sexta-feira, 9 de maio de 2025

A Primeira Guerra Mundial... que acabaria com as guerras (Parte II), Margaret MacMillan

Editora: Globo Livros

ISBN: 978-85-2505-790-7

Opinião: ★★☆☆☆

Páginas: 760

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Sinopse: Ver Parte I


Em 1879 a Áustria-Hungria já mostrara quanto seria leal no longo prazo ao assinar uma aliança com a Alemanha, cujo principal objetivo era conter a Rússia. Os dois signatários se comprometiam a se ajudar mutuamente se a Rússia atacasse um ou outro. Permaneceriam neutros, “benevolentemente,” se um terceiro país atacasse um deles, a menos que esse terceiro fosse apoiado pela Rússia. Nesse caso, interviria. O tratado, renovado de tempos em tempos, durou até o fim da Grande Guerra. O outro pacto importante celebrado pela Áustria-Hungria foi a Tríplice Aliança com Alemanha e Itália, assinado pela primeira vez em 1882 e que sobreviveu até a eclosão da guerra em 1914. Os signatários se comprometiam a ajudar a Alemanha e a Itália se um dos dois países fosse atacado pela França e se socorreriam mutuamente se um fosse atacado por duas ou mais potências.

Embora o preâmbulo descrevesse a Tríplice Aliança como “essencialmente conservadora e defensiva,” o acordo contribuiu para a divisão da Europa tanto quanto, anos mais tarde, a Tríplice Entente. Alianças, como armas, podem ser classificadas como defensivas, mas na prática podem ser usadas em caráter ofensivo. A Tríplice Aliança, como a Tríplice Entente, estimulou seus membros a trabalhar em conjunto no cenário internacional e ao longo de incontáveis crises. Estabeleceu laços de amizade e cooperação e criou a expectativa de apoio mútuo no futuro. Além disso, criou condições para a execução de planejamentos e estratégias comuns, particularmente no caso da Alemanha e Áustria-Hungria. Em 1914, os acordos sobre segurança pressionaram os membros a honrar seus compromissos, permitindo que conflitos locais se generalizassem. A Itália, a mais fraca das potências europeias, no fim foi a única disposta a ficar de fora em 1914.

A Itália aderiu à Tríplice Aliança em parte porque seu monarca, o Rei Umberto, via com bons olhos o apoio conservador numa época em que seu país enfrentava levantes sociais e políticos que muito lembravam revoluções e, por outro lado, para se proteger da França. Os italianos não perdoavam os franceses por terem se apossado do porto de Túnis que havia muito tempo era de seu interesse e por terem exigido território italiano como compensação por seu apoio nas guerras pela unificação da Itália. Além disso, integrar uma aliança com a Alemanha, poder dominante no continente, satisfazia a antiga ambição da Itália de ser vista entre as grandes potências.

No entanto, a Tríplice Aliança juntou a Itália e a Áustria-Hungria, parceria que nunca daria certo. Os dois lados sabiam perfeitamente que havia potencial para um conflito ao longo de suas fronteiras. A Áustria-Hungria, que já perdera as ricas províncias da Lombardia e Veneza para a Itália, suspeitava profundamente das ambições italianas sobre seu território, que incluíam áreas no sul do Tirol onde se falava italiano; o porto de Trieste no Adriático, que já pertencera a Veneza, no extremo norte do Mar Adriático; a costa dálmata da Áustria-Hungria; e também a região que os italianos consideravam “fronteiras naturais,” que se estendiam até os mais altos picos dos Alpes. O declínio do Império Otomano abriu novas possibilidades para a expansão italiana ao longo do Adriático. A Albânia otomana e o estado independente de Montenegro dispunham do que a Itália, como potência naval, precisava desesperadamente – portos. A natureza, como os italianos costumavam reclamar, fizera a costa ocidental do Adriático com águas rasas e turvas, poucos portos e sem defesas naturais, enquanto a oriental era profunda, de águas claras e com bons ancoradouros naturais. Os austríacos não gostaram quando a Itália autorizou a realização de um Congresso Nacional Albanês em Nápoles, em 1903, quando o herdeiro do Rei Umberto casou com uma das muitas filhas do Rei de Montenegro e quando o inventor italiano Guglielmo Marconi lá instalou a primeira estação telegráfica.[47] Por seu lado, os italianos viam a Áustria-Hungria como o inimigo que bloqueara a unificação e continuava criando obstáculos para o prosseguimento do projeto nacional italiano, além de se opor às ambições da Itália nos Balcãs. Alguns políticos italianos sustentavam que, apesar disso, a Tríplice Aliança podia ser útil como instrumento de pressão sobre a Áustria-Hungria para que cedesse mais territórios. Como disse alguém em 1910: “Devemos unir esforços para preservar a aliança austríaca até o dia em que estivermos prontos para a guerra. Esse dia ainda está muito longe.”[48] Estava mais perto do que se imaginava.

Para a Áustria-Hungria, o relacionamento com a Alemanha era fundamental. O tempo servira para atenuar a lembrança da derrota diante da Prússia na década de 1860, particularmente porque Bismarck sabiamente oferecera generosos termos de paz. Nos dois lados a opinião pública mudara substancialmente e agora defendia um relacionamento mais amistoso. Depois de 1905, à medida que crescia o poder da Rússia, mais forte ficava o sentimento de que os teutônicos precisavam se unir contra os eslavos. Nas camadas superiores da sociedade, a burocracia e o corpo de oficiais eram dominados pelos de fala alemã, que tendiam a ter afinidade com a Alemanha, e não com a Rússia. Franz Joseph e Franz Ferdinand ambos davam-se bem com Wilhelm, e o último era particularmente grato ao Kaiser por dispensar todas as honras à sua esposa Sophie. O velho Imperador gostara de Wilhelm desde o começo porque demitira o detestado Bismarck, mas Wilhelm também passou a considerá-lo como amigo, algo cada vez mais raro em sua vida. Wilhelm ganhava pontos visitando Franz Joseph frequentemente – todos os anos antes da Grande Guerra – e o monarca mais jovem era respeitoso e atencioso. Wilhelm fez reiteradas declarações reafirmando sua amizade pela Áustria-Hungria. “Seja qual for a razão para decretar mobilização,” assegurou a Franz Joseph e a seu Chefe de Estado-Maior em 1889, “o dia de sua mobilização também será o dia em que mobilizarei meu exército e os chanceleres poderão dizer o que quiserem.” Os austríacos ficaram maravilhados, especialmente porque esperavam que os alemães reafirmassem suas promessas em futuras crises. Franz Joseph às vezes se preocupava com a impulsividade de Wilhelm, mas, como disse à filha após uma visita em 1906, confiava em suas intenções pacíficas: “Fez-me bem apertar mais uma vez a mão do Imperador. Nos dias atuais, pacíficos na superfície mas internamente tempestuosos, não podemos nos reunir com muita frequência, olhos nos olhos, para nos assegurarmos mutuamente que ambos desejamos a paz, somente a paz. Para tanto, realmente podemos confiar na lealdade recíproca. Ele não pensa em me abandonar, tanto quanto eu não pretendo deixá-lo desamparado.”[49]

Inevitavelmente, ao longo dos anos houve tensões. Embora a Alemanha fosse o maior parceiro comercial da Áustria-Hungria, as tarifas alemãs – por exemplo, as que protegiam seus agricultores – prejudicavam os produtores do Império. Acresce que a economia alemã era simplesmente mais expansiva e dinâmica; nos Balcãs, onde a Áustria-Hungria se acostumara a ser a potência econômica predominante, a concorrência alemã era cada vez mais acirrada. Quando jornais alemães atacavam os tchecos, ou quando o governo prussiano tratava mal a minoria polonesa, cresciam as repercussões em toda a fronteira na Áustria-Hungria. A forma como a Alemanha conduzia sua política exterior também preocupava seu aliado. Goluchwski revelou a visão predominante ao escrever, em 1903, ao embaixador austro–húngaro em Berlim:

De modo geral, a forma como vem sendo conduzida a política alemã realmente causa grande preocupação. A arrogância cada vez mais acentuada, o desejo de bancar o professor em toda parte e a falta de consideração tantas vezes demonstrada por Berlim são coisas que criam um ambiente muito desconfortável nas relações exteriores. Embora na prática isso venha acontecendo, não podemos conviver com repercussões que prejudiquem nosso relacionamento com a Alemanha a longo prazo.[50]

A longo prazo as relações continuaram sólidas porque cada um precisava do outro, e, com o agravamento das divisões na Europa, cada vez mais seus líderes perceberam que não havia alternativa.

Embora a Áustria-Hungria continuasse a procurar a Rússia, membro da Tríplice Entente, permitia que suas boas relações com a França e a Inglaterra atenuassem o fato. Como disse um jovem diplomata, era como se uma boa esposa fosse tão fiel a ponto de não sair para ver velhas amigas sem aprovação do marido. Para ser justo, as velhas amigas nem sempre eram acolhedoras. A França e a Áustria-Hungria tinham seguido caminhos politicamente diferentes desde que fora instalada a Terceira República, em 1871. O regime em Viena, monárquico e aristocrata, além de católico, não ficava satisfeito ao ver uma França dominada por anticlericais, maçons e radicais. Em relações exteriores, a França estava ligada à Rússia e nada faria que pudesse perturbar sua vital aliança. Por conseguinte, o mercado financeiro francês estava fechado para a Áustria-Hungria. Nos Balcãs, diplomatas da França tentavam aliciar a Sérvia e a Romênia para integrarem a Tríplice Entente, enquanto os investimentos e os negócios franceses murchavam nos mercados austro-húngaros. Para citar um exemplo, Schneider, a empresa francesa de armamentos, na primeira década do século XX estava fechando novos contratos nos Balcãs, enquanto empresas da Áustria-Hungria os perdiam. De tempos em tempos, estadistas franceses, como Delcassé, manifestavam-se apreensivos com a possibilidade de um futuro colapso da Áustria-Hungria e o surgimento de um vasto estado alemão no coração da Europa, mas nada faziam para melhorar as relações.[51]

Ao longo dos anos, as relações da Áustria-Hungria com a Inglaterra tinham sido mais próximas e cordiais do que com a França. Embora a Inglaterra tivesse suas próprias tradições radicais, era vista por Viena como uma sociedade mais estável e conservadora do que a França e onde havia uma aristocracia que, convenientemente, ainda dominava a política e o serviço público. A nomeação do conde Albert Mensdorff para embaixador austro-húngaro, em 1904, foi encarada como uma iniciativa inteligente, por ser muito bem relacionado com a família real inglesa e bem-vindo nos círculos aristocratas ingleses. Ademais, não havia rivalidades em questões de colônias, como, por exemplo, as existentes entre Inglaterra e Rússia, que fossem capazes de separar ingleses e austro-húngaros. Mesmo no Mediterrâneo, onde os dois países eram potências navais, compartilhavam o interesse em preservar a calma na região, especialmente na extremidade oriental. Para ambos, o outro era um contrapeso conveniente contra a Rússia. Durante a Guerra dos Bôeres, a Áustria-Hungria foi um dos poucos países que apoiou a Inglaterra. “Dans cette guerre je suis complètement anglais,” disse Franz Joseph em 1900 ao embaixador inglês ao alcance do ouvido dos embaixadores francês e russo.[52]

Não obstante, aos poucos as relações foram esfriando. Os acordos destinados a manter o statu quo no Mediterrâneo, em parte para bloquear o controle russo sobre os Estreitos entre o Mar Negro e o Mediterrâneo, de fato já não vigoravam em 1903, quando as duas nações já tinham adotado medidas de aproximação com a Rússia. Em Londres, a Áustria-Hungria era cada vez mais vista como se estivesse sob o domínio alemão. Quando a corrida naval esquentou, os ingleses temeram que cada navio construído pela Áustria-Hungria fosse simplesmente acrescentado ao poder naval alemão. Em 1907, uma vez alcançado um entendimento com a Rússia, a Inglaterra se esforçou para evitar qualquer iniciativa, como, por exemplo, apoiar os austro-húngaros nos Balcãs ou no Mediterrâneo, que pudesse comprometer um importante relacionamento. À medida que as relações da Áustria-Hungria com a Rússia ficavam desgastadas, suas relações com a Inglaterra esfriavam ainda mais.[53]

Com o progressivo afastamento entre Alemanha e Rússia, ficava cada vez mais difícil para a Áustria-Hungria manter boas relações com esses dois países. Embora Franz Joseph e seus ministros do Exterior lamentassem essa tendência, a Áustria-Hungria percebia que suas relações com a Rússia estavam mais difíceis do que com a Alemanha. O despertar do nacionalismo eslavo no Império Austro-Húngaro estimulou o interesse e a simpatia dos russos, mas, para o Império, serviu apenas para aumentar a complexidade de seus problemas internos. Mesmo que a Rússia não se intitulasse protetora dos eslavos da Europa, sua existência era suficiente para que seu vizinho ficasse atento a suas intenções.

As mudanças nos Balcãs trouxeram novas preocupações para a Áustria-Hungria. Com a retirada, contra sua vontade, do Império Otomano da Europa, os novos estados – Grécia, Sérvia, Montenegro, Bulgária e Romênia – passaram a ser vistos como amigos potenciais da Rússia. Tratava-se predominantemente de populações eslavas (embora romenos e gregos insistissem em afirmar que eram diferentes) que em grande parte compartilhavam com a Rússia a religião ortodoxa. E quanto aos territórios do Império Otomano que restavam na Europa, como Albânia, Macedônia e Trácia? Seriam alvo de intrigas, rivalidades e guerras? Em 1877, o ministro do Exterior da Monarquia Dual, Julius Andrassy comentou que Áustria e Rússia “são vizinhos próximos e devem caminhar juntos, seja na paz, seja na guerra. Uma guerra entre os dois impérios (...) possivelmente só terminaria com a destruição ou o colapso de um dos beligerantes.”[54]

No fim do século XIX a Rússia também percebeu os perigos da desintegração do Império Otomano. Como já não podia contar com a amizade da Alemanha diante da não renovação do Tratado de Ressegurança e estava voltando sua atenção para o Extremo Oriente, seus dirigentes viam com bons olhos uma détente com a Áustria-Hungria nos Balcãs. Em abril de 1897, Franz Joseph e Goluchowski, seu ministro do Exterior, foram calorosamente recebidos em São Petersburgo. Enquanto bandas militares tocavam o hino austríaco e a bandeira preta e amarela da Áustria e a vermelha, branca e verde da Hungria tremulavam ao sabor da brisa primaveril ao lado da russa, o Czar e seus convidados desfilavam em carruagens abertas ao longo da Nevsky Prospekt. Naquela noite, os dois imperadores trocaram calorosos brindes em um banquete oficial e manifestaram suas esperanças de paz. Em conversas subsequentes, os dois lados concordaram em trabalhar juntos para assegurar a integridade do Império Otomano e deixaram claro que as nações independentes dos Balcãs não mais poderiam jogar uma contra a outra. Como provavelmente os otomanos perderiam o controle que exerciam no que restava de seu território nos Balcãs, Rússia e Áustria-Hungria trabalhariam em conjunto na divisão dos Balcãs, apresentando-se diante das outras potências como uma frente única. A Rússia conseguiu a promessa de que, acontecesse o que acontecesse, os Estreitos permaneceriam fechados para a passagem de navios de guerra estrangeiros rumo ao Mar Negro. Já a Áustria-Hungria conseguiu – ou julgava ter conseguido – um entendimento de que, em data futura, poderia anexar o território da Bósnia e Herzegovina que fora ocupado por suas forças desde 1878. Todavia, depois os russos enviaram uma nota dizendo que a anexação “levantaria uma questão mais ampla que poderia requerer um escrutínio especial, em local e momento convenientes.”[55] De fato a questão foi levantada em 1908 e de forma bastante prejudicial.

Nos anos seguintes, porém, as relações entre Rússia e Áustria-Hungria permaneceram em nível relativamente bom. No outono de 1903, o Czar visitou Franz Joseph em um de seus pavilhões de caça, e os dois discutiram a situação que se deteriorava na Macedônia, onde a população cristã se revoltara abertamente contra os dirigentes otomanos (ocupando-se também em matar uns aos outros quando professavam correntes diferentes do cristianismo). Concordaram em formar uma frente única para propor ao governo otomano em Constantinopla as reformas necessárias. No ano seguinte, Áustria-Hungria e Rússia assinaram um Tratado de Neutralidade, e foram realizadas negociações para reviver a Liga dos Três Imperadores com a Alemanha, mas deram em nada.

Todavia, nem tudo estava bem nas relações. Nenhum lado confiava inteiramente no outro, especialmente no pertinente aos Balcãs. Se o Império Otomano tivesse que desaparecer, e isso era cada vez mais provável, cada país queria assegurar a proteção de seus interesses. A Áustria-Hungria queria que emergisse uma Albânia forte, capaz de bloquear o acesso dos eslavos do sul ao Adriático (por sorte, os albaneses não eram eslavos), mas a Rússia se opunha. Serena e às vezes ostensivamente, os dois competiam pela esfera de influência na Sérvia, em Montenegro e na Bulgária. Após a derrota na Guerra Russo-Japonesa, quando a Rússia voltou suas atenções para o Ocidente, a possibilidade de um confronto nos Balcãs cresceu acentuadamente. Ademais, uma vez acertadas em 1907 suas relações com a Inglaterra, a Rússia já não precisava tanto confiar no apoio do Império Austro-Húngaro no Mediterrâneo e nas conversas com o Império Otomano. Além disso, em 1906 ocorrera crucial mudança na liderança da Monarquia Dual. Conrad se tornara Chefe do Estado-Maior, e Aehrenthal, mais do que Goluchowski, a favor de uma política exterior mais proativa, passou a ser primeiro-ministro. Enquanto a Europa mergulhava em uma série de crises, as duas grandes potências conservadoras se afastavam cada vez mais, perigosamente divergentes nos conturbados Balcãs espremidos entre elas.”

[47] Bridge, F.R., From Sadowa to Sarajevo: The Foreign Policy of Austria-Hungary, 1866-1914 (Londres, 1972), 267.

[48] Bosworth, R., Italy and the Approach of the First World War (Londres, 1983), 55-7.

[49] Herwig, H., ‘Disjointed Allies: Coalition Warfare in Berlin and Vienna, 1914,’ Journal of Military History, vol. 54, nº 3 (1990), 265-80, p. 271; Angelow, J., ‘Der Zweibund zwischen Politischer auf-und militärischer Abwertung,’ Mitteilungen des Österreichischen Staatsarchivs, vol. 44 (1996), 25-74, p. 34; Margutti, A., The Emperor Francis Joseph and His Times (Londres, 1921), 220-28; Williamson, S.R.J., Austria-Hungary and the Origins of the First World War (Basingstoke, 1991), 36.

[50] Bridge, From Sadowa to Sarajevo, 254-5, 427-8; Margutti, The Emperor Francis Joseph, 127, 228.

[51] Musulin, Das Haus am Ballplatz, 80; Stevenson, Armaments, 38-9; Williamson, Austria-Hungary, 114.

[52] Bridge, ‘Austria-Hungary and the Boer War,’ 79.

[53] Bridge, From Sadowa to Sarajevo, 260; Steiner, Z., The Foreign Office and Foreign Policy, 1898-1914 (Cambridge, 1969), 182-3; Williamson, Austria-Hungary, 112.

[54] Wank, ‘Foreign Policy and the Nationality Problem in Austria-Hungary,’ 45.

[55] Bridge, From Sadowa to Sarajevo, 232-4; Jelavich, B., Russia’s Balkan Entanglements 1806-1914 (Cambridge, 1991), 212-13.

 

 

“O que Kessler também apanhou em seu diário foi a compreensão que dominava os artistas, intelectuais e a elite política de que a Europa se transformava rapidamente e nem sempre seguia o caminho que desejavam. Muitas vezes os líderes europeus sentiam certo desconforto com sua própria sociedade. Industrialização, revoluções tecnológicas, surgimento de novas ideias e atitudes estavam abalando as sociedades em toda a Europa, pondo em xeque antigas práticas e valores estabelecidos havia muito tempo. A Europa era um continente ao mesmo tempo poderoso e atormentado. Todas as principais potências enfrentaram longas e graves crises políticas antes da guerra, como a questão irlandesa na Inglaterra, o caso Dreyfus na França, o impasse entre a Coroa e o Parlamento na Alemanha, os conflitos nacionalistas na Áustria-Hungria ou a quase revolução na Rússia. Às vezes, a guerra era vista como forma de superar divisões e antagonismos, e talvez realmente fosse. Em 1914, em todas as nações beligerantes se falava em nação em armas, união sagrada, santa união, em que divisões de classe, regionais, étnicas e religiosas eram esquecidas e a nação se aglutinava, movida pelo espírito de união e sacrifício.”

 

 

O crescente interesse na paz também refletia uma mudança no que se pensava sobre relações internacionais a partir do século XVIII. Não era mais um jogo em que um ganha e o outro perde. No século XIX se falava em uma ordem internacional em que todos podiam se beneficiar da paz, e a história desse século vinha demonstrando que estava emergindo uma ordem nova e melhor. Desde o fim das Guerras Napoleônicas em 1815, a Europa, com breves interrupções, desfrutou longo período de paz e extraordinário progresso. Logicamente esses dois elementos estavam ligados. Além disso, cada vez havia maior concordância e aceitação de padrões internacionais de comportamento dos estados. Sem dúvida, no devido tempo um conjunto de leis e novas instituições internacionais deveriam surgir, na mesma medida em que isso ocorria internamente nas nações. O crescente uso de arbitragem para solucionar disputas entre nações e as frequentes ocasiões ao longo do século em que as grandes potências europeias se juntaram para enfrentar, por exemplo, crises como a do Império Otomano, levavam a crer que, passo a passo, estavam sendo lançados os fundamentos de uma nova e mais eficiente maneira de administrar as questões mundiais. A guerra era uma forma ineficiente e custosa demais de resolver divergências.

Mais uma prova de que a guerra estava ficando obsoleta no mundo civilizado era o momento vivido na Europa. Os países europeus agora estavam de todo entrelaçados economicamente, e o comércio e os investimentos extrapolavam as alianças. O comércio entre a Inglaterra e a Alemanha crescia ano a ano antes da Grande Guerra. Entre 1890 e 1913, as importações inglesas de produtos alemães triplicaram, enquanto suas exportações para a Alemanha dobraram.[5] A França importava da Alemanha quase tanto quanto da Inglaterra, enquanto a Alemanha, por seu lado, dependia de importações de minério de ferro da França para suprir suas siderúrgicas. (Meio século mais tarde, após duas guerras mundiais, França e Alemanha criariam a Comunidade Europeia de Ferro e Aço, que foi a base para a formação da União Europeia.) A Inglaterra era o centro financeiro mundial, e boa parte dos investimentos que entravam e saíam da Europa era realizado por intermédio de Londres.

Portanto, de modo geral os especialistas supunham, antes de 1914, que uma guerra entre as potências levaria a um colapso nos mercados internacionais de capitais e à cessação de comércio, que prejudicaria a todos e, na verdade, tornaria impossível estender uma guerra por mais de algumas semanas. Os governos não conseguiriam créditos, e seus povos ficariam impacientes à medida que faltassem alimentos. Mesmo em tempo de paz, com a corrida armamentista cada vez mais acelerada, os governos se endividariam ou elevariam impostos – ou ambas as hipóteses – o que, por sua vez, geraria intranquilidade pública. Países que tinham se tornado potências mais recentemente, sobretudo Japão e Estados Unidos, que não enfrentavam os mesmos problemas e cuja carga tributária era menor, ficariam muito mais competitivos. Haveria sério risco, como alertaram destacados especialistas em relações internacionais, de a Europa perder terreno e até mesmo sua liderança mundial.[6]

[5] Kennedy, Rise of the Anglo-German Antagonism, 293.

[6] Rotte, ‘Global Warfare,’ 483-5.

 

 

Se havia uns poucos que, como Conrad, antes de 1914 desejavam a guerra, por outro lado a grande maioria reconhecia na guerra um instrumento que podia ser empregado, mas a ser mantido sob controle. À medida que a Europa sofreu uma sucessão de crises na década anterior a 1914 e as alianças se fortaleceram, seus líderes e os respectivos povos se acostumaram à ideia de que a guerra podia ocorrer a qualquer momento. Os membros da Tríplice Entente – França, Rússia e Inglaterra – e os da Tríplice Aliança – Alemanha, Áustria-Hungria e Itália – ficaram na expectativa do surgimento de um conflito entre duas potências, provavelmente arrastaria seus parceiros. Dentro do sistema de alianças, surgiam as promessas, visitas recíprocas eram realizadas, e planos eram elaborados. Assim, eram criadas expectativas difíceis de ser desapontadas em um momento de crise. Já se começava a pensar em uma guerra geral travada no coração da Europa. O impacto das crises ajudou tanto o militarismo quanto o nacionalismo a preparar psicologicamente os europeus para a Grande Guerra.

Em sua maior parte, acreditavam estar a defender-se de forças que os destruiriam. Na Alemanha temiam o cerco, na Áustria-Hungria tratava-se de se prevenir contra o nacionalismo eslavo, na França o temor era a Alemanha, a Rússia temia seus vizinhos Áustria-Hungria e Alemanha, e na Inglaterra o medo era da Alemanha. Os sistemas de aliança e cada uma delas só exigiam apoio no caso de ataque a um parceiro. Em uma época em que a solidariedade da opinião pública era importante, os líderes civis e militares se preocupavam em ter certeza de que seus países fossem vistos como partes inocentes em qualquer eclosão de hostilidades.

Não obstante, quando a guerra acontecesse, as potências queriam estar preparadas para atacar em defesa própria. Quase todos os planos militares elaborados pelos estados-maiores europeus antes de 1914 eram ofensivos, levando a guerra ao território inimigo e procurando obter uma vitória rápida e esmagadora. Por outro lado, as crises cada vez mais frequentes induziam os tomadores de decisões a ir à guerra e agir com rapidez para contar com a vantagem da iniciativa. Segundo o plano de guerra alemão de 1914, era indispensável lançar forças no interior de Luxemburgo e da Bélgica antes da declaração de guerra, e isso realmente aconteceu.[53] Os próprios planos contribuíram para a tensão internacional ao obrigarem as tropas a se manterem em condições de pronto emprego e estimular a corrida armamentista. O que parecia ser uma forma razoável de autodefesa pode ser vista sob ângulo bem diferente do outro lado da fronteira.”

[53] Mombauer, ‘German War Plans,’ 59.

 

 

Em 18 de outubro, o Império Austro-Húngaro expediu um ultimato à Sérvia e deu oito dias para que anuísse. Entre as grandes potências, apenas a Itália e a Alemanha foram previamente informadas, mais um sinal de que o Concerto da Europa findava. Nos meses seguintes, a Tríplice Entente e a Tríplice Aliança passaram cada vez mais a operar separadamente a respeito de assuntos balcânicos.[104] Nenhum de seus aliados se opôs à iniciativa austro-húngara e a Alemanha foi mais além, assegurando-lhe firme apoio. O Kaiser foi particularmente veemente: “Agora ou nunca!” – escreveu em carta de agradecimento a Berchtold. “Em algum momento, nova paz e nova ordem devem ser implantadas lá.”[105] Em 25 de outubro, a Sérvia capitulou e retirou suas tropas da Albânia. No dia seguinte, o Kaiser, que estava visitando Viena, tomou chá com Berchtold e disse-lhe que a Áustria-Hungria devia continuar agindo com firmeza: “Quando Sua Majestade o Imperador Franz Joseph exige alguma coisa, o governo sérvio deve ceder e, se não o fizer, Belgrado será bombardeada e ocupada até que a vontade de Sua Majestade seja satisfeita.” Fazendo um gesto de empunhar o sabre, Wilhelm prometeu que a Alemanha estaria sempre pronta para apoiar seu aliado.[106]

O ano de crise nos Balcãs terminou pacificamente, mas deixou para trás o rastro de uma nova safra de ressentimentos e lições perigosas. A Sérvia claramente fora a vencedora e, em 7 de novembro, adquiriu mais território quando assinou um acordo com Montenegro dividindo o Sanjak de Novi Bazar. Mesmo assim, o projeto nacional da Sérvia estava incompleto. Falava-se em uma união com Montenegro e na formação de nova Liga Balcânica.[107] O governo sérvio era incapaz e na verdade não desejava reinar se sobrepondo às diversas organizações nacionalistas a promover dentro do país agitações entre os eslavos do sul que viviam na Áustria-Hungria. Na primavera de 1914, durante a celebração da Páscoa, sempre uma grande festa na Igreja Ortodoxa, a imprensa sérvia estava coberta de referências à ressureição do país. Seus camaradas sérvios, disse um jornal famoso, definhavam dentro do Império Austro-Húngaro, aspirando à liberdade que somente as baionetas da Sérvia poderiam lhes assegurar. “Portanto, vamos nos unir ainda mais e ajudar aqueles que não podem compartilhar nossa alegria nesta festa anual da ressureição.”[108] Os dirigentes russos estavam preocupados com seus obstinados aliados, mas não se mostravam propensos a contê-los.

Na Áustria-Hungria, todos ficaram satisfeitos por finalmente o governo ter agido contra a Sérvia. Berchtold assim se pronunciou ao escrever para Franz Ferdinand logo após a Sérvia atender ao ultimato: “A Europa hoje reconhece que nós, sem sermos tutelados por ninguém, podemos agir com independência quando nossos interesses são ameaçados e nossos aliados permanecem firmes a nosso lado.”[109] O embaixador alemão em Viena notou, porém, “o sentimento de vergonha, de raiva contida, de estar sendo feito de bobo pela Rússia e por seus próprios amigos.”[110] Houve alívio quando se constatou que a Alemanha finalmente permanecia fiel à aliança, mas também ressentimento pela crescente dependência austro-húngara. Conrad reclamou: “Hoje em dia, não passamos de satélite da Alemanha.”[111] No sul, uma Sérvia independente e agora mais poderosa que nunca fazia lembrar os fracassos do Império Austro-Húngaro nos Balcãs. Berchtold foi muito criticado por sua fraqueza pelos representantes políticos da Áustria e da Hungria, e também pela imprensa. Quando ofereceu sua renúncia no fim de 1913, Franz Joseph não concordou: “Não há razão, não faz sentido capitular por causa de um pequeno grupo de delegados e de um jornal. Além disso, você não tem um sucessor.”[112] (...)

No ano decorrido entre a eclosão da Primeira Guerra dos Balcãs e o outono de 1913, em várias ocasiões Rússia e Áustria-Hungria estiveram perto de uma guerra e a sombra de um conflito generalizado cobriu toda a Europa, enquanto seus aliados permaneciam nas coxias. Embora finalmente as potências tivessem aprendido a gerenciar crises, seus povos e líderes tinham se acostumado com a ideia da guerra como algo que aconteceria mais cedo ou mais tarde. Quando Conrad ameaçou renunciar por achar que estava sendo desprestigiado por Franz Ferdinand, Moltke implorou-lhe para reconsiderar a decisão: “Agora que rumamos para um conflito, você não pode sair.”[116] Rússia e Áustria-Hungria tinham se preparado para a guerra com o objetivo de dissuadir, especialmente pela mobilização, mas também para pressionar o oponente e, no caso do Império Austro-Húngaro, a Sérvia. Nessa oportunidade as ameaças surtiram efeito, porque nenhum dos três países estava disposto a pagar para ver e porque, por fim, as vozes que defendiam a paz se mostraram mais fortes do que as da guerra. O que constituía perigo para o futuro era o fato de tanto a Áustria-Hungria quanto a Rússia acharem que tais ameaças podiam funcionar outra vez. Ou – algo igualmente perigoso – resolverem que na próxima vez não recuariam.

As grandes potências se sentiram até certo ponto aliviadas por terem mais uma vez conseguido alcançar seus objetivos. Durante os últimos oito anos, a primeira e a segunda crise do Marrocos, a da Bósnia e, agora, as duas Guerras Balcânicas tinham ameaçado provocar uma guerra geral, mas a diplomacia sempre a evitara. Nos meses mais recentes de tensão, o Concerto da Europa de alguma maneira sobrevivera, e a Inglaterra e a Alemanha tinham trabalhado em conjunto para chegar a acordos e conter seus parceiros de aliança. Quando, no verão de 1914, ocorreu a crise seguinte nos Balcãs, Grey esperava que, no mínimo, acontecesse o mesmo.[117]”

[104] Crampton, ‘The Decline,’ 417-19.

[105] Albertini, The Origins of the War, vol. I, 483-4.

[106] Helmreich, The Diplomacy, 428.

[107] Bridge, From Sadowa to Sarajevo, 366-7.

[108] Ibid., 442.

[109] Williamson, Austria-Hungary, 154-5.

[110] Afflerbach, Der Dreibund, 748.

[111] Sondhaus, Franz Conrad von Hötzendorf, 129.

[112] Hantsch, Leopold Graf Berchtold, 513.

[116] Albertini, The Origins of the War, vol. I, 483-4.

[117] Crampton, The Hollow Detente, 172.

 

 

No fim daquele período de paz a Europa ainda tinha escolhas. É verdade que havia muitos problemas afetando os países em 1913: medo de perder território, medo de ser superado pelos vizinhos em efetivos militares e armamentos, medo de intranquilidade interna e de revolução e medo dos efeitos de uma guerra. Tais temores podiam ser aproveitados de outra forma, tornando as nações mais cautelosas e dispostas a barganhar com a possibilidade de uma guerra. Porém, embora pudessem optar contra a guerra, os líderes europeus cada vez mais tendiam a agir ao contrário. A competição naval entre Inglaterra e Alemanha, a rivalidade entre Áustria-Hungria e Rússia nos Balcãs, as divergências entre Rússia e Alemanha e a apreensão dos franceses quanto às intenções dos alemães tinham separado nações com muito a ganhar trabalhando em harmonia. Em cerca de doze anos anteriores tinham acumulado desconfianças, e as lembranças pesavam muito na mente dos que tomavam as decisões e de seus povos. Fosse a derrota e o isolamento pela Alemanha para a França; a Guerra dos Bôeres para a Inglaterra; as crises do Marrocos para a Alemanha; a Guerra Russo-Japonesa e a Bósnia para a Rússia; e as guerras dos Balcãs para a Áustria-Hungria, cada potência tivera sua fatia de experiências amargas, que nenhuma delas queria repetir. Mostrar que é uma grande potência e evitar humilhações são forças poderosas em relações internacionais, tal como acontece hoje para os Estados Unidos, a Rússia e a China, e ocorreu com as potências europeias um século atrás. Se a Alemanha e a Itália aspiravam a um lugar ao sol, a Inglaterra esperava evitar a decadência de seu gigantesco Império e preservá-lo. Rússia e França queriam recuperar a estatura que julgavam merecer, enquanto a Áustria-Hungria lutava para sobreviver. Força militar era uma opção que todos os países consideravam, mas, apesar de todas as tensões, de alguma forma a Europa sempre conseguira recuar em tempo. Em 1905, 1908, 1911, 1912 e 1913 o Concerto da Europa, embora bastante enfraquecido, funcionara. Entretanto, momentos perigosos se aproximavam e, em 1914, no mundo que ficara perigosamente acostumado a crises, os líderes europeus mais uma vez teriam de optar entre guerra e paz.”

 

 

“Felizmente para a Europa, o problema foi contornado. Russos e alemães não queriam forçar uma confrontação, e os Jovens Turcos, assustados com a repercussão do assunto, também, queriam que se chegasse a um acordo. Em janeiro, em manobra salvadora, Liman foi promovido e agora era antigo demais para comandar um corpo-de-exército. (Permaneceria no Império Otomano até sua derrota em 1918. Uma de suas heranças duradouras foi impulsionar a carreira de um promissor oficial turco, Mustafa Kemal Ataturk.) A questão serviu para aumentar ainda mais as suspeitas da Entente em relação à Alemanha e aprofundar a separação entre a Alemanha e a Rússia. O governo russo, especialmente após a queda de Kokovtsov em janeiro de 1914, passou a aceitar a ideia de que a Alemanha planejava uma guerra. Em entrevista naquele mês com Delcassé, Nicholas conversou calmamente com o embaixador francês sobre o conflito que se aproximava. “Não vamos deixar que nos atropelem e, desta vez, não será como na guerra no Extremo Oriente. A vontade nacional nos apoiará.”[79] Em fevereiro de 1914, o Estado-Maior russo mostrou ao governo dois memorandos secretos interceptados por espiões em que os alemães mencionavam uma guerra em duas frentes e como a opinião pública alemã precisava ser antecipadamente preparada. No mesmo mês o Czar aprovou os preparativos para um ataque ao Império Otomano, em caso de guerra geral.[80]

Não obstante, o sucesso na conclusão do caso Liman von Sanders e na administração internacional das crises nos Balcãs em 1912 e 1913 parecia mostrar que a Europa ainda podia preservar a paz e que algo como o velho Concerto da Europa, em que as grandes potências se reuniam para intermediar e impor acordos, ainda podia dar certo. De fato, muitos observadores sentiam que em 1914 o clima na Europa estava melhor do que algum tempo atrás. Churchill, em sua história da Grande Guerra, fala sobre a “excepcional tranquilidade” daqueles últimos meses de paz, e Grey, mais uma vez escrevendo sobre o passado, comentou: “Nos primeiros meses de 1914, o céu internacional parecia mais límpido do que já fora. As nuvens dos Balcãs tinham desaparecido. Após ameaçadores períodos em 1911, 1912 e 1913, havia a probabilidade de um pouco de calma, que na verdade era necessária.”[81] Em junho de 1914, a Universidade de Oxford concedeu títulos honorários ao Príncipe Lichnowsky, embaixador alemão, e ao compositor Richard Strauss.

É verdade que a Europa estava dividida em dois sistemas de aliança e depois da Grande Guerra isso foi visto como uma das causas principais da guerra, considerando que um conflito entre duas potências quaisquer corria o risco de arrastar os aliados. Pode ser alegado, entretanto, que, como era na época e continua sendo hoje, alianças defensivas como as de então agem como instrumento de dissuasão contra agressões e podem se constituir em fator de estabilidade. A OTAN (Organização do Tratado do Atlântico Norte) e o Pacto de Varsóvia em última análise produziram equilíbrio de forças e preservaram a paz na Europa durante a Guerra Fria. Como disse Grey em tom de aprovação na Câmara dos Comuns, em 1912, as potências estavam divididas em “blocos separados, mas não opostos,” e muitos europeus, entre os quais Poincaré, concordavam com ele. Em suas memórias, escritas depois da Grande Guerra, Grey continuou exaltando o valor das alianças: “Queríamos que a Entente e a Tríplice Aliança da Alemanha convivessem lado a lado, em ambiente amistoso. Era o melhor que se podia fazer.”[82] Enquanto França e Rússia na primeira e Alemanha, Áustria-Hungria e Itália na última tinham assinado os tratados das alianças, a Inglaterra ainda se recusava a fazê-lo a fim de, salientava Grey, manter liberdade de ação. Realmente, em 1911 Arthur Nicolson, então subsecretário permanente do Foreign Office, reclamou que a Inglaterra ainda não se comprometera suficientemente com a Tríplice Entente: “Não creio estarem percebendo que, se pretendemos ajudar na preservação da paz e do statu quo, precisamos assumir nossas responsabilidades e ficar em condições de, em caso de necessidade, de alguma forma proporcionar a nossos amigos e aliados ajuda de natureza material e mais eficiente do que estamos dispostos a fazer presentemente.”[83]

Na verdade, por mais defensivas que as alianças pudessem ser e por mais que a Inglaterra se sentisse livre para seguir seu próprio rumo, ao longo dos anos a divisão da Europa passou a ser considerada fato consumado. Isso se refletia até nas palavras dos estadistas que sempre eram cautelosos em se identificar com muita clareza com um dos lados. Em 1913, Sazonov, que apenas um ano antes dissera ao embaixador alemão em São Petersburgo que se recusava a usar o termo, agora falava em Tríplice Entente. Grey, que compartilhava a relutância de Sazonov, no ano seguinte admitiu que era tão difícil evitar o termo quanto se livrar dos infinitivos. De qualquer modo, argumentava, a Entente convinha à Inglaterra: “As alternativas são uma política de completo isolamento na Europa, ou outra de aliança definida com um dos dois blocos de potências europeias...”[84]

Inevitavelmente as expectativas e os acordos sobre apoio mútuo se acumularam nas duas alianças, e os militares e diplomatas cada vez mais se acostumaram a trabalhar em conjunto. Os parceiros também concluíram que precisavam dar garantias recíprocas ou correr o risco de perder um aliado. Mesmo não tendo interesses vitais nos Balcãs, para a Alemanha ficou cada vez mais difícil deixar de apoiar a Áustria-Hungria nessa região. Para a França, a aliança com a Rússia era crucial para manter seu status de grande potência, embora temesse que, uma vez recuperado todo seu poder, a Rússia novamente deixasse de precisar de seu apoio, o que poderia ocasionar o retorno à aliança mais antiga, com a Alemanha.[85] Isso forçava a França a apoiar os objetivos russos mesmo sentindo que eram perigosos. Aparentemente Poincaré deu à Rússia a impressão de que a França entraria em uma guerra entre Rússia e Áustria--Hungria, mesmo envolvendo a Sérvia. “O ponto essencial,” disse para Izvolsky em Paris, em 1912, “é que tudo deságua no mesmo lugar, isto é, na questão se a Alemanha apoiará ou não a Áustria.”[86] Embora o tratado entre França e Rússia fosse defensivo e só entrasse em vigor se um dos signatários fosse atacado, Poincaré foi além, sugerindo que a França se sentiria na obrigação de entrar na guerra mesmo em caso unicamente de mobilização na Alemanha. Em 1914, as alianças, em vez de agirem como freios para seus membros, muitas vezes pisavam no acelerador.”

[79] McLean, Royalty and Diplomacy, 67-8.

[80] Shatsillo, Ot Portsmutskogo, 272-4; Stevenson, Armaments, 343-9.

[81] Churchill, The World Crisis, vol. I, 178; Grey, Twenty- Five Years, vol. I, 269.

[82] Grey, Twenty-Five Years, vol. I, 195.

[83] Wilson, The Policy of the Entente, 68.

[84] Spring, ‘Russia and the Franco-Russian Alliance,’ 584; Robbins, Sir Edward Grey, 271.

[85] Schmidt, Frankreichs Aussenpolitik, 266-76.

[86] Ibid., 252-3, 258-9.

 

 

O que tornou a divisão da Europa ainda mais perigosa foi a intensificação da corrida armamentista. Embora nenhuma grande potência, com exceção da Itália, tivesse se envolvido em uma guerra entre 1908 e 1914, a soma de suas despesas com defesa subiu em 50%. (Os Estados Unidos também estavam aumentando esses dispêndios, mas em grau muito menor.)[102] Entre 1912 e 1914, as Guerras Balcânicas contribuíram para desencadear nova rodada de despesas à medida que as nações balcânicas e as potências expandiam suas forças armadas, investiam em armas mais perfeiçoadas e em outras novas, como submarinos, metralhadoras e aviões que as maravilhas da ciência e tecnologia da Europa produziam. Entre as grandes potências, Alemanha e Rússia se destacaram. O orçamento de defesa alemão saltou de 88 milhões de libras em 1911 para quase 118 milhões em 1913, enquanto o da Rússia subiu de 74 milhões de libras para quase 111 milhões no mesmo período.[103] Ministros das Finanças e outros membros dos Gabinetes se preocupavam com despesas tão elevadas, que cresciam tão aceleradamente e que não eram sustentáveis, o que acabaria gerando intranquilidade popular. Cada vez mais, porém, sua opinião era descartada por estadistas e generais inquietos, tomados todos de medo crescente de o país ficar para trás num mundo de inimigos empenhados em aumentar suas forças armadas. A inteligência do exército em Viena informou no começo de 1914: “A Grécia está triplicando os gastos com defesa, a Sérvia, dobrando, enquanto Romênia, Bulgária e Montenegro estão igualmente reforçando seus exércitos com despesas significativas.”[104] A Áustria-Hungria reagiu com um novo orçamento para o exército que permitia aumentar seu efetivo (embora muito menos do que Alemanha e Rússia). As leis alemãs para o exército e a marinha, a Lei dos Três Anos francesa, o Grande Programa russo e a crescente despesa naval inglesa eram igualmente reações a ameaças potenciais, mas não vistas dessa forma pelos outros. O que parecia defensivo por uma perspectiva era uma ameaça por outra. Ademais, sempre havia lobbies internos e a imprensa, algumas vezes bancados por industriais, para elevar o fantasma da nação em perigo. Tirpitz, sempre criativo quando se tratava de lutar por mais recursos para sua marinha, apresentou nova justificativa para a nova Lei da Marinha em 1912: a Alemanha não podia desperdiçar os investimentos já realizados. “Sem uma chance adequada de nos defendermos de um ataque inglês, nossa política tem de mostrar sempre que leva em conta a Inglaterra ou todos os sacrifícios que já fizemos seriam em vão.”[105]

Os liberais e a esquerda, como também o movimento pela paz, atacavam a corrida armamentista. Os “mercadores da morte’, naquela época e após a Grande Guerra, foram apontados como um dos principais fatores, talvez o fundamental, para que a catástrofe acontecesse. Foi uma ideia que ganhou ressonância especial nas décadas de 1920 e 1930 nos Estados Unidos, quando cresceu a desilusão sobre a entrada americana na guerra. Em 1934, o senador Gerald Nye, de Dakota do Norte, presidiu uma comissão especial do Senado para investigar o papel dos fabricantes de armas na eclosão da Grande Guerra, prometendo mostrar que “a guerra e seu preparo não são questão de honra e orgulho nacionais, mas mera questão de lucro para uma minoria.” A comissão ouviu dezenas de testemunhas, mas, como era de esperar, nada conseguiu provar. A Grande Guerra não resultou de uma causa isolada, e sim de uma combinação delas, e, por fim, de decisões humanas. O que a corrida armamentista provocou foi a elevação do nível de tensões na Europa e a pressão exercida sobre quem tinha a responsabilidade de decidir para apertar o gatilho antes que o inimigo o fizesse.

Ironicamente, em retrospecto, os decisores daquela época tendiam a ver preparativos militares como fator confiável de dissuasão. Em 1913, o embaixador inglês em Paris teve uma audiência com George V. “Lembro ao Rei que a melhor garantia de paz entre as grandes potências é o medo que têm umas das outras.”[106] Como a dissuasão só funciona se o outro lado achar que você está disposto a usar a força, sempre existe a possibilidade de ir longe demais e começar um conflito acidentalmente – ou de perder a credibilidade não cumprindo uma ameaça. A honra, como as nações diziam então (hoje podemos dizer prestígio) fazia parte desse cálculo. As grandes potências tinham consciência de seu status tanto quanto de seus interesses, e dispor-se a fazer muitas concessões ou parecer tímida poderia ser prejudicial a eles. Os eventos na década anterior a 1914 pareciam mostrar que dissuasão funciona, quer fosse quando Inglaterra e França forçaram a Alemanha a recuar na questão do Marrocos, quer quando a mobilização na Rússia pressionou a Áustria-Hungria a não atacar a Sérvia durante as Guerras Balcânicas. Uma palavra inglesa muito usada naqueles dias entrou para a língua alemã como der Bluff. Mas que fazer quando pagam para ver seu blefe?”

[102] Stevenson, Armaments, 2-9.

[103] Ibid., 4.

[104] Herrmann, The Arming of Europe, 207.

[105] Epkenhans, Tirpitz, versão Kindle, loc. 862.

[106] Kieβling, Gegen den ‘Großen Krieg’?, 67-8.

 

 

“Logo ficou evidente que na verdade os dois lados estavam muito distanciados. Os ingleses queriam o fim da corrida naval; os alemães queriam a garantia de que a Inglaterra permaneceria neutra em qualquer guerra no Continente. Obviamente isso daria à Alemanha liberdade de ação para resolver suas divergências com a Rússia e a França. O máximo que a Alemanha se dispunha a fazer era diminuir o ritmo de construção, desde que tivesse a garantia pedida aos ingleses, enquanto o máximo que estes prometiam era permanecer neutros se a Alemanha fosse atacada e, portanto, fosse a vítima. Wilhelm ficou furioso com o que considerou a insolência britânica: “Devo, como Kaiser, em nome do Império Alemão e na qualidade de comandante em chefe de minhas forças armadas, rejeitar totalmente tal proposta, por julgá-la incompatível com nossa honra.”[120] Embora as negociações prosseguissem depois do retorno de Haldane a Londres, ficou claro que não chegariam a lugar nenhum.[121] Em 12 de março, o Kaiser aprovou a nova lei da marinha depois que a Imperatriz, que odiava radicalmente os ingleses, lhe disse para parar de ser subserviente com a Inglaterra. Tirpitz, que desde o começo se opusera firmemente às negociações, beijou a mão da Imperatriz em nome do povo alemão.[122] Bethmann, que não fora consultado, tentou apresentar sua renúncia, mas Wilhelm aborrecido o acusou de covarde e recusou-se a recebê-lo. Lealmente, Bethmann continuou no cargo. Mais tarde disse com tristeza que teria conseguido um acordo com a Inglaterra, bastando que Wilhelm não ficasse interferindo.[123]”

[120] Cecil, Wilhelm II, 172.

[121] Cecil, Albert Ballin, 182-96.

[122] Hopman, Das ereignisreiche Leben, 209-10.

[123] Cecil, Wilhelm II, 172-3.

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