segunda-feira, 25 de agosto de 2025

Os sertões: campanha de canudos (Parte IV), de Euclides da Cunha

Editora: Clube de Literatura Clássica

ISBN: 978-65-8703-620-5

Opinião: ★★★☆☆

Páginas: 690

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Sinopse: Ver Parte I


“No entanto, a expedição atravessara violentíssima crise. Tivera cerca de mil homens, 947, entre mortos e feridos, e estes, com os caídos nos recontros anteriores, reduziam-na consideravelmente. Impressionavam-na, ademais, os resultados imediatos do acometimento. Três comandantes de brigadas, Carlos Teles, Serra Martins e Antonino Néri, que viera à tarde com a 7.ª, estavam fora de combate. Numa escala ascendente, avultavam baixas de oficiais menos graduados e praças. Alferes e tenentes haviam, com desassombro incrível, malbaratado a vida em toda a linha. De alguns citavam-se, depois, os arrojados lances: Cunha Lima, estudante da Escola Militar de Porto Alegre, que, ferido em pleno peito numa carga de lanceiros, concentrara os últimos alentos no último arremesso da lança caindo, em cheio, sobre o inimigo, feito um dardo; Wanderley, que, precipitando-se a galope pela encosta aspérrima da última colina, fora abatido ao mesmo tempo que o cavalo no topo da escarpa, rolando por ela abaixo em queda prodigiosa, de titã fulminado; e outros, baqueando todos, valentemente – entre vivas retumbantes à República –, haviam dado à refrega um traço singular de heroicidade antiga, revivendo o desprendimento doentio dos místicos lidadores212 da média idade. O paralelo é perfeito. Há nas sociedades retrocessos atávicos notáveis; e entre nós os dias revoltos da República tinham imprimido, sobretudo na mocidade militar, um lirismo patriótico que lhe desequilibrara todo o estado emocional, desvairando-a e arrebatando-a em idealizações de iluminados. A luta pela República, e contra os seus imaginários inimigos, era uma cruzada. Os modernos templários, se não envergavam a armadura debaixo do hábito e não levavam a cruz aberta nos copos da espada, combatiam com a mesma fé inamolgável.213 Os que daquele modo se abatiam à entrada de Canudos tinham todos, sem excetuar um único, colgada214 ao peito esquerdo em medalhas de bronze, a efígie do marechal Floriano Peixoto e, morrendo, saudavam a sua memória – com o mesmo entusiasmo delirante, com a mesma dedicação incoercível e com a mesma aberração fanática com que os jagunços bradavam pelo Bom Jesus misericordioso e milagroso...

Ora, esse entusiasmo febril, à parte as precipitações desastrosas decorrentes, no dia 18 de julho foi a salvação...

Uma tropa exclusivamente robustecida pela disciplina, que se desorganizasse daquela maneira, estaria perdida. Mas os soldados rudes, em cujo ânimo combalido penetravam desalentos e incertezas, imobilizaram-se sob o hipnotismo da coragem pessoal dos chefes, ou dominados pelo prestígio de oficiais que, gravemente feridos, alguns mal sustendo a espada, avançavam em cambaleios para as linhas de fogo – moribundos e desafiando a morte.

Ficaram de algum modo sitiados entre eles e os jagunços.”

212. Lutadores, guerreiros. Os “místicos lidadores” que o autor tem em mente são os cruzados. 213. Inquebrantável. 214. Pendurada, pendente.

 

 

“O jagunço não era afeito à luta regular. Fora até demasia de frase caracterizá-lo inimigo, termo extemporâneo,217 esquisito eufemismo suplantando o “bandido famigerado” da literatura marcial das ordens do dia. O sertanejo defendia o lar invadido, nada mais. Enquanto os que lho ameaçavam permaneciam distantes, rodeava-os de ciladas que lhes tolhessem o passo. Mas, quando eles, ao cabo, lhe bateram às portas e lhas arrombaram a coices de armas, aventou-se-lhe, como único expediente, a resistência a pé firme, afrontando-os face a face, adstrito à preocupação digna da defesa e ao nobre compromisso da desforra. Canudos só seria conquistado casa por casa. Toda a expedição iria despender três meses para a travessia de cem metros, que a separavam da abside218 da igreja nova. E no último dia de sua resistência inconcebível, como bem poucas idênticas na história, os seus últimos defensores, três ou quatro anônimos, três ou quatro magros titãs famintos e andrajosos, iriam queimar os últimos cartuchos em cima de 6 mil homens!”

218. Recinto semicircular ou poligonal, que se encontra na extremidade da nave das igrejas.

 

 

“É que um bom senso sólido, blindado da frieza que o libertava de quaisquer perturbações, fizera que ele apanhasse, de um lance, as exigências reais da luta. Destas – compreendeu-o logo – a menos valiosa era, de certo, a acumulação de um maior número de combatentes no conflito. Estes, penetrando a região conflagrada, agravariam antes o estado dos companheiros, que pretendessem auxiliar, se lá fossem compartir as mesmas provações, reduzir-lhes os recursos escassos no concorrerem à mesma penúria. O que era preciso combater a todo o transe, e vencer, não era o jagunço, era o deserto. Fazia-se imprescindível dar à campanha o que ela ainda não tivera: uma linha e uma base de operações. Terminava-se por onde devia começar-se. E foi essa a empresa impulsionada com sucesso pelo ministro. Atraído durante toda a estadia na Bahia por sem número de questões de pormenores – equipamento dos batalhões que chegavam e acomodações para as turmas incessantes de feridos – o seu espírito superpunha-lhes sempre aquele objetivo capital, condição preponderante, e talvez única, do sério problema a resolver. Venceu-o, por fim, num destruir tenaz de numerosas dificuldades.

Nos últimos dias de agosto organizara-se, afinal, definitivamente, um corpo regular de comboios, atravessando continuamente os caminhos e ligando de modo efetivo, com breves intervalos de dias, o exército em operações a Monte Santo.

Este resultado pressagiava o desenlace próximo da contenda. Porque desde o começo, revelam-no as expedições antecedentes, as causas do insucesso em grande parte repousavam no insulamento em que cegamente se encravaram os expedicionários perdendo-se na região estéril, isolando-se diante do inimigo em espetaculosas diligências policiais, onde não havia rastrear-se os mínimos preceitos da estratégia.

O marechal Bittencourt fez, pelo menos, isto: transmudou um conflito enorme em campanha regular. A que até então se fizera traduzira-se num prodigalizar inútil da bravura, mas o heroísmo e abnegação mais rara não a impulsionaram. Cristalizara num assédio platônico e dúbio, recortado de fuzilarias inúteis, em que se jogava nobre e estupidamente a vida. E este prolongar-se-ia, indeterminado, até que o arraial sinistro absorvesse, um a um, os que o acometiam. Em tal caso a simples substituição dos que ali tombavam – oito a dez por dia – por outros, tornava-se um círculo vicioso crudelíssimo. Além disto, numerosos assaltantes eram uma agravante. Circulariam todo o povoado, trancar-lhe-iam todas as saídas, mas teriam, passados poucos dias, latentes em roda, as linhas do outro cerco intangível e formidável – o deserto recretado, das caatingas, pondo-os nas aperturas crescentes e inelutáveis da fome.

Previu-o o marechal Bittencourt.

Um estrategista superior, atraído pela forma técnica e alta da questão, gizaria rasgos estupendos de tática e não a resolveria. Um lidador brilhante idearia novas arrancadas impetuosas, que esmagassem de vez a rebeldia, e extenuar-se-ia, inútil, a marche-marche pelas caatingas. O marechal Bittencourt, indiferente a tudo isto – impassível dentro da impaciência geral –, organizava comboios e comprava muares...

De feito, aquela campanha cruenta e na verdade dramática só tinha uma solução, e esta singularmente humorística.

Mil burros mansos valiam na emergência por 10 mil heróis. A luta com todo o seu cortejo de combates sangrentos descambava, deploravelmente prosaica, a um plano obscuro.

Dispensava o heroísmo, desdenhava o gênio militar, excluía o arremesso das brigadas, e queria tropeiros e azêmolas.283 Esta maneira de ver implicava com o lirismo patriótico e doía, feito um epigrama284 malévolo da História, mas era a única. Era forçada a intrusão pouco lisonjeira de tais colaboradores em nossos destinos. O mais caluniado dos animais ia assentar, dominadoramente, as patas entaloadas em cima de uma crise, e esmagá-la...

Ademais, somente eles podiam dar às operações a celeridade exigida pelas circunstâncias. É o caso que a guerra só podia delongar-se por mais dois meses, no máximo. Mais três meses seriam – e não havia remover a conclusão inabalável – a derrota, o abandono de quanto se havia feito, a paralisação obrigada.

Ia entrar, em novembro, sobre aquela zona, o regímen torrencial e dele decorreriam consequências insanáveis.

Nos leitos, até então secos, dos regatos, acachoariam rios de águas barrentas, e o Vaza-Barris, intumescido de repente, transmudar-se-ia em onda enorme e dilatada, rolando transbordante, intransponível, cortando todas as comunicações.

Depois, quando as caudais se extinguissem, rápidas – porque o turbilhão das águas, derivando para o S. Francisco e para o mar, se esgota com a mesma celeridade com que se forma – despontariam entraves mais graves. Sob a adustão dos dias ardentíssimos, cada banhado, cada lagoa efêmera, cada caldeirão encovado nas pedras, cada poça de água – é um laboratório infernal, destilando a febre que irradia latente nos germens do impaludismo,285 profusamente disseminados nos ares, ascendendo em número infinito de cada ponto em que bata um raio de sol e descendo sobre as tropas, milhares de organismos em que as fadigas criavam receptividade mórbida funesta.

Era preciso liquidar a pendência antes dessa quadra perigosa, dispondo as coisas para um sítio real e firme determinando a rendição imediata. E, vencido o inimigo que podia ser vencido, recuar incontinente ante o inimigo invencível e eterno – a terra desolada e estéril. Mas para tal era indispensável garantir-se a subsistência do exército que, com os recentes reforços, montaria cerca de 8 mil homens.

Conseguiu-o o ministro da Guerra.”

283. Bestas de carga. 284. Pequeno poema satírico, de linguagem incisiva e mordaz. Por extensão: zombaria. 285. Malária.

 

 

QUEIMADAS: UMA FICÇÃO GEOGRÁFICA. FORA DA PÁTRIA.

Queimadas, povoado desde o começo deste século, mas em plena decadência, fez-se um acampamento ruidoso O casario pobre, desajeitadamente arrumado aos lados da praça irregular, fundamente arado pelos enxurros – um claro no matagal bravio que o rodeia – e, principalmente, a monotonia das chapadas que se desatam em volta, entre os morros desnudos, dão-lhe um ar tristonho completando-lhe o aspecto de vilarejo morto, em franco descambar para tapera em ruínas.

Prendiam-se-lhe, ademais, recordações penosas. Ali tinham parado todas as forças anteriormente envolvidas na luta, no mesmo prolongamento do largo aberto para a caatinga cujos tons pardos e brancacentos, de folhas requeimadas, sugeriam a denominação da vila. Acervos repugnantes de farrapos e molambos; trapos multicores e imundos, de fardamentos velhos; botinas e coturnos acalcanhados; quepes e bonés; cantis estrondados; todos os rebotalhos de caserna, esparsos em área extensa, em que branqueavam restos de fogueiras, delatavam a passagem dos lutadores, que lá armaram as tendas, a partir da expedição Febrônio. Naquele chão batido dos rastros de 10 mil homens, haviam turbilhonado na vozeria dos bivaques3 – paixões, ansiedades, esperanças, desalentos indescritíveis.

Transposta acessível ondulação, via-se, recortando o cerrado dos arbustos, um sulco largo de roçada, retilíneo e longo, que um alvo extremava – a linha de tiro, onde se exercitara a divisão Artur Oscar. Perto, ao lado, a capela exígua e baixa, como um barracão murado. E nas suas paredes, cabriolando4 doudamente, a caligrafia manca e a literatura bronca do soldado. Todos os batalhões haviam colaborado nas mesmas páginas, escarificando-as a ponta de sabre ou tisnando-as a carvão, no gravarem as impressões do momento. Eram páginas demoníacas aqueles muros sacrossantos: períodos curtos, incisivos, arrepiadores; blasfêmias fulminantes; imprecações, e brados, e vivas calorosos, rajavam-nas em todo o sentido, profanando-as, mascarando-as, em caracteres negros espetados em pontos de admiração, compridos como lanças.

Dali para baixo, no descair de insensível descida, uma vereda estreita e mal afamada – a estrada de Monte Santo, por onde tinham abalado, esperançosas, três expedições sucessivas, e de onde chegavam, agora, sucessivamente, bandos miserandos de foragidos. Vadeado o Jacurici, volvendo águas rasas e mansas, ela enfiava, inflexa, pelas chapadas fora, ladeada, em começo, por uma outra que demarcavam os postes da linha telegráfica recentemente estabelecida.

A linha férrea corre no lado oposto. Aquele liame do progresso passa, porém, por ali, inútil, sem atenuar sequer o caráter genuinamente roceiro do arraial. Salta-se do trem; transpõe-se poucas centenas de metros entre casas deprimidas; e topa-se para logo, à fímbria da praça – o sertão...

Está-se no ponto de tangência de duas sociedades, de todo alheias uma à outra. O vaqueiro encourado emerge da caatinga, rompe entre a casaria desgraciosa, e estaca o campião junto aos trilhos, em que passam, vertiginosamente, os patrícios do litoral, que o não conhecem.

Os novos expedicionários ao atingirem-no perceberam esta transição violenta. Discordância absoluta e radical entre as cidades da costa e as malocas de telha do interior, que desequilibra tanto o ritmo de nosso desenvolvimento evolutivo e perturba a unidade nacional. Viam-se em terra estranha. Outros hábitos. Outros quadros. Outra gente. Outra língua mesmo, articulada em gíria original e pinturesca. Invadia-os o sentimento exato de seguirem para uma guerra externa. Sentiam-se fora do Brasil. A separação social completa dilatava a distância geográfica; criava a sensação nostálgica de longo afastamento da pátria.

Além disto, a missão que ali os conduzia frisava, mais fundo, o antagonismo. O inimigo lá estava, para leste e para o norte, homiziado nos sem-fins das chapadas, e no extremo delas, ao longe, se desenrolava um drama formidável...

Convinha-se em que era terrivelmente paradoxal uma pátria que os filhos procuravam armados até os dentes, em som de guerra, despedaçando as suas entranhas a disparos de Krupps, desconhecendo-a de todo, nunca a tendo visto, surpreendidos ante a própria forma da terra árida, e revolta, e brutal, esvurmando espinheiros, tumultuando em pedregais, esboroando em montanhas derruídas, escanceladas em grotões, ondeando em tabuleiros secos, estirando-se em planuras nuas, de estepes...

O que ia fazer-se era o que haviam feito as tropas anteriores – uma invasão – em território estrangeiro. Tudo aquilo era uma ficção geográfica. A realidade, tangível, enquadrada por todos os sucessos, ressaltando à observação mais simples, era aquela. Os novos campeadores sentiam-na dominadoramente. E como aquele povo desconhecido de matutos lhes devolvia, dia a dia, mutilados e abatidos, os companheiros que meses antes tinham avançado robustos e altaneiros, não havia ânimo varonil que atentasse impassível para as bandas do sertão misterioso e agro...”

1. Entortados com o andar, gastos. 2. Estourados, arrebentados. 3. Acampamentos provisórios, a céu aberto. 4. Volteando, ondulando.

 

 

“(Antônio Conselheiro) Estava rígido e frio, tendo aconchegado do peito um crucifixo de prata.

Ora, este acontecimento – capital na história da campanha – e de que parecia dever decorrer o seu termo imediato, contra o que era de esperar aviventou a insurreição. É que, gizada talvez pelo espírito astucioso de algum cabecilha, que prefigurara as consequências desastrosas do fato, ou, o que se pode também acreditar, nascida espontaneamente da hipnose coletiva, logo que a beataria impressionada notou a falta do apóstolo, embora este nos últimos tempos aparecesse raras vezes – se divulgou extraordinária notícia.

Relataram-na depois, ingenuamente, os vencidos:

Antônio Conselheiro seguira em viagem para o céu. Ao ver mortos os seus principais ajudantes e maior o número de soldados, resolvera dirigir-se diretamente à Providência. O fantástico embaixador estava àquela hora junto de Deus. Deixara tudo prevenido. Assim é que os soldados, ainda quando caíssem nas maiores aperturas, não podiam sair do lugar em que se achavam. Nem mesmo para se irem embora, como das outras vezes. Estavam chumbados às trincheiras. Fazia-se mister que ali permanecessem para a expiação suprema, no próprio local dos seus crimes. Porque o profeta volveria em breve, entre milhões de arcanjos, descendo – gládios71 flamívomos coruscando na altura – numa revoada olímpica, caindo sobre os sitiantes, fulminando-os e começando o Dia do Juízo...”

71. Espadas.

 

 

“A degolação era, por isto, infinitamente mais prática, dizia-se nuamente. Aquilo não era uma campanha, era uma charqueada.50 Não era a ação severa das leis, era a vingança. Dente por dente. Naqueles ares pairava ainda, a poeira de Moreira César, queimado; devia-se queimar. Adiante, o arcabouço decapitado de Tamarindo; devia-se degolar. A repressão tinha dois polos – o incêndio e a faca.

Justificavam-se: o coronel Carlos Teles poupara certa vez um sertanejo prisioneiro. A ferocidade dos sicários51 retraíra-se diante da alma generosa de um herói...

Mas este pagara o deslize imperdoável de ser bom. O jagunço, que salvara, conseguira fugir e dera-lhe o tiro que o removera do teatro da luta. Acreditava-se nestas coisas. Inventavam-nas. Eram antecipados recursos absolutórios. Exageravam-se, calculadamente, outras: os martírios dos amigos trucidados, caídos nas tocaias traiçoeiras, ludibriados depois de cadáveres e postos como espantalhos à orla dos caminhos...A selvageria impiedosa amparava-se à piedade pelos companheiros mortos. Vestia o luto chinês da púrpura52 e, lavada em lágrimas, lavava-se em sangue.

Ademais, não havia temer-se o juízo tremendo do futuro. A História não iria até ali.

Afeiçoara-se a ver a fisionomia temerosa dos povos na ruinaria majestosa das cidades vastas, na imponência soberana dos coliseus ciclópicos, nas gloriosas chacinas das batalhas clássicas e na selvatiqueza épica das grandes invasões. Nada tinha que ver naquele matadouro.

O sertão é o homizio.53 Quem lhe rompe as trilhas, ao divisar à beira da estrada a cruz sobre a cova do assassinado, não indaga do crime. Tira o chapéu, e passa.

E lá não chegaria, certo, a correção dos poderes constituídos. O atentado era público. Conhecia-o, em Monte Santo, o principal representante do governo, e silenciara. Coonestara-o54 com a indiferença culposa. Desse modo a consciência da impunidade, do mesmo passo fortalecida pelo anonimato da culpa e pela cumplicidade tácita dos únicos que podiam reprimi-la, amalgamou-se a todos os rancores acumulados, e arrojou, armada até aos dentes, em cima da mísera sociedade sertaneja, a multidão criminosa e paga para matar.

Canudos tinha muito apropriadamente, em roda, uma cercadura de montanhas. Era um parêntesis; era um hiato. Era um vácuo. Não existia. Transposto aquele cordão de serras, ninguém mais pecava.55

Realizava-se um recuo prodigioso no tempo; um resvalar estonteador por alguns séculos abaixo.

Descidas as vertentes, em que se entalava aquela furna enorme, podia representar-se lá dentro, obscuramente, um drama sanguinolento da idade das cavernas. O cenário era sugestivo. Os atores, de um e de outro lado, negros, caboclos, brancos e amarelos, traziam, intacta, nas faces, a caracterização indelével e multiforme das raças – e só podiam unificar-se sobre a base comum dos instintos inferiores e maus.

A animalidade primitiva, lentamente expungida pela civilização, ressurgiu, inteiriça. Desforrava-se afinal. Encontrou nas mãos, ao invés do machado de diorito e do arpão de osso, a espada e a carabina. Mas a faca relembrava-lhe melhor o antigo punhal de sílex lascado. Vibrou-a. Nada tinha a temer. Nem mesmo o juízo remoto do futuro.

Mas que entre os deslumbramentos do futuro caia, implacável e revolta; sem altitude, porque a deprime o assunto; brutalmente violenta, porque é um grito de protesto; sombria, porque reflete uma nódoa – esta página sem brilhos...”

50. Abatedouro (onde se abatem os bois se prepara o charque). 51. Assassinos de aluguel. 52. Porque, tradicionalmente, a cor do luto na China era o vermelho, e não o preto. A púpura aqui refere-se ao sangue. 53. Abrigo de criminosos. 54. Legitimara-o. 55. Paráfrase da já mencionada expressao de Gaspar Baléu, ultra aequinoctalien non peccari.

 

 

“Por toda a banda realizavam-se idênticos arremessos e idênticos recuos. O último estortegar111 dos vencidos quebrava a musculatura de ferro das brigadas.

Entretanto, pouco antes de nove horas, alentou-as a ilusão arrebatadora da vitória. Ao avançar um dos batalhões de reforço, um cadete do 7.° cravara nas junturas das paredes estaladas da igreja a bandeira nacional. Ressoaram dezenas de cornetas e um viva à República saltou, retumbando, de milhares de peitos. Surpreendidos com o inopinado da manifestação, os sertanejos amorteceram e cessaram o tiroteio. E a praça, pela primeira vez, desbordou de combatentes. Muitos espectadores desceram, rápidos, as encostas. Desceram os três generais. Ao passarem pela baixada da linha negra, viram às encontroadas entre quatro praças, dois jagunços presos. Adiante e aos lados – agitando os chapéus, agitando as espadas e as espingardas, cruzando-se, correndo, esbarrando-se, abraçando-se, torvelinhando pelo largo – combatentes de todos os postos em delírios de brados e ovações estrepitosas.

Terminara afinal a luta crudelíssima...

Mas os generais seguiam com dificuldades, rompendo pela massa tumultuária e ruidosa, na direção da latada, quando, ao atingirem grande depósito de cal que a defrontava, perceberam surpreendidos, sobre as cabeças, zimbrando112 rijamente os ares, as balas...

O combate continuava. Esvaziou-se, de repente, a praça.

Foi uma vassourada.

E volvendo de improviso às trincheiras, volvendo em corridas para os pontos abrigados, agachados em todos os anteparos, esgueirando-se cosidos às barrancas protetoras do rio, retransidos de espanto, tragando amargos desapontamentos, singularmente menoscabados na iminência do triunfo, chasqueados113 em pleno agonizar dos vencidos – os triunfadores, aqueles triunfadores, os mais originais entre todos os triunfadores memorados pela História, compreenderam que naquele andar acabaria por devorá-los, um a um, o último reduto combatido. Não lhes bastavam 6 mil mannlichers e 6 mil sabres; e o golpear de 12 mil braços, e o acalcanhar de 12 mil coturnos; e 6 mil revólveres; e vinte canhões, e milhares de granadas, e milhares de schrapnels; e os degolamentos, e os incêndios, e a fome, e a sede; e dez meses de combates, e cem dias de canhoneio contínuo; e o esmagamento das ruínas; e o quadro indefinível dos templos derrocados; e, por fim, na ciscalhagem das imagens rotas, dos altares abatidos, dos santos em pedaços – sob a impassibilidade dos céus tranquilos e claros – a queda de um ideal ardente, a extinção absoluta de uma crença consoladora e forte...

Impunham-se outras medidas. Ao adversário irresignável as forças máximas da natureza, engenhadas à destruição e aos estragos. Tinham-nas, previdentes. Havia-se previsto aquele epílogo assombroso do drama. Um tenente, ajudante de ordens do comandante geral, fez conduzir do acampamento dezenas de bombas de dinamite. Era justo; era absolutamente imprescindível. Os sertanejos invertiam toda a psicologia da guerra: enrijavam-nos os reveses, robustecia-os a fome, empedernia-os a derrota.

Ademais entalhava-se o cerne de uma nacionalidade.

Atacava-se a fundo a rocha viva da nossa raça. Vinha de molde a dinamite. Era uma consagração.

Cessaram as fuzilarias; e desceu sobre todas as linhas um grande silencio de expectativa ansiosa... Logo depois correu um frêmito pela cercadura do sítio; espraiou-se pela periferia dilatada; passou, vibrátil, pelo acampamento; passou, num súbito estremeção, pelas baterias dos morros; e avassalou a redondeza, num trêmulo vibrante de curvas sismais114 cruzando-se pelo solo. Tombaram os dentilhões despegados das igrejas; desaprumaram-se paredes, caindo; voaram tetos e tetos; tufou um cumulus de poeira espessando a afumadura dos ares; e, dentre centenares de exclamações irreprimidas, de espanto, retumbou a atroada de explosões fortíssimas. Parecia tudo acabado. O último trecho de Canudos arrebentava todo.

Os batalhões, embolados pelos becos, fora da zona mortífera das traves e cumeeiras que zuniam, em estilhas, sulcando para toda a banda o espaço, aguardavam que se diluísse aquele bulcão115 de chamas e pó, para o derradeiro acontecimento.

Mas não o executaram. Houve ao contrário um recuo repentino. Batidos de descargas que não se compreendia como e eram feitas daqueles braseiros e entulhos, os assaltantes acobertaram-se em todas as esquinas, esgueiraram-se pelas abas dos casebres e pularam, na maioria, para trás dos entrincheiramentos.

Adiante atordoava-os assonância indescritível de gritos, lamentos, choros e imprecações, refletindo do mesmo passo o espanto, a dor, o exaspero e a cólera da multidão turturada que rugia e chorava. Via-se indistinto entre lumaréus116 um convulsivo pervagar de sombras: mulheres fugindo dos habitáculos em fogo, carregando ou arrastando crianças e entranhando-se, às carreiras, no mais fundo do casario; vultos desorientados, fugindo ao acaso para toda a banda; vultos escabujando por terra, vestes presas das chamas, ardendo; corpos esturrados, estorcidos, sob fumarentos... E, dominantes, sobre este cenário estupendo,117 esparsos, sem cuidarem de ocultar-se, saltando sobre os braseiros e aprumando-se sobre os colmos ainda erguidos, os últimos defensores do arraial. Ouviam-se as suas apóstrofes rudes, distinguiam-se vagamente os seus perfis revoluteando por dentro da fumarada; e por toda a parte, salteadamente, a dois passos das linhas de fogo, aparecendo improvisas fisionomias sinistras, laivadas118 de mascarras,119 bustos desnudos chamuscados, escoriados, embatendo-as, em assaltos temerários e doudos...

Vinham matar os adversários sobre as próprias trincheiras. Estes esmoreciam. Verificaram a inanidade do bombardeio, das cargas repetidas e do recurso extremo da dinamite. Desanimavam. Perderam a unidade de ação e do comando. Os toques das cornetas contrabatiam-se, discordes, interferentes nos ares, sem que ninguém os entendesse. Não havia obedecê-los, variando as condições táticas a cada minuto e a cada passo. As seções de uma mesma companhia avançavam, recuavam ou imobilizavam-se; subdividiam-se em todas as esquinas; misturavam-se com as de outros corpos; embatiam com as casas ou contornavam-nas, ou dispersavam-se aliando-se a outros grupos e reeditando, dados alguns passos, as mesmas avançadas e os mesmos recuos, e a mesma dispersão. De sorte que, por fim, se agitavam em bandos desorientados, em que se amalgamavam praças de todos os batalhões.

Aproveitando este tumulto, os jagunços fuzilaram-nos a salvo e sem piedade. A breve trecho os combatentes, que não tinham o anteparo dos espaldões, acumularam-se às abas das vivendas ainda intactas, ou alongaram-se, distanciados, pelos becos da parte conquistada – evitando a zona perigosa. Esta, porém, alastrava-se. Baqueavam combatentes para além das trincheiras; caíam inteiramente fora da órbita flamejante do combate e, como nos maus dias da primeira semana do assédio, a mínima imprevidência e o mais rápido afastamento daqueles abrigos frágeis eram uma temeridade.

O capitão-secretário do comando da 2.ª coluna, Aguiar e Silva, quando lhe passava por perto um pelotão em marcha, retirou-se por um instante do cunhal que o acobertava e, para animar o ataque, tirou entusiasticamente o chapéu, levantando um viva à República. Mas não pronunciou as últimas sílabas. Varou-o uma bala, em pleno peito, derrubando-o.

O comandante do 25.°, major Henrique Severino, teve idêntico destino. Era uma alma belíssima, de valente. Viu em plena refrega uma criança a debater-se entre as chamas. Afrontou-se com o incêndio. Tomou-a nos braços; aconchegou-a do peito – criando com um belo gesto carinhoso o único traço de heroísmo que houve naquela jornada feroz – e salvou-a.

Mas expusera-se. Baqueou, malferido, falecendo poucas horas depois.

E assim por diante. O combate transformara-se em tortura inaturável para os dous antagonistas.”

111. Contorção de dor. 112. Açoitando. 113. Zombados. 114. O mesmo que “sísmicas”. 115. Nuvem espessa. 116. Madeira em chamas. 117. Assombroso, monstruoso. 118. Sujas, manchadas. 119. Fuligem.

 

 

“A entrada dos prisioneiros foi comovedora. Vinha solene, na frente o Beatinho, teso o torso desfibrado, olhos presos no chão, o com o passo cadente e tardo exercitado desde muito nas lentas procissões que compartira. O longo cajado oscilava-lhe à mão direita, isocronamente, feito enorme batuta, compassando a marcha verdadeiramente fúnebre. A um de fundo, a fila extensa, tracejando ondulada curva pelo pendor da colina, seguia na direção do acampamento, passando ao lado do quartel da primeira coluna e acumulando-se, cem metros adiante, em repugnante congérie de corpos repulsivos em andrajos.

Os combatentes contemplavam-nos entristecidos. Surpreendiam-se; comoviam-se. O arraial, in extremis, punha-lhes adiante, naquele armistício transitório, uma legião desarmada, mutilada, faminta e claudicante, num assalto mais duro que o das trincheiras em fogo. Custava-lhes admitir que toda aquela gente inútil e frágil saísse tão numerosa ainda dos casebres bombardeados durante três meses. Contemplando-lhes os rostos baços, os arcabouços esmirrados e sujos, cujos mulambos em tiras não encobriam lanhos, escaras e escalavros – a vitória tão longamente apetecida decaía de súbito. Repugnava aquele triunfo. Envergonhava. Era, com efeito, contraproducente compensação a tão luxuosos gastos de combates, de reveses e de milhares de vidas, o apresamento daquela caqueirada humana – do mesmo passo angulhenta e sinistra, entre trágica e imunda, passando-lhes pelos olhos, num longo enxurro de carcaças e molambos...

Nem um rosto viril, nem um braço capaz de suspender uma arma, nem um peito resfolegante de campeador domado: mulheres, sem número de mulheres, velhas espectrais, moças envelhecidas, velhas e moças indistintas na mesma fealdade, escaveiradas e sujas, filhos escanchados nos quadris desnalgados, filhos encarapitados às costas, filhos suspensos aos peitos murchos, filhos afastados pelos braços, passando; crianças, sem número de crianças; velhos, sem número de velhos; raros homens, enfermos opilados, faces túmídas e mortas, de cera, bustos dobrados, andar cambaleante.

Pormenorizava-se. Um velho absolutamente alquebrado, soerguindo por alguns companheiros, perturbava o cortejo. Vinha contrafeito. Forçava por se livrar e volver atrás os passos. Voltava-se, braços trêmulos e agitados, para o arraial onde deixara certo os filhos robustos, na última refrega. E chorava. Era o único que chorava. Os demais prosseguiam impassíveis. Rígidos anciãos, aquele desfecho cruento, culminando-lhes a velhice, era um episódio somenos entre os transes da vida nos sertões. Alguns respeitosamente se desbarretavam ao passarem pelos grupos de curiosos. Destacou-se, por momentos, um. Octogenário, não se lhe dobrava o tronco. Marchava devagar e de quando em quando parava. Considerava por instantes a igreja e reatava a marcha; para estacar outra vez, dados alguns passos, voltar-se lançando novo olhar ao templo em ruínas e prosseguir, intermitentemente, à medida que se escoavam pelos seus dedos as contas de um rosário. Rezava. Era um crente. Aguardava talvez ainda o grande milagre prometido...

Alguns enfermos graves vinham carregados. Caídos logo aos primeiros passos, passavam, suspensos pelas pernas e pelos braços, entre quatro praças. Não gemiam, não estortegavam; lá se iam imóveis e mudos, olhos muito abertos e muito fixos, feito mortos. Aos lados, desorientadamente, procurando os pais que ali estavam entre os bandos ou lá embaixo mortos, adolescentes franzinos, chorando, clamando, correndo. Os menores vinham às costas dos soldados agarrados às grenhas despenteadas há três meses daqueles valentes que havia meia hora ainda jogavam a vida nas trincheiras e ali estavam, agora, resolvendo desastradamente, canhestras amas-secas, o problema difícil de carregar uma criança. Uma megera assustadora, bruxa rebarbativa e magra – a velha mais hedionda talvez destes sertões – a única que alevantava a cabeça espalhando sobre os espectadores, como faúlhas, olhares ameaçadores; e nervosa e agitante, ágil apesar da idade, tendo sobre as espáduas de todo despidas, emaranhados, os cabelos brancos e cheios de terra – rompia, em andar sacudido, pelos grupos miserandos, atraindo a atenção geral. Tinha nos braços finos uma menina, neta, bisneta, tataraneta talvez. E essa criança horrorizava. A sua face esquerda fora arrancada, havia tempos, por um estilhaço de granada; de sorte que os ossos dos maxilares se destacavam alvíssimos, entre os bordos vermelhos da ferida já cicatrizada... A face direita sorria. E era apavorante aquele riso incompleto e dolorosíssimo aformoseando uma face e extinguindo-se repentinamente na outra, no vácuo de um gilvaz.133

125. A intervalos iguais. 126. Cortes. 127. Crostas de ferimentos. 128. Arranhões. 129. Quadris muito estreitos e magros. 130. Que sofre de opilação (espécie de verminose); amarelados, inchados. 131. Sangrento. 132. Descobriam a cabeça, em sinal de respeito. 133. Ferimento na face.

 

 

“Não há relatar o que houve a 3 e a 4.

A luta, que viera perdendo dia a dia o caráter militar, degenerou, ao cabo, inteiramente. Foram-se os últimos traços de um formalismo inútil: deliberações de comando, movimentos combinados, distribuições de forças, os mesmos toques de cornetas, e por fim a própria hierarquia, já materialmente extinta num exército sem distintivos e sem fardas.

Sabia-se de uma coisa única: os jagunços não poderiam resistir por muitas horas. Alguns soldados se haviam abeirado do último reduto e colhido de um lance a situação dos adversários. Era incrível: numa cava quadrangular, de pouco mais de metro de fundo, ao lado da igreja nova, uns vinte lutadores, esfomeados e rotos, medonhos de ver-se, predispunham-se a um suicídio formidável. Chamou-se aquilo o “hospital de sangue” dos jagunços. Era um túmulo. De feito, lá estavam, em maior número, os mortos, alguns de muitos dias já, enfileirados ao longo das quatro bordas da escavação e formando o quadrado assombroso dentro do qual uma dúzia de moribundos, vidas concentradas na última contração dos dedos nos gatilhos das espingardas, combatiam contra um exército.

E lutavam com relativa vantagem ainda.

Pelos menos fizeram parar os adversários. Destes os que mais se aproximaram lá ficaram, aumentando a trincheira sinistra de corpos esmigalhados e sangrentos. Viam-se, salpintando o acervo de cadáveres andrajosos dos jagunços, listras vermelhas de fardas e entre elas as divisas do sargento-ajudante do 39.°, que lá entrara, baqueando logo. Outros tiveram igual destino. Tinham a ilusão do último recontro feliz e fácil: romperam pelos últimos casebres envolventes, caindo de chofre sobre os titãs combalidos, fulminando-os, esmagando-os...

Mas eram terríveis lances, obscuros para todo o sempre. Raro tornavam os que os faziam. Aprumavam-se sobre o fosso e sopeava-lhes o arrojo o horror de um quadro onde a realidade tangível de uma trincheira de mortos, argamassada de sangue e esvurmando pus, vencia todos os exageros da idealização mais ousada. E salteava-os a atonia do assombro...

Fechemos este livro.

Canudos não se rendeu. Exemplo único em toda a história, resistiu até ao esgotamento completo. Expugnado palmo a palmo, na precisão integral do termo, caiu no dia 5, ao entardecer, quando caíram os seus últimos defensores, que todos morreram. Eram quatro apenas: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente 5 mil soldados.

Forremo-nos à tarefa de descrever os seus últimos momentos. Nem poderíamos fazê-lo. Esta página, imaginamo-la sempre profundamente emocionante e trágica; mas cerramo-la vacilante e sem brilhos.

Vimos como quem vinga uma montanha altíssima. No alto, a par de uma perspectiva maior, a vertigem...

Ademais, não desafiaria a incredulidade do futuro a narrativa de pormenores em que se amostrassem mulheres precipitando-se nas fogueiras dos próprios lares, abraçadas aos filhos pequeninos...”

Os sertões: campanha de canudos (Parte III), de Euclides da Cunha

Editora: Clube de Literatura Clássica

ISBN: 978-65-8703-620-5

Opinião: ★★★☆☆

Páginas: 690

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Sinopse: Ver Parte I

 

A GUERRA DAS CAATINGAS

Os doutores na arte de matar que hoje, na Europa, invadem escandalosamente a ciência, perturbando-lhe o remanso com um retinir de esporas insolentes — e formulam leis para a guerra, pondo em equação as batalhas, têm definido bem o papel das florestas como agente tático precioso, de ofensiva ou defensiva. E ririam os sábios feldmarechais78 — guerreiros de cujas mãos caiu o franquisque79 heroico trocado pelo lápis calculista — se ouvissem a alguém que às caatingas pobres cabe função mais definida e grave que às grandes matas virgens.

Porque estas, malgrado a sua importância para a defesa do território — orlando as fronteiras e quebrando o embate às invasões, impedindo mobilizações rápidas e impossibilitando a translação das artilharias — se tornam de algum modo neutras no curso das campanhas. Podem favorecer, indiferentemente, aos dois beligerantes oferecendo a ambos a mesma penumbra às emboscadas, dificultando-lhes por igual as manobras ou todos os desdobramentos em que a estratégia desencadeia os exércitos. São uma variável nas fórmulas do problema tenebroso da guerra, capaz dos mais opostos valores.

Ao passo que as caatingas são um aliado incorruptível do sertanejo em revolta. Entram também de certo modo na luta. Armam-se para o combate; agridem. Trançam-se, impenetráveis, ante o forasteiro, mas abrem-se em trilhas multívias, para o matuto que ali nasceu e cresceu.

E o jagunço faz-se o guerrilheiro-tugue80, intangível...

As caatingas não o escondem apenas, amparam-no.

Ao avistá-las, no verão, uma coluna em marcha não se surpreende. Segue pelos caminhos em torcicolos, aforradamente.81 E os soldados, devassando com as vistas o matagal sem folhas, nem pensam no inimigo. Reagindo à canícula e com o desalinho natural às marchas, prosseguem envoltos no vozear confuso das conversas travadas em toda a linha, virguladas de tinidos de armas, cindidas de risos joviais mal sofreados.

É que nada pode assustá-los. Certo82, se os adversários imprudentes com eles se afrontarem, serão varridos em momentos. Aqueles esgalhos far-se-ão em estilhas a um breve choque de espadas e não é crível que os gravetos finos quebrem o arranco das manobras prontas. E lá se vão, marchando, tranquilamente heróicos...

De repente, pelos seus flancos, estoura, perto, um tiro...

A bala passa, rechinante,83 ou estende, morto, em terra, um homem. Sucedem-se, pausadas, outras, passando sobre as tropas, em sibilos longos. Cem, duzentos olhos, mil olhos perscrutadores, volvem-se, impacientes, em roda. Nada veem.

Há a primeira surpresa. Um fluxo de espanto corre de uma a outra ponta das fileiras.

E os tiros continuam raros, mas insistentes e compassados, pela esquerda, pela direita, pela frente agora, irrompendo de toda a banda.

Então estranha ansiedade invade os mais provados valentes, ante o antagonista que vê e não é visto. Forma-se celeremente em atiradores uma companhia, mal destacada da massa de batalhões constritos na vareda estreita. Distende-se pela orla da caatinga. Ouve-se uma voz de comando; e um turbilhão de balas rola estrugidoramente dentro das galhadas...

Mas constantes, longamente intervalados sempre, zunem os projéteis dos atiradores invisíveis batendo em cheio nas fileiras.

A situação rapidamente engravesce, exigindo resoluções enérgicas. Destacam-se outras unidades combatentes, escalonando-se por toda a extensão do caminho, prontas à primeira voz; — e o comandante resolve carregar contra o desconhecido. Carrega-se contra os duendes. A força, de baionetas caladas, rompe, impetuosa, o matagal numa expansão irradiante de cargas. Avança com rapidez. Os adversários parecem recuar apenas. Nesse momento surge o antagonismo formidável da caatinga.

As seções precipitam-se para os pontos onde estalam os estampidos e estacam ante uma barreira flexível, mas impenetrável, de juremas. Enredam-se no cipoal que as agrilhoa, que Ihes arrebata das mãos as armas, e não vingam84 transpô-lo. Contornam-no. Volvem aos lados. Vê-se um como rastilho de queimada: uma linha de baionetas enfiando pelos gravetos secos. Lampeja por momentos entre os raios do sol joeirados pelas árvores sem folhas; e parte-se, faiscando, adiante, dispersa, batendo contra espessos renques de xiquexiques, unidos como quadrados cheios, de falanges, intransponíveis, fervilhando espinhos...

Circuitam-nos, estonteadamente, os soldados. Espalham-se, correm à toa, num labirinto de galhos. Caem, presos pelos laços corredios dos quipás reptantes; ou estacam, pernas imobilizadas por fortíssimos tentáculos. Debatem-se desesperadamente até deixarem em pedaços as fardas, entre as garras felinas de acúleos85 recurvos das macambiras...

Impotentes estadeiam, imprecando, o desapontamento e a raiva, agitando-se furiosos e inúteis. Por fim a ordem dispersa do combate faz-se a dispersão do tumulto. Atiram a esmo, sem pontaria, numa indisciplina de fogo que vitima os próprios companheiros. Seguem reforços. Os mesmos transes reproduzem-se maiores, acrescidas a confusão e a desordem; — enquanto em torno, circulando-os, rítmicos, fulminantes, seguros, terríveis, bem apontados, caem inflexivelmente os projetis do adversário.

De repente cessam. Desaparece o inimigo que ninguém viu.

As seções voltam desfalcadas para a coluna, depois de inúteis pesquisas nas macegas. E voltam como se saíssem de recontro braço a braço, com selvagens: vestes em tiras; armas estrondadas ou perdidas; golpeados de gilvazes;86 claudicando, estropiados; mal reprimindo o doer infernal das folhas urticantes; frechados de espinhos...

Reorganiza-se a tropa. Renova-se a marcha. A coluna estirada a dois de fundo87 deriva pelas veredas em fora, estampando no cinzento da paisagem o traço vigoroso das fardas azuis listradas de vermelho e o coruscar intenso das baionetas ondulantes. Alonga-se; afasta-se; desaparece.

Passam-se minutos. No lugar da refrega, então, surgem, dentre moitas esparsas, cinco, dez, vinte homens no máximo. Deslizam, rápidos, em silêncio, entre os arbúsculos secos...

Agrupam-se na estrada. Consideram por momentos a tropa, indistinta, ao longe; e, sopesando as espingardas ainda aquecidas, tomam precípites pelas veredas dos pousos ignorados.

A força vai prosseguindo mais cautelosa agora.

Subjugam o ânimo dos combatentes, caminhando em silêncio, o império angustioso do inimigo impalpável e a expectativa torturante dos assaltos imprevistos. O comandante rodeia-os de melhores resguardos: ladeiam-nos companhias dispersas, pelos flancos: duzentos metros na frente, além da vanguarda, norteia-os um esquadrão de praças escolhidas.

No descair de encosta agreste, porém, escancela-se88 um sulco de quebrada que é preciso transpor. Felizmente as barrancas, esterilizadas dos enxurros, estão limpas: escassos restolhos89 de gramíneas; cactos esguios avultando raros, entre blocos em monte; ramalhos mortos de umbuzeiros alvejando na estonadura90 da seca...

Desce por ali a guarda da frente. Seguem-se-lhe os primeiros batalhões. Escoam-se, vagarosas, as brigadas pela ladeira agreste. Embaixo, coleando91 nas voltas do vale estreito já está toda a vanguarda, armas fulgurantes, feridas pelo sol, feito uma torrente escura transudando92 raios...

E um estremecimento, choque convulsivo e irreprimível, fá-la estacar de súbito.

Passa, ressoando, uma bala.

Desta vez os tiros partem, lentos, de um só ponto, do alto, parecendo feitos por um atirador único.

A disciplina contém as fileiras; debela o pânico emergente; e, como anteriormente, uma seção se destaca e vai, encosta acima, rastreando a direção dos estampidos. O torvelinho dos ecos numerosos, porém, torna aquela variável; e os tiros não revelados, porque o fumo não se condensa naqueles ares ardentes, continuam lentos, assustadores, seguros.

Afinal cessam. Soldados esparsos pelos pendores pesquisam-nos inutilmente.

Volvem exaustos. Vibram os clarins. A tropa renova a marcha com algumas praças de menos. E quando as últimas armas desaparecem, ao longe, na última ondulação do solo, desenterra-se de montões de blocos — feito uma cariátide sinistra em ruínas ciclópicas93 — um rosto bronzeado e duro; depois um torso de atleta, encourado e rude; e transpondo velozmente as ladeiras vivas desaparece, em momentos, o trágico caçador de brigadas...

Estas seguem desenfluídas94 de todo. Daí por diante velhos lutadores têm pavores de crianças. Há estremecimentos em cada volta do caminho, a cada estalido seco nas macegas. O exército sente na própria força a própria fraqueza.

Sem plasticidade segue numa exaustão contínua pelos ermos, atormentado no golpear das ciladas, lentamente sangrado pelo inimigo, que o assombra e que foge.

A luta é desigual. A força militar decai a um plano interior Batem-na o homem e a terra. E quando o sertão estua nos bochornos dos estios longos não é difícil prever a quem cabe a vitória. Enquanto o minotauro, impotente e possante, inerme com a sua envergadura de aço e grifos95 de baionetas, sente a garganta exsicar-se-lhe de sede e, aos primeiros sintomas da fome, reflui à retaguarda, fugindo ante o deserto ameaçador e estéril, aquela flora agressiva abre ao sertanejo um seio carinhoso e amigo.

Então — nas quadras indecisas entre a seca e o verde, quando se topam os últimos fios de água no lodo das ipueiras e as últimas folhas amarelecidas nas ramas das baraúnas, e o forasteiro se assusta e foge ante o flagelo iminente, aquele segue feliz nas travessias longas, pelos desvios das veredas, firme na rota como quem conhece a palmo todos os recantos do imenso lar sem teto. Nem lhe importa que a jornada se alongue, e as habitações rareiem, e se extingam as cacimbas e escasseiem, nas baixadas, os abrigos transitórios, onde sesteiam96 os vaqueiros fatigados.

Cercam-lhe relações antigas. Todas aquelas árvores são para ele velhas companheiras. Conhece-as todas. Nasceram juntos; cresceram irmãmente; cresceram através das mesmas dificuldades, lutando com as mesmas agruras, sócios dos mesmos dias remansados.

O umbu desaltera-o e dá-lhe a sombra escassa das derradeiras folhas; o araticum, ouricuri virente, a mari elegante, a quixaba de frutos pequeninos, alimentam-no a fartar; as palmatórias, despidas em combustão rápida dos espinhos numerosos, os mandacarus talhados a facão, ou as folhas dos juás — sustentam-lhe o cavalo; os últimos lhe dão ainda a cobertura para o rancho provisório; os caroás fibrosos fazem-se cordas flexíveis e resistentes... E se é preciso avançar a despeito da noite, e o olhar afogado no escuro apenas lobriga a fosforescência azulada das cunanãs97 dependurando-se pelos galhos como grinaldas fantásticas, basta-lhe partir e acender um ramo verde de candombá98 e agitar pelas veredas, espantando as suçuaranas deslumbradas, um archote fulgurante...

A natureza toda protege o sertanejo. Talha-o como Anteu,99 indomável. É um titã bronzeado fazendo vacilar a marcha dos exércitos.”

76. Nota do autor: Vide a Revista do Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, As instruções régias de 24 de fevereiro de 1775 ao capitão-general das Minas. 77. Os algarismos romanos devem ser lidos como números ordinais. 78. Marechais de campo, o posto mais alto da hierarquia militar alemã e austríaca. 79. Machado de dois gumes, típicos dos guerreiros francos. 80. “Tugue” é a grafia portuguesa de thug. Os tugues eram um grupo de guerrilheiros indianos que pertenciam a uma seita que venerava a deusa Kali em particular. Foram famosos assassinos. 81. Ligeiramente, sem embaraços. 82. Certamente. 83. Chiando, sibilante. 84. Não conseguem. 85. Espinhos. 86. Ferimentos na face. 87. Em duas filas, uma ao lado da outra. 88. Abre-se, escancara-se. 89. Caules enraizados. 90. Descascamento (dos galhos). 91. Deslizando (como uma serpente). 92. Difundindo. 93. Gigantescas. 94. Esmorecidas. 95. Garras. 96. Fazem a sesta. 97. Arbustos que produzem uma cera utilizada para iluminação. 98. Planta da qual se extrai uma resina com que se produz uma massa impermeável, usada para fazer reparos em estruturas. Sua madeira era muito utilizada para fazer tochas. 99. Na mitologia grega, gigante filho de Posídon e Gaia (Terra). Obtinha sua força do contato com a terra. Por isso, para matá-lo, Héracles teve que erguê-lo do solo.

 

 

“Ora, nos sucessos guerreiros entra, como elemento paradoxal embora, a preocupação da derrota. Está nela o melhor estímulo dos que vencem. A história militar é toda feita de contrastes singulares. Além disto a guerra é uma coisa monstruosa e ilógica em tudo. Na sua maneira atual é uma organização técnica superior. Mas inquinam-na todos os estigmas do banditismo original. Sobranceiras ao rigorismo da estratégia, aos preceitos da tática, à segurança dos aparelhos sinistros, a toda a altitude de uma arte sombria, que põe dentro da frieza de uma fórmula matemática o arrebentamento de um schrapnel21 e subordina a parábolas invioláveis o curve violento das balas, permanecem — intactas — todas as brutalidades do homem primitivo. E estas são, ainda, a vis a tergo22 dos combatentes.

A certeza do perigo estimula-as. A certeza da vitória deprime-as.”

21. Projétil que contém uma câmara com uma carga de pólvora e balas de chumbo; disparado pelos canhões Krupp, em sua trajetória descendente, o projétil é detonado e descarrega as balas de chumbo. O nome shrapnel provém de seu inventor, Henry Shrapnel (1761-1842), oficial inglês. 22. “Força [vindo] das costas”, isto é, de trás para frente. Essa expressão latina é usada na medicina para descrever o movimento gerado pela sístole, em que o sangue arterial é passado para o lado venoso.

 

 

Cabe à sociedade, nessa ocasião, dar-lhe a camisa de força ou a púrpura. Porque o princípio geral da relatividade abrange as mesmas paixões coletivas. Se um grande homem pode impor-se a um grande povo pela influência deslumbradora do gênio, os degenerados perigosos fascinam com igual vigor as multidões tacanhas.”

 

 

Principiou a fracionar-se em conflitos perigosos e inúteis, numa dissipação inglória do valor. Era inevitável. Canudos, entretecido de becos de menos de dois metros de largo, trançados, cruzando-se em todos os sentidos, tinha ilusória fragilidade nos muros de taipa que o formavam. Era pior que uma cidadela inscrita em polígonos ou blindada de casamatas espessas. Largamente aberto aos agressores que podiam derruí-lo a coices de arma, que podiam abater-lhe a pulso as paredes e tetos de barro, ou vará-lo por todos os lados, tinha a inconsistência e a flexibilidade traiçoeira de uma rede desmesurada. Era fácil investi-lo, batê-lo, dominá-lo, varejá-lo, aluí-lo; era dificílimo deixá-lo. Completando a tática perigosa do sertanejo, era temeroso porque não resistia. Não opunha a rijeza de um tijolo à percussão e arrebentamento das granadas, que se amorteciam sem explodirem, furando-lhe de uma vez só dezenas de tetos. Não fazia titubear a mais reduzida seção assaltante, que poderia investi-lo, por qualquer lado, depois de transposto o rio. Atraía os assaltos; e atraía irreprimivelmente o ímpeto das cargas violentas, porque a arremetida dos invasores, embriagados por vislumbres de vitória, e disseminando-se, divididos pelas suas vielas em torcicolos, lhe era o recurso tremendo de uma defesa surpreendedora.

Na história sombria das cidades batidas, o humílimo vilarejo ia surgir com um traço de trágica originalidade.

Intacto — era fragílimo; feito escombros — formidável.

Rendia-se para vencer, aparecendo, de chofre, ante o conquistador surpreendido, inexpugnável e em ruínas.

Porque a envergadura de ferro de um exército, depois de o abalar e desarticular todo, esmagando-o, tornando-o montão informe de adobes e madeiras roliças, se sentia inopinadamente manietada, presa entre tabiques vacilantes de pau a pique e cipós, à maneira de uma suçuarana inexperta agitando-se, vigorosa e inútil, nas malhas de armadilha bem feita.

A prática venatória dos jagunços inspirara-lhes, talvez, a criação pasmosa da “cidadela-mundéu”...

Ora, as tropas do coronel Moreira César faziam-na desabar sobre si mesmas.

A princípio, transposto o Vaza-Barris, a despeito de algumas baixas, o acometimento figurara-se fácil. Um grupo, arrastado por subalternos valentes, arrancara atrevidamente contra a igreja nova, sem efeito algum compensando-lhe o arrojo, perdendo dois oficiais e algumas praças. Outros, porém, contornando aquele núcleo resistente, lançaram-se às primeiras casas marginais ao rio. Tomaram-nas e incendiaram-nas; enquanto os que as guarneciam fugiam, adiante, em busca de outros abrigos. Perseguiram-nos. E nesse perseguir tumultuário, realizado logo nos primeiros minutos do combate, começou a esboçar-se o perigo único e gravíssimo daquele fossado monstruoso; os pelotões dissolviam-se. Entalavam-se nas vielas estreitas, enfiando a dois de fundo por ali dentro, atropeladamente. Torciam centenares de esquinas que se sucediam de casa em casa; dobravam-nas em desordem, de armas suspensas uns, atirando outros ao acaso, à toa, para a frente; e dividiam-se, a pouco e pouco, em seções pervagantes para toda a banda; e partiam-se, estas, por seu turno, em grupos aturdidos cada vez mais dispersos e rarefeitos, dissolvendo-se ao cabo em combatentes isolados...

De longe se tinha o espetáculo estranho de um entocamento de batalhões, afundando, de súbito, no casario indistinto, em cujos tetos de argila se enovelava a fumarada dos primeiros incêndios.

Deste modo, o ataque assumiu logo o caráter menos militar possível. Diferenciou-se em conflitos parciais no cunhal143 das esquinas, à entrada e dentro das casas.

Estas eram tumultuariamente investidas. Não opunham o menor tropeço. Escancarava-as um coice de arma nas portas ou nas paredes, rachando-as, abrindo por qualquer lado passagens francas. Estavam vazias muitas. Noutras os intrusos tinham, de repente, abocado ao peito um cano de espingarda, ou baqueavam batidos de tiros à queima-roupa, rompendo dos resquícios das paredes. Acudiam-nos os companheiros mais próximos. Enredava-se o pugilato corpo a corpo, brutalmente, até que os soldados, mais numerosos, transpusessem o portal estreito do casebre. Lá dentro, encouchado144 num recanto escuro, o morador repelido descarregava-lhes em cima o último tiro e fugia. Ou então esperava-os a pé firme, defendendo tenazmente o lar paupérrimo. E revidava terrivelmente — sozinho — em porfia com a matula vitoriosa, com a qual se afoitava, apelando para todas as armas: repelindo-a a faca e a tiro; vibrando-lhe foiçadas; aferroando-a com a aguilhada; arremessando-lhe em cima os trastes miseráveis; arrojando-se, afinal, ele próprio, inerme, desesperadamente, resfolegando, procurando estrangular o primeiro que lhe caísse entre os braços vigorosos. Em torno mulheres desatinadas disparavam em choros, e rolavam pelos cantos; até baquear no chão, cosido à baioneta ou esmoído a coronhadas, pisoado sob o rompão145 dos coturnos, o lutador temerário.

Reproduziam-se tais cenas.

Quase sempre, depois de expugnar a casa, o soldado faminto não se forrava à ânsia de almoçar, afinal, em Canudos. Esquadrinhava os jiraus suspensos. Ali estavam carnes secas ao sol; cuias cheias de paçoca, a farinha de guerra do sertanejo; aiós repletos de ouricuris saborosos. A um canto os bogós transudantes, túmidos de água cristalina e fresca. Não havia resistir. Atabalhoadamente fazia a refeição num minuto. Completava-a largo trago de água. Tinha, porém, às vezes, um pospasto146 crudelíssimo e amargo — uma carga de chumbo...

Os jagunços à porta assaltavam-no. E invertiam-se os papéis, revivendo o conflito, até baquear no chão — cosido à faca e moído a pauladas, pisado pela alpercata dura o lutador imprudente.

Muitos se perdiam no inextricável dos becos. Correndo no encalço do sertanejo em fuga, topavam, de súbito, na frente, desembocando doma esquina, cerrado magote de inimigos. Estacavam, atônitos, apenas o tempo necessário para uma pontaria mal feita e uma descarga; e recuavam, depois, metendo-se pelas casas dentro, onde os salteavam, às vezes, novos agressores entocaiados; ou arrolavam-se atrevidamente, dispersando o agrupamento antagonista e dispersando-se — reeditando os mesmos episódio; animados todos pela ilusão de uma vitória vertiginosamente alcançada, de que lhes eram sintoma claro toda aquela desordem, todo aquele espanto, todo aquele alarido e todo aquele pavor do povoado revolto e miserando — alarmado à maneira de um curral invadido por onças bravias e famulentas.

De resto, não tinham insuperáveis obstáculos enfreando-lhes o ímpeto. Os valentes temerários, que apareciam em vários pontos, defendendo os lares, tinham o contrapeso do mulherio acobardado, sacudido das casas a pranchada, a bala e a fogo, e fugindo para toda a banda, clamando, rezando; ou uma legião armada de muletas—velhos trementes, aleijões de toda espécie, enfermos abatidos e mancos.

De sorte que nestas correrias desapoderadas, presos pela vertigem perseguidora, muitos se extraviaram, às tontas, no labirinto das vielas; e, tentando aproximar-se dos companheiros, desgarravam-se mais e mais — quebrando, a esmo, mil esquinas breves, perdidos por fim, no arraial convulsionado e imenso.”

143. Ângulo, saliência formada pelo encontro de duas paredes, quina. 144. Agachado. 145. Salto. 146. Sobremesa.

 

 

A maioria, porém, considerava friamente as coisas. Não se iludia. Um rápido confronto entre a tropa que chegara horas antes, entusiasta e confiante na vitória e a que ali estava, vencida, patenteava-lhe uma solução única — a retirada.

Não havia alvitrar outro recurso, ou protraí-lo161 sequer.

Às onze horas, juntos os oficiais, adotaram-no, unânimes. Um capitão de infantaria foi incumbido de cientificar da resolução o coronel Moreira César. Este impugnou-a logo, dolorosamente surpreendido; a princípio calmo, apresentando os motivos inflexíveis do dever militar e demonstrando que ainda havia elementos para uma tentativa qualquer, mais de dois terços da tropa apta para o combate e munições suficientes; depois, num crescendo de cólera e de angústia, se referiu à mácula que para sempre lhe sombrearia o nome. Finalmente explodiu: não o sacrificassem àquela cobardia imensa...

Apesar disto manteve-se a resolução.

Era completar a agonia do valente infeliz. Revoltado, deu a sua última ordem: fizessem uma ata de tudo aquilo, deixando-lhe margem para um protesto, em que incluiria o abandono da carreira militar.

A dolorosa reprimenda do chefe ferido por duas balas não moveu, contudo, a oficialidade incólume.

Rodeavam-na, perfeitamente válidos ainda, centenares de soldados, oitocentos talvez; dispunha de dois terços das munições e estava em posição dominante sobre o inimigo...

Mas a luta sertaneja começara, naquela noite, a tomar a feição misteriosa que conservaria até o fim. Na maioria mestiços, feitos da mesma massa dos matutos que os soldados, abatidos pelo contragolpe de inexplicável revés, em que baqueara o chefe reputado invencível, ficaram sob a sugestão empolgante do maravilhoso, invadidos de terror sobrenatural, que extravagantes comentários agravavam.

O jagunço, brutal e entroncado,162 diluía-se em duende intangível. Em geral os combatentes, alguns feridos mesmo no recente ataque, não haviam conseguido ver um único; outros, os da expedição anterior, acreditavam, atônitos e absortos ante o milagre estupendo, ter visto, ressurretos, dois ou três cabecilhas que, afirmavam convictos, tinham sido mortos no Cambaio; e para todos, para os mais incrédulos mesmo, começou a despontar algo de anormal nos lutadores-fantasmas, quase invisíveis, ante os quais haviam embatido impotentes, mal os lobrigando, esparsos e diminutos, rompendo temerosos dentre ruínas, e atravessando incólumes os braseiros dos casebres em chamas.

É que grande parte dos soldados era do Norte, e criara-se ouvindo, em torno, de envolta com o dos heróis dos contos infantis, o nome de Antônio Conselheiro. E a sua lenda extravagante, os seus milagres, as suas façanhas de feiticeiro sem par, apareciam-lhes — então — verossímeis, esmagadoramente, na contraprova tremenda daquela catástrofe.

Pelo meio da noite todas apreensões se avolumaram. As sentinelas cabeceavam nas fileiras frouxas do quadrado, estremeceram, subitamente despertas, contendo gritos de alarma.

Um rumor indefinível avassalara a mudez ambiente e subia pelas encostas. Não era, porém, um surdo tropear de assalto. Era pior. O inimigo, embaixo, no arraial invisível — rezava.

E aquela placabilidade extraordinária — ladainhas tristes, em que predominavam, ao invés de brados varonis, vozes de mulheres, surgindo da ruinaria de um campo de combate — era, naquela hora, formidável. Atuava pelo contraste. Pelo burburinho da soldadesca pasma, os kyries* estropiados e dolentes entravam, piores que intimações enérgicas. Diziam, de maneira eloquente, que não havia reagir contra adversários por tal forma transfigurados pela fé religiosa.

A retirada impunha-se.

Pela madrugada uma nova emocionante tornou-a urgentíssima. Falecera o coronel Moreira César.”

162. Robusto, corpulento. * “Kyrie eleison”, expressão grega que significa “Senhor, tende piedade”, muitas vezes cantada nas missas.

 

 

Levaram para o arraial os quatro Krupps; substituíram nas mãos dos lutadores da primeira linha as espingardas velhas de carregamento moroso pelas Mannlichers e Comblains fulminantes; e como as fardas, cinturões e bonés, tudo quanto havia tocado o corpo maldito das praças, lhes maculariam a epiderme de combatentes sagrados, aproveitaram-nos de um modo cruelmente lúgubre.

Os sucessos anteriores haviam-lhes exacerbado, a um tempo, o misticismo e a rudeza. Partira-se o prestígio do soldado, e a bazófia dos broncos cabecilhas repastava-se171 das mínimas peripécias dos acontecimentos. A força do governo era agora realmente a “fraqueza” do governo, denominação irônica destinada a permanecer por todo o curso da campanha. Haviam-na visto chegar — imponente e terrível — apercebida de armas ante as quais eram brincos de criança os clavinotes brutos; tinham-na visto rolar terrivelmente sobre o arraial, e assaltá-lo, e invadi-lo, e queimá-lo, varando-o de ponta a ponta; e, depois destes arrancos temerários, presenciaram o recuo, e a fuga, e a disparada doida, e o abandono pelos caminhos fora das armas e bagagens.

Era sem dúvida um milagre. O complexo dos acontecimentos perturbava-os e tinha uma interpretação única: amparava-os visivelmente a potência superior da divindade.

E a crença, revigorada na brutalidade dos combates, crescendo, maior, num reviver de todos os instintos bárbaros, malignou-lhes a índole.

Atesta-o fato estranho, espécie de divertimento sinistro, lembrando a religiosidade trágica dos Achantis, que rematou estes sucessos.

Concluídas as pesquisas nos arredores, e recolhidas as armas e munições de guerra, os jagunços reuniram os cadáveres que jaziam esparsos em vários pontos. Decapitaram-nos. Queimaram os corpos. Alinharam depois, nas duas bordas da estrada, as cabeças, regularmente espaçadas, fronteando-se, faces volvidas para o caminho. Por cima, nos arbustos marginais mais altos, dependuraram os restos de fardas, calças e dólmãs multicores, selins, cinturões, quepes de listras rubras, capotes, mantas, cantis e mochilas...

A catinga, mirrada e nua, apareceu repentinamente desabrochando numa florescência extravagantemente colorida no vermelho forte das divisas, no azul desmaiado dos dólmãs e nos brilhos vivos das chapas dos talins e estribos oscilantes ...

Um pormenor doloroso completou esta encenação cruel: a uma banda avultava, empalado, erguido num galho seco, de angico, o corpo do coronel Tamarindo.

Era assombroso... Como um manequim terrivelmente lúgubre, o cadáver desaprumado, braços e pernas pendidos, oscilando à feição do vento no galho flexível e vergado, aparecia nos ermos feito uma visão demoníaca.

Ali permaneceu longo tempo...

Quando, três meses mais tarde, novos expedicionários seguiam para Canudos, depararam ainda o mesmo cenário: renques de caveiras branqueando as orlas do caminho, rodeadas de velhos trapos, esgarçados nos ramos dos arbustos e, de uma banda — mudo protagonista de um drama formidável — o espectro do velho comandante...”

171. Nutria-se.

 

 

“O caso, vimo-lo anteriormente, era mais complexo e mais interessante. Envolvia dados entre os quais nada valiam os sonâmbulos erradios e imersos no sonho da restauração imperial. E esta insciência ocasionou desastres maiores que os das expedições destroçadas. Revelou que pouco nos avantajávamos aos rudes patrícios retardatários. Estes, ao menos, eram lógicos. Insulado no espaço e no tempo, o jagunço, um anacronismo étnico, só podia fazer o que fez – bater, bater terrivelmente a nacionalidade que, depois de o enjeitar21 cerca de três séculos, procurava levá-lo para os deslumbramentos da nossa idade dentro de um quadrado de baionetas, mostrando-lhe o brilho da civilização através do clarão de descargas.

Reagiu. Era natural. O que surpreende é a surpresa originada por tal fato. Canudos era uma tapera miserável, fora dos nossos mapas, perdida no deserto, aparecendo, indecifrável, como uma página truncada e sem número das nossas tradições. Só sugeria um conceito – e é que, assim como os estratos geológicos não raro se perturbam, invertidos, sotopondo-se22 uma formação moderna a uma formação antiga, a estratificação moral dos povos por sua vez também se baralha, e se inverte, e ondula riçada de sinclinais23 abruptas, estalando em faults,24 por onde rompem velhos estádios há muito percorridos.

Sob tal aspecto era, antes de tudo, um ensinamento e poderia ter despertado uma grande curiosidade. A mesma curiosidade do arqueólogo ao deparar as palafitas de uma aldeia lacustre,25 junto a uma cidade industrial da Suíça...

Entre nós, de um modo geral, despertou rancores. Não vimos o traço superior do acontecimento. Aquele afloramento originalíssimo do passado, patenteando todas as falhas da nossa evolução, era um belo ensejo para estudarmo-las, corrigirmo-las ou anularmo-las. Não entendemos a lição eloquente.

Na primeira cidade da República, os patriotas satisfizeram-se com o auto-de-fé de alguns jornais adversos, e o governo começou a agir. Agir era isto – agremiar batalhões.”

21. Abandonar, repudiar. 22. Pondo-se abaixo. 23. Na geologia, dobras com rochas estratigraficamente mais jovens, cuja concavidade é voltada para cima. 24. Falhas ou fraturas em uma rocha resultantes de deslocamentos de camadas geológicas da crosta terrestre. Nas três primeiras edições e no AP, a palavra aparece grafada como flaults, erroneamente. 25. À beira de um lago (em latim, lacus).

 

 

“O grande movimento de armas de março fora uma ilusão. Não tínhamos exército, na significação real do termo, em que se inclui, mais valiosa que a existência de alguns milhares de homens e espingardas, uma direção administrativa, técnica e tática, definida por um Estado-maior enfeixando todos os serviços, desde o transporte das viaturas aos lineamentos superiores da estratégia, órgão preparador por excelência das operações militares.

Faltava tudo. Não havia um serviço de fornecimento organizado, de sorte que numa base de operações provisória, presa ao litoral por uma estrada de ferro, foi impossível conseguir-se um depósito de víveres. Não havia um serviço de transporte suficiente para cerca de cem toneladas de munições de guerra.

Por fim não havia soldados: os carregadores de armas, que por ali desembarcaram, não vinham dos polígonos de tiro, ou campos de manobra. Os batalhões chegavam, alguns desfalcados, menores que companhias, com o armamento estragado e carecendo das noções táticas mais simples. Era preciso completá-los, armá-los, vesti-los, municiá-los, adestrá-los e instruí-los.

Queimadas fez-se um viveiro de recrutas e um campo de instrução. Os dias começaram a escoar-se monotonamente em evoluções e manobras, ou exercícios de fogo, numa linha de tiro improvisada num sulco aberto na caatinga próxima. E o entusiasmo marcial dos primeiros tempos afrouxava, molificando na insipidez daquela Cápua invertida,56 em que bocejavam, remansando, centenares de valentes, marcando passo diante do inimigo...

Dali seguiram, batalhão por batalhão, iludindo em transporte parcial a carência de viaturas, para Monte Santo, onde a situação não variou. Continuaram até meados de junho os mesmos exercícios e a mesma existência aleatória de mais de 3 mil homens em armas, dispostos aos combates mas impotentes para a partida e – registremos esta circunstância singularíssima – vivendo à custa dos recursos ocasionais de um município pobre e talado57 pelas expedições anteriores.

A custo terminara-se a linha telegráfica de Queimadas, pela comissão de engenheiros militares, dirigida pelo tenente-coronel Siqueira de Meneses. E foi a única coisa apreciável durante tanto tempo perdido. O comandante-em-chefe, sem carretas para o transporte de munições, desapercebido dos mais elementares recursos, quedava-se, sem deliberar, diante da tropa acampada, e mal avitualhada por alguns bois magros e famintos dispersos em torno sobre as macegas secas das várzeas. O deputado do Quartel-Mestre-General58 não conseguira sequer um serviço regular de comboios, que partindo de Queimadas abastecessem a base das operações, de modo a armazenar reservas capazes de sustentar por oito dias a tropa. De sorte que ao chegar o mês de julho, quando a 2.ª coluna, atravessando Sergipe, se abeirava de Jeremoabo, não havia em Monte Santo um único saco de farinha em depósito. A penúria e uns como prenúncios de fome condenavam à imobilidade a divisão em que se achava o principal chefe da campanha.”

56. Alusão à campanha de Aníbal, na Segunda Guerra Púnica. Após ter invadido a Itália, resolveu passar o inverno em Cápua, no sul da península, com toda a comodidade possível, interrompendo sua marcha contra Roma no momento em que ela se encontrava indefesa. Daí surgiu a expressão “delícias de Cápua” para designar algo que nos distrai de alcançar a vitória próxima. Não é difícil entender por que Euclides chama Queimadas de “Cápua invertida”. 57. Arruinado, devastado. 58. Oficial encarregado pelo abastecimento do exército.

 

 

“O rarefeito dos estampidos denunciava, naquela banda, raros franco-atiradores. Mas estes, embora diminutos, tolhiam, pelo rigor das pontarias, o passo a pelotões inteiros.

Di-lo episódio expressivo.

Foi no último arranco da investida. A força, na ocasião fortalecida pela 4.ª Brigada tendo à frente o coronel Carlos Teles, cujo Estado-maior quase todo baqueara, abalara transpondo a última ladeira, quando as seções extremas daquele flanco, rudemente batidas, convergiam em acelerado para a direita, na repulsa a adversários que não viam, na planura desnuda e chata, que as vistas, entretanto, num lance devassavam. Arremeteram, ao acaso, na direção de um umbuzeiro, frondente ainda. Era a única árvore que ali aparecia. Os tiros rápidos, porém sucessivos como feitos por um homem único, bateram-nas, então de frente. Vararam-nas; desfalcaram-nas, derrubando, um a um, inflexivelmente, os que as formavam. Destes, muitos, por fim, estacaram atônitos pelo inconceptível de um fuzilamento em plaino escampo e limpo, onde não havia a ondulação mais ligeira acobertando o adversário inexorável. Outros, porém, teimaram, correndo para a árvore solitária. E a alguns passos dela, viram afinal, à borda de uma cova circular, ressurgir à flor do chão um rosto bronzeado e duro. E pulando do fojo,208 sem largar a arma, o jagunço, escorregando célere ao viés da encosta, desapareceu embaixo no afogado das grotas. Na trincheira soterrada trezentos e tantos cartuchos vazios diziam que o caçador feroz estivera largo tempo de tocaia naquela espera ardilosamente escolhida. Outras, idênticas, salpicando o solo, apareciam, salteadamente em roda. Em todas os mesmos restos de munições revelavam a estadia recente de um atirador. Eram como fogaças perigosas, alastrando-se por toda a banda. O chão explodia sob os pés da tropa. Os sertanejos desalojados desses esconderijos acolhiam-se, recuando, noutros; e as novas trincheiras arrebentavam logo em descargas vivas, até serem por sua vez abandonadas – concentrando-se pouco a pouco, aqueles, no arraial, cujas primeiras casas foram, ao cabo, atingidas às dez horas da manhã.”

208. cova, buraco, fundo.