segunda-feira, 11 de maio de 2015

O Quarteto de Alexandria: Justine, de Lawrence Durrell

Editora: Ediouro

ISBN: 978-85-0001-756-2

Tradução: Daniel Pellizzari

Opinião: ★★★★☆

Páginas: 240

Sinopse: Intriga, mistério e sensualidade na cosmopolita e poliglota cidade de Alexandria no tempo da Segunda Guerra Mundial. Os quatro romances que compõem O Quarteto de Alexandria Justine, Balthazar, Mountolive e Clea – exploram a sociedade daquela cidade poliglota e cosmopolita, repleta de intrigas, mistério e sensualidade, retomando genericamente uma mesma história sob diferentes pontos de vista, acrescentando e refazendo pormenores e situações.

Justine, o primeiro livro da tetralogia, centra-se na bela esposa judia de Nessim, um poderoso banqueiro copta, narrando, do ponto de vista de um jovem aspirante a escritor, os encontros e desencontros de um grupo de amigos que se conhecem na cidade de Alexandria no período anterior a Segunda Guerra Mundial. Darley, o narrador, envolve-se com duas mulheres – a misteriosa Justine e a frágil Melissa. A partir desta complexa relação, nasce uma trama carregada de erotismo e sutilezas.

 

“Georges-Gaston Pombal, um funcionário subalterno do consulado, divide comigo um pequeno apartamento na rue Nebi Daniel. É uma figura rara entre diplomatas, pois parece dotado de coluna vertebral. (...) Seu assunto predileto são as mulheres, e a julgar pelo séquito infinito que visita o pequeno apartamento, no qual raramente algum rosto se repete, deve falar de cátedra. “Para um francês, é interessante o amor em Alexandria. Elas agem antes de pensar. Quando chega o momento de ter dúvidas, de sentir remorso, já está quente demais e ninguém tem energia suficiente. Tamanha animalidade carece de finesse, mas me convém. O amor desgastou meu coração e minha cabeça, quero distância disso – especialmente, mon cher, desta mania judeu-copta da dissection, da análise. Quero voltar à minha fazenda na Normandia com o coração intacto”.”

 

 

““Há apenas três coisas que podem ser feitas com uma mulher”, afirmou Clea certa vez. “Você pode amá-la, sofrer por ela ou transformá-la em literatura”. Eu fracassava em todas essas categorias de sentimento.”

 

 

“Capodistria passa o dia inteiro no terraço do Clube do Comércio, observando as mulheres que passam com o olhar agitado de alguém que embaralha sem cessar um baralho velho e gasto. De quando em quando faz um leve sinal, brusco como o ataque da língua de um camaleão – quase invisível aos pouco atentos. Uma silhueta deixa o terraço para seguir a mulher que ele indicou. Algumas vezes, seus agentes chegam a deter e assediar as mulheres na rua, abertamente e em seu nome, mencionando somas de dinheiro. Ninguém se ofende à menção de dinheiro em nossa cidade. Algumas das garotas apenas riem. Outras aceitam a proposta de imediato. Nunca se enxerga constrangimento algum em seus rostos. Entre nós, não se finge a virtude. Nem o vício. Ambos são naturais.”

 

 

“Todo excesso converte-se em pecado.”

 

 

“Eu estava certo em reconhecê-la como uma filha de Alexandria, a cidade que impõe às suas filhas uma volúpia pelo sofrimento, em vez do prazer, condenando-as a perseguir aquilo que menos desejam encontrar!”

 

 

““É tolice”, Justine escreveu, “imaginar que a paixão nasce de uma harmonia mental, de ideias semelhantes; ela é o disparo simultâneo de dois espíritos empenhados em crescer e conquistar sua harmonia. É como se uma explosão silenciosa tivesse ocorrido no interior de cada um. Confuso e inquieto, o amante examina sua própria experiência; sentindo gratidão pelo amante, imagina estar em comunhão com ele, mas essa impressão é falsa. O objeto amado é simplesmente alguém que compartilhou uma experiência de forma simultânea e narcisística; e, ao menos de início, o desejo de estar próximo desse objeto não tem relação com a ideia de posse, mas apenas com a intenção de comparar as duas experiências, como reflexos em espelhos diferentes. Tudo isso pode preceder o primeiro olhar, o primeiro beijo, o primeiro toque; preceder qualquer ambição, orgulho ou cobiça; preceder as primeiras declarações que marcam o instante da virada – pois daí em diante, o amor degenera-se em hábito, sentimento de posse e retorno à solidão”.”

 

 

“Todo homem é feito de barro e daimon, e não existe mulher capaz de nutrir a ambos.”

 

 

“Não preciso de remédios – é só um resfriado. Doenças não se interessam por quem deseja morrer.”

 

 

“Oh! Nessim, eu sempre fui tão forte! Será que isso me impediu de ser realmente amada?”

 

 

“É um assombro a capacidade que nós, escritores, temos de ser infelizes.”

 

 

“Todos estamos buscando motivos racionais para acreditarmos no absurdo.”

 

 

“Ah! Minha cara, depois de todo o trabalho dos filósofos em sua alma e dos médicos em seu corpo, o que podemos afirmar que realmente sabemos a respeito do homem? Que, no fim das contas, ele não é mais que uma passagem para líquidos e sólidos, um cano feito de carne.”

 

 

“Quem inventou o coração humano? Responda-me, e depois mostre-me o lugar onde foi enforcado.”

 

 

“Todas as grandes religiões são excludentes, prescrevem uma série de proibições que engendram o desejo que pretendem curar.”

 

 

“Lutar contra os desejos do coração é difícil; tudo que ele deseja, obtém mesmo ao custo da alma.” (Heráclito)

 

 

“Espera-se que todos os artistas cultivem certa infelicidade; é elegante.”

 

 

““Permita-me”, disse, com um tom de lamento, “revelar o segredo do meu ofício de romancista. Sou um sucesso, você é um fracasso. A resposta, meu velho, é sexo, e em boa quantidade.”

 

 

“O mundo é como um pepino – hoje está em sua mão, amanhã pode estar em seu rabo.”

 

 

“Por anos a fio precisamos aguentar a sensação de que as pessoas realmente não se importam conosco; até que um dia, cada vez mais alarmados, percebemos que é Deus que não se importa. Não que meramente não se importe, mas para ele tanto faz.”

 

 

“É preciso sofrer de uma ignorância tremenda para aproximar-se de Deus. Acho que eu sempre soube demais.”

 

 

“Para mim, o sorriso famoso de Mona Lisa sempre pareceu o sorriso de uma mulher que acabou de devorar o marido no jantar.”

 

 

“Não há dor comparável a dor de amar uma mulher que torna seu corpo disponível mas é incapaz de entregar seu eu verdadeiro – por não saber onde encontrá-lo.”

 

 

“A culpa sempre corre ao encontro de seu complemento, o castigo: só assim considera-se satisfeita.”

 

 

“Mais do que tudo, a pobreza exclui; e mais do que tudo, a riqueza isola.”

 

 

“Riqueza compra riqueza, mas a pobreza mal é suficiente para comprar o beijo de um leproso.” (Provérbio árabe)

 

 

“–  O que está acontecendo com Nessim?

– Não sei. Quando alguém tem algo a esconder, torna-se um ator, e força todos que o cercam a também atuar.”

 

 

“Estas anotações, como quer que sejam lidas, não passam de um comentário afetuoso e cheio de minúcias sobre um mundo no qual nasci para compartilhar meus momentos mais solitários – os momentos do coito – com Justine. É impossível chegar mais perto da verdade.”

 

 

“Dentre os inúmeros tipos de fracassos, escolhemos aqueles que menos comprometem nosso orgulho: aqueles com menor capacidade de frustrar-nos. Escolhi fracassar na arte, na religião e com as pessoas. Na arte, fracassei (percebi isso de repente, agora mesmo) por não acreditar que a personalidade humana é descontínua. (“Seriam as pessoas”, escreveu Pursewarden, “contínuas em si, ou será que somem, desaparecem e ressurgem novamente de forma tão veloz que temos a ilusão de características contínuas, como nas imagens trêmulas dos velhos filmes mudos?”) Como não acreditava na autenticidade das pessoas, não era capaz de obter sucesso ao representá-las. Meu fracasso religioso? Bem, nunca achei validade alguma em religiões cuja doutrina contenha o menor indício de uma chance de reparação – e qual delas poderia escapar desta acusação? Pace Balthazar, a mim parecia que todas as igrejas, todas as seitas, eram no máximo meras academias para aprender a combater o medo. Mas o derradeiro, o pior de todos os meus fracassos (enterrei os lábios no cabelo escuro e vivo de Justine) era meu fracasso com as pessoas: fora propiciado por um crescente alheamento espiritual, que ao mesmo tempo que me libertava para sentir empatia, proibia-me de qualquer posse. De forma gradual e inexplicável, tornava-me cada vez mais deficiente no amor e ao mesmo tempo melhor em minha capacidade de doação – a melhor parte do amor. Nisso, percebi horrorizado, consistia a base de meu domínio sobre Justine. Enquanto mulher, possessiva por natureza, estava condenada a tentar apreender uma parte de mim que estava para sempre fora de qualquer alcance, o último e doloroso refúgio que para mim significavam o riso e a amizade. Esse tipo de amor, de certa forma, desesperava-a, pois eu não dependia dela; e se não for alimentado, o desejo de possuir pode apoderar-se inteiramente do espírito. Como é difícil analisar esses relacionamentos ocultos soba  superfície, sob a pele de nossas ações; pois o amor não passa de uma forma de linguagem da pele, o sexo é meramente uma terminologia.”

 

 

“A dor é o único alimento da memória: pois o prazer encerra-se em si mesmo.”

 

 

“É muito mais fácil fazer a um amante as perguntas que se deseja ver respondidas pelo marido.”

 

 

“O amor é bem mais verdadeiro quando surge da simpatia em vez do desejo, pois deste modo não deixa feridas.”

 

 

“Inventando o casamento, legitimamos o desespero.”

Um comentário:

Sugestão de Livros disse...

Bem legal o trecho: “Para mim, o sorriso famoso de Mona Lisa sempre pareceu o sorriso de uma mulher que acabou de devorar o marido no jantar.”