Editora: Companhia das Letras
ISBN: 978-85-7616-434-0
Organização e seleção: Fernando Gómez Aguilera
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 480
Sinopse: Seleção
de declarações à imprensa organizada em três grandes eixos temáticos, As
palavras de Saramago revela o grande inovador do romance contemporâneo e
sua relação com a literatura, mas também o homem Saramago, que nunca se furtou
ao dever de se manifestar sobre as questões políticas de seu tempo, de
desconfiar das ideias prontas e de protestar contra desigualdades e injustiças.
“A felicidade é apenas uma invenção para tornar
a vida mais suportável.”
“Primeiro sou português, segundo sou ibérico e
só em terceiro lugar, e quando me dá vontade, sou europeu.”
“A vida, que parece uma linha reta, não o é. Construímos
somente uns cinco por cento da nossa vida, o resto fazem os outros, porque vivemos
com os outros e às vezes contra os outros. Mas essa pequena porcentagem, esses cinco
por cento, é o resultado da sinceridade consigo mesmo.”
“Eu continuo dizendo, a esta idade de 75 anos,
que continuo sendo neto dos meus avós.”
“Quando eu morrer… se pusessem uma lápide no lugar
onde ficarei, poderia ser algo assim: “Aqui jaz, indignado, fulano de tal”. Indignado,
claro, por duas razões: a primeira, por já não estar vivo, o que é um motivo bastante
forte para indignar-se; e a segunda, mais séria, indignado por ter entrado num mundo
injusto e ter saído de um mundo injusto. Mas temos de continuar, de continuar andando,
temos de continuar.”
“Se não me interesso pelo mundo, este baterá na
minha porta cobrando.”
“Tentei não fazer nada na vida que pudesse envergonhar
o menino que fui.”
“A educação me preocupa muitíssimo, sim, sobretudo
porque é um problema muito evidente, claro e transparente e ninguém faz nada a esse
respeito. Confundiu-se a instrução com a educação durante muitos anos e agora estamos
arcando com as consequências. Instruir é transmitir dados e conhecimentos. Educar
é outra coisa, é inculcar valores […]. Faz décadas, o que havia era um Ministério
da Instrução Pública, não da Educação. A educação era outra coisa. Se para ser educado
fosse necessário ser instruído previamente, eu seria uma das criaturas mais ignorantes
do mundo. Meus familiares eram analfabetos, como iam me instruir? Impossível. Mas
me educaram, inculcaram em mim valores básicos, fundamentais. Eu morava numa casa
paupérrima e saí dali educado. Milagre! Não, não há milagre nenhum. Aprendi a vida
e a lição dos mais velhos, quando nem eles mesmos sabiam que estavam dando lições.”
“Quando se ridiculariza a bondade, no fundo, a
única conclusão é que se está a justificar a delinquência. Não me refiro a uma delinquência
explícita, ativa, mas a uma certa atitude delinquente que se justifica pela indiferença
e também pela incapacidade de agir.”
“É como se houvesse dentro de mim uma parte intocada.
Ali não entra nada. E que se traduz numa certa serenidade, que se acentuou com a
doença [sofrida em 2007-08]. Se alguma coisa pude aproveitar dela foi este sentimento
de extrema serenidade. Passei pelos momentos maus e bons que todas as vidas têm,
mas nunca perdi esta… não quero chamar-lhe segurança de mim mesmo… É um pouco como
o olho do furacão: em redor é morte e destruição, mas ali o vento não sopra.”
“A felicidade é só estar em paz consigo mesmo,
olhar para nós mesmos e lembrar que não fizemos muito mal aos outros.”
“Tenho ali uma foto dos meus avós maternos. Aquele
homem alto e magro que está na foto é meu avô Jerónimo, pai da minha mãe, e ela
é a minha avó, que se chamava Josefa. Meu avô era pastor, não tinha nem mesmo uma
vara de porcos, tinha umas oito ou dez porcas que depois pariam leitões que eles
criavam e vendiam, e disso viviam ele e ela. As pocilgas ficavam ao lado da casa
[…]. No inverno, podia acontecer, e aconteceu vez ou outra, que alguns leitõezinhos,
os mais fracos, porque as pocilgas ficavam do lado de fora, podiam morrer de frio.
Então, os dois levavam esses leitõezinhos para a cama, e ali dormiam os dois velhos
com dois ou três porquinhos, debaixo dos mesmos lençóis, para aquecê-los com seu
calor humano. Este é um episódio autêntico.
Outro episódio. Levaram este meu avô, quando estava
muito doente e muito mal, para Lisboa, para um hospital, onde depois veio a morrer.
Antes de sabê-lo, em seus 72 anos, aquela figura que nunca esquecerei se dirigiu
à horta, onde havia algumas árvores frutíferas e, abraçando-as uma a uma, se despediu
delas chorando e agradecendo pelas frutas que tinham dado. Meu avô era um analfabeto
total. Não estava se despedindo da única riqueza que tinha, porque aquilo não era
riqueza, estava se despedindo da vida que elas eram e da qual ele não compartilharia
mais. E chorava abraçado a elas porque intuía que não voltaria a vê-las. Essas duas
histórias são mais do que suficientes para explicar tudo. A partir daí, as palavras
sobram.”
“Há na obra de Pessoa um retrato bastante claro
e completo do homem português, com as suas contradições, o misticismo um tanto mórbido
que é o nosso, esta capacidade de esperar, que não é mais do que um desejo de adiar.
A esperança é uma atitude ativa, mas nos portugueses é uma forma cômoda de projetar
para um futuro cada vez mais distante o que deveríamos fazer agora.”
“Acho que a grande revolução, e o livro [Ensaio
sobre a cegueira] fala disso, seria a revolução da bondade. Se nós, de um dia
para o outro, nos descobríssemos bons, os problemas do mundo estavam resolvidos.
Claro que isso nem é uma utopia, é um disparate. Mas a consciência de que isso não
acontecerá não nos deve impedir, cada um consigo mesmo, de fazer tudo o que pode
para reger-se por princípios éticos. Pelo menos a sua passagem por este mundo não
terá sido inútil e, mesmo que não seja extremadamente útil, não terá sido perniciosa.
Quando nós olhamos para o estado em que o mundo se encontra, damos-nos conta de
que há milhares e milhares de seres humanos que fizeram de sua vida uma sistemática
ação perniciosa contra o resto da humanidade. Nem é preciso dar-lhes nomes.”
“Seria mais cômodo acreditar em Deus, mas escolhi
o lugar da incomodidade.”
“Se o homem fosse imortal, não precisaria de Deus.”
“Deus é uma criação humana e, como muitas outras
criações humanas, a certa altura toma o freio nos dentes e passa a condicionar os
seres que criaram essa ideia.”
“As religiões, como as revoluções, devoram os
seus filhos. Há nas religiões um contínuo processo de devoramento em que Deus é
como um Moloch que necessitasse do sacrifício humano. Imaginando que Deus existe
– e não lhe concedo o benefício da dúvida –, Deus não pode, por boa lógica, criar
seres para os destruir.”
“O Vaticano, como já não crê na existência da
alma, se ocupa da repressão dos corpos.”
“As religiões nunca serviram para aproximar os
seres humanos. As religiões serviram sempre para os dividir. A história de uma religião
é sempre uma história do sofrimento que se inflige, que se autoinflige ou que se
inflige aos seguidores de outra e qualquer religião. E isto parece-me de tal forma
absurdo que creio mesmo que o lugar do absurdo por excelência é a religião.”
“Há uma coisa clara a levar em conta: eu não posso
dizer em consciência que sou ateu, ninguém pode dizer, porque o ateu autêntico seria
alguém que viveria numa sociedade onde nunca teria existido uma ideia de Deus, uma
ideia de transcendência e, portanto, nem mesmo a palavra “ateu” existiria nesse
idioma. Sem Deus, não poderia existir a palavra “ateu” nem a palavra “ateísmo”.
Por isso digo que, em consciência, não posso dizer tal coisa. Mas Deus está aí,
portanto falo dele, não como uma obsessão.”
“Escrevi faz anos uma frase que deve ser entendida
como eu a entendo, porque senão a conclusão seria exatamente o contrário do que
é. Escrevi isto: “Deus é o silêncio do universo, e o homem é o grito que dá sentido
a esse silêncio”. Se este planeta fosse habitado somente por animais, e poderia
acontecer – quando os dinossauros existiam, o homem não estava aqui –, então não
haveria ninguém para dizer: “Deus existe”. Chegou um momento em que alguém disse:
“Existe Deus”, pelo fato de que temos de morrer, por essa esperança de que algo
mais possa acontecer, de que algo que chamamos ou que passamos a chamar de espírito
ou alma possa sobreviver. E, a partir daí, pode-se armar toda a construção teológica.”
“Quem mata em nome de Deus converte este num assassino.”
“Descobrir o outro é descobrir a si mesmo.”
“O homem é cruel sobretudo em relação ao homem,
porque somos os únicos capazes de humilhar, de torturar, e o fazemos com algo que
deveria estar contra isso, que é a razão humana. (….) Não se percebeu ainda que
o instinto serve melhor aos animais do que a razão serve ao homem. O animal, para
se alimentar, tem que matar outro animal. Mas nós não, nós matamos por prazer, por
gosto.”
“O universo não tem notícia da nossa existência.”
“Nós, os seres humanos, matamos mais que a morte.”
“Muita gente me diz que sou pessimista; mas não
é verdade, o mundo é que é péssimo.”
“O homem quando descobriu que era inteligente
não aguentou o choque e enlouqueceu.”
“A morte é um grande negócio – nem sempre limpo.”
“Sabe-se que da morte não se pode rir muito, porque
ela é que acaba rindo de nós. É melhor pensar que a morte não é uma entidade nem
uma dama que está aí fora a nos esperar, mas que está dentro de nós, que cada um
traz dentro de si e, quando o corpo e ela se põem de acordo, acabou-se.”
“A epígrafe do livro [A viagem do elefante],
de um suposto Livro dos itinerários, diz: “Sempre chegamos aonde nos esperam”.
E a pergunta é inevitável: a que isso se refere? E a resposta só pode ser uma: à
morte. Sempre chegamos à morte, ali estão nos esperando.”
“A literatura é o resultado de um diálogo de alguém
consigo mesmo.”
“As palavras trazem a sabedoria do vivido.”
“Que foi para mim, como autor, o 25 de Abril (a
Revolução dos Cravos)? Em palavras mínimas: a possibilidade de ser autor livre.
Ainda que, é tempo de o dizer, condicionado por todo o aparelho social, econômico
e cultural burguês, que continua a impedir, por formas grosseiras ou hábeis, o exercício
pleno dessa mesma liberdade.”
“Não faltam escritores que têm um exemplar empenhamento
cívico e o transpõem para a sua obra, mas ao mesmo tempo parecem temer o novo. Por
um lado desejam que a sociedade se transforme e, por outro, aceitam que os seus
instrumentos de expressão e de trabalho se limitem a ser um prolongamento do passado.”
“Escrever é uma transfusão de sangue para o lado
de fora.”
“Eu não acredito que se escreva por necessidade.
Necessidade é comer e beber. Alguns levam tão longe o seu papel de escritores que
dizem: se não escrever, morro. As pessoas têm a tentação de tornar as coisas mais
interessantes, mais românticas. Criou-se a ideia do artista torturado, que finalmente
não é um ser deste mundo. Um pouco raro, muito raro. Como se o artista e o escritor
fossem uma espécie de deus condenado a criar.”
“A inspiração é só o esqueleto de uma ideia. O
trabalho e a disciplina são o que formam o corpo desse esqueleto.”
“A imaginação nasce da relação dialética com os
fatos que você está vivendo e da capacidade que você tem de relacionar tudo isso
com o seu próprio mundo interior. E, a partir de tudo isso, surge uma ideia. E é
só isso. Porque o escritor não é um ser extraordinário que está ali com a mão colocada
na testa a esperar as fadas.”
“O que está nos romances não é a minha vida, mas
a pessoa que eu sou, o que é algo muito diferente.”
“Não escrevo por amor, mas por desassossego. Escrevo
porque não gosto do mundo em que estou a viver”.
“A imaginação pode nos surpreender, claro que
sim. Todos os que escrevemos sabemos que isso acontece e é o melhor que pode nos
ocorrer. É quando nos surpreendemos conosco mesmo, quando algo em que, parecia que
quatro palavras antes, não estávamos pensando e que, quatro palavras depois, aparece.
Penso que há um processo que leva alguns a dizer com exagero que o livro se escreve
a si mesmo. É claro que não, necessita das mãos, da cabeça, mas há algo… é que no
fundo as palavras procuram umas às outras. Nenhuma palavra é poética, o que faz
que a palavra se transforme em palavra poética é a outra palavra, a que estava antes,
a que vem depois.”
“O que eu quero escrever liga-se aos fatos e aos
homens passados, mas não em termos de arqueologia. O que eu quero é desenterrar
homens vivos. A História soterrou milhões de homens vivos.”
“A realidade chega à mulher por outras vias que
não a da razão. Como a do sentido da maternidade, ela dá-lhe outra dimensão, que
o homem não pode ter.
Nós usamos as palavras, mas não sabemos a que
correspondem. Eu falo de maternidade, mas o que é que um homem sabe da maternidade?
Essa palavra só pode ser entendida quando dita por uma mulher-mãe, se eu a disser,
não é a mesma coisa.”
“É a própria história que me leva, sem ter me
preocupado antes com isso, a que sempre, em todos os meus romances, haja uma mulher
forte. Por quê? Se calhar, é porque tenho a esperança de que, talvez um dia, a mulher
assuma a sua responsabilidade total e não permita que continue a ser uma espécie
de sombra do homem, presente apenas para cumprir o que o homem decidir; que ela
mesma se afirme com a sua capacidade única, com a sua generosidade. A mulher sempre
é mais generosa que o homem, e acontece que o mundo precisa de muita generosidade.”
“Sou cada vez menos proselitista. Vá cada um aonde
possa pelos seus próprios meios: guias e gurus são más companhias.”
“O que quero dizer é que não vejo nenhum motivo
para deixar de ser aquilo que sempre fui: alguém que está convencido de que o mundo
em que vivemos não vai bem; convencido de que a aspiração legítima e única que justifica
a vida, ou seja, a felicidade do ser humano, está sendo fraudada diariamente; e
que a exploração do homem pelo homem continua a existir. Nós, seres humanos, não
podemos aceitar as coisas tais como elas são, pois isso nos conduz diretamente ao
suicídio. É preciso acreditar em algo e, sobretudo, é preciso ter um sentimento
de responsabilidade coletiva, pelo qual cada um de nós é responsável por todos os
outros. E isso eu não consigo ver no capitalismo.”
“Se o escritor tem algum papel, é o de incomodar.”
“A decadência, em todos os aspectos, da União
Soviética se deveu à separação entre o partido e o povo.”
“Desde muito novo orientei-me para a consciência
de que o mundo está errado. Não importa aqui qual foi o grau da minha militância
todos esses anos. O que importa é que o mundo estava errado, e eu queria fazer coisas
para modificá-lo. O espaço ideológico e político em que eu esperava encontrar alguma
coisa que confirmasse essa ideia era, é claro, a esquerda comunista. Para aí fui
e aí estou. Sou aquilo que se pode chamar de comunista hormonal.”
“Quando digo que a democracia se suicida diariamente,
perde espessura e se desgasta, diminuindo a sua densidade, estou a falar de um sentimento
que nos afeta, a nós, cidadãos. Sentimos, e sofremos com isso, que não temos importância
no modo como funciona a sociedade.”
“Na falsa democracia mundial, o cidadão está à
deriva, sem a oportunidade de intervir politicamente e mudar o mundo. Atualmente,
somos seres impotentes diante de instituições democráticas das quais não conseguimos
nem chegar perto.”
“O destino das revoluções é se transformarem no
seu oposto. As revoluções acabam sendo sempre traídas, por uma razão muito simples:
por causa da renúncia dos cidadãos a participarem […]. A doença mortal das democracias
é a renúncia do cidadão à participação. Os principais responsáveis somos nós mesmos,
quando delegamos o poder a outra pessoa, que, a partir desse momento, passa a controlá-lo
e a usá-lo.”
“Ao poder, a primeira coisa que se diz é “não”.
Não por ser um “não”, mas porque o poder tem de ser permanentemente vigiado. O poder
tem sempre tendência para abusar, para exorbitar.”
“Nós, homens, não obtivemos a democracia, mas
uma ilusão dela. É preciso dizer isso em voz alta, e seria bom que todos nós o disséssemos,
em coro; não é possível continuar falando de democracia em um mundo onde o poder
que realmente governa, o poder financeiro, não é democrático. Tudo o mais são miragens
mais ou menos reais – os parlamentos, os governos –, mas o poder, em última instância,
o poder que decide e determina os nossos destinos não é um poder democrático.”
“O que temos chamado de “poder político” converteu-se
em mero “comissário político” do poder econômico.”
“Não estou me colocando contra a democracia em
si, mas contra a democracia-armadilha, como instrumento do capitalismo, em que as
próprias vítimas se transformam em cúmplices, seja pelo silêncio, seja pela renúncia
à participação.”
“Vivemos uma situação em que na democracia, que,
segundo a velha definição, é o governo do povo, para o povo e pelo povo, está ausente
justamente o povo.”
“O grande problema do nosso sistema democrático
é que ele permite fazer coisas nada democráticas democraticamente.”
“Aristóteles definiu que em um sistema democrático
o Parlamento deveria ser composto por uma maioria de pobres e uma minoria de ricos.
Hoje, penso que Aristóteles foi uma espécie de precursor do humor negro.”
“[Os indígenas de Chiapas] sobrevivem alimentando-se
de sua própria dignidade. Enfrentam a guerra com esse estoicismo que tanto me impressionou,
um estoicismo quase sobre-humano que não aprenderam na universidade, que construíram
durante séculos de humilhação. Sofreram como ninguém, e preservam aquela força interior,
uma força que se expressa no olhar… O olhar daquele menino cuja vida foi destruída
para sempre… é uma coisa que jamais desaparecerá de minha memória… Os olhares sérios,
severos e retraídos das mulheres e dos homens… são algo que paira acima de tudo.
Os indígenas não têm nada, mas são tudo. Como é possível que, depois de tanto sofrimento,
esse mundo indígena ainda mantenha a esperança? Como consegue sorrir esse homem
de Polhó que acaba de nos dizer: “Pode ser que amanhã nos matem a todos nós, mas,
bem, ainda estamos aqui”?. É algo que não consigo entender.”
“Se temos consciência mas não a utilizamos para
nos aproximar do sofrimento, de que ela nos serve?”
“Embora eu seja dotado de alguma imaginação, não
consigo ver um aimará do Peru, um totzil do México, um mapuche do Chile ou um afrodescendente
de Angola colocando um xis em uma cédula identificando-se como ibero-americano,
negando, assim, o seu passado, seus mortos e as vergonhosas humilhações de todo
tipo que ainda se produzem. Assim como as carnificinas que ocorrem seguidamente.
Não se pode pedir isso a um ser humano.”
“Sou um europeu cético que aprendeu todo seu ceticismo
com uma professora chamada Europa”.
“Não é só o pensamento correto. Agora tudo está
se transformando em correto. É preciso se comportar segundo normas que ninguém sabe
quem definiu. Eu reivindico a diferença, mas estamos nos tornando cada vez mais
iguais, no pior sentido, no sentido menos criativo e menos contestador, perdendo,
assim, a capacidade de debater. Apesar de me sentir inserido na cultura europeia,
não gosto do fato de a Europa estar se transformando em um império. Começo a desconfiar
que tudo é igual, e me parece surpreendente que não nos demos conta de que, nessa
Europa, dá na mesma que os governos sejam socialistas ou conservadores, ou, amanhã,
até mesmo neofascistas. Enquanto isso acontece, as perguntas – por quê, como e para
quê –, que deveriam estar todos os dias na boca dos cidadãos, não estão.”
“Não são os políticos os que governam o mundo.
Os lugares de poder, além de serem supranacionais, multinacionais, são invisíveis.”
“Pedem os nossos votos apenas para homologar uma
porção de coisas, de cujas definições não participamos. Pedem-nos apenas os votos,
e não que participemos. E a cada quatro anos comparecemos para votar, felizes, acreditando
que estamos fazendo algo muito importante, mas o que é realmente importante já aconteceu
no intervalo desses quatro anos.”
“O Holocausto é a grande e constante autojustificativa
dos israelitas. Consideram que, por pior que possam fazer hoje a quem quer que seja,
nada poderia ser comparado ao que eles sofreram. Em sua consciência patológica de
povo escolhido, acreditam que o horror que sofreram os exime de culpa ao longo de
séculos e séculos. Não dão a ninguém o direito de julgá-los, pois eles foram torturados,
gaseados e incinerados.
Além disso, querem, ao mesmo tempo, que todos
nós nos sintamos corresponsáveis pelo Holocausto e que expiemos a nossa suposta
culpa aceitando sem retrucar tudo o que eles fazem ou deixam de fazer. Tornaram-se
os especuladores do Holocausto, mas a verdade é que nem nós temos nenhuma culpa
por aquela barbárie nem eles podem falar em nome das vítimas daquele horror.”
“Dois horrores impedem que os judeus se olhem
no espelho: o de Auschwitz e o de sua própria consciência hoje.”
“Os judeus saíram do gueto, felizmente. Sofreram
durante séculos perseguições de todo tipo. E agora, em vez de respeitar o sofrimento
de seus antepassados, não fazendo outros sofrerem o que eles sofreram, repetem os
mesmos excessos, os mesmos crimes, os mesmos abusos de que foram vítimas.”
“O juiz Antonio Di Pietro disse um ano atrás [2002]
que na Itália a corrupção política chegara ao fim. Como assim?, perguntaram-lhe.
E ele explicou de forma muito clara: o poder econômico precisava corromper os políticos
para que estes fizessem o que ele queria. Mas isso agora acabou, porque o poder
econômico ocupou o poder político. Portanto, já não tem necessidade de corromper
ninguém. Ele é o poder.”
“O poder tem destas coisas, vira os políticos
como se eles fossem uma peúga. A primeira viragem chama-se pragmatismo, a segunda
oportunismo, a Terceira conformismo. A partir daqui, o melhor é deixar de contar.”
“Quando um político mente, ataca a base da democracia.”
“No fundo, a globalização é um totalitarismo soft,
quer dizer, promete de tudo, nos vende a sua felicidade e cria necessidades que
não tínhamos antes. É uma forma de domínio político, mas os cidadãos não se dão
conta disso ou não encontram uma forma de reagir.”
“Espero o dia em que serão levados diante de um
Tribunal Internacional os políticos e os militares de Israel responsáveis pelo genocídio
do qual o povo palestino tem sido vítima nos últimos sessenta anos. Pois, como escrevi
há alguns meses, “enquanto houver um palestino vivo, continuará o holocausto”.”
“A direita nunca deixou de ser direita, mas a
esquerda deixou de ser esquerda. A explicação pode parecer simplista, mas é a única
que contempla todos os aspectos da questão. Para ser participantes mais ou menos
tolerados nos jogos de poder, os partidos de esquerda correram todos para o centro,
onde se encontraram inevitavelmente com uma direita política e econômica já instalada
que não precisava se camuflar de centro. Entrou-se então na farsa carnavalesca de
denominações caricaturais, como centro-esquerda ou centro-direita.”
“Os Estados Unidos são realmente odiados por uma
parte do mundo e objeto de desconfiança e receio de outra. Ganharam tudo à força
com suas torpezas e arbitrariedades, com sua soberba e sua insolência, com suas
mentiras e seus abusos, com o seu quero tudo e mando em tudo. E agora se
queixam. É preciso ser muito hipócrita.”
“O sindicalismo está domesticado, e essa foi a
grande operação do sistema capitalista: a domesticação. E ao mesmo tempo nos dizem
que somos livres – isso é o mais cruel.”
“O pior é que está se formando um sistema no qual
as pequenas coisas são as que ocupam mais espaços, a informação e a preocupação
das pessoas. Os grandes temas aparecem diluídos, por trás, e nunca os vemos.”
“Há um problema no mundo que é o problema da informação,
que estão controlando a informação. Hoje as palavras mais construtivas, as mais
limpas que se pode pronunciar às vezes não chegam a parte alguma, porque a mídia
se encarrega de fazer com que isso aconteça.”
“Há sempre uma relação perversa nesse trinômio
Estado-empresa-jornal. Pode-se dizer que, a rigor, já não existem jornais: o que
há são empresas jornalísticas.”
“Não é raro que os meios de comunicação social
alimentem o pior que a sociedade manifesta.”
“O jornalismo contribui para formar a realidade
que lhe convém, dar a imagem que lhe convém. Os dados que nos faltam aos cidadãos
são tantos que as pessoas tendem a desinteressar-se do esforço para compreender
o mundo em que vivem.”
“Para mim, é muito claro que, entre os direitos
humanos de que se fala tanto, existe um que não pode ser esquecido: o direito à
heresia, a escolher outras coisas.”
“A globalização econômica é compatível com os
direitos humanos? Temos de nos colocar essa pergunta e verificar que a resposta
é que ou existe globalização ou existem direitos humanos, por mais que os poderes
tenham a hipocrisia de dizer que a globalização favorece os direitos humanos, quando
o que ela faz é fabricar excluídos. A globalização é simplesmente uma nova forma
de totalitarismo, que não precisa chegar sempre vestindo uma camisa azul, marrom
ou preta e com o braço em riste; o totalitarismo tem muitas faces, e a globalização
é uma delas. Para reverter a situação, seria preciso voltar a Marx e a Engels, embora
seja quase politicamente incorreto se referir a esses cadáveres da história quando
a ideologia parece que morreu.”
“O intelectual não pode estar com o poder.”
“Não me parece que o fato de eu ser como sou possa
ser uma causa direta de um conflito com alguém que é outro. Se eu reconheço o outro
como outro, tenho, por motivos éticos, de respeitá-lo, e então não haveria nenhum
conflito. Porque quando aquilo que chamamos de identidade se transforma em agressividade,
não é por culpa da diferença, mas sim da necessidade de poder. Se me torno agressivo
em relação ao outro na afirmação da minha identidade, não é por sermos diferentes,
mas sim porque quero exercer o meu poder sobre ele.”
“Falar de democracia, neste contexto, é uma perda
de tempo. Esta democracia é uma ilusão. A cidadania está anestesiada, o consumismo
é a nova ideologia.”
“O que se pergunta é que tipo de vida nós queremos.
O único lugar público seguro que existe é o centro comercial, como antes eram o
parque, a rua, a praça. Não sou saudosista, mas para entender o presente é preciso
falar do passado. O centro comercial é a nova catedral e a nova universidade: ocupa
o espaço da formação da mentalidade humana. Os centros comerciais são um símbolo.
Nada tenho contra eles. Sou contra, sim, uma forma de ser, um espírito quase autista
de consumidores obcecados pela posse de coisas. É espantosa a quantidade de coisas
inúteis que se fabricam e se vendem, e o Natal é uma ocasião maravilhosa para comprovar
isso.”
“Sempre achei que, além da antropofagia direta,
existe uma outra forma de devorar o próximo: a exploração do homem pelo homem. Neste
sentido, a história da humanidade é a história da antropofagia.”
“Os governos ocidentais reservam a classificação
de terrorista para os atos de violência indiscriminada realizados por ativistas
que não agem enquadrados por uma organização estatal e se negam a reconhecer a existência
do terrorismo de Estado. Aproveitam-se do fato de que o terrorismo puro não pretende
se esconder – ao contrário, se esforça ao máximo para que a sociedade saiba de sua
existência –, enquanto o terrorismo de Estado faz todo o possível para se tornar
“invisível”, porque é tanto mais eficaz quanto mais despercebido passa.”
“Começa a se forjar uma maneira de ver o mundo
que é definida por três vetores muito claros: a neutralidade, o medo e a resignação.”
“Não nos incomoda viver no meio do lixo quando
saímos para a rua perfumados.”
“O que as pessoas não conseguiram, e alguma razão
têm, foi vencer o medo de perder o emprego. E o resultado é a neutralização do espírito
de militância que durante gerações caracterizou a classe operária.”
Um comentário:
Bem legal!
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