o que podemos afirmar que realmente
sabemos a respeito do homem? Que, no fim das contas, ele não é mais que uma passagem
para líquidos e sólidos, um cano feito de carne.”
“Quem inventou o coração humano? Responda-me,
e depois mostre-me o lugar onde foi enforcado.”
“Todas as grandes religiões são excludentes, prescrevem
uma série de proibições que engendram o desejo que pretendem curar.”
“Lutar contra os desejos do coração é difícil;
tudo que ele deseja, obtém mesmo ao custo da alma.” (Heráclito)
“Espera-se que todos os artistas cultivem certa
infelicidade; é elegante.”
““Permita-me”, disse, com um tom de lamento, “revelar
o segredo do meu ofício de romancista. Sou um sucesso, você é um fracasso. A resposta,
meu velho, é sexo, e em boa quantidade.”
“O mundo é como um pepino – hoje está em sua mão,
amanhã pode estar em seu rabo.”
“Por anos a fio precisamos aguentar a sensação
de que as pessoas realmente não se importam conosco; até que um dia, cada vez mais
alarmados, percebemos que é Deus que não se importa. Não que meramente não se importe, mas para ele tanto faz.”
“É preciso sofrer de uma ignorância tremenda para
aproximar-se de Deus. Acho que eu sempre soube demais.”
“Para mim, o sorriso famoso de Mona Lisa sempre
pareceu o sorriso de uma mulher que acabou de devorar o marido no jantar.”
“Não há dor comparável a dor de amar uma mulher
que torna seu corpo disponível mas é incapaz de entregar seu eu verdadeiro – por
não saber onde encontrá-lo.”
“A culpa sempre corre ao encontro de seu complemento,
o castigo: só assim considera-se satisfeita.”
“Mais do que tudo, a pobreza exclui; e mais do
que tudo, a riqueza isola.”
“Riqueza compra riqueza, mas a pobreza mal é suficiente
para comprar o beijo de um leproso.” (Provérbio árabe)
“– O que
está acontecendo com Nessim?
– Não sei. Quando alguém tem algo a esconder,
torna-se um ator, e força todos que o cercam a também atuar.”
“Estas anotações, como quer que sejam lidas, não
passam de um comentário afetuoso e cheio de minúcias sobre um mundo no qual nasci
para compartilhar meus momentos mais solitários – os momentos do coito – com Justine.
É impossível chegar mais perto da verdade.”
“Dentre os inúmeros tipos de fracassos, escolhemos
aqueles que menos comprometem nosso orgulho: aqueles com menor capacidade de frustrar-nos.
Escolhi fracassar na arte, na religião e com as pessoas. Na arte, fracassei (percebi
isso de repente, agora mesmo) por não acreditar que a personalidade humana é descontínua.
(“Seriam as pessoas”, escreveu Pursewarden, “contínuas em si, ou será que somem,
desaparecem e ressurgem novamente de forma tão veloz que temos a ilusão de características
contínuas, como nas imagens trêmulas dos velhos filmes mudos?”) Como não acreditava
na autenticidade das pessoas, não era capaz de obter sucesso ao representá-las.
Meu fracasso religioso? Bem, nunca achei validade alguma em religiões cuja doutrina
contenha o menor indício de uma chance de reparação – e qual delas poderia escapar
desta acusação? Pace Balthazar, a mim
parecia que todas as igrejas, todas as seitas, eram no máximo meras academias para
aprender a combater o medo. Mas o derradeiro, o pior de todos os meus fracassos
(enterrei os lábios no cabelo escuro e vivo de Justine) era meu fracasso com as
pessoas: fora propiciado por um crescente alheamento espiritual, que ao mesmo tempo
que me libertava para sentir empatia, proibia-me de qualquer posse. De forma gradual
e inexplicável, tornava-me cada vez mais deficiente no amor e ao mesmo tempo melhor
em minha capacidade de doação – a melhor parte do amor. Nisso, percebi horrorizado,
consistia a base de meu domínio sobre Justine. Enquanto mulher, possessiva por natureza,
estava condenada a tentar apreender uma parte de mim que estava para sempre fora
de qualquer alcance, o último e doloroso refúgio que para mim significavam o riso
e a amizade. Esse tipo de amor, de certa forma, desesperava-a, pois eu não dependia
dela; e se não for alimentado, o desejo de possuir pode apoderar-se inteiramente
do espírito. Como é difícil analisar esses relacionamentos ocultos soba superfície, sob a pele de nossas ações; pois o
amor não passa de uma forma de linguagem da pele, o sexo é meramente uma terminologia.”
“A dor é o único alimento da memória: pois o prazer
encerra-se em si mesmo.”
“É muito mais fácil fazer a um amante as perguntas
que se deseja ver respondidas pelo marido.”
“O amor é bem mais verdadeiro quando surge da
simpatia em vez do desejo, pois deste modo não deixa feridas.”
“Inventando o casamento, legitimamos o desespero.”
Um comentário:
Bem legal o trecho: “Para mim, o sorriso famoso de Mona Lisa sempre pareceu o sorriso de uma mulher que acabou de devorar o marido no jantar.”
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