Editora: EDIPUCRS
ISBN: 978-85-7430-212-6
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 120
“Toda sociedade produz uma imaginação
política que legitima tanto a ordem estabelecida quanto as ações contrárias a
ela. A cada época histórica a humanidade cria seus sistemas de representações,
cria formas de sociabilidade através das quais reproduz suas necessidades
materiais e simbólicas e busca produzir os meios necessários para supri-las. A
vida em sociedade supõe, de modo permanente, a produção de significados. As
concepções políticas e morais – Liberalismo, Democracia, Socialismo, Ecologismo
– nada mais fazem que buscar esse fenômeno presente de forma constante na
existência social.
A formação de uma mentalidade não se dá por
acaso, nem pela produção do espírito de alguns iluminados, o que contraria
certas vertentes racionalistas. Uma mentalidade se sedimenta em uma determinada
época e cultura como consequência das suas peculiaridades sociais e das
múltiplas determinações porque passa sua realidade social. É fruto do mundo
vivido de sujeitos históricos, da capacidade individual e coletiva de se perceber,
explicar e transformar o mundo.”
“Na concepção liberal, mercado é o conjunto
de relações sociais onde se efetuam as trocas de mercadorias. É um sistema
econômico onde as quantidades produzidas e os preços praticados dependem da
confrontação da oferta com a procura, não de um planejamento.
Para Von Mises, Professor da escola neoliberal
austríaca, a economia de mercado é um sistema social baseado na divisão do
trabalho e na propriedade privada dos meios de produção. Para ele:
“O mercado não é um local, uma coisa, uma
entidade coletiva. O mercado é um processo impulsionado pela interação das
ações dos vários indivíduos que cooperam sob o regime da divisão do trabalho.
As forças que determinam a – sempre variável – situação do mercado são os
julgamentos de valor dos indivíduos e suas ações baseadas nesses julgamentos de
valor. A situação do mercado num determinado momento é a estrutura de preços;
isto é, o conjunto de relações de troca estabelecidas pela interação daqueles
que estão desejosos de compra. Não há nada, em relação ao mercado, que não seja
humano, que seja místico. O processo de mercado resulta exclusivamente das
ações humanas.” (MISES, Ação humana, 1990,
p. 256-257)
A defesa da propriedade privada dos meios de
produção já implica uma limitação das condições que asseguram o desenvolvimento
da livre concorrência. Isto significa que o Estado deve legislar em função da
propriedade e da concorrência. A razão pela qual o liberalismo se opõe a uma
maior extensão da ação do governo na economia é, essencialmente, porque isso
significa interferir na propriedade privada e na liberdade dos indivíduos,
roubando espaço e se tornando um concorrente do capital.”
“A diferença do pensamento liberal clássico
para o neoliberalismo, segundo Fraz Hinkelammert, está no fato de que o
primeiro representa a defesa da sociedade burguesa contra as sociedades
pré-capitalistas, especialmente a sociedade feudal dos séculos XV ao XVII. Já o
neoliberalismo proclama a legitimidade da sociedade burguesa contra as tendências
socialistas existentes. Todavia, não é só contra as ideias socialistas que se
insurge o neoliberalismo; ele se coloca contra toda uma forma de
intervencionismo político na economia. Pouco depois da II Guerra Mundial, em
1947, na Suíça, é instituída a sociedade Mont Pélerin, cuja finalidade maior
era lutar contra a reconhecida hegemonia de John Keynes e sua escola.”
“Para o neoliberalismo o homem é um ser de
necessidades e desejos. As necessidades do homem se manifestam através dos desconfortos
e os desejos através das escolhas. O homem vive submetido a três condições que
o fazem agir: desconforto; capacidade de imaginar uma situação melhor; e a
crença de que sua ação possa resolver ou amenizar o seu desconforto.
A ação humana é um comportamento propositado,
ou seja, é consciente. A ação é a essência de natureza e da existência humana;
é o meio de preservar a vida e de se elevar acima da natureza. O objetivo do
agir humano é romper um desconforto; é a satisfação dos desejos. Para os neoliberais,
existe diferença entre ação e trabalho15. Ação significa emprego de
meios para atingir fins. Um dos meios empregados é o trabalho do agente homem.
A ação é a manifestação da vontade humana, segundo Von Mises (1990, p. 14):
“Vontade significa nada mais do que a
faculdade do homem de escolher entre diferentes situações; preferir uma,
rejeitar outra, e comportar-se em consonância com a decisão tomada, procurando
alcançar a situação escolhida e renunciando à outra.”
O critério que estabelece se um indivíduo
está numa situação de desconforto ou não é a sua própria vontade e capacidade
de julgamento. O fim último da ação humana é alcançar a felicidade: há
indivíduos cujo único propósito é ficar rico. Há outros que desejam responder
suas taras com comida, bebida e sexo. Certos indivíduos, tocados pelo
sofrimento de outros, desejam dedicar-se a caridades. Há os que querem ser
professores, políticos e outros que sonham em modificar o mundo. Há indivíduos
que não acreditam em nada. E por aí, vai se determinando os desconfortos
individuais. Um indivíduo só é feliz quando consegue atingir seus fins.
Fundamentado na praxiologia, o pensamento
neoliberal compreende a sociedade como uma consequência do comportamento,
propositado e consciente, que deram origem à cooperação social e à ajuda mútua
em função de objetivos específicos e individuais. A sociedade não é instituída
por nenhum tipo de contrato entre os indivíduos. Por ser um animal que pensa e
age, o homem tornou-se um animal social. A sociedade, portanto, nada mais é do
que divisão de trabalho e combinação de esforços. Para Von Mises (1990, p.
165):
“A cooperação social nada tem a ver com amor
pessoal, nem com um mandamento que nos diz para amarmos uns aos outros. As
pessoas não cooperam sob a égide da divisão do trabalho porque amam ou deviam
amar uns aos outros. Cooperam porque assim servem melhor a seus próprios
interesses. Nem é amor, nem a caridade ou qualquer outro sentimento afetuoso,
mas sim o egoísmo, corretamente entendido, que originalmente impeliu o homem a
se ajustar às exigências da sociedade, a respeitar as liberdades e direito de
seus semelhantes e a substituir a amizade e o conflito pela cooperação
pacífica.”
O indivíduo vive e age em sociedade. No
entanto, a sociedade em si não existe, a não ser através das ações individuais.
Somente no sentido de que o ser humano nasce em um ambiente organizado é que,
para os neoliberais, se pode aceitar de forma lógica e histórica a concepção de
que a sociedade antecede o indivíduo.”
15: Denomina-se trabalho o emprego das
funções e manifestações fisiológicas da vida humana como um meio. A simples
manifestação das potencialidades da energia humana e dos processos vitais,
quando são utilizados para atingir os objetivos externos, diferentes do mero
funcionamento desses processos vitais e do papel fisiológico que desempenharam
na consumação biológica, não é trabalho; é simplesmente vida. O homem trabalha
ao usar suas forças e habilidades como meio para diminuir seu desconforto, e ao
substituir o escoamento espontâneo de suas faculdades físicas e tensões
nervosas pela exploração propositada de sua energia vital. O trabalho é um meio
e não um fim em si mesmo” (VON MISES, 1990, p.128).
“Segundo Von Mises (1990, p. 3):
“A teoria geral da escolha e preferência vai
muito além dos limites que cingiam o campo dos problemas econômicos estudados
pelos economistas, de Cantillon, Hume e Adam Smith até John Stuart Mill. É
muito mais do que simplesmente uma teoria do aspecto econômico do esforço humano
e da luta para melhoria de seu bem-estar material. É a ciência de todo tipo de
ação humana. Toda divisão humana representa uma escolha. Ao fazer sua escolha,
o homem escolhe não apenas entre diversos bens materiais e serviços. Todos os
valores humanos são oferecidos para opção. Todos os fins e todos os meios,
tanto os resultados materiais como os ideais, o sublime e o básico, o nobre e o
ignóbil são ordenados numa sequência e submetidos a uma decisão que escolhe um
e rejeita outro.”
A praxiologia é a ciência da ação humana. No
entanto, ela não trata do mundo exterior, mas somente da conduta do homem em
relação ao mundo exterior. Ao analisar a categoria ação encontramos os
seguintes conteúdos: Meios e fins; escala de valores e a ação como troca.
Fim ou objetivo de uma ação é o resultado que
se pretende alcançar. Meio é tudo que utilizamos, até o trabalho, para atingir
os fins estabelecidos. Na essência, o objetivo de uma ação é aliviar algum
desconforto. Todavia, no universo não se encontram os meios para realização de
uma ação, só existem coisas. Uma coisa só se torna um meio quando a razão
humana percebe a possibilidade de empregá-la para atingir determinados fins e
realmente a emprega com este propósito. É de fundamental importância
compreender que tudo aquilo que compõe o mundo exterior só se transforma em
meio pelo funcionamento da mente humana e pela ação por ela engendrada.
A escala de valores faz parte do cotidiano do
agente homem que tem preferência por algumas alternativas e rejeita outras.
Todavia, quando ele organiza suas ações tem uma escala de valores na sua mente.
No entanto, essa escala não tem existência real, distinta do comportamento
efetivo dos indivíduos. A fonte da qual deriva o conhecimento dela é a
observação das ações dos indivíduos. Fundamentada na concepção de que os
objetivos da ação humana não podem ser avaliados por nenhum padrão absoluto, a
praxiologia condena as doutrinas de caráter ético que pretendem estabelecer
escala de valores segundo os quais o homem deveria agir. Os objetivos finais de
uma ação não são irredutíveis; são meramente subjetivos e diferem de pessoa
para pessoa e para a mesma pessoa em momentos diferentes de sua vida. Valor é
compreendido como a importância que o homem atribui aos seus objetivos finais.
A ação, como troca, parte do pressuposto de
que todo agir humano é uma tentativa para substituir uma situação menos
satisfatória por outra mais satisfatória. Nesse processo uma ação menos desejável
é trocada por outra mais desejada. Aquilo que abandonamos é o preço pago para
atingir o objetivo desejado. O valor do preço pago é chamado de custo, que é
igual ao valor atribuído à satisfação de que nos privamos a fim de atingir o
objetivo pretendido. O valor entre o preço pago e a meta alcançada é o lucro ou
renda líquida. O lucro é subjetivo; é um fenômeno psíquico que não pode ser
medido ou pesado. Contudo, pode ocorrer que uma ação acarrete uma situação não
desejada. Assim, o custo incorrido é o prejuízo.
Valorizar significa preferir uma coisa a
outra. O valor de uma coisa é determinado pela expressão de desejos de várias
pessoas em adquiri-lo. Portanto, para os neoliberais, é falaciosa a afirmativa
de que os bens e serviços trocados teriam o mesmo valor. Se fosse verdade –
como pensava a economia clássica, neoclássica e o marxismo – que o valor das
coisas fosse determinado pela quantidade de trabalho necessário à sua produção
e reprodução, não teríamos problemas para aceitar como correta a equivalência
de preços entre as mercadorias. No entanto, para teoria subjetivista do valor,16
os preços de mercado não são determinados em função dos custos com mão-de-obra,
materiais e ferramentas, mas pela importância que os consumidores atribuem a um
produto final.17”
16: Para a teoria subjetivista, “as pessoas
compram e vendem unicamente porque atribuem um maior valor àquilo que recebem
do que àquilo que cedem. Assim sendo, a noção de uma mediação de valor é
inútil. Um ato de troca não é precedido nem acompanhado por qualquer processo
que possa ser considerado como uma mediação de valor. Um indivíduo pode
atribuir o mesmo valor a duas coisas; neste caso, nenhuma troca ocorrerá [...].
Da mesma maneira como não existe padrão de medida para atração sexual, ou para
a amizade e simpatia, ou para o prazer estético, também não existe medida de
valor das mercadorias. (VON MISES, 1990, p.202-204)
17: O valor que o consumidor atribui ao
produto final não é apenas pelo seu aspecto material, segundo Von Mises (1990, p.
132): “Não devemos subestimar o fato de que, na realidade, nenhum alimento é
valorado apenas pelo seu valor nutritivo e nenhuma casa ou vestimenta apenas
por proteger da chuva e do frio. Não se pode negar que a demanda por bens é
largamente influenciada por considerações metafísicas, religiosas e éticas, por
julgamentos de valor estéticos, por costumes, hábitos, tradições, modas e
muitas outras coisas”.
“(Para os neoliberais) Um governo com funções
e poderes limitados é um governo:
“Que mantenha a lei e a ordem; defina os
direitos de propriedade; sirva de meio para a modificação dos direitos de
propriedade e de outras regras do jogo econômico; julgue disputas sobre a
interpretação das regras; reforce contratos; promova a competição; forneça uma
estrutura monetária; envolva-se em atividades para evitar monopólio técnico e
evite os efeitos laterais considerados como suficientemente importantes para
justificar a intervenção do governo; suplemente a caridade privada e a familiar
na proteção do irresponsável, quer se trate de um insano ou de uma criança; um
tal governo teria, evidentemente, importantes funções a desempenhar.”
(FRIEDMAN, Capitalismo e liberdade, 1988,
p. 39)
O Estado é um aparato social de coerção que
deve utilizar seu poder exclusivamente com o propósito de evitar que as pessoas
cometam ações lesivas à preservação e ao funcionamento da economia de mercado.
Ao proteger a vida, a saúde e a propriedade do indivíduo contra agressão
violenta ou fraudulenta por parte de malfeitores internos e externos, o Estado
cria e preserva um ambiente onde a economia de mercado pode funcionar com
segurança. Não cabe ao Estado interferir nas atividades dos indivíduos, estas
são dirigidas pelo mercado que lhes indica a melhor maneira de promover o seu
próprio bem-estar.”
“O neoliberalismo se diferencia do
liberalismo clássico, do século XVIII, no tratamento do problema da igualdade.
O liberalismo clássico, baseado na Lei Natural e no Direito Natural, exigia a
igualdade nos direitos civis para todos, porque pressupunha serem iguais todos
os homens.25 Para os neoliberais os homens não são iguais, mesmo
entre irmãos há diferenças nos atributos físicos e mentais. A natureza nunca se
repete em sua criação. Portanto, a exigência da igualdade na lei não pode
basear-se na alegação de que os homens são iguais. A razão para que o homem
seja tratado igualmente perante a lei é porque o indivíduo deve ser livre, pois
ser livre é a condição para que obtenha a mais alta produtividade e para que
possa gozar dos frutos do seu trabalho. A outra razão para igualdade perante a
lei, é a manutenção da paz social.
Comentando o liberalismo clássico, o
professor Wanderley Guilherme dos Santos faz uma declaração que mantém
concordância com a postula neoliberal, a saber:
“A tese que sustento é precisamente a
inversa, a saber, a de que a ideia de sociedade implica a ideia de desigualdade.
Com efeito, a única condição concebível na qual os homens seriam igualmente
livres é aquela na qual cada ser humano fosse totalmente autossuficiente. Esta
é a única condição na qual os homens poderiam exercer igualmente a liberdade de
cada qual. Mas não existe sociedade, isto é, interações sociais, composta por
agentes totalmente autossuficientes. A divisão social do trabalho obriga à
interação, tornando a vida social necessária à sobrevivência individual.” (SANTOS,
1988, Paradoxo do liberalismo, p. 22-23)
25: De acordo com SANTOS (1988, p. 21), “a
hipótese de estado natural, em que homens são igualmente livres, e o princípio
de que às mesmas causas correspondem os mesmos efeitos e, portanto, de que a
ação do Estado é uniformizante, compressora da liberdade, constituem o alfa e
ômega da doutrina ortodoxa. É no interior destes parâmetros que adquiriram
relevância os direitos de expressão de pensamento e de organização política,
entre outros, como a garantia do respeito ao princípio da equivalência moral
dos indivíduos.”
“A necessidade é socialmente necessária. Um
sistema econômico que não desvirtua suas funções tem como ponto de partida o
pressuposto de que, antes de mais nada, os indivíduos têm que sobreviverem. Na
economia de mercado, a desigualdade social não é fruto da mera diferença física
e mental entre os homens, como afirmam os neoliberais. Ela é também reflexo de
uma economia que generaliza interesses particulares em detrimento do todo. Se
toda relação social é composta de indivíduos e grupos, que são portadores de
interesses particulares, o desafio posto para uma ação minimamente sustentável
é a determinação de formas de sociabilidade onde tais interesses não venham a
eliminar a oportunidade de outros interesses se realizarem e não venham a ser
confundidos com os interesses públicos. Sempre que o capitalismo entra em crise
são os interesses do capital que são postos acima da vida da maioria das
pessoas que habitam o planeta. (...)
O neoliberalismo é uma utopia que subordina
todo e qualquer tipo de liberdade à liberdade econômica. A liberdade econômica
é condição sine qua non para que haja
outros tipos de liberdade. O mercado é um verdadeiro tabu onde nenhuma força
pode mexer, nem mesmo para compensar as injustiças sociais por ele produzidas,
porque ele se autorregula e se constitui no melhor método para acabar com as
desigualdades. Todavia, na prática, o livre mercado é a forma mais perversa de
produção da exclusão social. Partindo de um outro pressuposto, ou seja, de que
a partir da liberdade podemos interpretar as necessidades – porque a liberdade
em si é a instituição estruturadora do econômico e do político – e de que o mínimo
necessário para um indivíduo ser considerado humano é diferente em cada momento
histórico, podemos concluir que o neoliberalismo não é necessário por ser um
instrumento de negação da existência humana pelas vias da exclusão social.”
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