terça-feira, 4 de novembro de 2025

Como derrotar o fascismo em eleições e sempre, de Sergio Amadeu e Renato Rovai

Subtítulo: um guia-manifesto para a organização coletiva e mobilização permanente em rede

Editora: Veneta; Hedra

ISBN: 978-65-89705-84-0 / 978-85-9571-162-4

Opinião: ★★☆☆☆

Páginas: 128

Link para compra: Clique aqui

Sinopse: Nos últimos 10 anos, o mundo tem assistido atônito à ascensão de uma nova direita ― mais agressiva, ignorante e totalmente adaptada ao mundo digital. A essa direita, importa não apenas derrotar a esquerda, mas combater o ideal civilizatório de forma ampla e profunda.

Fazendo uso de táticas de desinformação e impulsionados por emoções amplificadas pelas redes sociais, como ódio, medo e todo tipo de frustrações, eles conquistaram espaços importantes no mundo todo e no Brasil. Mas o fascismo é uma doutrina fadada historicamente ao fracasso. Neste livro, os autores organizam conceitos e táticas para que você possa tomar seu lugar nesse processo.

Com análises de cenário, dados selecionados cuidadosamente e estratégias de comunicação inspiradas nas lições mais atuais de mercado, Como Derrotar o Fascismo (em eleições e sempre) é um guia prático sobre o maior combate político desta geração. Chegou o momento de virar o jogo contra o racismo, o machismo, a homofobia, a injustiça social e a repressão à liberdade de expressão. Junte-se à luta para derrotar o fascismo, em eleições e sempre.



“A ideia de que uma pessoa sozinha não fará diferença é desmobilizadora. Todo esforço, mesmo que pareça mínimo, é importante. Podemos e precisamos compor uma resistência nas redes para derrotar novas formas de fascismo.”

 

 

Costuma-se atribuir três significados principais para o termo fascismo¹

1.      O núcleo histórico original, constituído pelo fascismo italiano;

2.     A dimensão internacional alcançada por esse movimento, consolidada pelo nacional-socialismo na Alemanha com características ideológicas, critérios organizativos e finalidades políticas próprias, que o diferenciam do fascismo alemão;

3.     Todos os movimentos ou regimes que compartilham tais atributos com o fascismo histórico.

Quanto ao que caracteriza o fascismo, teorias de diferentes campos se complementam:

Pensadores marxistas

Expressão do grande capital ou representação de extratos radicalizados das camadas médias na fase imperialista do capitalismo.

 

Liberais

Arranjo totalitário em que tudo é regrado pelas determinações do comando fascista.

 

Outros teóricos

Projeto de partido único que engloba o Estado e torna a sociedade um conjunto articulado e subordinado às normas do partido.

 

Estabelecidas as linhas gerais, passamos à primeira grande questão deste debate:

Faz sentido caracterizar a mobilização política da extrema-direita atual como fascista?

Em primeiro lugar, cumpre reconhecer: nem toda ditadura é fascista. As ditaduras militares na América Latina nas décadas de 1960 e 1970 foram sangrentas, mas não foram definidas como fascistas. Por quê?

Apesar de apelarem para valores patrióticos, os sistemas civis-militares então não estruturaram alguns componentes cruciais do fascismo, tais como:

  • Mobilização permanente da população em apoio aos diferentes segmentos da sociedade;
  • Culto a um líder supremo;
  • Organização de milícias para atuar com violência em defesa dos “valores da nação” e “honra de seus homens e de suas famílias”.”

 

 

“O FASCISMO

  • Não suporta a democracia, apesar de os partidos e líderes fascistas poderem utilizá-la para chegar ao poder;
  • Tem objetivo indubitavelmente autoritário, conservador e voltado a um punhado de valores retrógrados;
  • Defende a anulação e o extermínio de quem possui valores diferentes;
  • Busca a ditadura;
  • Prega valores muitas vezes contraditórios e não possui uma única linha de pensamento global, variando de acordo com cada país e agrupamento fascista;
  • Busca enaltecer a pátria, mesmo quando isso representa o mais descarado entreguismo.

Em “Fascismo eterno”, um dos textos mais profundos sobre o tema, o semiólogo Umberto Eco afirma que o fascismo:

“Era um totalitarismo difuso, uma colagem de ideias filosóficas e políticas diferentes, uma colmeia de contradições. Pode-se conceber um movimento verdadeiramente totalitário capaz de combinar monarquia com revolução, o Exército Real com a milícia pessoal de Mussolini, a concessão de privilégios à Igreja com educação estatal exaltando a violência, controle absoluto do Estado com livre mercado?”2

A irracionalidade, de fato, parece ser um traço fundamental do fascismo. Essa irracionalidade se manifesta como um culto à ação pela ação, como uma incapacidade de aceitar visões críticas, como medo do diferente e como uma tendência à expansão e à manutenção do poder.

Ao tratar do retorno do fascismo na década de 1960, o filósofo Theodor Adorno dizia que não deveríamos “subestimar esses movimentos por causa de seu baixo nível intelectual e falta de teoria”. Para Adorno, o extremismo de direita não era inviável, mas “as condições sociais para o fascismo continuavam existindo”3.

Mais de 50 anos depois, podemos notar que as bases do fascismo descritas por ele ainda são democracias: os discursos de Eco e Adorno sobre o fascismo da década de 1930 servem para entender o cenário político e econômico brasileiro recente, culminando na eleição de Jair Bolsonaro em 2018.

 

O bolsonarismo exalta:

  • Um princípio de levante armado nacionalista;
  • O exército, ao mesmo tempo em que organiza milícias;
  • O fundamentalismo religioso, a quem concede privilégios;
  • A violência;
  • O controle do Estado, associado ao livre mercado;

Tudo regado a baixo nível intelectual e teórico, como preconizava Adorno.

Adorno também notou que os fascistas cultivam a noção de impossibilidade de existir com o outro como ideia e sentimento cultivado. Por isso, alertou que “o conceito de existência é colocado a serviço do irracionalismo, da rejeição da argumentação racional, do pensamento discursivo como tal”.4 Aquilo que nos parece sem sentido e contraditório almeja na verdade o rompimento com as possibilidades de diálogo baseado na realidade.”

1. SACCOMANI, Edda. “Fascismo”. In: BOBBIO, Norberto; MATEUCCI, Nicola; PASQUINO, Gianfranco. Dicionário de política. Brasília: UnB, 2004, p. 466.

2. ECO, Umberto. UR-fascismo (O fascismo eterno). Nueva York: Universidad de Columbia, 1995.

3. ADORNO, Theodor W. Aspects of the New Right-Wing Extremism (trans. Wieland Hoban). Medford, Mass.: Polity, 2020, p. 12.

4. ADORNO, Theodor W. Aspects of the New Right-Wing Extremism (trans. Wieland Hoban). Medford, Mass.: Polity, 2020, p. 4

 

 

O FASCISTA

  • É estritamente capitalista.
  • É fundamentalmente retrógrado.
  • É capaz de articular o homem comum das camadas médias, que assimilou a ideologia da classe dominante.
  • Considera que pobres são pobres porque não têm mérito, sorte ou a benção de Deus.
  • Convive com aquele que é pobre, mas se acredita detentor de capital, sob risco constante de desprezá-lo por sua insuficiência de posse.
  • Odeia quem luta por direitos sociais e coletivos.
  • O “comunista” é o seu alvo: nada é pior que o “comunismo”, ainda que entenda como qualquer iniciativa que vise o bem comum, como a saúde pública, por exemplo.
  • Defende o opressor, e não raro, manifesta prazer com o sofrimento alheio.
  • Expressa seu sofrimento na política como do indivíduo que sofre porque não debate baseado em argumentos racionais.”

 

 

A ESTRATÉGIA DE EXPANSÃO DA NOVA EXTREMA-DIREITA EM QUATRO PILARES

1) Principalmente digital.

2) Rompimento com o debate racional baseado em fatos.

3) Nova roupagem a valores reacionários clássicos.

4) Desinformação e caos cognitivo como modus operandi.

Com isso, fornece nova força ao neoliberalismo, agora sem nenhum pudor de recorrer a ataques à democracia e aos direitos humanos.

O discurso antissistema é outro elemento recorrente entre os entusiastas do movimento. Mas qual sistema? Não o capitalista, obviamente: o inimigo a ser combatido compreende tudo que busca um mínimo de equilíbrio entre o poder do capital e a justiça social do socialismo.

Assim, para ganhar adeptos, passam a identificar como poderosos e atacar defensores da democracia. Escolhem para isso figuras do capital financeiro que, apesar de terem grande apreço pelo neoliberalismo, não rompem com a democracia liberal, e que por isso podem ser rotuladas de “comunistas”.

O mundo digital se torna o terreno de disputa da hegemonia política, e nele se trava abertamente uma guerra cultural. Curiosamente, os neofascistas assumem a perspectiva de Gramsci e a invertem: querem construir seu bloco histórico e destruir a hegemonia dominante.

Para compor esse bloco, articulam a velha e carcomida supremacia branca, a Ku-Klux-Klan, grupos neonazistas, terraplanistas recalcados, ligas de tiro, novos eugenistas, neorreacionários, fundamentalistas religiosos de matriz cristã; enfim, uma profusão de grupos que não conseguiriam sentar em uma mesa sem o risco de um grande tiroteio.

Articulam ainda figuras exóticas e falantes carismáticos, muitos deles alçados ao status de youtubers de grande influência. Para além da vertigem da espiral de espetacularização que esse conjunto de estratégias engendra, eliminam conteúdos contrários e muitas vezes apelam para o completamente contraditório como forma de atrair atenção e engajamento.

É assim que revelam e dão holofote a figuras como afrodescendentes que atacam lideranças negras e movimentos antirracistas, pessoas LGBTQIA+ que afirmam odiar a homossexualidade, defensores da liberdade de expressão que defendem a implantação de ditaduras. Importa, com isso, interditar qualquer possibilidade de debate produtivo, confundir e calar defensores de valores civilizatórios e reivindicar a completa e total liberdade de agressão, praticada nas redes e fora delas.”

 

 

PRINCIPAIS FUNDAMENTOS DO FASCISMO

De acordo com o filósofo estadunidense Jason Stanley, em Como funciona o fascismo: a política do “nós” e “eles” (L&PM, 2018).

- Resgate a um passado mítico que nunca existiu.

- Ataque às instituições sob pretexto de combater a corrupção.

- Ódio a intelectuais e universidades.

- Defesa cega de um líder hierárquico.

- Estigmatização e possível criminalização de minorias e da diversidade em geral.

- Ataques aos sistemas de justiça social e direitos.

- Desqualificação da imprensa.

Alguma semelhança com o bolsonarismo?

 

 

“Parte altamente significativa da comunicação humana atual ocorre via redes de relacionamento social, aplicativos de mensagens instantâneas, repositórios de vídeos, fóruns de discussão, blogs e e-mails.

Essas interações são mediadas por grandes empresas de tecnologia – as chamadas Big Techs – que controlam as plataformas e adotam um modelo de negócio baseado na oferta de interfaces e serviços gratuitos, para que possamos ficar o máximo de tempo possível neles. (...)

O objetivo das plataformas é menos conduzir nossos comportamentos e mais nos fazer perceber o poder de nossa comunicação. O esforço maior é demonstrar que, mesmo diante de opressão, o mais difícil não é falar, mas ser ouvido.

Assim, as plataformas exploram técnicas econômicas de atenção e mudança de comportamento. Essa dinâmica levou à pesquisa e ao consumo baseado na extração e tratamento de dados de...  

Capitalismo de vigilância

Vivemos uma nova ordem econômica, que reivindica a experiência humana como matéria-prima gratuita para práticas comerciais dissimuladas de extração, previsão e vendas.”10 (...)

As plataformas de consumo e conteúdo e as redes de relacionamento online são gerenciadas, em tempo real, por algoritmos de um tipo de Inteligência Artificial baseada em dados. Por isso, dizemos que a gestão das plataformas é uma gestão algorítmica.

Um algoritmo pode ser compreendido como uma sequência de passos ou instruções que podem ser utilizadas para resolver um problema e gerar resultados – ou seja, pode ser um procedimento. As redes sociais são operadas em tempo real por sistemas informatizados, ou seja, por um conjunto de algoritmos.

Os sistemas algoritmicos de inteligência artificial mais utilizados atualmente são os de aprendizado de máquina (em inglês, machine learning). Esses modelos de aprendizado de máquina são treinados com base em dados, com o objetivo de gerar um modelo matemático que consiga fazer previsões. Eles utilizam os dados que foram inseridos no interior da plataforma. Esses modelos se comportam de maneira probabilística, ou seja, eles geram resultados em todos os dados que conseguem coletar e processar.

Quando entramos no Facebook ou no TikTok, quem organiza as mensagens que aparecem na tela é a rede social, não somos nós. Ou seja, a plataforma decide quais informações serão mostradas com base em um modelo probabilístico treinado com os dados que foram coletados pela própria plataforma. Esses modelos são utilizados, por exemplo, para prever o interesse do usuário, para vender anúncios, ou seja, de forma mais precisa.

10 ZUBOFF, Shoshana. A era do capitalismo de vigilância (Intrínseca, 2021).

 

 

CAMBRIDGE ANALYTICA: ULTRAPERSONALIZAÇÃO DO ÓDIO A FAVOR DE TRUMP

Você provavelmente se lembra da Cambridge Analytica, empresa de marketing político digital que protagonizou enorme controvérsia nas eleições dos EUA em 2016.

Após extrair dados do Facebook e analisar o perfil psicográfico de milhares de norte-americanos, a empresa utilizou algoritmos de aprendizado de máquina para disparar milhões de mensagens direcionadas que atacavam a candidatura de Hillary Clinton à presidência.

Com uma estratégia de conteúdo agressiva, baseada na disseminação do medo, do ódio e da dúvida, postagens carregadas de preconceito e teorias conspiratórias atingiram em cheio setores decisivos do eleitorado.

Qual era o alvo prioritário da campanha? Obviamente, os estrategistas não esperavam convencer ativistas de direitos humanos a apoiar Donald Trump. Mas, a partir de um bombardeio de imagens e postagens alocadas com extrema precisão, poderiam, por exemplo, convencer potenciais eleitores democratas de que Hilary Clinton não faria diferença para a defesa de garantias individuais e coletivas.

Ao final, a Cambridge Analytica se vangloriou de ter levado pessoas a desistirem de votar na candidata democrata. Em um país onde o voto não é obrigatório, isso pode ter tido papel decisivo na vitória de Trump.”

 

 

“Porém, a exemplo dos antigos mutirões de amassar barro, ações de coletivos voluntários contam com grande poder de argumentação, força ideológica e paixão. Ocupar redes digitais de forma coletiva é fundamental para desarticular ondas de desinformação, levar fatos às pessoas e executar campanhas de candidatos antifascistas.

Com regularidade, articulação e coordenação, é possível enfrentar a força da grana, o viés algorítmico e a trapaça dos bots e das fazendas de cliques nas redes sociais.”

 

 

“Temos que atuar no campo das emoções, dos afetos e da razão. O fascismo histórico e o neofascismo atuam fundamentalmente com a irracionalidade, mas uma pessoa que ganha a vida com seu próprio trabalho sabe que o ódio não coloca comida na mesa. É preciso combinar propostas com gentileza.”