Editora: Aquarius
ISBN:
978-85-6057-434-5
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 360
Artigos presentes no livro:
Fé, Razão e o Debate público – Agnaldo Cuoco Portugal / A crítica de Tobias Barreto à religião
natural de Jules Simon – Antônio Vidal Nunes / O problema de Deus e a
questão da religião em Xavier Zubiri – Everaldo Cescon / Pensamento pós-metafisico
e Sociedade pós-secular: uma recente entrevista de Habermas sobre Religião –
José Pedro Luchi / A Filosofia da religião em John Caputo. Uma primeira aproximação
– Júlio Zabatiero / Religião na esfera pública – Marcelo Martins Barreira
/ Equívocos sobre a morte de Deus na Fenomenologia do Espírito de Hegel –
Vítor Hugo de Oliveira Fieni / O projeto iluminista e a religião em Kant
– Rafael Pimenta Machado / O conceito de Religião como meio de crítica
interpretativa da religião no pensamento de E. Kant – Ernesto José Caetano /
Atualidade da filosofia kantiana da religião – Robson Ferreira Lima / A
crítica de Kant à História como pretensa legitimadora da Religião – Rafael
Hygino Meggiolaro / A felicidade como destino do homem na crítica kantiana
da religião – João Batista da Silva Junior / O conceito de Salvação em
Lutero e Kant – Ludmila Portela / O Agir entre finito e infinito: Críticas
de Hegel a Kant – Márcio Lourenço Garcia / A crítica de Hegel à Ética de
Kant na Fenomenologia do Espírito – Cleiton Barbosa / O Irracionalismo de
R. Otto em resposta ao racionalismo kantiano da religião – Edson Kretle dos
Santos / O conceito de Naturalismo em Habermas – Elaine Cristina Borges /
O Cristianismo na Idade da Interpretação segundo G. Vattimo – Marcony
Uliana
“Hegel viu, assim, no nascimento e na morte
de Cristo a aproximação absoluta entre Deus e o homem, uma humanização de Deus,
de forma que este mostra, por meio da sua encarnação (Mensclawerdung),
que a consciência do homem guarda em-si a luz da divindade. Jesus une, para o
filósofo, aquele Em-si do Pai, inacessível e eterno, à corporalidade e
realidade física humana em sua perenidade. É, para Hegel, o Deus feito homem, o
Verbo que se fez carne que entre nós veio habitar. Diz o Cristo: “Quem me vê,
vê o Pai” (Jo, 14-9), trazendo assim para a sua vida humana a presença de toda
a essencialidade abstrata e divina do Deus de Abraão e de Moisés. Diferente de
Kant, para o qual a vida efetiva e real do Cristo não era tão importante e para
o qual a moralidade do Cristo, e somente esta, era o que realmente importava;
para Hegel a moralidade, juntamente com a vida física de Jesus, a sua verdadeira
passagem histórica pelo mundo, era o que realmente importava1. Para
o autor da Fenomenologia do Espírito (2005) a vida do Cristo era uma
etapa pela qual a consciência humana deveria passar necessariamente, ou seja,
era preciso que em algum período da história houvesse este fenômeno através do
qual o homem se identificaria plenamente com aquilo que é a sua essência e substância,
de um modo que uma diferenciação ontológica entre ambos não poderia mais ser
possível. Jesus é o personagem na ciência da experiência da consciência,
representa a síntese perfeita e absoluta entre toda abstração e toda efetividade.
O Nazareno realiza, pela primeira vez na história, mas, ainda, em caráter
religioso, a deificação humana, ou seja, a essencialização e substancialização
da consciência por um lado e, por outro, a humanização divina, a saber, a
personificação da essência.
Em Cristo, o homem efetivo se faz Deus
abstrato e o Deus abstrato se faz homem efetivo. Este é o movimento feito pela religião
cristã que a concede status de religião absoluta, pois nela homem e Deus,
inessência e essência, mutável e eterno, perfeito e imperfeito, ou seja, os
contrários, se reconciliam plenamente. Em Cristo 0 mal (a corporalidade humana em
sua realidade deteriorável) se reconcilia com o bem (a eternidade perfeita e pura
de Deus) perfeitamente. O Filho de Deus realiza desta forma, na Fenomenologia,
um estágio fundamental na caminhada da formação que a consciência humana vai
fazendo através dos séculos em sua peregrinação no mundo. Nesse homem divino se
cumpre a meta do espírito; fazer com que o Eu se entenda como um Nós e que o Nós
se entenda, tenha um saber-de-si, como Eu. Assim, podemos dizer que, em Cristo,
Deus se faz homem em um movimento religioso que, no desdobramento da
jornada do espírito no mundo, deve evoluir até o ponto em que, um dia, em uma
época particular, o homem também possa fazer-se Deus, ou seja, deificar-se em
um movimento a-religioso, por meio do qual Deus é reconhecido (na filosofia)
como vivo no próprio homem, no ser-humano que move e transforma a história de
modo consciente, de acordo com a sua vontade e destino.
Mas não nos retenhamos neste último, que é o
movimento final descrito na Fenomenologia do Espírito, mas atenhamo-nos
ao que tange à vida divina encarnada no homem de Nazaré, pois é preciso ainda
pontuar algo muito significativo e que é, na verdade, aquilo de que aqui
queremos tratar.
Cristo é a representação do Deus que se faz
homem, mas que também morre na cruz. Hegel vê, então, na pessoa de Jesus um momento
onde a essência abstrata se faz carne e passa a viver no meio dos homens como
homem e vê também aí um momento no qual esta mesma carne, que é habitáculo da
substância eterna, morre na cruz fazendo, assim, com que o Deus etéreo, que habitava
aquele humano, possa também ser dado como morto. É isso que nos anuncia o
filósofo quando escreve de modo bastante claro em sua Fenomenologia que
a morte do mediador (Cristo) não é só a morte do seu lado natural, ou de
seu ser-para-si particular; não morre somente o invólucro já morto, despojado
da essência, mas morre também a abstração da essência divina (HEGEL, 2005,
p.526).”
1 É o que nos diz o próprio Hegel em sua Filosofia
da História (2008) ao afirmar que não é “adequado que nos lembremos de
Cristo apenas como uma pessoa histórica. Nesse caso, pergunta-se então: o que
significaram o seu nascimento, seu pai, sua mãe, sua educação, seus milagres, etc.?
Ou seja, o que é ele sob um ponto de vista superficial? Se o observamos também
só pelos seus talentos, caráter e moralidade objetiva, como mestre, etc., nós o
colocamos no mesmo nível de Sócrates e outros, mesmo estimando a sua moral como
mais elevada. Mas, primor de caráter, moral, etc., tudo isso não é a
necessidade última do espírito, ou seja, que o homem adquira o conceito
especulativo do espírito em sua representação. Se cristo deve ser só um excelente
indivíduo, sem pecados e somente isso, então a representação da ideia especulativa,
da verdade absoluta, é negada” (HEGEL, 2008, p. 275).
(Vítor Hugo de Oliveira Fieni)
“Acredito no Deus que criou o homem, e não no
Deus que os homens criaram.” (Diderot)
“Estas ideias, Deus e Religião, ganham no
pensamento de Kant conceitos totalmente diferentes daqueles que são usualmente empregados
pelo senso-comum. Enquanto a religião aparece como uma consequência dos atos
morais praticados pelo homem, ou seja, como algo que promana da moral como um
fim, daí o sentido teleológico, ao mesmo tempo ela depende da ideia de
um ser superior que possibilite a síntese entre os dois âmbitos representados
pela moral e a religião, isto é, o universal e o histórico (ou empírico),
síntese que é o sumo bem (hõchsten Gutes) e que só é possível se
for considerado como provindo deste ser supremo (Deus) que não está sujeito às
limitações humanas e que, por isso, contém em si a forma lógica de todos os at0s
conformes à lei moral. Em outras palavras, o homem, dada a sua natureza
sensível, não pode ser um ser estritamente moral, pois mesmo alcançando o bem em
sua existência ele nunca deixa de ser assediado pelo mal, de modo que a efetivação
do sumo bem se dá para ele mais no sentido de uma meta, de um caminho, e
é neste sentido que a religião desempenha um papel pedagógico em sua formação,
e Deus – em concordância com os resultados alcançados na Crítica
da Razão Pura – aparece como uma Ideia da razão, que tem o
sentido prático de orientar a ação, e não o sentido cognitivo de ampliar o
conhecimento.
Esta cisão que se dá no âmbito da razão entre
o universal e o histórico corresponde, na religião, à cisão entre a Religião
racional e a Religião eclesial.
A Religião eclesial é a igreja histórica, a
qual é, no melhor dos casos, fundada com base na revelação. Tal igreja
histórica estimula entre seus seguidores à fé em um culto a Deus que se dá por
meio de atos muitas vezes desprovidos de sentido moral, apesar de poder ser
atribuído a ela um caráter pedagógico, e traz também, em sua efetivação, a
limitação de ser uma fé apenas local, não chegando igualmente a todos os
homens. Já a religião racional é fundada unicamente na lei moral, a qual está
presente igualmente no coração de todo homem, portanto, esta religião não depende
de dados empíricos ou revelados para poder ser conhecida por todos, apesar de
poder estar em pleno acordo com a revelação.
Mas, apesar da natureza fenomênica do homem,
o qual pode facilmente inverter a máxima de suas ações colocando o amor-de-si no
lugar do puro seguimento da lei moral, apesar desta limitação, o homem deve buscar
pelas suas próprias forças alcançar a síntese entre religião histórica e
religião racional, entre Igreja visível e Igreja invisível, ou seja, deve
buscar a efetivação de um Reino de Deus na terra, deve buscar efetivar o sumo
bem, e tal projeto só pode ser alcançado através da ereção do que Kant
chama de uma comunidade ética, a qual é uma comunidade histórica, porém
fundada no puro seguimento da lei moral, e não apenas na positividade das leis
humanas. Tal comunidade deve partir do princípio de que o mal não está presente
no homem de uma forma natural, pois assim este não teria escolha no momento de
sua decisão. Ao contrário, o mal é uma inversão ou uma deflexão da
lei moral, ou melhor, das máximas que orientam o agir – e esta inversão ou
deflexão não pode ser simplesmente extirpada do coração do homem, motivo pelo
qual o mal é chamado por Kant de radical – e este ato é assumido
livremente pelo homem, mas a sua ativação, segundo Kant, tem como causa a
comparação mesmo a simples relação que o homem guarda com os outros homens, o
que dá um aspecto social ao mal radical.3”
3 HERRERO. F. J. Religião e História em Kant.
São Paulo: Edições Loyola, 1991, p. 89. Na nota 44 lê-se: “Pelo fato de o mal
ser social, não basta a conversão individual. Kant diz que se não se pudesse
encontrar qualquer meio para edificar uma união social que evite o mal e
promova o bem, então o mal ‘por mais que o homem individual possa ter domíni0,
o manteria sem cessar no perigo de recair em seu domínio’”.
(Robson Ferreira Lima)
“Disso se conclui que essas leis estatutárias
são prescrições puramente arbitrárias, [...] solenidades, confissões de fé referentes
a leis reveladas e por meio da observância das prescrições relativas à forma da
Igreja”.30 Contudo, Kant não despreza completamente a crença das
igrejas estatutárias, ele as vê como “[...] um simples meio.”31 Ele
afirma: “De fato, o que a fé de igreja tem de teórico não poderia nos
interessar moralmente se não contribuir para o cumprimento de todos os deveres humanos
enquanto mandamentos de Deus (o que constitui o essencial em toda religião).”32
Outra função da tradição parece ser torná-la acessível ao povo, uma vez que a
fé popular não poderia ser negligenciada, porque nenhuma doutrina baseada somente
na razão, parece convir ao povo como norma invariável [...]”33. As
Escrituras, as “teorias” de cada igreja e seu conteúdo histórico fundador são
reduzidos à sua função alegórica,34 atribuídos às “primeiras
manifestações grosseiras para uso de culto, dando lugar a pretensas revelações”.35
Nesse sentido, Kant diz que devemos fazer uma
leitura das Escrituras buscando preceitos morais, mesmo que isso signifique interpretar
certas passagens no seu limite, “contanto, porém, que seja possível que o texto
o admita [...]”.36 Não é o bem moral que deve se adequar à religião,
mas ao contrário, a religião deve ser adaptada pelo homem ao que este considera
bom, num esforço racional. Esse pensamento coloca um obstáculo entre Kant e as religiões
tradicionais, mas não buscaremos sanar essa contradição nesse artigo, para nós,
nesse momento, basta considerá-la como argumento para afirmar que Kant não
despreza completamente esses elementos numa religião, mas os vê como
meios potenciais37 para a comunicação do bem moral.”
30 Id. p.95
31 Id. p.95
32 Id.p.99
33 Id.p.101
34 Interessante notar que Kant cita como
apoio a esse argumento outras religiões. Os filósofos clássicos teriam chegado
a mesma conclusão em relação a seu politeísmo. Os judeus fariam “interpretações
desse gênero, em parte muito forçadas, mas [...] em vista de fins incontestavelmente
bons e necessários a todos os homens.” Os maometanos dariam descrições agradáveis
do paraíso, inclusive com elementos sensuais, o que parece ser para Kant uma construção
em vista de tornar esse fim mais desejável. KANT, Op. Cit., p. 100
35 Id.p. 100
36 Nessa página existe uma nota de rodapé em
que Kant oferece um exemplo de interpretação desejável para um trecho da
Escritura. Id., p. 99.
37 Algumas vezes a crença histórica é vista
como um fio condutor (KANT, op. cit., p. 104)
(Rafael Hygino Meggiolaro)
“A “guinada kantiana” é a inversão do
posicionamento tradicional, que coincidia a moral com a felicidade, para o
princípio da moralidade independente de qualquer conteúdo, seja a felicidade ou
qualquer outro; o princípio da moral passa a residir apenas na sua forma, o
dever. Para Kant, conhecemos primeiro lei moral (o dever) como “fato da razão”
e depois dela inferimos a liberdade como seu fundamento e como sua condição. O
aspecto positivo da liberdade é a própria autonomia moral do homem, ou virtude
de determinar a si mesmo a sua própria lei. O que a lei moral expressa é
justamente isso, a autonomia da razão pura prática, da liberdade como condição
de todas as máximas. Assim sendo, todas as morais que se baseiam em conteúdos,
como a dos eudaimonistas e todos os filósofos anteriores a Kant, comprometem a
autonomia da vontade.”
(João Batista da Silva Junior)
“Ao contrário do que afirmava Aristóteles e
todos os pensadores eudaimonistas, para Kant virtude não é felicidade, nem a felicidade
é virtude. Deve-se obedecer a lei moral como uma condição necessária a priori,
mas pode-se deduzir a felicidade do fim último do homem, do seu agir moral,
pois o virtuoso que combate incessantemente o mal radical, ele é sim digno de felicidade.
Aristóteles, um dos pilares da ética clássica, entendia que o princípio de
todas as coisas, inclusive da vontade humana, possuem o caráter natural da
busca de um fim (virtude) para agir, e o fato determinante do agir é executar a
ação que é por si o bem, um estado de felicidade, porque toda ação dessa
natureza terá como fim o bem; a virtude (areté) aristotélica se encontra
num justo meio entre aqueles extremos. Para Aristóteles, a felicidade (eudemonia)
não consiste nem nos prazeres, nem nas riquezas e nem nas honras, mas numa vida
virtuosa.
Todo conhecimento e todo trabalho visa a algum bem, quais afirmamos ser
os objetivos da ciência política e qual é o mais alto de todos os bens que se
pode alcançar pela ação. Verbalmente quase todos estão de acordo, pois tanto o
vulgo quanto os homens de cultura superior dizem ser esse fim a felicidade e
identificam o bem viver e o bem agir com o ser feliz. (ARISTÓTELES, Ética
a Nicômaco, 1984, p. 51.)
Segundo Kant, somente a vontade é boa em si
mesma pois, “neste mundo, e até também fora dele, nada é possível pensar que
possa ser considerado como bom sem limitação a não ser uma só coisa: uma boa
vontade”1. Dessa maneira, a vontade, não em função daquilo que
realiza, tampouco por sua utilidade, mas somente pelo seu querer que coincide
com a lei moral pode ser concebida como boa em si mesma. Kant levou o seu
formalismo às últimas consequências, prescindindo, dessa maneira, de qualquer
conceito de “fim”, pois concebe que “a natureza racional existe como fim em si”.
Neste sentido, a vontade deve ser determinada a priori, objetivamente, pelo
imperativo categórico, o que significa dizer que para Kant a razão pura em si
mesma é prática porque determina a vontade sem que entrem em jogo outros
fatores, como a felicidade, bastando a pura forma da lei moral. É a partir do conceito
de dever que a ética deve investigar os fins e, em relação a eles, determinar
aquelas máximas que os homens devem adotar para si mesmos, em concordância com princípios
morais. Essa proposição é claramente expressa com a lei fundamental da razão prática
que diz:
Age de tal modo que a máxima da tua vontade possa valer sempre ao mesmo
tempo como princípio de uma legislação universal. (KANT, 1991, p. 42.)
O mal, segundo Kant, é uma natureza não do
homem, mas se esconde por trás da razão, mais precisamente uma propensão da
sociabilidade humana, da vida em sociedade, porque “a inveja, a ânsia de
domínio, a avareza e as inclinações hostis a elas associadas assaltam a sua
natureza, em si moderada, logo que se encontra no meio dos homens, e nem sequer
é necessário pressupor que estes já estão mergulhados no mal e constituem
exemplos sedutores; basta que estejam aí, que o rodeiem, e que sejam homens,
para mutuamente se corromperem na sua disposição moral e se fazerem maus uns
aos outros.”2 O bem sim é a disposição originária do homem, afirma
Kant, o que não fere o princípio de não-contradição pois, em última instância,
o homem sem a sociabilidade vai possuir a alma e a razão (prática ou teórica),
seu componentes naturais da disposição ao bem, mas sem a sociabilidade não há
propensão para o mal.”
1 KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica
dos costumes, p. 21, (BA 1).
(João Batista da Silva Junior)
“Nesse sentido, Lutero entende as boas outras
do homem não como causa de sua salvação, mas como consequência de sua fé. As
obras são, portanto, prática natural para o cristão possuidor de uma fé
verdadeira e não induzem a salvação, dado o caráter pecador de todas as ações
humanas. Aquele que crê é praticante de boas obras, sendo aquele que não as
pratica, servidor da descrença. A salvação não vem pelo mérito das obras, mas
as obras nascem como consequência da fé, verdadeira fonte de eleição:
Pois a justiça de Deus não é adquirida através de atos frequentemente repetidos,
como ensinou Aristóteles7, mas é infundida pela fé. [...] Daí quero que
aquela expressão sem obras seja entendida não no sentido de que o justo nada
opere, mas no sentido de que as suas obras não fazem a sua justiça. Antes, é a
sua justiça que faz as obras. Pois é sem a nossa obra que a graça e a fé são
infundidas, ao que, de imediato, se seguem as obras.8”
7 Em ocasião da reunião do Capítulo de
Heidelberg, em 1518, Lutero formulou e apresentou 40 teses violentamente
dirigidas contra a metafísica aristotélica. O monge buscou defender a ideia de que
mesmo as melhores obras humanas são, perante Deus, fruto do pecado imanente ao
ser humano. Ele qualifica como tola a afirmação do livre-arbítrio como
categoria de justificação do homem perante Deus, pois, de acordo com os
escritos bíblicos, “o livre-arbítrio é sempre escravo do pecado”. Dessa forma “somente
está apto para conseguir a graça de Cristo quem desesperar totalmente de si
mesmo e colocar sua confiança totalmente em Cristo.” DREHER, Martin N.
Introdução. In: LUTERO, Martinho. Obras selecionadas: Os primórdios
Escritos de 1517 a 1519. v. 1, São Leopoldo: Sinodal, 1987, P. 36.
8 LUTERO, Martinho. Demonstração das Teses
debatidas no Capítulo de Heidelberg. In: Obras selecionadas: Os primórdios
Escritos de 1517 a 1519. v. 1, São Leopoldo: Sinodal, 1987, p. 52.
(Ludmila Portela)
“O sumo bem é a união da felicidade e
moralidade. A virtude é o que nos torna dignos de sermos felizes, para Kant.
Mas já que não é possível ser moralmente perfeito, não é possível exigir a felicidade
se não por sorte e graça. Hegel faz uma crítica ferrenha a Kant por essa
contradição, que na verdade é apenas uma dissimulação, de nunca sermos morais e
a moralidade ser o que nos faz dignos da felicidade: “a não-moralidade aqui
exprime exatamente o que ela é: que não se trata da moralidade, mas da felicidade
em si e para si, sem referência à moralidade”. (HEGEL, Fenomenologia do Espírito,
2005, p. 426). Quer dizer que nunca se pensou em ser moral, só se pensara em
ser feliz e a consciência moral é uma dissimulação hipócrita dessa finalidade.
O juízo de que “as coisas vão mal para o indivíduo moral, e bem para o
indivíduo imoral” nunca fez sentido, não é possível julgar alguém por ser
imoral, pois a moralidade mesma é imperfeita. Logo, diz Hegel “Por isso, o sentido,
e conteúdo do juízo da experiência é apenas este: que a felicidade em si e para
si não deveria caber a certa gente. Quer dizer é a inveja que se cobre com o
manto da moralidade”. Se todos somos necessariamente imorais então ser digno de
ser feliz não é nada além de se autoconceder esse direito, e negá-lo a outros,
ou seja, aos que agradam e aos que desagradam respectivamente. Então Deus é
exigido como sendo aquele do qual emana a consciência de uma moral perfeita,
aquele em que está a perfeição moral em-si e para-si, e aquele que vai garantir
a felicidade pelo cumprimento da lei moral. O que mais uma vez demonstra a
hipocrisia da consciência moral ao exigir a existência de Deus para que se possa
garantir a união da felicidade e moralidade para entes nunca morais.”
(Cleiton Barbosa)
“A consciência moral enquanto pertencente a
um ente sensível, é afetada por essa sensibilidade, como já foi dito. Ser afetado
pela sensibilidade, em um outro aspecto, quer dizer romper a sacralidade do
dever puro com o uno. O dever puro essencial, presente na consciência moral, na
verdade não está de forma imediata pois a consciência se sabe afetada peta
sensibilidade, é antes de tudo oriundo de uma outra consciência: o Sagrado Legislador.
No ser-aí sensível, o dever puro essencialmente uno deve tomar a forma de deveres
determinados, deixar de ser o puro indeterminado e apenas formal para se tornar
conteúdo determinado e fim singular, pois não há apenas um dever e sim vários
deveres morais; logo o dever puro em-si e para-si não pertence à consciência do
ente e sim a de outro. A relação com a natureza se torna pelo agir uma relação
positiva, não de puro negativo, assim, a efetivação da moralidade é antes o que
torna contingente o que deveria ser necessário, o que era essencial se torna
inessencial: o dever puro perde sua sacralidade de se saber puro, e passa a ser
obra contingente. No puro formalismo da moral kantiana, não há conteúdo, ou
seja o essencial é somente essencial e portanto vazio de determinação, vazio de
conteúdo, não é suficiente para fundamentar o agir. Mesmo admitindo-se que
seria possível uma moralidade que não deva se tornar efetiva, isso seria mais
uma dissimulação, pois consciência moral é como pressuposto uma consciência de
determinação da vontade, logo é uma violação do conceito de moralidade o não
agir. Mas o que quer dizer uma m0ralidade corrompida pelo agir? No mundo, a
consciência moral cai em perplexidade, pois tem em-si a consciência do dever
puro como, uma virtude, um imperativo categórico: “Age de tal modo a querer que
tua máxima se torne lei universal”. Mas por conta da multidão de deveres” que a
existência no mundo sensível faz surgir, Hegel diz “Por eles no caso concreto
do agir efetivo, a consciência cai em perplexidade, pois cada caso é uma
concreção de muitas relações morais”. Cada caso em que se exija uma atitude ou
um posicionamento, 0 imperativo categórico não se faz suficiente dar suporte
para um agir.
As relações morais se entrelaçam e se
multiplicam tornando impossível distinguir, ou mesmo julgar, um posicionamento
que seja universalmente moral, tendo em vista também que uma ação moral para
Kant, nunca o é em relação aos seus efeitos e sim em sua intenção, assim se
abstém da relação com as consequências e por outro lado não prescreve o modo
correto de agir, nem de julgar. Por exemplo, e esse exemplo vem do filme “Obrigado
por fumar”: um lobista da indústria do cigarro que faz propaganda contra a
demonização do produto, mas ao mesmo tempo tem que educar o filho. Pelo
imperativo categórico posso apoiar tanto a posição de continuar o trabalho de
propaganda do cigarro quanto abandonar essa posição em nome da educação do
filho. A favor seria “Tendo em vista a defesa da liberdade individual de
escolha de fumar ou não, devo continuar meu trabalho”, ou seja, em nome da
defesa da liberdade individual foi cumprido o imperativo categórico e foi uma
ação moral. Contra poderia ser “Tenho deveres para com a educação do meu filho,
não devo apoiar 0 mau exemplo de fumar”, nesse caso também se agir moralmente.”
(Cleiton Barbosa)
“Assim a tarefa moral é como bem diz Hegel “uma
tarefa que deve permanecer tarefa, e contudo ser cumprida” (HEGEL, 2005, p.
415). Não podendo tomar para-si como verdade essa moral racional, a consciência
segue na Fenomenologia do Espírito o caminho em busca de sua verdade, e
anuncia a partir de agora uma outra. Essa nova consciência que se forma com a
dissolução da consciência moral é a chamada “boa consciência”, a consciência romântica,
de Goethe e Schiller. A verdade de um dever que não mais se baseia em um dever
puro racional exterior, sacralizado por um outro ser.”Agora é a lei que é por
causa do Si e não o Si que é por causa da lei” (HEGEL, 2005, p. 435) Agora, um
dever sacralizado pela própria consciência, o saber dessa consciência é 0 saber
total, pois é o que está em suas possibilidades. Não mais é ditada uma regra
que traz para si toda a contingência e a normalizada em um imperativo, não mais
é procurada a universalidade abstrata do dever puro. O próximo passo da consciência
é a “boa consciência” aquele que tem o seu agir por Universal, e o critério
para agir que seja idêntico em todas as situações é apenas a identidade consigo
mesma, podendo assim agir diferente em uma mesma situação se com isso esteja
agindo conforme consigo mesma e seu querer, que é seu saber, imediato.”
(Cleiton Barbosa)
“Há um lado na igreja que diz: ‘Onde há
caridade e amor, ali há Deus’. A presença de Deus é isto.” (G. Vattimo)
Nenhum comentário:
Postar um comentário