Editora: Domínio Público
Opinião: ★★☆☆☆
Tradução: Plínio
Augusto Coelho
Páginas: 132
Sinopse: O que é a autoridade? É a força inevitável
das leis naturais que se manifestam no encadeamento e na sucessão fatal dos
fenômenos do mundo físico e do mundo social? Efetivamente, contra estas leis, a
revolta é não somente proibida, é também impossível. Podemos conhecê-las mal, ou
ainda não conhecê-las, mas não podemos desobedecê-las porque elas constituem a
base e as próprias condições de nossa existência: elas nos envolvem, nos
penetram, regulam todos os nossos movimentos, pensamentos e atos; mesmo quando
pensamos desobedecê-las, não fazemos outra coisa que manifestar sua
onipotência.
“Ouvi dizer que a
necessidade de ar, como sensação irresistível, é mais intensa que a sede de
água. Só por alguns minutos, garanto. Passados esses minutos, a gente morre e o
desconforto da asfixia desaparece. Ao passo que a sede é um negócio demorado.
Veja bem: o Cristo na Cruz morreu sufocado, mas a única coisa de que Ele se
queixou foi de sede. Se a sede pode ser tão insuportável a ponto de o próprio
Deus encarnado se queixar dela, imagine o efeito que exerce sobre um ser humano
comum.”
“Os fatos têm
primazia sobre as ideias.”
“A Bíblia, que é
um livro muito interessante, e aqui e ali muito profundo, quando o consideramos
como uma das mais antigas manifestações da sabedoria e da fantasia humanas,
exprime esta verdade, de maneira muito ingénua, em seu mito do pecado original.
Jeová, que, de todos os bons deuses adorados pelos homens, foi certamente o
mais ciumento, o mais vaidoso, o mais feroz, o mais injusto, o mais
sanguinário, o mais despótico e o maior inimigo da dignidade e da liberdade
humanas, Jeová acabava de criar Adão e Eva, não se sabe por qual capricho,
talvez para ter novos escravos. Ele pôs generosamente à disposição deles toda a
terra, com todos os seus frutos e todos os seus animais, e impôs um único
limite a este completo gozo: proibiu-os expressamente de tocar os frutos da
árvore de ciência. Ele queria, pois, que o homem, privado de toda consciência
de si mesmo, permanecesse um eterno animal, sempre de quatro patas diante do
Deus “vivo”, seu criador e seu senhor. Mas eis que chega Satã, o eterno
revoltado, o primeiro livre-pensador e o emancipador dos mundos! Ele faz o
homem se envergonhar de sua ignorância e de sua obediência bestiais; ele o
emancipa, imprime em sua fronte a marca da liberdade e da humanidade, levando-o
a desobedecer e a provar do fruto da ciência.
Conhece-se o
resto. O bom Deus, cuja presciência, constituindo uma das divinas faculdades,
deveria tê-lo advertido do que aconteceria, pôs-se em terrível e ridículo
furor: amaldiçoou Satã, o homem e o mundo criados por ele próprio, ferindo-se,
por assim dizer, em sua própria criação, como fazem as crianças quando se põem
em cólera; e não contente em atingir nossos ancestrais, naquele momento ele os
amaldiçoou em todas as suas gerações futuras, inocentes do crime cometido por
seus ancestrais. Nossos teólogos católicos e protestantes acham isto muito
profundo e justo, precisamente porque é monstruosamente iníquo e absurdo.
Depois, lembrando-se de que ele não era somente um Deus de vingança e cólera,
mais ainda, um Deus de amor, após ter atormentado a existência de alguns
bilhões de pobres seres humanos e tê-los condenado a um eterno inferno, sentiu
piedade e para salvá-los, para reconciliar seu amor eterno e divino com sua
cólera eterna e divina, sempre ávida de vítimas e de sangue, ele enviou ao
mundo, como uma vítima expiatória, seu filho único, a fim de que ele fosse
morto pelos homens. Isto é denominado mistério da Redenção, base de todas as
religiões cristãs.”
“Esmagado por seu
trabalho quotidiano, privado de lazer, de comércio intelectual, de leitura, enfim,
de quase todos os meios e de uma boa parte dos estímulos que desenvolvem a
reflexão nos homens, o povo aceita, na maioria das vezes, sem crítica e em
bloco, as tradições religiosas.”
“Deus sendo tudo,
o mundo real e o homem não são nada. Deus sendo a verdade, a justiça, o bem, o
belo, a força e a vida, o homem é a mentira, a iniquidade, o mal, a feiura, a
impotência e a morte. Deus sendo o senhor, o homem é o escravo. (...)
Eles dizem de uma
só vez: Deus é a liberdade do homem, Deus é a dignidade, a justiça, a
igualdade, a fraternidade, a prosperidade dos homens, sem se preocupar com a
lógica fatal, em virtude da qual, se Deus existe, ele é necessariamente o
senhor eterno, supremo, absoluto, e se este senhor existe, o homem é escravo;
se ele é escravo, não há justiça, nem igualdade, nem fraternidade, nem
prosperidade possível. De nada adiantará, contrariamente ao bom senso e a todas
as experiências da história, eles representarem seu Deus animado do mais doce
amor pela liberdade humana: um senhor, por mais que ele faça e por mais liberal
que queira se mostrar, jamais deixa de ser, por isso, um senhor. Sua existência
implica necessariamente a escravidão de tudo o que se encontra debaixo dele.
Assim, se Deus existisse, só haveria para ele um único meio de servir à
liberdade humana; seria o de cessar de existir.”
“Amoroso e
ciumento da liberdade humana e considerando-a como a condição absoluta de tudo
o que adoramos e respeitamos na humanidade, inverto a frase de Voltaire* e digo
que, se Deus existisse, seria preciso aboli-lo.”
*: “Se Deus não existisse, seria preciso
inventá-lo”.
“Numa palavra,
rejeitamos toda legislação, toda autoridade e toda influência privilegiada,
titulada, oficial e legal, mesmo emanada do sufrágio universal, convencido de
que ela só poderia existir em proveito de uma minoria dominante e exploradora,
contra os interesses da imensa maioria subjugada.
Eis o sentido no
qual somos realmente anarquistas.”
“Proclamar como
divino tudo o que se encontra de grande, de justo, de real, de belo, na
humanidade, é reconhecer implicitamente que a humanidade, por si própria, teria
sido incapaz de produzi-lo; isto significa dizer que abandonada a si própria,
sua própria natureza é miserável, iníqua, vil e feia. Eis-nos de volta à
essência de toda religião, isto é, à difamação da humanidade pela maior glória
da divindade.”
“O Estado não se
chamará mais monarquia, chamar-se-á república, mas nem por isso deixará de ser
Estado, isto é, uma tutela oficial e regularmente estabelecida por uma minoria
de homens competentes, gênios, homens de talento ou de virtude, que vigiarão e
dirigirão a conduta desta grande, incorrigível e terrível criança, o povo. Os
professores da Escola e os funcionários do Estado chamar-se-ão republicanos;
mas não deixarão de ser menos tutores, pastores, e o povo permanecerá o que foi
eternamente até agora: um rebanho. Os tosquiados que se cuidem, pois onde há
rebanho há necessariamente pastores para tosquiá-lo e comê-lo.
O povo, neste
sistema, será eterno estudante e pupilo. Apesar de sua soberania totalmente
fictícia, ele continuará a servir de instrumento a pensamentos e vontades, e
consequentemente também a interesses que não serão os seus. Entre esta situação
e o que chamamos de liberdade, a única verdadeira liberdade, há um abismo. Será
sob novas formas, a antiga opressão e a antiga escravidão; e onde há
escravidão, há miséria, embrutecimento, a verdadeira materialização da
sociedade, tanto das classes privilegiadas quanto das massas.”
“A força do
sentimento coletivo ou do espírito público já é muito séria hoje. Os homens com
maior tendência a cometer crimes raramente ousam desafiá-la, enfrentá-la
abertamente. Eles procurarão enganá-la, mas evitarão ofendê-la, a menos que se
sintam apoiados por uma minoria qualquer. Nenhum homem, por mais possante que
se imagine, jamais terá força para suportar o desprezo unânime da sociedade,
ninguém poderia viver sem sentir-se apoiado pelo consentimento e pela estima,
ao menos por certa parte desta sociedade. É preciso que um homem seja levado
por uma imensa e bem sincera convicção, para que encontre coragem de opinar e
de marchar contra todos, e nunca um homem egoísta, depravado e covarde terá
esta coragem.”
“Ao nos falarem de
Deus, eles creem, eles querem nos educar, nos emancipar, nos enobrecer e, ao
contrário, eles nos esmagam e nos aviltam. Com o nome de Deus, eles imaginam
poder estabelecer a fraternidade entre os homens, e, ao contrário, criam o
orgulho, o desprezo; semeiam a discórdia, o ódio, a guerra; fundam a
escravidão. Isto porque, com Deus, vêm os diferentes graus de inspiração
divina; a humanidade se divide em homens muito inspirados, menos inspirados,
não inspirados. Todos são igualmente nulos diante de Deus, é verdade; mas
comparados uns aos outros, uns são maiores do que os outros; não somente pelo
fato, o que não seria nada, visto que uma desigualdade de fato se perde por si
mesma na coletividade, quando ela não se pode agarrar a nenhuma ficção ou
instituição legal; mas pelo direito divino da inspiração: o que constitui logo
em seguida uma desigualdade fixa, constante, petrificada. Os mais inspirados
devem ser escutados e obedecidos pelos menos inspirados, pelos não inspirados.
Eis o princípio da autoridade bem estabelecido, e com ele as duas instituições
fundamentais da escravidão: a Igreja e o Estado.”
“Até o presente
momento toda a história humana nada mais foi senão uma imolação perpétua e
sangrenta de milhões de pobres seres humanos a uma abstração impiedosa
qualquer: Deus, Pátria, poder do Estado, honra nacional, direitos históricos,
liberdade política, bem público. Tal foi até agora o movimento natural,
espontâneo e fatal das sociedades humanas. Nada podemos fazer para mudar isso,
devemos suportá-lo em relação ao passado, como suportamos todas as fatalidades
atuais. Deve-se acreditar que esta era a única via possível para a educação da
espécie humana. Não devemos nos enganar: mesmo procurando informar amplamente
sobre os artifícios maquiavélicos das classes governamentais, devemos reconhecer
que nenhuma minoria teria sido bastante poderosa para impor todos estes
horríveis sacrifícios às massas, se não tivesse havido, nelas mesmas, um
movimento vertiginoso, espontâneo, levando-as a se sacrificarem sempre, ora a
uma, ora a outra destas abstrações devoradoras que, vampiros da história,
sempre se nutriram de sangue humano.”
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