Subtítulo: o novo proletariado de serviços na era digital
Editora: Boitempo
ISBN: 978-85-7559-629-6
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 328
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“Laços solidários rompidos: individualização e solidão no local de
trabalho
A
origem desses processos de adoecimento tem também como pano de fundo, entre outros, o crescente processo de individualização
do trabalho e a ruptura do tecido de solidariedade antes presente entre os
trabalhadores[18]. É essa quebra dos laços de
solidariedade e, por conseguinte, da capacidade do acionamento das estratégias
coletivas de defesa entre os trabalhadores que se encontra na base do
aumento dos processos de adoecimento psíquico e de sua expressão mais
contundente, o suicídio no local de trabalho[19].
A
presença dos laços de solidariedade, hoje rompidos, estaria na raiz da baixa
incidência de suicídios nos locais de trabalho no período que antecede os anos
1980, pontuam Dejours e Bègue[20]. Naquele
período, a capacidade gestada na coletividade de converter situações de
sofrimento em um jogo de chacotas e escárnio acabava por criar condições
capazes de mascarar situações desfavoráveis e tecer
entre os integrantes do grupo pactos de apoio subjetivo mútuo. Em situações
mais extremadas, quando o trabalhador não conseguia dissimular seu sofrimento,
os próprios laços de solidariedade constituídos acabavam, não raras vezes,
sendo acionados de forma a protegê-lo ou confortá-lo. O desmonte dessas
condições tem contribuído, conforme os autores, para
o aumento da incidência de suicídios nos locais de trabalho. São o resultado
extremado de um processo de sofrimento psíquico, mas já destituído de apoio e
solidariedade dos demais.
Para
os autores citados, que pesquisaram a incidência desses episódios na França
durante os anos 2000, um suicídio, como toda conduta humana, é uma mensagem
endereçada à comunidade da qual seu sujeito faz ou fazia
parte. Trata-se, conforme os autores, de uma “mensagem brutal”, que versa sobre
a solidão que emerge das novas formas de organização e gestão do trabalho.
Que
um suicídio possa ocorrer no local de trabalho indica que todas essas condutas
de ajuda mútua e solidariedade – que não eram nem mais nem menos que uma simples
prevenção das descompensações, assumidas pelo coletivo de trabalho – foram banidas dos costumes e da rotina da vida de trabalho.
Em seu lugar instalou-se a nova fórmula do cada um por si, e a solidão de todos
tornou-se regra. Agora, um colega afoga-se e não se lhe estende mais a mão. Em
outros termos, um único suicídio no local de trabalho – ou manifestamente em
relação ao trabalho – revela a desestruturação profunda da ajuda mútua e da
solidariedade.[21]
O
suicídio é a expressão radicalizada da deterioração
das condições de trabalho sob a vigência da gestão flexível. Ele e todo o
sofrimento que o cerca encontram espaço para se desenvolver na medida em que a
classe trabalhadora se vê diante de uma organização do trabalho voltada para o
controle acentuado de sua atividade, sob condições em que as margens para a
autonomia e o improviso, mesmo que já bastante
limitadas na fase anterior do capitalismo, tenham sido gradativamente
eliminadas. Uma organização do trabalho que oscila o tempo todo entre o
discurso de valorização e o controle físico e mental extremados[22].
Esses
ambientes, marcados pela lógica da gestão flexível, tendem a fragilizar “o
conjunto de instâncias e forças” outrora existentes, “que presidem à
mobilização dos indivíduos na defesa de sua saúde
física e mental – defesa que se dá em um mundo compartilhado”, já distante do
vivenciado em dias atuais[23].
Convém
destacar que parte dessas instâncias que favoreciam a existência desse
sentimento de coletividade, de pertencimento, manifestava-se na capacidade de
mobilização coletiva e na presença de entidades sindicais politicamente
fortalecidas, o que sem dúvida também contribuía para
o amparo ao sofrimento dos trabalhadores dentro e fora do local de trabalho. A
ofensiva do capital sobre o trabalho, ao submetê-lo à sua lógica destrutiva,
promovendo a individualização e o isolamento, é, nesse sentido, uma ação que
busca desmontar de forma cotidiana sua manifestação de classe historicamente
antagônica aos interesses da ordem capitalista.”
[18] Ver, entre outros,
os estudos desenvolvidos por Danièle Linhart, A desmedida do capital (São
Paulo, Boitempo, 2007); Christophe Dejours, “A avaliação do trabalho submetida
à prova do real”, em Laerte Idal Sznelwar e Fausto Leopoldo Mascia (orgs.), Cadernos
TTO (São Paulo, Blucher, 2008); Christophe Dejours e Florence Bègue, Suicídio
e trabalho: o que fazer? (Brasília, Paralelo 15,
2010); Vincent de Gaulejac, Gestão como doença social: ideologia, poder
gerencialista e fragmentação social (Aparecida, Ideias e Letras, 2007);
Edith Seligmann-Silva, “Psicopatologia no trabalho: aspectos contemporâneos”, Anais
do Congresso Internacional sobre Saúde Mental no Trabalho, Goiânia, CIR,
2007, e Trabalho e desgaste mental: o direito de ser dono de si mesmo (São Paulo, Cortez, 2011).
[19] Christophe Dejours e
Florence Bègue, Suicídio e trabalho, cit.
[20] Idem.
[21] Ibidem, p. 21.
[22] Luci Praun, Não
sois máquina! Reestruturação produtiva e adoecimento na General Motors do
Brasil (tese de doutorado em
Sociologia, Campinas, Instituto de Filosofia e Ciências Humanas, Unicamp,
2014), sob orientação do professor Ricardo Antunes.
[23] Philippe Davezies,
citado em Edith Seligmann-Silva, Trabalho e desgaste mental, cit., p.
467.
“Resgatar o sentido de pertencimento de classe
Em
sua lógica destrutiva, o capital não reconhece nenhuma barreira para a
precarização do trabalho. A exploração sem limites da
força de trabalho é em si expressão das contradições estruturais de dada forma
de sociabilidade, que, ao mesmo tempo que não pode prescindir do trabalho vivo
para sua reprodução, necessita explorá-lo ao extremo, impondo-lhe o sentido
mais profundo de sua mercantilização: a abreviação de seu tempo de uso como
resultado do aprofundamento, pelo adoecimento, de sua característica de
mercadoria de alta descartabilidade.
As
mudanças ocorridas no mundo do trabalho nas últimas décadas resultaram na
constituição de um exército de trabalhadores mutilados, lesionados, adoecidos
física e mentalmente, muitos deles incapacitados de forma definitiva para o
trabalho. Em outras palavras, trata-se de um modelo de gestão que
simultaneamente se organiza visando o envolvimento da subjetividade
inautêntica[38], o
controle da subjetividade[39] dos
trabalhadores, mecanismo necessário para a obtenção de altos índices de
produtividade, e se configura cada vez mais como incapaz, pela própria
intensidade concorrencial e instabilidade do mercado, de garantir condições de
trabalho minimamente adequadas à saúde física e mental dos trabalhadores.
Não
se trata, portanto, de mera casualidade que a maior incidência de casos de LER/Dort e de transtornos mentais ocorra
simultaneamente à disseminação em escala global dos processos de reorganização
do trabalho e da produção e, de maneira articulada, à expansão das diferentes
formas de precarização do trabalho, entre elas a terceirização.
É
diante desse cenário que novos desafios se impõem aos sindicatos. De nossa
parte, cremos que a ferramenta sindicato ainda
é imprescindível, enquanto perdurar a sociedade do capital, com sua exploração
do trabalho, suas precarizações, seus adoecimentos e seus padecimentos
corpóreos físicos, psíquicos etc. Mas é preciso dizer que há inúmeros desafios
a serem enfrentados.
Impõe-se
a necessidade de adoção de estratégias de organização e luta que considerem a
nova morfologia assumida pelo trabalho no capitalismo
contemporâneo. É urgente que as entidades representativas dos trabalhadores
rompam com a enorme barreira social que separa os trabalhadores “estáveis”, em
franco processo de redução, daqueles submetidos às jornadas de tempo parcial,
precarizados, subproletarizados, em significativa expansão no atual cenário
mundial. Há também o desafio de articular uma efetiva dimensão de classe, no
sentido amplo de classe trabalhadora, em sua nova
morfologia, articulando-a com outras dimensões decisivas, como a de gênero,
a geracional e a étnica[40].
Essa
é condição essencial para fazer frente, do ponto de vista imediato, às
constantes tentativas de desmonte dos direitos e flexibilização do trabalho. O
eufemismo “flexibilizar”, expresso nos discursos que propõem o fim da CLT, é a
forma branda encontrada pelas forças do capital para
desconstruir os direitos do trabalho, arduamente conquistados em tantas décadas
de embates e batalhas. Basta olhar o que se passa hoje na Europa e constatar
que lá também o receituário é flexibilizar, acentuando ainda mais o desmonte
dos direitos trabalhistas. (...)
Do
ponto de vista estratégico, se forem capazes de unir os laços de solidariedade e o sentido de pertencimento de
classe, conjugando suas ações, as entidades representativas dos trabalhadores
poderão, mais do que qualquer outra força social, demolir efetivamente o
sistema de metabolismo societal do capital e sua lógica destrutiva e, assim,
também começar a desenhar um novo modo de vida. E os sindicatos de
classe ainda poderão ter um papel de destaque nesse
processo, se forem capazes de entender o século XXI e, em especial, a nova
morfologia do trabalho.”
[38] Ricardo Antunes, Os
sentidos do trabalho (São Paulo, Boitempo, 2013).
[39] Danièle Linhart, A desmedida do capital, cit.
[40] Ricardo Antunes, Os
sentidos do trabalho, cit., e Adeus ao Trabalho? Ensaio sobre as
metamorfoses e a centralidade do mundo do trabalho (São Paulo, Cortez,
2015).
“O capitalismo no plano mundial, nas últimas quatro décadas,
transformou-se sob a égide da acumulação flexível, trazendo uma ruptura com o
padrão fordista e gerando um modo de trabalho e de vida pautados na
flexibilização e na precarização do trabalho. São mudanças impostas pelo
processo de financeirização e mundialização da economia
num grau nunca antes alcançado, pois o capital financeiro passou a dirigir
todos os demais empreendimentos do capital, subordinando a esfera produtiva e
contaminando todas as suas práticas e os modos de gestão do trabalho. O Estado
passou a desempenhar cada vez mais um papel de “gestor dos negócios da
burguesia financeira”, cujos governos, em sua imensa maioria, pautam-se pela
desregulamentação dos mercados, principalmente o financeiro
e o de trabalho.
Trata-se
de uma hegemonia da “lógica financeira” que, para além de sua dimensão
econômica, atinge todos os âmbitos da vida social, dando um novo conteúdo aos
modos de trabalho e de vida, sustentados na volatilidade, na efemeridade e na
descartabilidade sem limites. É a lógica do curto prazo, que incentiva a
“permanente inovação” no campo da tecnologia, dos
novos produtos financeiros e da força de trabalho, tornando obsoletos e
descartáveis os homens e mulheres que trabalham. São tempos de desemprego
estrutural, de trabalhadores e trabalhadoras empregáveis no curto prazo, por meio
das (novas e) precárias formas de contrato[2],
em que terceirização, informalidade, precarização, materialidade e
imaterialidade são mecanismos vitais, tanto para a
preservação quanto para a ampliação da sua lógica.”
[2] Graça Druck,
“Trabalho, precarização e resistências”, cit.; Graça Druck e Tânia Franco, “Terceirização e precarização”: o binômio
antissocial em indústrias”, em Graça Druck e Tânia Franco (orgs.)
“Em seus traços mais gerais, é possível dizer que o padrão de acumulação
flexível articula um conjunto de elementos de continuidade e de descontinuidade
que acabam por conformar algo relativamente novo e bastante distinto do
padrão taylorista/fordista de acumulação. De modo
sintético, podemos dizer que o toyotismo e a empresa flexível se diferenciam do
fordismo basicamente nos seguintes traços[4]:
1.
é uma produção diretamente vinculada à demanda, diferenciando-se da
produção em série e de massa do taylorismo/fordismo;
2.
depende do trabalho em equipe, com multivariedade de funções, rompendo
com o caráter parcelar típico do fordismo;
3. estrutura-se num processo
produtivo flexível, que possibilita ao trabalhador operar simultaneamente
várias máquinas, diferentemente da relação homem-máquina na qual se baseava o
taylorismo/fordismo;
4.
têm como princípio o just-in-time, isto é, a produção deve ser efetivada
no menor tempo possível;
5.
desenvolve-se o sistema de kanban, senhas de comando para reposição de
peças e de estoque, uma vez que no toyotismo os
estoques são os menores possíveis, em comparação ao fordismo;
6.
as empresas do complexo produtivo toyotista têm uma estrutura
horizontalizada, ao contrário da verticalidade fordista. Enquanto na fábrica
fordista aproximadamente 75% da produção era realizada no seu interior, a
fábrica toyotista é responsável por apenas 25%, e a
terceirização/subcontratação passa a ser central na
estratégia patronal. Essa horizontalização se estende às subcontratadas,
às firmas “terceirizadas”, acarretando a expansão dos métodos e
procedimentos para toda a rede de subcontratação. Tal tendência vem se
intensificando ainda mais nos dias atuais, quando a empresa flexível defende e
implementa a terceirização não só das atividades-meio, como também das
atividades-fim;
7. desenvolve-se a criação de
círculos de controle de qualidade (CCQs), visando a melhoria da produtividade
das empresas e permitindo que elas se apropriem do savoir faire
intelectual e cognitivo do trabalho, que o fordismo desprezava.
Desse
modo, flexibilização, terceirização, subcontratação, círculo de controle de
qualidade total, kanban, just-in-time, kaizen, team work,
eliminação do desperdício, “gerência participativa”,
sindicalismo de empresa, entre tantos outros pontos, tornaram-se dominantes no
universo empresarial.”
[4] Ver, sobre o
toyotismo, Ricardo Antunes, Os sentidos do trabalho, cit., e Adeus ao
trabalho?, cit.; Graça Druck, Terceirização: (des)fordizando a fábrica –
um estudo do complexo petroquímico (São Paulo, Boitempo, 1999); Thomas
Gounet, Fordismo e toyotismo na civilização do automóvel (São Paulo, Boitempo, 1999); Koichi Shimizu, “Kaizen et
gestion du travail: chez Toyota motor et Toyota motor kyushu-un problème dans
la trajectorie de Toyota”, Actes du Gerpisa: Réseau Internationale,
Paris, 1994; disponível em: <http://gerpisa.org/ancien-gerpisa/actes/13/13-2.pdf>;
acesso em: 26 dez. 2017; Muto Ichiyo, Toyotismo: lucha de classes e
innovación tecnológica en Japón (Buenos Aires,
Antídoto, 1995); Benjamin Coriat, Penser à l’envers, travail et organization
dans l’enterprise japonaise (Paris, Christian Bourgeois, 1991); Andrew
Sayer, “New Developments in Manufacturing: the Just-in-Time System”, Capital
& Class, Londres, n. 30, 1986; e Satoshi Kamata, Japan in the
Passing Lane: an Insider’s Account of Life in a Japanese Auto Factory (Nova
York, Pantheon, 1982).
“Sabemos que o capitalismo, desde o início da década
de 1970, vem apresentando um movimento tendencial em que a informalidade
e a precarização se tornaram mecanismos recorrentes para a ampliação do
lucro das empresas, sejam elas globais – as transnacionais –, sejam elas microcósmicas
– as pequenas e as médias empresas. E a terceirização, por sua vez, vem
se consolidando, em tantas partes do mundo, como uma ferramenta, uma verdadeira
praga propulsora dessa razão instrumental
profundamente destrutiva em relação ao trabalho[2].
Em
meio ao furacão da mais recente crise mundial, a partir de 2008, esse quadro se
intensificou ainda mais, aprofundando a derrelição do trabalho contratado e
regulamentado, taylorista e fordista, cujos mecanismos de regulação e
contratação social vêm sendo corroídos em profundidade, em amplitude global,
pela desregulamentação que de fato ocorre com
a expansão da terceirização, da informalidade e da precarização
(fenômenos distintos, mas interligados e aparentados), da qual o principal
objetivo é o de incrementar os mecanismos e formas de extração do
sobretrabalho, de sujeição e divisão dos trabalhadores e das trabalhadoras a
essa pragmática perversa que se expande tanto na indústria quanto na
agricultura e nos serviços, todos eles praticantes da
lógica financeirizada que os conduz.
Assim,
impulsionados no topo pela lógica destrutiva do capital financeiro, que
acelera o tempo e modifica o espaço a cada segundo, o vilipêndio do trabalho e
a sua corrosão constituem-se em instrumental imprescindível. Capital financeiro
no cume e trabalho desregulado nas cadeias produtivas de valor. As formas
contemporâneas de trabalho escravo, semiescravo,
precarizado, informalizado, terceirizado, flexibilizado, dando
contemporaneidade às formas pretéritas do outsourcing, do putting out
etc., contemplam um universo compósito e heterogêneo, para lembrar uma
expressão que Florestan Fernandes tanto gostava de mencionar.
É
nesse cenário, nesse mundo produtivo, que a informalidade deixa de ser a exceção
para tendencialmente se tornar a regra. O aumento da
precarização se transforma no principal resultado desse capitalismo dito
flexível, da lean production, da empresa liofilizada, em especial nos
espaços em que não se encontram formas vigorosas de contraposição (social,
sindical, política, jurídica, valorativa) a esse movimento tendencial
destrutivo em relação à classe-que-vive-do-trabalho. Na contrapartida, ampliar todos os modos e formas de confrontação a esse grave
ataque ao mundo do trabalho se torna imperativo vital.”
[2] Ricardo Antunes, Os
sentidos do trabalho, cit.; Ricardo Antunes e Graça Druck, “A epidemia da
terceirização”, em Ricardo Antunes (org.), cit. Ver também o excelente livro de
José Dari Krein, As relações de trabalho na era do neoliberalismo no Brasil
(São Paulo, LTr, 2013, Debates Contemporâneos, v. 8). Sobre as consequências
dessas transformações no processo de intensificação
do trabalho, ver os melhores estudos realizados no Brasil em Sadi Dal
Rosso, Mais trabalho! A intensificação do labor na sociedade contemporânea
(São Paulo, Boitempo, 2008), e idem, O ardil da flexibilidade, cit.
“Não é sem motivo que, na feliz expressão de Graça Druck, estamos
presenciando uma verdadeira epidemia que vem atingindo a indústria, a
agricultura, a agroindústria, os serviços e, em particular, também o setor público[7]. Em um cenário de crise estrutural do capital, os capitais exigem a terceirização não só
para as chamadas atividades-meio, mas também para as atividades-fim.
Criando
trabalhadores e trabalhadoras de “primeira e segunda categorias”, fatiando-os e
diferenciando-os entre contratados diretamente e “terceirizados”, ampliam-se
ainda mais as heterogeneizações e fragmentações no corpo produtivo. A título de
exemplo: nas jornadas mais extensas; na
intensificação do trabalho; na maior rotatividade; nos salários menores; nos
cursos e treinamentos (que em geral são menos frequentes para os
terceirizados); no acesso limitado às instalações da empresa (a exemplo de
refeitórios e vestiários diferenciados); nas revistas na entrada e na saída da
empresa; nas mais arriscadas condições de (in)segurança do trabalho; tudo isso
acarretando graves problemas na saúde dos/as
trabalhadores/as, tanto no aumento dos acidentes quanto nas estatísticas
decorrentes de mortes e suicídios no trabalho[8].
No
que concerne em particular às condições de saúde, os estudos revelam um quadro
alarmante, em particular na energia elétrica, na extração e no refino de
petróleo e na siderurgia, mas esse quadro se estende também para os
professores, trabalhadores de call-center e
telemarketing. Proliferam as LERs, o assédio moral (essa nova forma de controle
e dominação dissimulada), o adoecimento e os padecimentos de todo tipo no corpo
produtivo, físico, psíquico, mental[9]. As
mortes e os suicídios no trabalho se intensificam sob o silêncio midiático e a
surdez institucional. Se tudo isso já não bastasse, a terceirização fragmenta
ainda mais as possibilidades de ação e de consciência
coletivas, incentiva a nefasta individualização das relações de trabalho, faz
crescer a concorrência derivada do sistema de metas e competências, criando o
cenário ideal para as empresas dificultarem ao máximo a atividade sindical em
defesa dos direitos sociais do trabalho. Vale lembrar que a terceirização impõe
também uma pulverização dos sindicatos, ocorrendo
muitas vezes de, em uma mesma empresa, os diferentes setores terceirizados se
vincularem a sindicatos diferenciados, quando não são proibidos de fato de se
filiar e exercer atividades sindicais. Ou seja, além do fosso entre
terceirizados e não terceirizados, há também clivagens entre os terceirizados[10].
Assim,
a expansão da terceirização nos mais diversos ramos econômicos se efetiva de modo múltiplo: nos tipos de contrato, na
remuneração, nas condições de trabalho e de saúde e na representação sindical. As
denominadas modalidades atípicas de trabalho, como “empreendedorismo”,
“cooperativismo”, “trabalho voluntário” etc., se configuram gradualmente como
formas de ocultamento do trabalho assalariado, permitindo aumentar ainda mais
as distintas formas de flexibilização salarial, de
horário, funcional ou organizativa.
O
argumento empresarial, presente no PL 4.330, é pautado pela mais evidente
falácia, quando propugna que “a empresa moderna tem de se concentrar em seu
negócio principal e na melhoria da qualidade do produto ou da prestação de
serviço”. Curioso é que, quando defendia a terceirização das atividades-meio, o
empresariado argumentava que ela daria condições de
focalizar as atividades da empresa em suas finalidades maiores. Obtida a
terceirização das atividades-meio, o ideário do capital agora defende a
concentração em seu “negócio principal”. Como se pode depreender, a dilapidação
dos direitos trabalhistas, o rebaixamento salarial e tudo que indicamos
anteriormente são os reais objetivos do capital nessa fase de crise econômica e
intensificação da recessão, de modo a, uma vez mais,
fazer com que a classe trabalhadora pague o ônus maior da crise.”
[7] Graça Druck, Terceirização,
cit.; “Trabalho, precarização e resistências”, cit.; Graça Druck e Tânia Franco
(orgs.), A perda da razão social do trabalho, cit.
[8] Ricardo Antunes e
Graça Druck, “A epidemia da terceirização”, cit.
[9] Idem. Ver também
Edith Seligmann-Silva, Desgaste mental no trabalho dominado (São Paulo,
Cortez, 1994); Graça Druck e Tânia Franco (orgs.), A perda da razão social
do trabalho, cit.; e a excelente pesquisa de Luci Praun, Não sois
máquina!, cit. Em relação à precarização dos professores ver Aparecida N.
Souza, “Professores, modernização e precarização”, em
Ricardo Antunes (org.), Riqueza e miséria do trabalho no Brasil, v. 3, (São
Paulo, Boitempo, 2014). Em relação à precarização do trabalho na arte, ver
Liliana Segnini, “Acordes dissonantes: assalariamento e relações de gênero em
orquestras”, em Ricardo Antunes (org.), Riqueza e miséria do trabalho no Brasil,
v. 3, cit.
[10] Ricardo Antunes e
Graça Druck, “A epidemia da terceirização”, cit.
“Esse momento de ressurgimento do sindicalismo nacional foi
caracterizado, em uma de suas dimensões, pela concorrência de projetos
políticos e sindicais entre setores da esquerda. Fruto dessa conjuntura, o novo
sindicalismo despontava da articulação de variadas posições, fazendo frente a
outras. Ele propugnava uma ruptura com o passado, que teria sido de
“colaboração de classe”, “reformista”, “conciliador”,
“cupulista” etc. Direcionando muitas de suas críticas à estrutura sindical, o
novo sindicalismo propunha “romper” com ela, articulando-se por vias
alternativas. Caminhando nessa direção, organizou-se a Central Única dos
Trabalhadores (CUT), que foi, a um só tempo, fruto e motor do novo
sindicalismo. Este, em algumas de suas vertentes, apesar de seu suposto
“antipoliticismo” de origem, esteve também na base de
fundação do Partido dos Trabalhadores (PT), chegando com ele ao poder nas
eleições presidenciais de 2002 por meio de um de seus filhos diletos, Luiz
Inácio Lula da Silva.”
“Se
este não é o espaço para aprofundar os movimentos e contramovimentos da era
Lula, há pelo menos dois pontos centrais, diretamente vinculados à relação que
se estabeleceu entre a cúpula sindical e o Estado, que
devem ser mencionados: a proposta de “reforma trabalhista e sindical” e a
ampliação do direito de recebimento do imposto sindical pelas centrais.
O
campo sindical havia se ampliado e se complexificado sobremaneira ao longo dos
governos FHC e do primeiro governo Lula. Foi entre os anos de 2004 e 2005 que
ganhou força a proposta de reforma sindical, elaborada pelo órgão tripartite
denominado Fórum Nacional do Trabalho (FNT). Se essa
proposta foi obstada tanto pelas denúncias do “mensalão”, que atingiram
duramente o governo Lula, quanto pela forte oposição que encontrou em diversos
setores sindicais, ela indicava alguns pontos que contradiziam diretamente os
princípios que nortearam a criação da CUT e a prática do novo sindicalismo.
Seria difícil imaginar que, entre outros aspectos, o
reforço da verticalização impregnado nessa proposta pudesse contar em sua
origem com a adesão da CUT, para quem organização de base, liberdade e
autonomia sindicais eram princípios vitais e inegociáveis.
A
nova política de controle de setores importantes do novo sindicalismo era
primordial para o governo Lula e recuperava, em certo sentido, a política de
mão dupla: a cúpula sindical ascenderia a cargos na
alta burocracia estatal; as verbas seriam ampliadas via Fundo de Amparo ao
Trabalhador (FAT) e outros fundos estatais, garantindo, desse modo, o apoio das
principais centrais sindicais ao governo, num cenário claramente marcado pelo
pluralismo das centrais sindicais.
Foi
assim que, posteriormente, em 2008, pouco antes de terminar seu governo, Lula,
ao mesmo tempo que reconhecia as centrais sindicais,
permitia que o imposto sindical também as beneficiasse. Além dos recursos do
FAT e dos inúmeros apoios financeiros de ministérios, também o imposto sindical
passava a ser usufruído pelas centrais. A velha bandeira da CUT e de tantos
sindicatos, qual seja, a luta pela cotização autônoma de seus associados,
passava a fazer mais parte da história que do presente.”

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