Editora: Crítica
ISBN: 978-85-4220-940-2
Tradução: Luis
Reyes Gil
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 576
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Sinopse: Ver Parte
I
“Por volta da década de 60 a.C., a própria ordem política em Roma sofria
rupturas a todo instante, superada por violência de rua, que se tornou parte da
vida cotidiana. A “conspiração” de Catilina foi apenas um incidente entre
muitos. Houve muitas ocasiões em que os tumultos evitaram a realização de
eleições, ou em que uma distribuição massiva de propinas definiu a decisão do
eleitorado ou dos júris dos tribunais, ou em que um
assassinato foi a arma escolhida contra um adversário político. Públio Clódio
Pulcro [Publius Clodius Pulcher], o irmão da “Lésbia” de Catulo, e o homem que
arquitetou o exílio de Cícero em 58 a.C., foi mais tarde assassinado por um
bando paramilitar de escravos de propriedade de um dos amigos de Cícero, em uma
estúpida briga num subúrbio da cidade (a “Batalha de Bovila”, como foi
majestosa e ironicamente nomeada). Nunca ficou claro a quem se deveria atribuir
a responsabilidade por sua morte, mas foi-lhe oferecida uma cremação de
improviso no Senado, que pegou fogo junto com o corpo. Um cônsul controvertido
foi removido de maneira comparativamente menos drástica em 59 a.C.: recebeu uma
mera saraivada de excrementos e passou o resto do seu ano de mandato
entrincheirado em casa.
Num
cenário desses, três homens — Pompeu, Júlio César e Marco Licínio Crasso —
fizeram um acordo informal para lançar mão de sua influência combinada, seus
contatos e seu dinheiro para ajustar o processo político aos seus próprios
interesses. O “Bando dos Três”, ou “Monstro de Três Cabeças”, como definiu um
satirista contemporâneo, pela primeira vez passou a tomada de decisões públicas
para mãos privadas. Por meio de uma série de arranjos de bastidores, subornos e
ameaças, os três asseguraram que os consulados e os comandos militares fossem
parar onde eles escolhessem e que as decisões importantes seguissem sua
orientação. Esse arranjo durou cerca de uma década, começando por volta de 60
a.C. (negociações em privado são difíceis de datar com precisão). Mas depois,
procurando assegurar sua posição pessoal, Júlio César decidiu seguir o
precedente de Sula e tomou Roma à força.
O
essencial do que aconteceu em seguida é bastante claro, mesmo que os detalhes
sejam de uma complexidade quase impenetrável. Saindo da Gália no início de 49
a.C., César fez a famosa travessia do rio Rubicão, que delimitava a fronteira
com a Itália, e marchou em direção a Roma. Quarenta anos haviam feito uma
grande diferença. Quando Sula direcionou seu exército para a cidade, apenas um
de seus oficiais veteranos recusou-se a segui-lo. Já quando César fez o mesmo,
apenas um ficou ao seu lado. Era um bom sinal do quanto os
escrúpulos haviam sido erodidos num intervalo de tempo tão curto. A guerra
civil que eclodiu em seguida, da qual César e Pompeu, aliados de outrora, eram
agora comandantes rivais, espalhou-se pelo mundo mediterrâneo. Os conflitos
internos de Roma não se restringiam mais à Itália. A batalha decisiva foi
travada na Grécia central, e Pompeu acabou assassinado no litoral do Egito,
decapitado por alguns egípcios que o traíram.
Essa
é uma história poderosa de crise política e desintegração sangrenta, mesmo
contada em sua forma mais esquemática. Alguns dos problemas subjacentes são
óbvios. As instituições políticas de Roma, de escala relativamente limitada,
haviam mudado pouco desde o século IV a.C. Mal conseguiam estar à altura de
governar a península Itálica e eram ainda menos capazes de controlar e policiar
um vasto Império. Como veremos, Roma confiava cada vez mais nos esforços e no
talento de indivíduos cujo poder, lucros e rivalidades ameaçavam os próprios
princípios sobre os quais a República se assentava. E não havia nenhum anteparo
— nem mesmo uma força policial básica — para impedir que o conflito político
descambasse para a violência política assassina em uma metrópole imensa, que
abrigava 1 milhão de pessoas por volta do século I a.C., onde a fome, a
exploração e as imensas disparidades de riqueza eram catalisadores adicionais
de protestos, tumultos e crimes.
São
também eventos que historiadores, tanto antigos quanto modernos, podem examinar
em retrospecto, com todas as vantagens e desvantagens desse tipo de visão.
Afinal, depois que já se sabe o desfecho, é fácil apresentar o período como uma
série de passos irrevogáveis e brutais na direção de uma crise ou como uma
lenta contagem regressiva, seja para o fim do Estado livre, seja para a volta a
um governo de um só homem. Mas o último século da República foi mais do que um
mero banho de sangue. Como sugerem o florescimento da poesia, das teorizações e
da arte, foi também uma época em que os romanos viram-se às voltas com
problemas que estavam minando seu processo político e no qual surgiram algumas
de suas maiores invenções, como o princípio radical de que o Estado tinha
alguma responsabilidade em assegurar que seus cidadãos tivessem o suficiente para comer. Pela primeira vez, tiveram que
enfrentar a questão de como um Império deveria ser administrado e governado, em
vez de ser simplesmente adquirido, e conceberam elaborados códigos práticos
para o domínio romano. Em outras palavras, esse foi também um período extraordinário
de análise e inovação política. Os senadores romanos não ficaram sentados
ociosamente enquanto suas instituições políticas mergulhavam no caos, e
tampouco simplesmente atiçaram as chamas da crise para proveito próprio a curto
prazo (embora certamente houvesse um pouco disso). Muitos deles, a partir de
diferentes extremos do espectro político, tentaram encontrar algum remédio
eficaz. Não devemos permitir que a nossa visão retrospectiva, ou que o
fracasso final deles ou a sucessão de guerras civis e assassinatos nos
deixem cegos para os esforços empreendidos.”
“Esse caso notório é apenas uma das muitas controvérsias e dilemas a
respeito do governo romano no além-mar que emergiram no último século da
República. Na década de 70 a.C., com vastos territórios sob influência romana,
fruto de dois séculos de lutas, negociações, agressão e boa sorte, a natureza
do poder romano e dos pressupostos dos romanos a respeito de suas relações com
o mundo que agora dominavam estava mudando. Em termos amplos, o rudimentar
Império de obediência havia se transformado, ao menos em parte, em um Império
de anexação. Provincia havia passado a significar “província” no sentido
de uma região definida sob controle direto de Roma, em vez de apenas
“responsabilidade” ou “tarefa’’, e a palavra imperium era agora usada
ocasionalmente no sentido de “Império”. Essas mudanças de terminologia apontam
para novos conceitos de território e para uma nova estrutura de organização, o
que levantava outras questões sobre o que significava governar no exterior.
Como se esperava que um governador romano se portasse nas
províncias? Como se poderia definir sua tarefa? Que voz as populações das
províncias deveriam ter, particularmente ao buscar reparações de um governo
malconduzido? E o que se poderia considerar como má condução de um governo?
Esses problemas a respeito do governo provincial foram trazidos para o cerne do
debate político doméstico. Uma evidência preciosa disso é o texto da lei sob a
qual Verres foi processado. O texto não tem a fama da retórica vistosa de
Cícero, mas nos leva aos bastidores, às tentativas romanas de criar uma
estrutura legal, e arranjos práticos, para lidar com os direitos dos cidadãos
das províncias.
Mais
controversas até, e centrais para o eventual colapso do governo republicano,
eram as questões sobre a quem confiar o comando, o controle e a administração
do Império. Quem deveria governar as províncias, recolher impostos, comandar os
exércitos romanos, ou servir neles? A tradicional classe governante, com seus
princípios de poder partilhado e de curto prazo, seria capaz de lidar com os
grandes problemas, administrativos e militares, que o Império agora enfrentava?
Já no final do século II a.C., Caio Mário [Gaius Marius], um “homem novo”,
atribuiu sem meias palavras a culpa por uma série de derrotas militares romanas
à corrupção dos comandantes de Roma, sempre receptivos a uma propina bem
colocada. Ele seguiu em frente e baseou a carreira política em sua capacidade
de obter notáveis vitórias onde eles haviam falhado desastrosamente, sendo
eleito cônsul nada menos do que sete vezes, cinco delas seguidas.
Esse
era um padrão de repetidos exercícios do cargo que Sula mais tarde proibiu, em
suas reformas do final da década de 80 a.C. Mas o problema subjacente não
desapareceu. As exigências de defender, policiar e às vezes ampliar o Império
incentivaram, ou obrigaram, os romanos a entregar enormes recursos financeiros
e militares a comandantes individuais por anos a fio, de uma maneira que
desafiava as estruturas tradicionais do Estado de modo mais fundamental ainda
do que jamais havia ocorrido com as disputas domésticas entre optimates
e populares. Em meados do século I a.C., montados em suas conquistas de
além-mar, Pompeu, o Grande, e Júlio César haviam se tornado rivais em busca de
poder autocrático: comandavam o que, na realidade, eram
seus exércitos particulares; haviam desconsiderado princípios republicanos de
modo ainda mais abrangente do que Sula ou Mário; e abriram a perspectiva do
governo de um homem só, que o assassinato de César não conseguiu obstruir.
Em
resumo, como a última parte deste capítulo revela, o Império criou os
imperadores — e não o contrário.”
“O domínio romano era quase sempre não
intervencionista pelos padrões dos regimes imperiais mais recentes: os
habitantes locais mantinham seu próprio calendário, cunhagem de moedas, deuses,
seus próprios sistemas jurídicos e governo civil. Mas onde e quando esse
domínio se mostrou mais direto, parece ter caído em algum ponto do espectro
entre exploração impiedosa, de um lado, e negligência, precariedade de recursos
e ineficiência, de outro.”
“Os romanos tendiam a usar o suborno como uma escusa prática toda vez que
a guerra, as eleições ou os vereditos da corte não tinham o desfecho que
esperavam. Corrupção direta desse tipo era provavelmente menos comum do que
alegavam. E qualquer que fosse o esnobismo no cerne da classe governante, havia
na prática mais espaço para talentos novos, ou talentos mais atuais, do que as
raivosas afirmações de Salústio admitem. Listas sobreviventes de nomes, que por
esse período são bastante precisas, sugerem que cerca de 20% dos cônsules do
final do século II a.C. vinham de famílias cuja rede de relações não havia
produzido nenhum cônsul nos cinquenta anos precedentes.
A
carreira de Mário teve impacto enorme no restante da história republicana, de
formas imprevistas. Primeiro, quando voltou à África para assumir o comando
contra Jugurta, alistou em seu exército qualquer cidadão que estivesse disposto
a ser voluntário. Até então, exceto em emergências, os soldados romanos haviam
sido recrutados oficialmente apenas de famílias detentoras de propriedades. Com
isso, os problemas de recrutamento tinham ficado evidentes havia algum tempo e podem ter estado por trás das preocupações de
Tibério Graco a respeito dos pobres sem terra; pois, se não tivessem terra, não
poderiam servir nas legiões.
Ao
alistar todos que se apresentavam, Mário cortou caminho, mas no processo criou
um Exército romano dependente, semiprofissional, que desestabilizou a política
doméstica por oitenta anos mais ou menos. As legiões de estilo novo dependiam
cada vez mais de seus comandantes, não só para obter uma parte do saque mas
também um pacote de assentamento, de preferência em terras, ao final do serviço
militar, que lhes daria algum meio de vida no futuro. Os efeitos disso foram
sentidos de várias maneiras. Os conflitos na pequena cidade de Pompeia depois
que Sula impingiu seus veteranos ali em 80 a.C. foram apenas um de muitos casos
de conflitos locais, exploração e ressentimento. Criou-se um problema perene:
decidir de onde viria a terra para esses soldados, e às custas de quem. Mas foi
a relação estabelecida entre cada general e seus soldados que teve as
consequências mais drásticas. Em essência, os soldados trocavam a absoluta
lealdade a seus comandantes pela promessa de um pacote de aposentadoria — em
uma permuta que na melhor das hipóteses passava ao largo dos interesses do
Estado e na pior delas transformava as legiões em uma nova modalidade de
milícia privada concentrada inteiramente nos interesses de seu general. Quando
os soldados de Sula, e depois os de Júlio César, seguiram seu líder e invadiram
Roma, foi em parte devido à relação entre legiões e comandantes forjada por
Mário.”
“Cícero pode muito bem ter estado presente no Senado nos Idos de Março de
44 a.C., quando César foi assassinado, como testemunha ocular de um homicídio
conturbado e que quase teve sua execução comprometida. Um bando de cerca de
vinte senadores se agrupou em torno de César a pretexto de entregar-lhe uma
petição. Um senador do segundo escalão deu o sinal para o ataque ao se ajoelhar
aos pés do ditador e puxar sua toga. Os assassinos não foram muito precisos na
ação, ou talvez o pânico os tenha deixado desajeitados. Um dos primeiros golpes
de adaga errou o alvo e deu a César a oportunidade de contra-atacar com a única
arma que tinha em mãos — seu afiado estilete. Segundo o relato mais antigo que
sobreviveu, de Nicolau de Damasco, um historiador grego da Síria escrevendo
cinquenta anos depois, mas provavelmente a partir de descrições de testemunhas
oculares, vários dos assassinos foram atingidos por “fogo amigo”: Caio Cássio
Longino [Gaius Cassius Longinus] atacou César mas acabou ferindo Brutus; outro
golpe errou o alvo e acertou a coxa de um companheiro.
Ao cair, César gritou em grego para Brutus, “Até
tu, filho?”, o que era tanto uma ameaça (“Eu vou pegá-lo, garoto!”) como um
pungente lamento pela deslealdade de um jovem amigo (“Até você, meu filho?”),
ou até, como alguns contemporâneos desconfiados imaginaram, uma revelação final
de que Brutus era, na verdade, filho natural de César, e que portanto não se
tratava de parricídio. A famosa frase latina “Et tu, Brute?” [“Até tu,
Brutus?”] é uma invenção de Shakespeare. Os senadores que assistiam à cena
fugiram; se Cícero estava lá, presumivelmente não foi mais corajoso que os
outros. Mas qualquer fuga rápida foi bloqueada por uma multidão que saía
naquela hora do Teatro de Pompeia, ao lado, depois de uma apresentação de
gladiadores. Quando essas pessoas souberam o que havia acontecido, também
quiseram chegar à segurança de seus lares o mais depressa possível, apesar da
tentativa de Brutus de garantir que não havia com o que se preocupar e que era
uma boa notícia. A confusão ficou ainda maior quando Marco Emílio Lépido
[Marcus Aemilius Lepidus], um dos aliados mais próximos de César, deixou o
Fórum para reunir alguns soldados acampados à saída da cidade, e quase deu de
cara com o grupo de assassinos que vinha da outra direção para anunciar o feito
vitorioso, seguidos de perto por três escravos que carregavam o corpo de César
em uma maca, rumo à casa dele. Era uma tarefa penosa, pois eram apenas três, e
alguns relatos contam que os braços feridos do ditador pendiam de lado,
balançando, numa cena horrível.
Naquela
noite, Cícero encontrou Brutus e alguns de seus companheiros “Libertadores” no
Capitólio, onde haviam ficado. Ele não participara do complô, mas alguns
disseram que Brutus havia pronunciado o nome de Cícero ao enfiar a faca em
César — e de qualquer modo, sendo um estadista veterano, ele provavelmente
seria uma figura útil para se ter a bordo na sequência dos acontecimentos. O
conselho de Cícero foi claro: eles deveriam convocar imediatamente o Senado
para uma reunião no Capitólio. Mas eles hesitaram e deixaram a iniciativa para
os seguidores de César, que logo exploraram o sentimento popular, que
certamente não era favorável aos assassinos, apesar das fantasias posteriores
de Cícero de que a maioria dos romanos comuns no final
acreditou que o tirano deveria mesmo ser deposto. A maioria ainda preferia as
reformas de César — o apoio aos pobres, os assentamentos de além-mar e as
ocasionais ajudas em dinheiro — em vez das belas ideias de liberdade, que
talvez não fossem mais do que um álibi para os interesses egoístas da elite e
para a continuidade da exploração das classes baixas, como poderiam muito bem
ter observado aqueles que estiveram sob o fio da navalha das arrecadações
extorsivas de Brutus em Chipre.”
“Muito da grande tradição de escrita moderna sobre os imperadores romanos
tem sido estruturado em termos similares, em torno de personagens imperiais
bons ou maus. As palavras de Edward Gibbon, em Declínio e queda do Império
Romano, publicado em episódios a partir de 1776, têm
tido imensa influência na visão das gerações de historiadores posteriores.
Antes de abordar o tema principal de seu título, Gibbon faz uma breve reflexão
sobre o período inicial do governo de um só homem, que vai de Tibério a Cômodo,
e considera dignos de elogios os imperadores do século II d.C. Seu memorável
aforismo, expresso com a típica assertividade do século XVIII, ainda é muito
citado: “Se alguém fosse chamado a determinar o período da história do mundo no
qual a condição da raça humana foi mais feliz e próspera, ele sem hesitar
indicaria aquele que transcorreu desde a morte de Domiciano até a ascensão de
Cômodo” — ou seja, o que muitos desde então têm chamado de período dos “bons
imperadores”: Nerva, Trajano, Adriano, Antonino Pio, Marco Aurélio e Lúcio
Vero.
Esses
eram governantes, prossegue Gibbon, cujo caráter e autoridade “despertavam
respeito involuntário” e que “se compraziam na imagem da liberdade”. A única
coisa que devem ter lamentado, conclui ele, é saber que algum sucessor indigno
(“algum jovem licencioso ou um tirano ciumento”) logo iria surgir para arruinar
tudo, como quase todos os seus predecessores haviam feito no passado: “o
sombrio e implacável Tibério, o colérico Calígula, o frágil Cláudio, o devasso
e cruel Nero e o tímido e desumano Domiciano”.
É uma
maneira professoral de resumir quase dois séculos de história romana. Gibbon
viveu em uma época em que historiadores julgavam “sem hesitar” e estavam
dispostos a acreditar que o mundo romano teria sido um lugar melhor para se
viver do que o deles. É também uma maneira profundamente enganosa, por várias
razões. Os diversos governantes não se encaixavam facilmente em qualquer
imagem-padrão, estereotipada. O próprio Gibbon admite — em linhas que são hoje
raramente citadas, porque estragam a esplêndida assertividade do aforismo — que
um de seus favoritos, Adriano, podia também ser fútil, caprichoso e cruel — um
excelente príncipe, tanto quanto um tirano ciumento. Gibbon deve ter tido
conhecimento do episódio em que Adriano mandou matar seu arquiteto por
discordar do projeto de um edifício; se verdadeiro, é um exemplo de abuso
imperial digno de um Caio.
E alguns dos modernos admiradores do gentil
filósofo imperador Marco Aurélio iriam admirá-lo menos se refletissem sobre a brutalidade
de sua supressão dos germanos, orgulhosamente ilustrada nas cenas de batalha
que sobem ao redor da sua coluna comemorativa, ainda em pé no centro de Roma;
embora menos famosa, ela teve a clara intenção de competir com a de Trajano, e
houve até o cuidado de fazê-la um pouco mais alta. Há que se considerar também
todos os problemas de separar o que é fato do que é fantasia nas várias
histórias sobre os malfeitos de Caio. Os diversos relatos antigos de
transgressões imperiais nos dão vislumbres importantes das preocupações,
suspeitas e preconceitos romanos. O grau de exatidão com que os escritores
romanos imaginavam que seus maus imperadores revelavam sua maldade pode nos
dizer muita coisa sobre as suposições culturais e a moralidade romanas em
geral, desde o frisson particular que era associado — e ainda é — ao
sexo em piscinas, à objeção, mais surpreendente, em relação à crueldade com as
moscas (provavelmente um sinal de que não havia nada no mundo de Domiciano tão
trivial que não pudesse se tornar um hobby para seu sadismo). Mas enquanto
evidências da realidade do domínio imperial, tais relatos ainda são uma mistura
de narrativa precisa, exagero e suposições, impossível de ser desvendada.”
“Em termos mais gerais, a política da mudança de regime tinha uma grande
influência na maneira pela qual cada imperador passava à história, já que as
carreiras e os personagens imperiais eram reinventados para atender aos
interesses daqueles que os apoiavam. A regra básica da história romana é que todo
aquele que era assassinado acabava sendo, como Caio, demonizado. Aqueles que
morriam em seu leito, sucedidos por um filho e herdeiro, natural ou adotivo,
eram exaltados como personagens generosos e afáveis, dedicados ao sucesso de
Roma, que por sua vez não os levava muito a sério.
Essas
são as considerações que recentemente incentivaram algumas tentativas corajosas
e revisionistas de reabilitar alguns dos mais notórios monstros imperiais.
Vários historiadores modernos têm apresentado Nero, particularmente, mais como
uma vítima da propaganda da dinastia Flaviana, que começa com Vespasiano, seu
sucessor, do que como um piromaníaco assassino da própria mãe, a quem se
atribui ter iniciado o grande incêndio de 64 d.C., não só para
apreciar o espetáculo, mas também para limpar a área e poder construir seu novo
palácio, a Casa Dourada [Domus Áurea]. Mesmo Tácito admite, apontam os
reabilitadores, que Nero foi o patrocinador de medidas de ajudas efetivas para
os desabrigados após o incêndio; e a propalada extravagância de sua nova
residência, com todos os seus luxos (incluindo uma sala de jantar giratória),
não impediu que o parcimonioso Vespasiano e seus filhos se apoderassem de parte
dela como sua casa. Além disso, nos vinte anos após a morte de Nero, em 68
d.C., pelo menos três falsos Neros, com lira e tudo, apareceram nas regiões
orientais do Império, reivindicando o poder e apresentando-se como o imperador
em pessoa, ainda vivo, apesar de todas as notícias de seu suicídio. Foram todos
rapidamente eliminados, mas o engodo sugere que, em algumas áreas do mundo
romano, Nero era lembrado afetuosamente: ninguém buscaria alcançar o poder
fingindo ser um imperador odiado por todos.
Esse
ceticismo histórico é saudável. Mas ele nos desvia da questão principal:
quaisquer que sejam as visões de Suetônio e outros escritores antigos, as
qualidades e personalidades individuais de cada imperador não importavam muito
para a maioria dos habitantes do Império, ou para a estrutura essencial da
história romana e seus principais desdobramentos.
Isso
provavelmente era importante para alguns membros da elite metropolitana, para
os conselheiros do imperador, o Senado e o pessoal do palácio. O trato diário
com o adolescente imperador Nero pode muito bem ter sido mais desafiador do que
lidar com Cláudio ou com Vespasiano. E a ausência de Tibério, em seu retiro em
Capri, ou de Adriano em uma de suas muitas viagens pelo mundo romano (ele foi
um turista inveterado, passando mais tempo no exterior do que em casa) deve ter
tido um impacto sobre a administração para aqueles diretamente envolvidos —
incluindo a certa altura o próprio Suetônio, que trabalhou por um breve período
no secretariado de Adriano.
Fora
desse pequeno círculo, porém, e certamente fora da cidade de Roma, já que
apenas nela os efeitos da generosidade de um imperador podiam ser espargidos
sobre homens e mulheres nas ruas, dificilmente faria
muita diferença quem estivesse no trono, ou quais fossem seus hábitos pessoais
ou intrigas. E não há qualquer indício de que a personalidade do governante
tenha afetado o modelo básico de governo no plano doméstico ou no exterior de
alguma maneira significativa. Se Caio ou Nero ou Domiciano eram realmente tão
irresponsáveis, sádicos e malucos como são pintados, isso fez pouca ou nenhuma
diferença no funcionamento do Império Romano, ficando restrito ao âmbito do
anedótico. Por baixo das histórias escandalosas e dos relatos de sodomia (que
obscurecem tanto quanto vivificam), e para lá dos aforismos cuidadosamente
construídos de Gibbon, havia uma estrutura de governo notavelmente estável e um
conjunto de problemas e tensões também estável por todo o período. São eles que
precisamos entender para que o domínio imperial faça sentido para nós, e não as
idiossincrasias de cada governante. Afinal, nenhum cavalo chegou de fato a ser
nomeado cônsul.”
“Os imperadores romanos e seus conselheiros
nunca resolveram o problema da sucessão. Eles foram derrotados em parte pela
biologia, em parte pelo prolongamento das incertezas e discordâncias a respeito
de como a herança devia operar da melhor forma. A sucessão sempre se reduziu a
uma combinação de sorte, improviso, conspiração, violência e negócios secretos.
O momento em que o poder romano era transmitido era sempre aquele em que se
mostrava mais vulnerável.”
“O historiador Tácito faz comentários sagazes, e cínicos, sobre esse
processo de romanização (dos territórios ocupados por Roma), como costuma ser
chamado agora. Aparecem na curta biografia que escreveu do seu sogro, Cneu
Júlio Agrícola [Gnaeus Julius Agricola], governador da Britânia de 77 a 85
d.C., um período excepcionalmente longo. A maior parte do relato de Tácito diz
respeito às bem-sucedidas operações militares na província, à extensão do poder
romano para o norte até a Caledônia (Escócia) e ao ciúme do imperador
Domiciano, que recusou conceder a Agrícola as honras e glórias que merecia por
seu sucesso. A biografia é ao mesmo tempo uma crítica à
autocracia e um elogio do distinto parente de Tácito: a mensagem que sobressai
é que o regime imperial não dava lugar à tradicional virtude e competência
militar romanas. Ocasionalmente, porém, Tácito se volta para os aspectos civis
do governo de Agrícola na província.
Alguns
dos tópicos são bem rotineiros e não pareceriam fora de lugar nas cartas de
Plínio, que era amigo de Tácito nos círculos literários de Roma no início do
século II d.C. Agrícola é elogiado por manter seu ambiente doméstico sob rígido
controle (“uma tarefa tão dura para muitos como a de governar a província”).
Ele também coibiu abusos nas solicitações do Exército, e investiu dinheiro para
melhorar as cidades da Britânia, com novos templos e edifícios públicos em
estilo romano. É bem mais surpreendente descobrir que ele tinha uma política
educacional local: procurou assegurar que os filhos da elite provincial fossem
educados nas “artes liberais” (literalmente “as disciplinas intelectuais
adequadas para ser livre”) e na língua latina. E logo, como Tácito coloca, os
bretões já estavam vestindo togas e dando os primeiros passos no caminho da
depravação, graças aos pórticos, às termas e aos banquetes. Ele resume isso em
uma frase incisiva: “Eles, em sua ignorância, davam a isso o nome de
‘civilização’, mas na realidade era parte de sua escravização” (“Humanitas
vocabatur, cum pars servitutis esset”). Esse aspecto vem tendo imensa
influência, positiva ou negativa, nas tentativas modernas de se compreender
como o Império Romano funcionava.”
“Qualquer que fosse a letra da lei, e as
circunstâncias específicas de qualquer julgamento em particular, havia um
conflito irreconciliável entre os valores romanos tradicionais e o
cristianismo. A religião romana era politeísta e tratava os deuses estrangeiros
mais ou menos como os povos estrangeiros: pela via da incorporação. Desde os
remotos tempos da tomada de Veii, no início do século IV a.C., Roma havia
regularmente acolhido o deus dos conquistados. Havia eventuais controvérsias e
preocupações a respeito disso; os sacerdotes da deusa egípcia Ísis viram-se
expulsos da cidade de Roma em mais de uma ocasião. Mas a regra básica era que à
medida que o Império Romano se expandia, o mesmo se dava com seu panteão de
divindades. O cristianismo era, em tese, um monoteísmo excludente, pois
rejeitava os deuses que por séculos haviam garantido o sucesso de Roma. (...)
O
mesmo valia, em certo sentido, para o judaísmo. Mas num grau notável e sob
alguns aspectos inesperado, os judeus conseguiram operar dentro da cultura
romana. Para os romanos, o cristianismo era muito pior. Primeiro, ele não tinha
um lar ancestral. Os romanos, em sua geografia religiosa ordenada, esperavam
que as divindades fossem de algum lugar: Ísis do Egito, Mitra da Pérsia,
o deus judaico da Judeia. O deus cristão não tinha
raízes, era exaltado como universal e procurava por adeptos. Momentos místicos
de iluminação podiam atrair novos devotos para a religião, digamos, de Ísis.
Mas o cristianismo era definido como um processo de conversão espiritual totalmente
novo. Não só isso: alguns cristãos pregavam valores que ameaçavam derrubar
alguns pressupostos greco-romanos fundamentais sobre a natureza do mundo e das
pessoas que o habitavam: que a pobreza, por exemplo, era boa; ou que o corpo
devia ser domado ou rejeitado em vez de nos preocuparmos em cuidar dele. Todos
esses fatores ajudam a explicar as ansiedades, a confusão e a hostilidade de
Plínio e de outros.
Ao
mesmo tempo, o sucesso do cristianismo tinha raízes no Império Romano, em sua
extensão territorial, na mobilidade que promovia, em suas cidades e em seu mix
cultural. Da Bitínia de Plínio à Cartago de Perpetua, o cristianismo
espalhou-se de suas origens de pequena escala na Judeia, principalmente graças
aos canais de comunicação ao longo do mundo Mediterrâneo que o Império Romano
havia franqueado, e devido ao movimento de pessoas, bens, livros e ideias que
viajavam por esses canais. A ironia é que a única religião que os romanos
tentaram erradicar foi aquela cujo sucesso seu Império tornou possível e que se
desenvolveu inteiramente dentro do mundo romano.”
“O decreto de cidadania foi apenas um dos aspectos de uma ampla gama de
transformações, rupturas, crises e invasões que mudaram o mundo romano até
torná-lo irreconhecível no século III d.C. O segundo milênio romano — que só
acabou quando Constantinopla, a capital do Império Romano do Oriente, no século
VI d.C., caiu nas mãos dos turcos otomanos em 1453 d.C. — assentava-se em
princípios inteiramente novos, em uma outra ordem mundial e, pela maior parte
do tempo, em uma religião diferente. O regime autocrático estabelecido pelo
primeiro Augusto baseara-se em uma linguagem e em instituições políticas que
remontavam, o quanto era possível determinar, ao primeiro milênio da história
romana, e o que tenho chamado aqui de modelo augustiano de domínio imperial
forneceu uma estrutura política relativamente estável por quase duzentos anos
após a morte de Augusto, em 14 d.C. Mas embora o imperador Tibério, que sucedeu
o primeiro Augusto, talvez se sentisse à vontade nas condições imperiais das
quais Cômodo desfrutou no final do século II d.C., ele no entanto não teria
compreendido o que significava ser imperador algumas décadas mais tarde. Roma
em seu segundo milênio era efetivamente um novo Estado, sob um velho nome. E
então, dependendo do ponto de vista que adotarmos, poderemos ver esse milênio
como um longo e lento período de declínio; ou como uma série de mudanças
culturais e políticas descontínuas, que acabaram transformando o mundo antigo
no medieval; ou como uma era extraordinariamente dinâmica de arte, arquitetura e
reflexão cultural.
Os
historiadores agora falam com frequência da “crise” do século III d.C. O que
indicam com isso é o processo por meio do qual, após o assassinato de Cômodo,
em 192 d.C., o modelo augustiano desmoronou. O número de imperadores é um dos
sinais óbvios disso. Nos quase 180 anos entre 14 e 192 d.C. — excetuando o
único breve interlúdio da guerra civil após a morte de Nero, quando houve três
malsucedidos requerentes ao trono — foram apenas catorze imperadores. Nos cem
anos entre 193 e 293 d.C., houve mais de setenta (a
lista é elástica, dependendo de quantos obscuros coimperadores, usurpadores ou
“impostores” sejam incluídos). Porém, e direto ao ponto, quaisquer tentativas
de manter as legiões fora do processo de fazer imperadores fracassaram
totalmente. Quase todos os homens que reivindicaram o trono em meados do século
III d.C. fizeram isso com o apoio de alguma unidade do Exército. Houve uma
guerra civil mais ou menos continuada. E também flagrantes subversões das
tradicionais reivindicações de poder. Septímio Severo, ao anunciar que ele e
sua família haviam sido adotados como herdeiros por um imperador falecido mais
de dez anos antes, levou ao extremo até os mais flexíveis padrões romanos de
adoção.
Ao
mesmo tempo, a cidade de Roma foi eclipsada como o centro de poder. Os
imperadores não costumavam mais ficar ali, e sim a centenas de quilômetros, com
seus exércitos. Não tinham mais tempo, incentivo ou dinheiro para seguir o
modelo augustiano de deixar suas marcas na cidade em pedra e mármore, ou de
agir como benfeitores populares. Depois das grandes termas que Caracala
construiu na década de 210 d.C., praticamente não houve projetos imperiais
importantes de construção na capital durante oitenta anos, até o imperador
Deocleciano construir seu conjunto de banhos públicos, na década de 290 d.C.
(grande parte disso ainda está do lado de fora da principal estação ferroviária
de Roma). O fato de os imperadores se ausentarem de Roma também acelerou o
declínio do Senado. Não havia lugar para civilitas entre imperadores e
senadores, para delicadas consultas ou mesmo para passeatas e persistentes
protestos de senadores idealistas e pouco realistas quando o homem no trono não
estava à vista. Os imperadores cada vez mais governavam de longe, por decretos
ou cartas, e sem consultas ao Senado. A condução ao trono de Macrino, que não
era senador (e houve outros imperadores nessa condição), foi outra clara
indicação de que o Senado podia ser contornado.
O que
havia por trás dessas mudanças, e qual era a causa e o efeito, são questões
ainda muito debatidas. Invasões por grupos de “bárbaros” mais eficientes e com
frequência substancialmente “romanizados”, provenientes de fora do Império,
desempenharam um papel. E também os efeitos de uma praga amplamente disseminada
no final do século II d.C., que, mesmo segundo
estimativas moderadas sobre sua taxa de mortalidade, devem ter minado
seriamente os recursos humanos de Roma. E ainda o frágil equilíbrio do modelo
augustiano, que falhou em definir regras claras para a sucessão e seus
estranhos acordos entre imperador e Senado. Este, depois de ser desconsiderado,
ruiu. Mas quaisquer que tenham sido as causas, a nova Roma que emergiu da
“crise” do século III d.C. era notavelmente diferente de qualquer modelo que
tenhamos visto do primeiro milênio.
A
cidade de Roma perdeu irrevogavelmente seu lugar como capital do Império e caiu
nas mãos de invasores em três ocasiões durante o século V d.C., pela primeira
vez desde que foi saqueada pelos gauleses oitocentos anos antes. O mundo romano
passou a ser controlado a partir de capitais regionais, como Ravena e
Constantinopla — a moderna Istambul. As partes ocidental e oriental do Império
eram governadas separadamente. E, após períodos de coordenada perseguição aos
cristãos no final do século III d.C., o Império universal decidiu abraçar a
religião universal (ou vice-versa). O imperador Constantino, fundador da cidade
de Constantinopla no início do século IV d.C., foi o primeiro imperador romano
a se converter formalmente ao cristianismo, batizado em seu leito de morte em
337 d.C. Constantino, em certo aspecto, seguiu o modelo augustiano de
incorporar-se às suas construções, mas o que ele construiu foram igrejas.
Nem
tudo mudou na nova Roma, e certamente não mudou de uma hora para outra. A
população da cidade, cristã ou não, ainda aproveitava os espetáculos no
Coliseu, provavelmente com caçadas a feras em vez de gladiadores, até já bem
avançado o século V d.C., e os imperadores em Constantinopla patrocinavam
entretenimentos no velho modelo da benemerência, com frequência na forma de
corridas de bigas. Mas muitas das continuidades políticas eram superficiais, ou
mesmo mal compreendidas. Como um aceno à tradição, Constantinopla ganhou uma
casa senatorial, mas tratava-se de um edifício para uma instituição que se
tornara um fóssil. Quando um comentarista reconhecidamente confuso tentou
explicar o nome daquele edifício no século VIII d.C., achou que havia sido
construído por um homem chamado “Senatus”.
103. O Arco de
Constantino. Quase todas as esculturas visíveis na fachada vieram de monumentos
anteriores. Inclusive os medalhões acima dos arcos laterais, que são
adriânicos, e os painéis retangulares no nível do ático, que vêm de um
monumento a Marco Aurélio. Os bárbaros, também no ático, são de Trajano.
Na
cidade de Roma, a melhor indicação de que o mundo havia mudado é o arco erigido
em 315 d.C. em homenagem à vitória do imperador Constantino sobre seus rivais
internos. Ele ainda sobrevive, preservado graças à sua incorporação a uma
fortaleza renascentista, entre o antigo Fórum romano e o grande anfiteatro do
Coliseu. À primeira vista, parece bem tradicional, remetendo aos arcos erigidos
em homenagem às muitas vitórias militares de Roma e copiados nos memoriais
imperiais desde então, do Arco do Triunfo em Paris ao Arco de Wellington no
Hyde Park Corner em Londres. É decorado com uma série de cenas que celebram a
autoridade de Constantino em um idioma familiar aos dois primeiros séculos do
poder autocrático romano. O imperador é mostrado combatendo inimigos bárbaros,
discursando para seus soldados, anistiando prisioneiros, fazendo sacrifícios
aos deuses tradicionais, sendo coroado pela Vitória e cumprimentando a
multidão. Tudo isso poderia ter sido esculpido 150 anos antes.
Na
realidade, boa parte havia sido. Excetuando alguns painéis modestos, todas
essas esculturas foram tomadas de monumentos mais antigos que celebravam
Trajano, Adriano e Marco Aurélio. Os rostos dos
imperadores originais foram grosso modo refeitos para ficarem parecidos com
Constantino, e as peças remontadas para exibição no novo arco. Foi um exercício
de nostalgia caro e destrutivo. Para alguns observadores antigos, pode ter sido
bem-sucedido no sentido de colocar o novo imperador dentro da ilustre tradição
dos antigos. Porém, mais do que qualquer outra coisa, esse cuidadoso
falseamento aponta para a histórica distância entre o primeiro milênio da Roma
Antiga, que é o tema deste livro, e o segundo milênio de Roma, que é uma história
que fica para outra vez, outro livro — e outro escritor.”