quarta-feira, 12 de dezembro de 2018

Capitalismo e Liberdade – Milton Friedman

Editora: Ltc

ISBN: 978-85-2162-652-7

Tradução: Afonso Celso da Cunha Serra

Opinião: ★☆☆☆☆

Páginas: 236

Sinopse: Como declarou Thomas Jefferson, “o progresso está à mão se conseguirmos nos livrar do governo que desperdiça o esforço das pessoas com a desculpa de querer protegê-las”. Mas a lição principal do livro vem da própria experiência de Friedman, de defender esses ideais quando a maioria das pessoas acreditava no Estado grande. Por isso o livro lhe ensinará muito, não só sobre pensamento e política econômica, mas também sobre a importância de lutar por suas ideias, mesmo quando elas não são populares.



“Há uma frase muito citada do discurso de posse do Presidente Kennedy: “Não pergunte o que sua pátria pode fazer por você – pergunte o que você pode fazer por sua pátria”. Constitui uma clara indicação da atitude dos tempos que correm, que a controvérsia sobre esta frase se tenha focalizado sobre sua origem, e não sobre seu conteúdo. Nenhuma das duas metades da declaração expressa uma relação entre cidadãos e seu governo que seja digna dos ideais de homens livres numa sociedade livre. A frase paternalista “o que sua pátria pode fazer por você” implica que o governo é o protetor, e o cidadão, o tutelado - uma visão que contraria a crença do homem livre em sua própria responsabilidade com relação a seu próprio destino. A frase organicista “o que você pode fazer por sua pátria” implica que o governo é o senhor ou a deidade, e o cidadão, o servo ou o adorador. Para o homem livre, a pátria é o conjunto de indivíduos que a compõem, e não algo acima e além deles. O indivíduo tem orgulho de sua herança comum e mantém lealdade a uma tradição comum. Mas considera o governo como um meio, um instrumento – nem um distribuidor de favores e doações nem um senhor ou um deus para ser cegamente servido e idolatrado. Não reconhece qualquer objetivo nacional senão o conjunto de objetivos a que os cidadãos servem separadamente. Não reconhece nenhum propósito nacional a não ser o conjunto de propósitos pelos quais os cidadãos lutam separadamente.

O homem livre não perguntará o que sua pátria pode fazer por ele ou o que pode ele fazer por sua pátria. Perguntará de preferência: “o que eu e meus compatriotas podemos fazer por meio do governo” para ajudar cada um de nós a tomar suas responsabilidades, a alcançar nossos propósitos e objetivos diversos e, acima de tudo, a proteger nossa liberdade? E acrescentará outra pergunta a esta: “o que devemos fazer para impedir que o governo, que criamos, se torne um Frankenstein e venha a destruir justamente a liberdade para cuja proteção nós o estabelecemos?” A liberdade é uma planta rara e delicada. Nossas próprias observações indicam, e a história confirma, que a grande ameaça à liberdade está constituída pela concentração do poder. O governo é necessário para preservar nossa liberdade, é um instrumento por meio do qual podemos exercer nossa liberdade; entretanto, pelo fato de concentrar poder em mãos políticas, ele é também uma ameaça à liberdade. Mesmo se os homens que controlam esse poder estejam, inicialmente, repletos de boa vontade e mesmo que não venham a ser corrompidos pelo poder, este formará e atrairá homens de tipos diferentes.

Como nós podemos beneficiar das vantagens de ter um governo e, ao mesmo tempo, evitar a ameaça à liberdade? Dois grandes princípios apresentados em nossa Constituição nos dão a resposta que foi capaz de preservar nossa liberdade até agora – embora tenham sido violados, repetidamente na prática, enquanto proclamados como preceitos.

Primeiro, o objetivo do governo deve ser limitado. Sua principal função deve ser a de proteger nossa liberdade contra os inimigos externos e contra nossos próprios compatriotas; preservar a lei e a ordem; reforçar os contratos privados; promover mercados competitivos. Além desta função principal, o governo pode, algumas vezes, nos levar a fazer em conjunto o que seria mais difícil ou dispendioso fazer separadamente. Entretanto, qualquer ação do governo nesse sentido representa um perigo. Nós não devemos nem podemos evitar usar o governo nesse sentido. Mas é preciso que exista uma boa e clara quantidade de vantagens, antes que o façamos. E contando principalmente com a cooperação voluntária e a empresa privada, tanto nas atividades econômicas quanto em outras, que podemos constituir o setor privado em limite para o poder do governo e uma proteção efetiva à nossa liberdade de palavra, de religião e de pensamento.

O segundo grande princípio reza que o poder do governo deve ser distribuído. Se o governo deve exercer poder, é melhor que seja no condado do que no estado; e melhor no estado do que em Washington. Se eu não gostar do que a minha comunidade faz em termos de organização escolar ou habitacional, posso mudar para outra e, embora muito poucos possam tomar esta iniciativa, a possibilidade como tal já constitui um controle. Se não gostar do que faz o meu estado, posso mudar-me para outro. Se não gostar do que Washington impõe, tenho muito poucas alternativas neste mundo de nações ciumentas.

A grande dificuldade de evitar o fortalecimento do Governo Federal é, sem dúvida alguma, a atração da centralização para muitos de seus proponentes. Isto lhes permitirá, acham eles, legislar de modo mais efetivo determinados programas que – é assim que imaginam – são do interesse do público, quer se trate de transferência da renda do rico para o pobre ou de objetivos privados para os governamentais. Eles têm razão num sentido. Mas a moeda tem duas faces. O poder para fazer coisas certas é também poder para fazer coisas erradas; os que controlam o poder hoje podem não ser os mesmos de amanhã; e, ainda mais importante, o que um indivíduo considera bom pode ser considerado mau por outro. A grande tragédia do entusiasmo pela centralização, bem como do entusiasmo pela expansão dos objetivos do governo em geral, é que envolve homens de boa vontade que serão os primeiros a sofrer suas consequências negativas.

A preservação da liberdade é a principal razão para a limitação e descentralização do poder do governo.”

 

 

“O cidadão dos Estados Unidos que é obrigado por lei a reservar cerca de dez por cento de sua renda à compra de um determinado contrato de aposentadoria, administrado pelo governo, está sendo privado de uma parte correspondente de sua liberdade pessoal. (...) É verdade que o número de cidadãos que consideram o seguro compulsório para a velhice como um ataque à sua liberdade pessoal deve ser pequeno, mas quem acredita em liberdade não se perde nesse tipo de contas.”

 

 

“O papel do mercado, como já ficou dito, é permitir unanimidade sem conformidade e ser um sistema de efetiva representação proporcional. De outro lado, o aspecto característico da ação através de canais explicitamente políticos é o de tender a exigir ou reforçar uma conformidade substancial. A questão típica deve ser decidida por meio de um “sim” ou um “não”; no máximo pode ser fornecida a oportunidade para um número bem limitado de alternativas. Mesmo o uso da representação proporcional, em sua forma explicitamente política, não é esta conclusão. O número de grupos separados que podem de fato se representados é enormemente limitado em comparação com a representação proporcional do mercado. Mais importante ainda, o fato de o produto ter que ser em geral uma lei aplicável a todos os grupos, em vez de ato legislativos separados para cada “parte” representada, significa que a representação proporcional em sua versão política não só impede unanimidade sem conformidade como também tende à fragmentação e à ineficiência.

Por isso mesmo, destrói qualquer consenso sobre o qual a unanimidade com conformidade poderia basear-se.”

 

 

“A unanimidade é, evidentemente, um ideal. Na prática, não nos podemos permitir nem o tempo, nem o esforço necessário a obter a unanimidade completa a respeito de cada questão. Devemos forçosamente aceitar um pouco menos. Somos, portanto, levados a aceitar a regra da maioria numa forma ou noutra como um expediente.”

 

 

“Um governo que mantenha a lei e a ordem; defina os direitos de propriedades; sirva de meio para a modificação dos direitos de propriedade e de outras regras do jogo econômico; julgue disputas sobre a interpretação das regras; reforce contratos; promova a competição; forneça uma estrutura monetária; envolva-se em atividades para evitar monopólio técnico e evite os efeitos laterais considerados como suficientemente importantes para justificar a intervenção do governo; suplemente a caridade privada e a família na proteção do irresponsável, quer se trate de um insano ou de uma criança; um tal governo teria, evidentemente, importantes funções a desempenhar. Um liberal consistente não é um anarquista.”

 

 

“Ser a favor de taxas de câmbio flutuantes não significa ser a favor de taxas de câmbio instáveis. Quando apoiamos um sistema de preço livre, não significa que somos a favor de um sistema em que os preços flutuam violentamente para cima e para baixo. O que desejamos é um sistema em que os preços sejam livres para flutuar – mas no qual as forças que os determinam sejam suficientemente estáveis de modo que os preços mudem dentro de limites moderados. O mesmo se aplica num sistema de taxas cambiais flutuantes. O objetivo último é um mundo em que as taxas cambiais, embora livres para variar, sejam de fato altamente estáveis porque políticas econômicas e condições básicas são estáveis. A instabilidade das taxas de câmbio é um sintoma da instabilidade da estrutura econômica subjacente. A eliminação de tais sintomas pelo congelamento administrativo das taxas cambiais não corrige nenhuma das dificuldades subjacentes e só torna o ajustamento a elas ainda mais penoso.”

 

 

“Instituições governamentais desempenham papel menos amplo no ensino superior nos Estados Unidos do que nos níveis primário e secundário. Contudo, sua importância cresceu muito, sobretudo até a década de 1920, e hoje elas têm a responsabilidade de metade dos estudantes que frequentam a universidade. Uma das principais razões de seu crescimento reside na sua conveniência – a maioria dos colleges e universidades estatais e municipais cobram anuidades bem menores do que as instituições privadas. Como consequência, as universidades privadas vêm enfrentando problemas financeiros sérios e têm protestado, muito justamente, contra a competição “desonesta”. Elas tentam manter a independência com relação ao governo e, ao mesmo tempo, levadas por problemas financeiros, têm que pedir ajuda ao governo.

A análise já apresentada sugere as linhas mestras ao longo das quais poder-se-ia tentar uma solução. O investimento público no ensino superior pode ser justificado como meio de treinar os jovens para a cidadania e a liderança – embora faça questão de acrescentar que a grande porção de investimento que está sendo atualmente aplicada no treinamento estritamente vocacional não pode ser justificada dessa forma e nem mesmo, como veremos, por nenhuma outra. Restringir a subvenção à instrução obtida numa instituição administrada pelo Estado não pode ser justificado sob nenhum ponto de vista. Qualquer subvenção deve ser passada aos indivíduos, para ser utilizada em instituições de sua própria escolha, com a única condição de que sejam do tipo e natureza convenientes. As escolas governamentais que continuarem em funcionamento deveriam cobrar anuidades que cobrissem os custos educacionais, competindo, assim, em nível de igualdade com as escolas não subvencionais pelo governo.”

 

 

Legislação sobre discriminação nos empregos

Comissões que estudam as práticas discriminatórias na contratação de serviços por motivos de raça, cor ou religião foram criadas em numerosos estados com a tarefa de evitar a “discriminação”. A existência dessas comissões constitui clara interferência na liberdade individual de estabelecer contratos de trabalho com quem quer que seja. Com isso, cada contrato está sendo submetido à aprovação ou desaprovação do Estado. Portanto, trata-se de interferência direta na liberdade, do tipo contra o qual objetaríamos em muitos outros contextos. Além disso, como acontece quase sempre com outras interferências na liberdade, os indivíduos submetidos à lei não são em geral aqueles cujas ações os proponentes da lei desejam controlar.

Considerem, por exemplo, a situação de uma loja situada num bairro habitado por pessoas que têm forte aversão a serem servidas por negros. Suponhamos que uma destas lojas tenha vaga para um empregado, e o primeiro candidato a se apresentar seja negro e preencha todas as exigências estabelecidas pelo empregador. Suponhamos ainda que, como consequência da lei em questão, a loja seja obrigada a contratá-lo. O efeito de tal ação será a redução do movimento de negócios e a imposição de prejuízo ao proprietário. Se a preferência do bairro é realmente firme, poderá levar ao fechamento da loja. Quando o proprietário de uma loja contrata empregados brancos em vez de negros, no caso de não existir uma lei a respeito, ele pode não estar manifestando preferência ou preconceito ou gosto próprios. Pode estar simplesmente transmitindo os gostos da comunidade a que serve. Está na realidade oferecendo aos consumidores os serviços que estes desejam consumir. Entretanto, ele fica prejudicado – e pode ser mesmo o único prejudicado – por uma lei que o proíbe de desenvolver essa atividade, isto é, que o proíba de satisfazer os gostos da comunidade contratando um empregado branco em vez de negro. (...)

Se lançarmos um amplo olhar sobre a História e observarmos o tipo de coisas que a maioria é capaz de fazer, quando casos individuais são julgados na base de seus méritos próprios em vez de como parte de um princípio geral, teremos poucas dúvidas sobre a total inconveniência da aceitação de uma ação do governo nesta área, mesmo do ponto de vista dos que apoiam no momento tal intervenção. Se, no momento, os que apoiam a legislação em exame estão em posição de impor seus pontos de vista, isto se deve a determinada situação constitucional e federal em que uma maioria regional numa parte do país está em posição de impor suas opiniões a uma maioria de outra parte do país.

Em termos gerais, qualquer minoria que dependa da ação específica de uma maioria para defender seus interesses está adotando atitude extremamente míope. A aceitação de certo número de leis aplicadas a certas espécies de casos pode evitar que maiorias específicas explorem minorias específicas. Na ausência de tais leis, as maiorias com certeza usarão seu poder para impor suas preferências ou, melhor, seus preconceitos – e não para proteger as minorias contra os preconceitos das maiorias.”

 

 

“Fiz certa vez uma estimativa grosseira de que, devido à existência dos sindicatos, cerca de 10 a 15 por cento da população de trabalhadores obtiveram aumentos de 10 a 15 Por cento em seus salários. Isso significa que aproximadamente 85 ou 90 por cento da população de trabalhadores tiveram seu nível de salários reduzidos mais ou menos 4 por cento. Desde que fiz tal estimativa, estudos mais detalhados já foram feitos por outros autores. Tenho a impressão de que os resultados apresentados foram mais ou menos da mesma magnitude.

Se um sindicato eleva os salários de determinada profissão ou indústria, torna o volume de empregos disponíveis nessa profissão ou indústria menor do que seria em outras circunstâncias, do mesmo modo que qualquer aumento de preços baixa o volume de compras. O resultado será um número maior de pessoas procurando emprego em outras áreas, o que baixa os salários nas áreas mais procuradas. Como os sindicatos têm mais poder com relação aos grupos que receberiam de qualquer forma salários altos, seus efeitos têm sido o de levar trabalhadores que recebem bons salários a receber salários ainda melhores – às custas dos trabalhadores de salários mais baixos. Os sindicatos, portanto, não só prejudicaram o público em geral e os trabalhadores como um todo por distorcerem a utilização de trabalho, mas também tornaram os salários da classe trabalhadora mais desiguais por reduzirem as oportunidades disponíveis aos trabalhadores menos categorizados.”

 

 

“Os impostos sobre pessoas jurídicas deveriam ser abolidos. Quer isso seja feito ou não, as empresas deveriam ser obrigadas a atribuir a cada acionista individual o lucro que não é distribuído como dividendo. Assim, quando a empresa enviasse um cheque de dividendos, deveria também enviar uma declaração mais ou menos deste tipo: “Além deste dividendo – de centavos por ação, sua empresa também ganhou – centavos por ação que foi reinvestido”. O acionista individual deveria então ser solicitado a declarar o lucro atribuído, mas não distribuído, em seu imposto de renda bem como os dividendos. As empresas estariam assim livres para reinvestirem tanto quanto desejassem; mas não teriam outro incentivo para fazê-lo a não ser o incentivo apropriado de poder ganhar mais internamente o que o acionista ganharia externamente. Poucas medidas contribuiriam mais para revigorar o mercado de capitais, para estimular as empresas, e para promover competição efetiva.”

 

 

“Ultimamente, um ponto de vista específico tem obtido cada vez maior aceitação – o de que os altos funcionários das grandes empresas e os líderes trabalhistas têm “uma responsabilidade social” para além dos serviços que devem prestar aos interesses de seus acionistas ou de seus membros. Esse ponto de vista mostra uma concepção fundamentalmente errada do caráter e da natureza de uma economia livre. Em tal economia, há uma e só uma responsabilidade social do capital – usar seus recursos e dedicar-se a atividades destinadas a aumentar seus lucros até onde permaneça dentro das regras do jogo, o que significa participar de uma competição livre e aberta, sem enganos ou fraude. (...)

Há poucas coisas capazes de minar tão profundamente as bases de nossa sociedade livre do que a aceitação por parte dos dirigentes das empresas de uma responsabilidade social que não a de fazer tanto dinheiro quanto possível para seus acionistas. Trata-se de uma doutrina fundamentalmente subversiva. (...)

“A direção em que a política está se movendo agora – permitindo contribuições das empresas para propósitos de caridade e deduções do imposto de renda – constitui um passo rumo ao estabelecimento de um verdadeiro divórcio entre propriedade e controle, e rumo ao solapamento da natureza e das características básicas de nossa sociedade. Trata-se de um afastamento da sociedade individualista e um avanço para o Estado corporativo.”

 

 

“A derrubada do sistema medieval de guildas foi um primeiro passo indispensável ao surgimento da liberdade no mundo ocidental. Constituiu um sinal do triunfo das ideias liberais, aliás, amplamente reconhecido como tal, o fato de que, em meados do século XIX, na Inglaterra e nos Estados Unidos (e, em menor extensão, no continente europeu), os homens pudessem dedicar-se a qualquer comércio ou ocupação que desejassem, sem a autorização de nenhuma autoridade governamental ou paragovernamental. Em décadas mais recentes, tem ocorrido um retrocesso, uma tendência crescente de restringir determinadas ocupações aos portadores de licença para tanto fornecida pelo Estado.

Tais restrições à liberdade de os indivíduos usarem seus recursos conforme lhes aprouver são importantes por si sós, além de criarem um tipo especial de problemas aos quais podemos aplicar os princípios desenvolvidos nos dois primeiros capítulos.

Examinarei primeiro o problema geral e depois um exemplo particular, o de restrições à prática da medicina. A razão de ter escolhido a medicina reside no fato de ser mais conveniente centralizar a discussão no caso que parece fornecer justificativa maior – não há muito a aprender na derrubada de posições fracas. Imagino que a maioria das pessoas, possivelmente até a maior parte dos liberais, acredita ser necessário restringir a prática da medicina às pessoas que obtiveram para isso a licença do Estado. Concordo com que se considere o caso da medicina crucial – em comparação com qualquer outro. Entretanto, as conclusões a que chegarei são as de que os princípios liberais não justificam a necessidade de uma licença, mesmo para a prática da medicina, e que, em termos concretos, isso constitui um procedimento indesejável.”

 

 

“Declara-se, em geral, ser necessário distinguir entre a desigualdade em termos de dotação pessoal e em termos de propriedade, e entre desigualdades que se originam de riqueza adquirida. A desigualdade resultante de diferenças nas capacidades pessoais ou as originadas da riqueza acumulada pelo indivíduo em questão são consideradas apropriadas ou, pelo menos, não tão impróprias como as diferenças resultantes da riqueza herdada.

Essa distinção é insustentável. Há justificativa ética mais bem fundamentada para os altos retornos obtidos por um indivíduo que herdou de seus pais certo tipo de voz, pela qual há grande demanda, do que para os altos retornos obtidos por um indivíduo que herdou propriedade? (...)

Será que estaríamos dispostos a exigir de nós próprios e de nossos concidadãos a aceitação de uma regra como a seguinte – todas as pessoas cuja renda excedesse à média de todas as demais no mundo deveriam imediatamente dispor do excesso, por meio da distribuição, em partes iguais, por todos os habitantes do mundo? Podemos admirar e elogiar tal comportamento quando adotado por alguns poucos. Mas um procedimento universal tornaria impossível um mundo civilizado. (...)

A maior parte das diferenças de status ou posição ou riqueza raramente pode ser considerada como resultado da sorte. O homem trabalhador e econômico é qualificado de “merecedor”, entretanto ele deve suas qualidades em grande parte aos genes que teve a felicidade (ou infelicidade) de herdar.”

 

 

“É difícil para mim, como liberal, encontrar alguma justificativa para a taxação gradual em termos de pura redistribuição de renda. Parece-me um caso claro de coerção, em que se tira de uns para dar a outros, e assim se entra em conflito frontal com a liberdade individual.

Considerados todos os pontos, a estrutura de imposto de renda pessoal que me parece melhor seria um imposto uniforme sobre a renda acima do nível de isenção, com a renda definida de modo bastante amplo e as deduções permitidas apenas para despesas com a obtenção da renda, despesas essas definidas de modo bem rígido. Como já foi sugerido no capítulo V, eu combinaria esse programa com a abolição do imposto da renda para as empresas e acrescentaria a exigência de que estas atribuíssem sua renda a seus acionistas e de que os acionistas incluíssem, tais importâncias em suas declarações.”

 

 

“Após ter esclarecido as questões acima, estamos agora em condições de encarar o ponto central: a obrigação da compra das anuidades para a proteção à velhice*.

Uma justificação possível para essa obrigatoriedade é de fundo paternalista. As pessoas poderiam, se quisessem, fazer individualmente o que a lei as obriga a fazer como grupo. Mas, individualmente, são imprevidentes e incapazes. “Nós” sabemos melhor do que “elas” o que lhes é conveniente; não podemos persuadir cada uma em separado, mas podemos persuadir 51% ou mais para que obriguem todas a fazer o que é melhor para elas. Esse paternalismo se dirige a pessoas responsáveis e não tem, portanto, nem mesmo a desculpa de estar tratando com crianças ou com insanos.

Essa posição é lógica. Um paternalista convicto que a defende não poder ser dissuadido dela pela demonstração de que comete um erro de lógica. Ele está em posição contrária em termos de princípios: não se trata de um companheiro bem-intencionado que toma um caminho errado. Ele acredita basicamente em ditadura – benevolente e talvez até mesmo majoritária –, mas ditadura do mesmo modo.

Aqueles, dentre nós, que acreditam em liberdade devem crer também na liberdade dos indivíduos de cometer seus próprios erros. Se um homem prefere, conscientemente, viver o dia de hoje, usar seus recursos para se divertir, escolhendo deliberadamente uma velhice de privações, com que direito podemos impedi-lo de agir assim? Podemos argumentar com ele, tentar persuadi-lo de que está errado. Mas podemos usar a coerção para impedi-lo de fazer o que deseja fazer? Não existirá a possibilidade de que esteja ele certo, e nós errados? A humildade é a virtude que distingue o indivíduo que acredita na liberdade; arrogância é a que distingue o paternalista.”

*: Obrigação do pagamento de aposentadoria.

 

 

Liberalismo e igualitarismo

A essência da filosofia liberal é a crença na dignidade do indivíduo, em sua liberdade de usar ao máximo suas capacidades e oportunidades de acordo com suas próprias escolhas, sujeito somente à obrigação de não interferir com a liberdade de outros indivíduos fazerem o mesmo. Este ponto de vista implica a crença da igualdade dos homens num sentido; em sua desigualdade noutro. Todos os homens têm o mesmo direito à liberdade. Este é um direito importante e fundamental precisamente porque os homens são diferentes, pois um indivíduo quererá fazer com sua liberdade coisas diferentes das que são feitas por outros; e tal processo pode contribuir mais do que qualquer outro para a cultura geral da sociedade em que vivem muitos homens.

O liberal fará, portanto, uma distinção clara entre igualdade de direitos e igualdade de oportunidades, de um lado, e igualdade material ou igualdade de rendas, de outro. Pode considerar conveniente que uma sociedade livre tenda, de fato, para uma igualdade material cada vez maior. Mas considerará esse fato como um produto secundário desejável de uma sociedade livre – mas não como sua justificativa principal. O liberal acolherá, de bom grado, medidas que promovam tanto a liberdade quanto a igualdade como, por exemplo, os meios para eliminar o poder monopolista e desenvolver as operações do mercado. Considerará a caridade privada destinada a ajudar os menos afortunados como um exemplo do uso apropriado da liberdade. E pode aprovar a ação estatal para mitigar a pobreza como um modo mais efetivo pelo qual o grosso da população pode realizar um objetivo comum. Dará sua aprovação, contudo, com certo desgosto, pois estará substituindo a ação voluntária pela ação compulsória.

Aquele que pensa em termos de igualdade acompanhará o liberal em todos estes casos. Mas pretenderá ir mais longe. Defenderá o direito de tirar de alguns para dar a outros, não como um meio efetivo pelo qual “alguns” poderão alcançar seu objetivo próprio, mas na base da necessidade da “justiça”. Neste ponto, a igualdade entra imediatamente em conflito com a liberdade, sendo preciso, pois, escolher. Um indivíduo não pode ser igualitário, neste sentido, e liberal ao mesmo tempo.”

 

 

“Um imposto de renda estabelecido inicialmente na base de taxas baixas e, mais tarde, utilizado como meio de redistribuição da renda em favor das classes mais baixas tornou-se simples fachada, cobrindo brechas e procedimentos especiais que tornam as taxas mais altas praticamente inúteis. Uma taxa uniforme de 23,5% sobre as rendas presentemente consideradas como tributáveis produziria o mesmo volume de arrecadação produzido pelo sistema atual de taxação graduada de 20 a 91%*. Um imposto de renda destinado a reduzir a desigualdade e a promover a difusão da riqueza teve como resultado na prática o reinvestimento dos lucros das grandes companhias, favorecendo assim o crescimento de grandes empresas, inibindo as operações do mercado de capitais e desencorajando a implantação de novas empresas.”

*: Taxa aplicada nos EUA à época.

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