Editora: Contracorrente
ISBN: 978-65-5396-204-0
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 534
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Sinopse: Ver Parte
I
“O
jogo já está desvendado.
1. O Procurador Geral da República Rodrigo Janot
vai aos Estados Unidos com a equipe da Lava Jato entregar provas contra a
Petrobras ao Departamento de Justiça (DoJ) americano. Com essa manobra, tiraram
a Petrobras da condição de vítima, para a de ré. Alertei, na época, que essa
jogada ainda irá levar Janot a um tribunal civil, para que responda pelo crime
de lesa-pátria.
2. Na nova condição, a Petrobras ficou exposta
não apenas a multas bilionárias, como impedida de atuar em novos mercados,
vetados pelos Estados Unidos.
3. O dinheiro da multa foi dividido com a Lava
Jato, que efetivamente recebeu e depositou em uma agência da Caixa Econômica
Federal aguardando a criação da tal fundação destinada a bancar campanhas,
palestras e cursos sobre compliance.
4. Os principais integrantes da Lava Jato
montaram empresas de evento ou se aposentaram para montar escritórios de
advocacia especializados em compliance.
Dentre eles, o ex-PGR Rodrigo Janot, a esposa do ex-juiz Sérgio Moro, os
procuradores Carlos Fernando dos Santos Lima, Deltan Dallagnol e Roberto
Pozzobon.
5. Ao mesmo tempo, a parceria com a nova
diretoria da Petrobras abriu espaço para a contratação milionária de
escritórios de advocacia americano para trabalhos de compliance, não apenas na Petrobras como na Eletrobras, por
centenas de milhões de dólares.
6. A principal beneficiária da indústria do compliance foi Ellen Gracie, ex-Ministra
da Supremo Tribunal Federal (STF). Coube a ela ser a interface da Petrobras com
a Lava Jato. Nessa condição, procurou pessoalmente a PGR Raquel Dodge, tentando
incluir no acordo um edifício da Petrobras em Curitiba – o escritório da
Liquigás – para abrigar a Lava Jato. Dodge negou peremptoriamente autorização
para a jogada.
Provavelmente
no dossiê Intercept haverá menções a
autoridades na ativa que impulsionaram os escritórios dos quais se licenciaram
na indústria do compliance ou das
grandes causas.
Aliás,
pelo bem da transparência pública, os Ministros Luiz Edson Fachin e Luís
Roberto Barroso deveriam abrir informações sobre a carteira de clientes de seus
escritórios que ficaram em nome de familiares.
Antes
de ser nomeado para o STF e se tornado um juiz vingador, Fachin tinha um
escritório acanhado que rapidamente cresceu a ponto de se tornar um dos maiores
do Paraná. E especializado em compliance.
Barroso
e Marcelo Bretas, juiz da Lava Jato do Rio, chegaram a ir aos Estados Unidos,
em uma turnê sobre compliance,
visitando grandes escritórios de advocacia interessados176 em entrar
no mercado brasileiro.
Um
certo Instituto New Law deu o passo mais atrevido na consolidação do lobby da
indústria do compliance no Brasil –
uma cadeia improdutiva que tem exposto estatais brasileiras a contratos
gigantescos com escritórios de advocacia americanos, visando implementar
processos contra corrupção.
De 23
a 26 de abril de 2019 houve a “Missão Nova York – Anticorrupção e compliance”, com a ida de 25 autoridades
brasileiras para contatos com escritórios de advocacia, empresas de
investigação sediadas em Manhatan e universidades.
Do
grupo faziam parte o Ministro Luís Roberto Barroso, do STF (Supremo Tribunal
Federal), o juiz Marcelo Bretas, da Lava Jato Rio de Janeiro, e Maurício
Valeixo, diretor geral da Polícia Federal.
Dois
dos diretores do Instituto eram juízes federais.
Aparentemente,
o mercado aberto pela Lava Jato levou a uma perda generalizada de pudor
atingindo todas as instâncias.
O
escândalo do compliance na Eletrobras
O
escritório de Ellen Gracie, ex-Ministra do Supremo Tribunal Federal (STF) foi
contratado por R$ 4 milhões para supervisionar os escritórios estrangeiros
contratados para o trabalho de compliance na Petrobras. Depois, por mais R$ 700
mil para supervisionar os escritórios de advocacia na Eletrobras.177
Coube
a ela a contratação da Baker McKenzie para a Petrobras e a Hogan Lovells para a
Eletrobras. Ellen ampliou o escopo inicial das investigações em cinco vezes em
relação ao planejamento inicial. Foram contratados mais de cem profissionais.
Segundo
levantamento da Broadcast,178 as investigações foram ampliadas para mais
nove empresas. No início, era para ser apenas nas usinas Angra 3, Jirau, Belo
Monte e Santo Antônio. Ellen ampliou para as usinas Teles Pires, São Manoel,
Mauá 3, Simplícia e Tumarin.
Em 26
de janeiro de 2018, o repórter Vinicius Sassine, da revista Época,179
apurou diversos fatos estranhos nos contratos.
As
informações sobre o contrato não foram passadas para o mercado – e a Eletrobras
é uma companhia de capital aberto. Nada se falou sobre os honorários da Hogan
Lovells, nem sobre os valores pagos a empresas de investigação – Kroll e
Control Risks – e grandes escritórios brasileiros, subcontratados, como a
Wfarias advogados.
Segundo
a reportagem,
o valor inicial dos serviços – R$ 6,4 milhões –
era inofensivo. Mas depois vieram os reajustes, bem ao estilo dos negócios do
setor público. A Eletrobras assinou um novo contrato, 2.956% maior com a Hogan
Lovells, fez ainda um aditivo a este contrato sem dar explicações ao mercado e
escondeu quanto de fato gastou com a Kroll e outras subcontratadas.
Assim, o acerto com o escritório saltou dos R$
6,4 milhões iniciais para R$ 235,5 milhões. Não parou aí. Novos gastos vieram.
Até setembro do ano passado, o gasto total com as investigações internas já
chegava aos R$ 340 milhões – incluía também os honorários dos integrantes da
Comissão Independente de Gestão da Investigação, estabelecida para
supervisionar os trabalhos da Hogan Lovells e da qual faz parte até a
ex-presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Ellen Gracie. No fim de
dezembro de 2017, a Eletrobras informou a assinatura de um novo contrato com o
escritório americano, de R$ 42,8 milhões. Os gastos com investigação interna
vão, assim, se aproximar dos R$ 400 milhões.
As
investigações terminaram e foram mantidas em sigilo. Qual a razão?
Nova
reportagem, do mesmo Vinicius Sassine e de Leandro Prazeres180
mostrou que as investigações não levaram a nada: R$ 400 milhões que não
identificaram nenhum tostão de desvio. Apenas com as delações da Lava Jato
conseguiu-se chegar a um montante desviado, R$ 165 milhões, 2,5 vezes menos do
que o total pago aos investigadores.
Veja,
então, o tamanho do imbróglio.
Conferiu-se
a uma pessoa – a ex-Ministra Ellen Gracie – o poder de indicar livremente um
escritório de advocacia estrangeiros e, também, o de influenciar na indicação
dos escritórios brasileiros subcontratados.
A
remuneração da ex-Ministra saía dos honorários do escritório contratado.
Escondeu-se
o valor do contrato do mercado e o valor das subcontratações da própria
diretoria da empresa.
Manteve-se
sob sigilo o resultado das investigações, que não levaram a nada, a ponto de os
jornalistas precisarem recorrer ao Tribunal de Contas da União para conseguir
os dados.
Nenhuma
das irregularidades identificadas foi fruto dos trabalhos do escritório.
O
valor levantado, sobre as irregularidades, é 2,5 vezes menor que o valor pago
ao escritório norte-americano.
Em
país sério, esse episódio mereceria uma investigação ou uma CPI. Ou, no mínimo,
uma denúncia de um procurador independente.
Nada
aconteceu.
O
mistério dos negócios da Lava Jato com os grandes bancos
Há
muitos caminhos a serem mapeados pelo Conselho Nacional de Justiça para
identificar os caminhos do dinheiro da Lava Jato.
Por
exemplo, ao fechar o acordo de leniência com a Petrobras – e não com a União,
como manda a lei –, a Lava Jato conseguiu o seguinte:
Envolver
o Departamento de Justiça americano, que ficou com parte das multas, deixando a
outra metade para a Fundação da Lava Jato.
Fazer
com que a Petrobras contratasse, sem licitação, o escritório curitibano de
Renée Ariel Dotti, apesar de ter um corpo jurídico robusto.
Apesar
da grande reputação de seu titular, falecido recentemente, não se poderá
escapar de uma análise das contas do escritório.
É um
caso clássico de tentativa de peculato, que só parou quando o GGN denunciou a
Fundação Lava Jato e o Ministro Alexandre de Moraes proibiu seu funcionamento.
Uma tentativa de peculato prevê uma redução de 1/3 na pena, de um golpe de mais
de R$ 2 bilhões.”
176.
NASSIF, Luís. “Barroso e Bretas vão a NY reforçar o lobby do compliance”.
Jornal GGN, abr. 2019. Disponível em: https://qrcd.org/48Qq.
Acessado em: 09.05.2024.
177.
RAMOS, Murilo. “Escritório de Ellen Gracie é contratado para fiscalizar
trabalho na Eletrobras”. Época, set. 2016. Disponível em: https://qrcd.org/3nWK. Acessado em:
09.05.2024.
178.
ÉPOCA. “Investigação na Eletrobras se torna cinco vezes maior”. Época, dez.
2015. Disponível em: https://qrcd.org/48Qu.
Acessado em: 09.05.2024.
179.
SASSINE, Vinicius. “Eletrobras Contratou investigadores americanos por 400
milhões para apurar corrupção”. Época, jan. 2018. Disponível em: https://qrcd.org/3nwm. Acessado em:
09.05.2024.
180.
PRAZERES, Leandro; SASSINE, Vinícius. “Auditoria de R$ 400 milhões em obras da
Eletrobras só andou após a Lava-Jato”. O Globo, out. 2019. Disponível em: https://qrcd.org/3nWO. Acessado em:
09.05.2024.
“O
episódio é relevante para lembrar que a imprensa tem uma dívida para com o
jornalismo: apurar as denúncias que ficaram no ar, em relação à Lava Jato.
Aqui,
uma pequena relação, já levantada pelo GGN.
1. “Família Dallagnol recebeu indenização por
gleba com sobrepreço estimado em R$ 147 milhões”.183 O INCRA entrou
com uma ação para derrubar acordos feitos na Justiça Federal, e que garantiram
o sobrepreço.
2. Enquanto o INCRA tentava recuperar o
sobrepreço, de repente Dallagnol e família abriram várias empresas e
conseguiram a representação de lojas em diversos shoppings. A história foi
abordada em “A expansão repentina dos negócios da família Dallagnol”.184
3. Não se ficou nisso. No mesmo período adquiriu
um apartamento no prédio de alto padrão onde morava. O apartamento foi
adquirido em um leilão judicial, mesmo sendo vedada a participação de pessoas
ligadas ao Judiciário da região do leilão. A história foi contada em “A
expansão repentina dos negócios da família Dallagnol”.
4. Dallagnol foi contratado para uma palestra
pela empresa Neoway, de bigdata. No mesmo evento gravou um comercial para a
empresa e tentou utilizar seus sistemas para a base de dados da Lava Jato. A
empresa foi citada por corrupção na Petrobras e autuada em Santa Catarina por
suborno. “Xadrez de como Dallagnol se tornou lobista de empresa citada na Lava
Jato”.185
5. Uma delação de Paulo Roberto, diretor da
Petrobras, implicou o lobista carioca Mariano Marcondes Ferraz, do board da
Trafigura – uma das maiores comercializadoras de petróleo do mundo, e grande
cliente da Petrobras. No meio do caminho, a Trafigura desaparece e Mariano é
processado apenas por um bico feito para uma empresa italiana no porto de
Suape. A história é contada em “Como a Lava Jato beneficiou a principal concorrente
do Brasil na África”.186
6. A Lava Jato do Rio de Janeiro apurou que
Dario Messer, o principal doleiro do país, remetia mensalmente 15 mil dólares
para supostamente conseguir o silêncio de procuradores de Curitiba. Nada
aconteceu com a denúncia, apesar de Messer jamais ter sido investigado pela
Lava Jato e de um dos procuradores ter dado um depoimento em sua defesa.
“Delação de Dario Messer amplia as suspeitas sobre Lava Jato de Curitiba”.187
7. Na negociação para se apossar-se de 2,5
bilhões para a tal Fundação Lava Jato,
reservou-se a metade para indenizar supostos acionistas brasileiros que
entrariam com ações contra a Petrobras. Não havia nenhum aliado dos
procuradores para conseguir o impeachment
de Gilmar Mendes.”
183 LODI,
Gabriella. “Família Dallagnol recebeu indenização por gleba com sobrepreço
estimado em R$ 147 milhões”. Jornal GGN, 21 jun. 2022. Disponível em: https://encurtador.com.br/fy4dR. Acessado
em: 22.06.2024.
184
NASSIF, Luís. “A expansão repentina dos negócios da família Dallagnol”. Jornal
GGN, nov. 2021. Disponível em: https://tinyl.io/Asq8.
Acessado em: 19.06.2024.
185
NASSIF, Luís. “Xadrez de como Dallagnol se tornou lobista de empresa citada na
Lava Jato”. Jornal GGN, set. 2019. Disponível em: https://tinyl.io/AsqE. Acessado em:
19.06.2024.
186
NASSIF, Luís. “Como a Lava Jato beneficiou a principal concorrente do Brasil na
África”. Jornal GGN, nov. 2017. Disponível em: https://tinyl.io/AsqH.
Acessado em: 19.06.2024.
187
NASSIF, Luís. “Delação de Dario Messer amplia as suspeitas sobre Lava Jato de
Curitiba”. Jornal GGN, ago. 2020. Disponível em: https://tinyl.io/AsqL.
Acessado em: 19.06.2024.
“Experian-José Serra – No final de sua gestão como governador, José Serra
doou para a Serasa-Experian o CADIN (Cadastro dos Inadimplentes), sem nenhuma
contrapartida para o Estado. Meses depois, a Experian adquiriu de Verônica
Serra a empresa de telemarketing Verid. A empresa deveria valer no máximo R$ 15
milhões. Foi comprada por mais de R$ 100 milhões. Como a Experian tem ações na
Bolsa de Londres, solicitamos informações sobre o valor pago. E a resposta foi
de que era sigiloso. Com a porta aberta por São Paulo, a Serasa-Experian
negociou com vários outros Estados. Empenhada em politizar a Lava Jato, e como,
na época, havia uma blindagem ampla sobre o PSDB, nem Ministério Público
Estadual, nem estadual, nem a imprensa se interessaram pela denúncia.
A
própria casa de Serra, na praça Panamericana, foi esquentada através de um
contrato entre sua filha Verônica com a irmã de Daniel Dantas, em um site em
Miami que nunca levantou voo. No início, o tal site conseguiu acesso a todos os
extratos do Banco do Brasil.”
“Como entender essa blindagem da Trafigura por parte da Lava Jato?
Deslumbramento com um lobista internacional, frequentador do alto mundo, da
mesma maneira que se deslumbraram com madames cariocas? Desinteresse pelo fato
de não ter nada a declarar contra Lula? Displicência? Confirmação de que o
único objetivo da Lava Jato era destruir as empresas brasileiras mais
competitivas internacionalmente, especialmente as que atuavam na África?
Suborno, através da indústria da delação premiada?
Hoje
em dia, o portal da Lava Jato esmera-se em apresentar estatísticas sobre a
maior Operação anticorrupção do planeta. Não há explicações para o fato de ter
estendido a rede, nela caído o principal tubarão da corrupção planetária, e a
Lava Jato ter facilitado a sua fuga.
Não
há explicações para a dupla vitória da Trafigura com a Lava Jato. De um lado,
destruindo a influência brasileira em Angola, as principais concorrentes tanto
no setor petrolífero quanto da infraestrutura, criminalizando financiamentos e
até ação diplomática. De outro, por tê-la deixado escapar sem uma mancha
sequer.
Quanto
a Mariano Marcondes Ferraz, saiu inteiro. Pagou uma multa e voltou às suas
atividades de lobista. Perdeu o cargo no board da Trafigura, mas manteve-se
sócio da empresa. Recentemente, adquiriu uma mansão de R$ 14 milhões.
Agora,
a empresa está acertando um acordo com o Departamento de Justiça, em um
processo cuja base é a delação da Marcondes Ferraz. No Brasil, as acusações de
suborno continuam paradas no ar. O processo está pendente. Os principais
acusados não foram interrogados e há uma discussão se o caso é da justiça
federal ou eleitoral.”
“Capítulo 3: a poderosa República de
Curitiba
A
Lava Jato começou em 2014, mas sua equipe – incluindo o procurador Januário
Paludo, atuou no caso Banestado. Naquela Operação, os alvos principais foram os
doleiros do período.
O
maior deles, Dario Messer, saiu incólume. O doleiro detido foi Alberto
Yousseff, peixe pequeno perto de Messer. Sua delação mirou um concorrente de
Messer, Antônio de Oliveira Claramunt, o Toninho Barcelona.
Yousseff
saiu do acordo com um patrimônio entre US$ 20 milhões e US$ 25 milhões. Logo voltou
ao mercado. Intrigado com o renascimento rápido do doleiro, o delegado federa Gerson
Machado decidiu investigar e indagou dele a razão de ter preservado o
patrimônio. Sua resposta foi a de que nenhuma autoridade havia lhe perguntado.
Gerson Machado alertou pessoalmente o juiz Sérgio Moro e o procurador Deltan
Dallagnol. Nada fizeram. Yousseff continuou na ativa até 2014. Messer
permaneceu intocado.
Os
anos de cooperação na Banestado, mais a blindagem da mídia, forjaram um grupo
de delegados e procuradores com poderes absolutos, que não mais respondiam aos
comandos de Brasília. Sem nenhuma espécie de controle externo, sem nenhuma
prática de compliance, ser honesto ou
não passou a depender da convicção pessoal de cada um, não de modelos de
controle e regulação.
Dentro
da PF, quem ousasse questionar os métodos do grupo era imediatamente esmagado
pela reação da própria PF, dos procuradores e do juiz Sérgio Moro. Foi o que
aconteceu com o delegado Gerson Machado, pressionado de tal maneira que
soçobrou vítima de uma depressão profunda e de uma tentativa de suicídio.
O
mesmo ocorreu no episódio dos dois grampos clandestinos colocados no fumódromo
e na cela do doleiro Alberto Yousseff.
Os
grampos foram localizados no dia 30 de março de 2014. Houve uma sindicância
presidida pelo delegado Maurício Moscardi Grillo que concluiu que o aparelho
era antigo e não funcionava. O resultado da sindicância foi aceito pelo juiz
Sérgio Moro.
Os
grampos foram colocados na cela por ordem do delegado Igor Romário de Paula, chefe
da Delegacia Regional ao Crime Organizado e de sua esposa Daniele Gossenheimer
Rodrigues, chefe do Núcleo de Inteligência Policial. Quem colocou foi o agente
Dalmey Fernando Werlang, 32 anos na PF, especialista em monitoramento.
Quando
a história se tornou pública, Dalmey constatou que não havia autorização
judicial para a colocação do grampo. Convocado pela CPI da Petrobras, reiterou
esse questionamento.
A
reação do MPF se deu através do procurador da República do Paraná, Daniel
Holzmann Coimbra, um dos responsáveis pelo controle externo da PF. Em vez de
investigar as denúncias, Holzmann acusou o delegado Mário Fanton e o agente
Dalmey de serem “dissidentes” e de caluniarem colegas de trabalho. A
representação foi vazada para o jornal Estado de São Paulo antes mesmo de ser
protocolada na 1ª Vara Federal. A denúncia foi rejeitada pelo juiz Danilo
Pereira Junior, da 14ª Vara Federal de Curitiba.
A
ação da PF contra os delegados profissionais, taxados de “dissidentes” foi
extensamente coberta por um trabalho excepcional do repórter Marcelo Auler.217
Os
Policiais Federais envolvidos nos dois casos compuseram o comando maior da
Polícia Federal de Sérgio Moro.
Capítulo
4: a blindagem da mídia
O
segundo ponto de blindagem foi o apoio integral dado pela mídia, que se
transformou em mera repassadora de releases da Lava Jato.
A
denúncia da suspeita de suborno do procurador Januário Paludo, apesar de
divulgada pela UOL, por exemplo, foi vetada pelo Globo, Estadão e Folha, porque
a Lava Jato se tornou um instrumento de política estreita.
É
nesse quadro, de poder absoluto, sem estar submetida a nenhuma forma de
controle, até que o Supremo Tribunal Federal se levantasse, que a Lava Jato
passou a recorrer abundantemente ao instituto da delação premiada, podendo definir
livremente perdão e punição e valor das multas aos réus.
A
opinião pessoal dos procuradores poderia fazer uma multa de US$ 15 milhões cair
para um terço ou vice-versa. Ou poderia incluir ou excluir suspeitos de um
inquérito.
Esse
modelo permitiu criar o mais rentável campo da advocacia do período, o dos
advogados especializados em delação premiada, cujo único atributo era ter a
confiança dos procuradores da Lava Jato. A maior ou menor simpatia por um
advogado, o tornaria cobiçado pelos réus, dispostos a pagar honorários
milionários para amenizar sua situação.
É
nesse clima de absoluta promiscuidade, de falta ampla de transparência, que
começaram a vicejar as suspeitas de uso abusivo do poder.
Capítulo
5: Messer x Meinl Bank
Segundo
o advogado Tacla Duran, Dario Messer tinha acesso direto aos sistemas da
Odebrecht, usando o codinome Flexão. Marco Bilinski, Vinícius Borin e Luiz
França também eram operadores, através do Meinl Bank. Eles teriam movimentado
US$ 2,6 bilhões até 2014, exclusivamente para a Odebrecht. Já Dario Messer
teria movimentado US$ 1,6 bilhão para vários clientes.218
Bilinski,
Brin e França recebiam 4% sobre as operações da Odebrecht feitas através do
banco.219
Com a
movimentação de 1,6 bilhão de dólares, a comissão do grupo foi de cerca de 64
milhões de dólares. O banco recebia mais 2% pela movimentação oficial do
dinheiro, o que representaria mais 32 milhões. No total, portanto, estima-se
que os três, mais Olívio Rodrigues, o quarto sócio – além dos dois sócios
ocultos – receberam 96 milhões de dólares de comissão, o que corresponde a 326
milhões de reais.
A
Lava Jato de Curitiba multou os proprietários do Meinl Bank em R$ 1 milhão por
cabeça, ou R$ 3 milhões no total. E a 8 anos de reclusão da seguinte maneira: 1
ano em regime aberto diferenciado, devendo se recolher em casa das 20h às 6h da
manhã; 6 meses em regime aberto, com recolhimento integral apenas nos finais de
semana e feriados, mas sem a necessidade de uso da tornozeleira eletrônica; de
3 a 6 anos com prestação de serviços à comunidade à razão de 6 horas por
semana. Já a Lava Jato do Rio multou a família Messer em mais de R$ 350
milhões.
A
desproporção era evidente.”
217
Disponível em: https://qrcd.org/49DA.
218
GUIMARÃES, Arthur; MARTINS, Marco Antônio. “Doleiro Dario Messer é preso pela
Polícia Federal do Rio”. G1, jul. 2019. Disponível em: https://qrcd.org/49Ds. Acessado em:
09.05.2024.
219
NASSIF. Lourdes. “Exclusivo: Banqueiros da Odebrecht omitiram informações em
delação da Lava Jato e tiveram multa irrisória”. Jornal GGN, nov. 2017.
Disponível em: https://qrcd.org/49Dw.
Acessado em: 09.05.2024.
“O
caso Zucolotto
O
episódio mais grave, e documentado, foi o de Carlos Zucolotto com o advogado
Tacla Duran. Zucolotto enviou uma mensagem a Tacla propondo redução de sua
multa de US$ 15 milhões para US$ 5 milhões. US$ 5 milhões seriam pagos por
fora, a título de honorários.
Dez
dias depois da conversa, Tacla recebeu e-mail
dos procuradores Carlos Fernando Lima e Roberson Pozzobon, com a proposta de
delação.
Segundo
Tacla, o esquema seria simples. Na sentença, seria mencionada a multa de US$ 15
milhões e indicada uma conta sem reservas. No acordo estaria definido que, não
encontrando fundos na conta, a multa seria reduzida para US$ 5 milhões.
Moro
e a esposa Rosangela – que já havia trabalhado no mesmo escritório de advocacia
de Zucolotto – saíram publicamente em defesa do amigo.
É
nesse quadro de ausência absoluta de compliance
que surge o caso Dario Messer, e as suspeitas de suborno a policiais e
procuradores, visando fechar os olhos para sua atividade.”
“Há
uma enorme dificuldade em identificar as grandes jogadas públicas no país,
devido à ignorância institucional que campeia por todos os poderes. É uma
ignorância sólida, inamovível como um bloco de concreto, que paralisa todos os
setores institucionais: Supremo, Congresso e mídia.
Cria-se
uma onda – no caso, o neoliberalismo radical – e, a partir daí, os votos do
Supremo e reportagens da mídia seguem a onda, sem discutir nuances, detalhes,
circunstâncias, mecanicamente tal qual uma votação da Lava Jato. A
superficialidade suprema é tanta que tratam até a homeschooling – uma aberração proposta pela ultradireita – como
pedagogia libertária.
Três
ministros deram um by-pass na Constituição, ao deliberar que estatais não
podiam ser vendidas sem aprovação do Congresso, mas suas subsidiárias sim: Luís
Roberto Barroso, Cármen Lúcia e Alexandre de Moraes.
Ora,
uma empresa é a soma das subsidiárias que a compõem. No caso do petróleo, a
prospecção, o refino e a distribuição. Pela interpretação do STF, poderiam ser
vendidos individualmente a prospecção, o refino e a distribuição, desde que
mantivessem uma salinha com uma placa, indicando que era o que restou da
Petrobras.
Não
apenas isso. Poderiam ser vendidas, também, sem licitação, uma porta aberta
para a corrupção mais explícita.
No
STF, Cármen Lúcia endossou a interpretação canhestra de que subsidiárias
poderiam ser vendidas sem passar pela Câmara. E passou ao largo do modelo de
venda. Os dois outros Ministros que sancionaram a venda – Luís Roberto Barroso
e Alexandre de Moraes – sustentaram que bastaria um referencial de preços do Tribunal
de Contas da União.
A
refinaria foi vendida por US $1,6 bilhão.
A
história a seguir mostra a quantidade de gols que o Supremo toma, devido à
ampla desinformação sobre aspectos básicos da economia e dos negócios.
Peça 2 – o preço da refinaria
Antes
da venda, a Petrobras chegou a avaliar a refinaria em US$ 3 bilhões, mesmo
valor a que chegou o INEEP (Instituto de Estudos Estratégicos de Petróleo, Gás
Natural e Combustíveis). Em fevereiro, a XP estimou o valor em US $3,5 bilhões
e o BTG avaliou em US $2,5 bilhões.
Multiplicaram-se
os alertas sobre as consequências da venda.
Pesquisador
do INEEP, Eduardo Costa Pinto alertou que, com a venda, o monopólio estatal
poderia se transformar em monopólio privado regional e poderia ocorrer apagão
de combustíveis, já que a Petrobras deixaria de responder pela coordenação do
abastecimento.
Coordenador
da Federação Única dos Petroleiros (FUP), Deyvid Bacelar previu aumento
imediato dos combustíveis. Como terá o controle de um monopólio regional,
tratará de aumentar seus preços para melhorar o retorno.
Peça 3 – consequência imediata
Desde
o primeiro dia da privatização, a refinaria interrompeu a venda de óleo bunker,
destinado ao abastecimento de navios de largo porte,²⁶⁴ para navegação de
cabotagem. Segundo levantamento do portal Poder360, cerca de 60 navios acessam
o terminal mensalmente.
O
Sindinave (Sindicato das Agências de Navegação do Estado da Bahia) foi atrás da
Petrobras, que não soube o que responder. Enviou ofício à ANP (Agência Nacional
de Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis) e não obteve resposta.
O
jornal procurou todos os órgãos responsáveis pelo setor:
A
Antaq (Agência Nacional de Transportes Aquaviários) disse que a
responsabilidade do caso é da ANP.
ANP –
“está avaliando todas as informações e continua a monitorar o assunto de
perto”.
CADE
– não respondeu.
Nos
dias seguintes, a Acelen (novo nome da refinaria) declarou que não iria seguir
a política de preços da Petrobras – que anunciou redução de 3,1% nos preços dos
combustíveis.
Enviou
um comunicado seco às distribuidoras informando o seguinte:
A redução anunciada pela Petrobras só será
praticada nas refinarias que ainda estão sob sua gestão. Como a refinaria
baiana foi privatizada, não mais pertencendo à estatal federal, a política de
preço da Refinaria Mataripe será independente, uma das consequências da
privatização da RLAM, disse o sindicato, em nota.
Ou
seja, todas as previsões pessimistas foram confirmadas no primeiro dia de
privatização. Antes, levava alguns meses ou anos para que promessas vãs fossem
desmentidas pelos fatos. No caso da refinaria, foi em um dia.
Peça 4 – as instituições entre a
ignorância e a malícia
Millôr
Fernandes tinha um dito definitivo sobre situações assim: “Entre um burro e um
canalha, não passa o fio de uma navalha”.
Tiremos
o burro e o canalha, que são adjetivos fortes, para analisar a privatização da
refinaria Landulpho Alves, na Bahia, e fiquemos com a ignorância, a
irresponsabilidade e a malícia.
Para
o Supremo Tribunal Federal (STF) cabem os dois primeiros adjetivos: ignorância
e irresponsabilidade.
Esses
senhores são os responsáveis pela venda e, agora, pelos problemas enfrentados
pela navegação de cabotagem no Brasil.
Os
Ministros do Supremo pelo misto de ignorância com onipotência. Fossem
minimamente responsáveis teriam promovido audiências com diversos setores para
ter uma ideia das consequências da venda das refinarias.
E não
adianta dizer que não cabe ao Supremo analisar consequências, mas simplesmente
implementar a Constituição. Eles revogaram a Constituição para permitir a
privatização, sem analisar as consequências.
A
malícia fica por conta do CADE (Conselho Administrativo de Direito Econômico) e
de seu Presidente Alexandre Cordeiro, autor da mais extravagante medida de todo
esse processo confuso.
Cordeiro
fez a Petrobras assinar um Termo de Ajustamente de Conduta265 (TAC),
obrigando-se a vender suas refinarias. E os representantes da Petrobras –
indicados pelo governo Bolsonaro – aceitaram a imposição. Nem mídia, nem
Supremo, comentaram essa maluquice, de um burocrata público atropelar a
Constituição e obrigar a maior empresa nacional a se desfazer de seus ativos.
Quando a privatização atrasou um pouco, Cordeiro ameaçou a empresa com
retaliações, sob silêncio total do Ministério Público, Supremo e imprensa.
Cúmplices? Não, apenas a ignorância velha de guerra, marca principal de um país
subdesenvolvido.
Pouco
depois, Flávio Bolsonaro, o representante comercial da família deixou suas
impressões digitais, lançando a candidatura de Alexandre ao Supremo,266
como alternativa ao candidato terrivelmente evangélico. O que comprova que no
Brasil tudo se vende, até a indicação para o Supremo.”
265
VENTURA, Manuel. “Cade deve reabrir investigação contra Petrobras se venda de
refinarias for paralisada”. O Globo, fev. 2021. Disponível em: http://tinyurl.com/ysr3vsmc. Acessado
em: 10.05.2024.
266
MEGALE, Bela. “Nome de presidente do Cade para Supremo foi apresentado por
Flávio Bolsonaro”. O Globo, out. 2021. Disponível em: http://tinyurl.com/ym8wt9bs. Acessado
em: 10.05.2024.
“A
crise atual serviu para expor uma das piores heranças culturais do país: o
chamado racismo estrutural.
Mas
há um outro componente pouco estudado, talvez primo-irmão, o caráter das elites
brasileiras e dos setores que ambicionam um lugar na chamada Casa Grande.
A
maneira como mídia, Supremo, políticos, corporações públicas ingressaram no
golpismo mais explícito, sem a menor preocupação com a imagem ou, melhor,
regozijando-se com sua imagem refletida no esgoto, é um fenômeno típico de
sociedades sem caráter.
Tenho
a impressão de que a necessidade de se identificar com as classes altas seja um
resquício da República Velha, na qual as classes de baixo, para se defenderem
dos abusos da Justiça e do poder, tinham que se abrigar sob as asas de algum
coronel local.
Essa
submissão, por sua vez, gerava um sentimento de onipotência quando, por alguma
razão, o cidadão normal, através de estudos passava a cumprir o papel de
jagunço letrado, tornando-se defensor das demandas da classe superior junto às
instituições de Estado – em uma função de jornalista, juiz ou ministro do
Supremo. Aí havia o deslumbramento total, dos que supunham ter conseguido a
inclusão por cima.
Some-se
o fato de uma sociedade historicamente permissiva, que permitia a convivência
com traficantes de escravos, bicheiros, doleiros, desde que bem-sucedidos
financeiramente. Grandes doleiros, contrabandistas, são aceitos com
naturalidade nas sociedades do Rio de Janeiro ou de Brasília, e
confraternizam-se com autoridades no paraíso tropical de Miami.
Esse
talvez seja o motivo por que, na guerra jurídico-midiática-política mais suja
da história, não tenha ocorrido sequer as chamadas objeções de consciência como
impeditivo. Por tal, entenda-se a atitude do motorista de um trator, que
recebeu a ordem de destruir as casas de famílias sem-terra. Ele se negou a
cometer a crueldade. Recorreu à chamada objeção de consciência.
Nada
disso se viu no período em que o ódio foi plantado, cevado e colhido. Não houve
objeção de consciência por parte dos principais agentes da conspiração e sequer
um mínimo de pudor, aquela pequena vergonha que acomete até as mentes mais
insensíveis, quando flagradas em grandes malfeitos.
Em
países com caráter, quem aderisse ao golpismo seria malvisto ao menos por sua
categoria. Uma mídia com caráter denunciaria desvios de condutas, exporia os
oportunistas, os excessivamente ambiciosos, os crimes cometidos pelos guardiões
da lei.
Nada
ocorreu. Pelo contrário, os bárbaros foram celebrados, houve pruridos da mídia
até em divulgar o suicídio do reitor da UFSC.
Este
foi o Brasil da década de 2010.
Por
outro lado, começa a surgir uma onda de liberalização relativa, impulsionada
pelos ventos externos. Alguns dos principais responsáveis pelo envenenamento
político anterior ressurgem como baluartes da democracia – e nada lhes é
cobrado, nem um mínimo de autocrítica.
Por
tudo isso, nada espere desse aggiornamento
liberal dos porta-vozes dos homens de bens, nem mesmo com as novas ondas que se
propagam pelo mundo civilizado, como reação à barbárie da era Trump.
O
país sem caráter só se submete a contingências de ordem política, de interesse
pessoal e é reativo a movimentos de opinião pública. Jamais assumirá o
protagonismo da defesa da civilização.
Portanto,
movimentos virtuosos que vierem a surgir, serão externos a esses personagens
centrais do golpe.”
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