Editora: Loyola
ISBN: 978-85-1501-598-6
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 266
Sinopse: Ver Parte
I
“As pessoas manipularam a tal ponto o
conceito de liberdade, que ele acabou por se reduzir ao direito dos mais fortes
e mais ricos de tirarem dos mais fracos e mais pobres o que estes ainda têm. As
tentativas de modificar isso são encaradas como intromissões lamentáveis no
campo do próprio individualismo, que, pela lógica dessa liberdade, dissolveu-se
num vazio administrativo”. (Theodor Adorno)
“Subordinando-se à autoridade do mercado, os
globalistas “esquecem” que a história humana não tem destino nem finalidade e
que as leis sociais apenas tendem a ser irreversíveis nos períodos ditatoriais.
Nas democracias, por outro lado, o que hoje parece irreversível, amanhã pode
ser alterado pela vontade grupal ou pela consciência coletiva. No que diz
respeito à modernidade, não há por
que acreditarmos que a estrita obediência à lógica do mercado é o caminho mais
curto para alcançá-la. Se mais não fosse, porque não existe um consenso mínimo
sobre a sua definição. Em que consiste a modernidade? A ciência social não nos
oferece uma resposta. No máximo, ficamos sabendo que existem várias “modernidades”,
cada uma localizada em um ponto específico da linha do tempo: os descontentes
românticos pensam descortiná-la “em algum lugar do passado”. Os descontentes
pragmáticos, na realidade presente dos países do Primeiro Mundo. Os
descontentes oprimidos, por sua vez, “em algum lugar do futuro”. O fato é que a
modernidade, como criação humana, é tão segmentada quanto a sociedade. Logo, a
modernidade (como contexto social singular) só pode existir numa sociedade
artificialmente homogeneizada, em um sistema social pasteurizado por leis que,
sem deixar de ser sociais, como as do mercado, resultam numa dinâmica
societária independente das vontades específicas dos distintos segmentos da
sociedade. Mas que tipo de sociedade pode estimular a participação inconsciente
(como zumbis...) de seus integrantes? Que tipo de sociedade pode aceitar que “os
homens se encontrem constantemente em face dos resultados de seus próprios atos
como o aprendiz de feiticeiro que após invocar os gênios não sabe como
controlá-los?”11 Que tipo de regime político pode dirigi-la? Não é
difícil concluir que a sujeição irrestrita e irrefletida às leis do mercado
gera uma sociedade apática, impotente perante seus próprios problemas, pois
entendidos como desígnios ou males inevitáveis. Uma sociedade que, se injusta,
tende a conservar-se como tal; se composta por pobres e ricos, tende a
perpetuar a pobreza de uns e a riqueza de outros; se composta por fortes e
fracos, tende a fundamentar-se no poder do medo e da força (Hobbes).
Fica claro, pois, que à medida que aceitamos
como inevitáveis as orientações sociais do mercado, nos afastamos dos
fundamentos da democracia moderna. Devemos aceitar; então, que a força institui
o direito, a obediência transforma-se em dever e o Estado democrático reflete o
direito dos mais fortes.
Por outro lado, a recusa ao neoliberalismo
fortalece o tecido social. Na medida em que rejeitamos a força e todos os
despotismos (o religioso ou o do mercado, por exemplo) como fundamentos do
Estado de direito, elegemos em seu lugar a razão e a convicção. Segundo um dos
mais ilustres iluministas, todo direito fundamentado na força não passa de um
contrassenso, pois “desde que a força faz o direito, o efeito toma o lugar da
causa, pois toda força que sobrepujar a primeira sucedê-la-á nesse direito. Uma
vez que se pode desobedecer impunemente, torna-se legítimo fazê-lo e, visto que
o mais forte tem sempre razão, basta somente agir de modo a ser o mais forte.
Ora, que direito será esse que perece quando cessa a força? Caso se imponha
obedecer pela força, não se tem necessidade de obedecer por dever, e, se não se
for mais forçado a obedecer, já não se estará mais forçado a fazê-lo. Vê-se,
pois, que a palavra direito nada
acrescenta à força — nesse passo, não significa absolutamente nada”12.”
11. N.
Elias, La Sociéte des Individus. Paris, Fayard, 1991, p. 107.
12. J. J- Rousseau, Do Contrato Social (ou princípios do direito
político). São Paulo, Abril, coleção “Os Pensadores”, 1978, pp. 25-26.
(M. L. Malaguti)
“Um dos principais inspiradores dessa prática
a-social e anti-humanista é o citado Ludwig von Mises. Já em 1929 ele resumia
assim o raciocínio que hoje fundamenta as principais políticas neoliberais: a
culpa pelo desemprego, dizia ele, deve-se à substituição das “determinações do
mercado” por “políticas econômicas destruidoras”. E isso quando se sabe que
estas “políticas econômicas destruidoras” foram adotadas exatamente para
amenizar as tensões políticas e os conflitos sociais provocados pela livre expressão daquelas mesmas “determinações do mercado”15.
Ainda segundo von Mises, o alcance e a
duração do desemprego devem-se à atuação dos sindicatos e à implantação de um
seguro-desemprego, que mantêm “os níveis salariais mais altos do que os que
seriam determinados pela ação do mercado”. Consequentemente, continua: “Sem o
seguro-desemprego e sem a força dos sindicatos impedindo a competição dos
não-sindicalizados que queiram trabalhar, a pressão da oferta logo provocaria
um ajuste de salário que asseguraria emprego para todos”. Enfim, conclui:
“Trabalhadores à procura de emprego sempre encontram trabalho quando acomodam
suas exigências salariais às condições do mercado”16. Na realidade,
o que von Mises procura apresentar como interpretação econômica e científica
das causas do desemprego e dos níveis salariais nada mais é do que uma banal
constatação sobre a existência de um instinto
biológico de sobrevivência entre os trabalhadores, como se pode observar em
qualquer espécie animal: sem nenhuma fonte de rendimento monetário e sem o
apoio cooperativo dos sindicatos, a aceitação de salários aviltados
transforma-se na única forma possível de sobrevivência
biológica dos trabalhadores em uma
sociedade mercantil desenvolvida e formalizada! Não é de se estranhar, pois,
que os neoliberais — inspirados por von Mises — não propugnem apenas um Estado
mínimo, mas também o próprio deslocamento da sociabilidade dos espaços públicos
(sindicatos, associações e corporações) para os espaços privados (família
nuclear, parentes, vizinhos etc.). No entanto, como o verdadeiro liberal deve pautar
sua conduta pela exclusiva procura de sua felicidade pessoal, o bem-estar da
família e dos amigos não pode ser de sua alçada, embora deva ser uma
consequência necessária de seu egoísmo. Logo, nada nem ninguém pode interpor-se
entre o verdadeiro liberal e sua busca incessante de felicidade. Nosso liberal,
diria von Mises, deve espelhar-se apenas em si mesmo, exercitando assim o que
poderíamos chamar de auto-socialização ou sociabilização
biológica. Dada, porém, a impossibilidade de uma “sociabilização reflexiva”
(contradição em termos), um mundo neoliberal coerente deve prescindir da
sociedade e, consequentemente, da humanidade.
Em resumo, nas propostas de crescente
subordinação do Estado (e das “sociabilidades”) ao mercado, de restrições ao
exercício da cidadania em favor da lei do mais forte, de sujeição da democracia
burguesa ao darwinismo social, é a própria humanidade — como diz Polanyi que
está sendo questionada.”
15. Daí todo o espanto de Hobsbawn em face da
larga aceitação atual de propostas de política econômica que já se mostraram
incapazes de garantir um mínimo de estabilidade social ao capitalismo: “O que
faz tão incompreensível as políticas do neoliberalismo econômico, pelo menos
para as pessoas da minha geração, é que nos anos 50 elas demonstraram sua
incapacidade de lidar com a Depressão mundial que, na opinião da maioria das
pessoas, elas próprias tinham provocado. Depois da Segunda Guerra Mundial, a
reforma do mundo capitalista sob os auspícios dos EUA foi baseada
especificamente na rejeição dessa teologia do livre mercado”. E o renomado
historiador inglês acrescenta: “O alvo dos ideólogos do reaganismo e do
thatcheristmo não é apenas Marx, mas Keynes e F. Roosevelt, quer dizer, os
homens cujas políticas inauguraram a única verdadeira era dourada do
capitalismo ocidental” (E. Hobsbawn, “A
Crise Atual das Ideologias”, Op. cit., p. 222).
16. L. Von Mises, Uma Crítica ao Intervencionismo. Rio de Janeiro. Nórdica, 1977, p.
35.
(M. L. Malaguti)
“De certa forma, podemos dizer que foi o
próprio capital que criou — quando lhe foi conveniente as identidades e
diferenças que hoje pretende suprimir. A questão que hoje se apresenta é se as
políticas neoliberais terão forças para dissolver — agora que não lhes convém —
o que o próprio capital cultivou com carinho durante séculos. Um “carinho” tão
grande que chegou a criar Estados artificiais (partilhas dos períodos
pós-guerras mundiais) e territórios sem nenhuma identidade, mas que agora
rebelam-se, dissolvem-se e guerreiam em nome de nacionalidades sufocadas, de
religiões perseguidas ou de raças discriminadas.
Seria possível, hoje, após estabelecidas
estas identidades e diferenças, articular-se um programa de homogeneização de
práticas produtivas, de concepções de autoridade e hierarquia, de
particularidades estéticas e artísticas, anseios, angústias, desejos etc.?
Nossa resposta é: provavelmente, não. A instituição do Estado-nação e a
regulamentação política da economia não são processos exteriores ao funcionamento
da economia. Após duas guerras mundiais, as políticas econômicas e as leis de
mercado tornaram-se indissociáveis. Não é mais possível pensar as políticas de
Estado como um conjunto de intervenções em algo que lhes é estranho,
extrínseco. Não é mais possível pensar em um Estado não-intervencionista que,
diga-se de passagem, nunca existiu. Chega mesmo a ser inconcebível, por
exemplo, que um Estado como o brasileiro, mais “enxuto” que o Estado símbolo
dos neoliberais, o Estado norte-americano, possa ser considerado como um
dinossauro!30.”
30. Participação de Alguns Estados na
Economia
Países
Desenvolvidos
|
% do Estado
no PIB |
Países
Subdesenvolvidos
|
% do Estado
no PIB |
Dinamarca
|
51,96
|
Brasil
|
21,44
|
Suécia
|
49,78
|
Costa Rica
|
19,18
|
França
|
42,10
|
Índia
|
16,76
|
EUA
|
28,14
|
Etiópia
|
16,21
|
Fonte: Anuário da ONU, 1991.
Além de o Estado brasileiro se caracterizar
como um dos mais “ausentes” do mundo, possui um quadro de pessoal dos mais
“enxutos” Ao contrário do que se veicula diariamente nos meios de comunicação,
já em 1994 o número de funcionários públicos no Brasil estava muito aquém
daquele que as economias desenvolvidas consideram como adequado: Brasil (8
funcionários em cada mil habitantes), Estados Unidos (26,1), França (46,4),
Espanha (53,4), Itália (65), Inglaterra (91,4).
Fonte: Jornal
Zero Hora, Caderno de Economia 15 de fevereiro de 1994. Citado por Tarso
Genro em Utopia Possível Porto
Alegre, Ofícios, 1994, p. 71.
(M. L. Malaguti)
“O Estado do bem-estar social, como diz
Galbraith, “veio para ficar”32. Mas veio para ficar não só porque
estabelece um sistema de seguridade social para os trabalhadores, mas
principalmente porque regula a concorrência intercapitalista (Banco Central,
bancos estatais e nacionais de desenvolvimento, Tesouro Nacional, Superintendências
de Desenvolvimento etc.), cria demandas (obras públicas, forças armadas,
funcionalismo público), especializa a força de trabalho (escolas e
universidades públicas), transmite os valores empresariais (concessões de
rádio, televisão etc.), controla a oferta de trabalhadores (legislação
trabalhista, hospitais públicos, políticas demográficas etc.), defende a
propriedade privada e faz valer os contratos (Polícia, Justiça, tribunais,
presídios, manicômios públicos etc.) etc., perenizando
assim o sistema salarial. É por isso que ele veio para ficar: uma ruptura artificial entre funções sociais
(econômicas versus políticas) cuja comunhão viabiliza a sociedade do capital
não interessaria, no momento, a ninguém. Concordando com Bobbio, poderíamos
dizer que a interferência do político nos assuntos econômicos (políticas
keynesianas) impôs-se não apenas pela “força da arrasadora corrente da
participação popular impulsionada pelo sufrágio universal”, mas também como
“uma tentativa de salvar o capitalismo sem sair da democracia”. Ao contrário da
prática leninista que pretendia “abater o capitalismo sacrificando a
democracia” e das pregações fascistas que pretendiam “abater a democracia para
salvar o capitalismo”, agora, continua, “para aqueles novos liberais, parece
ser a democracia que põe em crise o capitalismo [novamente? À semelhança das
concepções fascistas?]33. Portanto, a questão que se coloca é:
estariam os novos liberais dispostos a levar até o fim, até as últimas
consequências, um projeto que, eliminando a democracia, colocaria em risco a
própria existência do capitalismo contemporâneo, cuja existência moderna
viabiliza-se pela estreita comunhão entre determinações de mercado
(relativamente livres) e uma democracia política (fragilmente exercitada)?”
32: N. Bobbio, O Futuro da Democracia, São Paulo, paz & Terra, 1986, pp.
124-125.
33: C. A. Dória, “A grande transformação”, Folha
de S. Paulo, 3 de julho de 1996, p. 6 (9).
(M. L. Malaguti)
“Nesse aspecto, o raciocínio e a lógica
neoliberais são muito curiosos. Quando confrontados com a necessidade de
explicar aqueles países ou espaços organizados de maneira mercantil, onde
prevalece a riqueza material, afirmam sua fé cega de que é a existência do
mercado que garante a prosperidade; transformam isso em verdade absoluta e
suprema. Torna-se axioma. Quando diante de países onde não há tal prosperidade,
como é o caso do nosso, procuram encontrar algo que explique a razão pela qual
a mágica capacidade do mercado não consegue tornar-se efetiva; selecionam
qualquer coisa que justifique o fato de o mercado não funcionar com perfeição.
Assim, como dissemos, para explicar a
problemática extrema dos espaços periféricos, o raciocínio neoliberal cínico
pode apelar para questões raciais ou climáticas (por exemplo, o clima tropical
determinaria, no comportamento individual, um excessivo apego à libido) que
dificultariam o funcionamento econômico e prejudicariam a operação adequada das
funções do mercado. Nos países, espaços ou regiões periféricas do capitalismo
onde não ocorre a prosperidade, mas a miséria extrema, o desemprego, a
marginalidade e a exclusão, onde também prevalece a lei mercantil e onde o
sistema de preços é o mecanismo fundamental de coordenação econômica e alocação
de recursos, não é necessário atribuir ao mercado a responsabilidade pelos
problemas; é fácil encontrar um “bode expiatório”. O neoliberal envergonhado
não se atreve a tanto e se não pode apelar para fatores como aqueles — talvez
não seja politicamente correto — é porque não possui imaginação suficiente para
encontrar outros; um deles, aceitável, talvez seja o de que o mercado se vê
prejudicado pela ausência de certos valores morais (entendidos até como fatores
de produção6) que existiriam, isto sim, nos países desenvolvidos.
Pelo menos é um tipo de raciocínio menos deselegante... Não tivessem
implicações tão trágicas, tal lógica, tal imaginação, tais raciocínios seriam
simplesmente ridículos.”
6: E. G. Fonseca. Vícios privados, benefícios públicos?. São Paulo, Companhia das
Letras, 1994, pp. 183-184.
(Reinaldo A. Carcanholo)
“O neoliberalismo periférico se faz
hipócrita. Não se atreve a afirmar categoricamente que a ausência de valores
éticos é o que explica a miséria e o atraso, mas a sugere. Não se atreve a
defender em todos os seus aspectos o neoliberalismo cínico, mas fica nas suas
proximidades. O neoliberalismo da periferia oscila entre o discurso da
aparência e a prática teórica da hipocrisia.
O discurso neoliberal envergonhado é aquele
que nega sua pretensão de impulsionar políticas recessivas, de arrocho
salarial, de privilégios ainda maiores aos setores poderosos, de estímulo à
lógica selvagem do mercado; jamais declara seu desejo de transladar as leis da
seleção natural para o âmbito social da economia. Mistifica seu discurso com
palavras mais aceitáveis para aqueles que serão os prejudicados.”
(Reinaldo A. Carcanholo)
“PERSPECTIVA
E RECOMENDAÇÕES DE UM NEOLIBERAL CÍNICO
— É indispensável estimular, por todos os meios possíveis e em todas as
camadas da sociedade, a visão individualista das coisas e combater,
intransigentemente, a perspectiva coletiva.
— É necessário combater todas as formas de organização que permitam
estabelecer um nexo entre interesses coletivos em oposição ao desenvolvimento
lógico da sociedade: sindicatos, organizações comunitárias ou assistenciais e
até mesmo associações de bairro. Só devem ser estimuladas associações sobre as
quais se possa ter certeza de seus objetivos e que, por outro lado, não
diferenciem setores da sociedade. Entre essas associações podem mencionar-se os
grandes times de futebol, em particular suas torcidas organizadas. Nesses
casos, o fanatismo e a violência são até recomendáveis, dentro de certos
limites, como forma de canalizar as frustrações, especialmente dos setores mais
marginalizados.
— Por outro lado, a formação de pequenas máfias, organizadas para
explorar a prostituição, o jogo ilegal, o tráfico de drogas e articuladas com
os próprios setores encarregados da repressão institucional, só é negativa até
certo ponto. Sua estrutura rigidamente hierárquica e seus objetivos servem de
canais de manifestação das frustrações sociais dos setores marginalizados.
Criam, por um lado, a expectativa da riqueza para esses setores e, por outro,
favorecem o apoio do resto da população à formação de um aparato estatal
repressivo forte, condição de sobrevivência da sociedade atual.
— Fundamental também é incentivar, na mente das pessoas, a desesperança,
promover a destruição das utopias e estimular a crença de que o futuro, na
melhor das hipóteses, será igual ao presente (nunca melhor). Tudo isso tem a
mágica capacidade de fazer com que as massas carentes e os setores médios
relutantes aceitem nosso programa. A ideia de que o homem não é capaz de mudar
a história é fundamental e deve ser completada com a crença mística, com a
ideia de que o futuro está comandado por forças místicas. O misticismo deve ser
fortemente incitado. Assim, os profissionais ligados à difusão dessas crenças
(astrologia, angelologia, quiromancia, tarô, numerologia etc.) devem ser
estimulados e regiamente pagos. Deve-se, ao mesmo tempo, incentivar a crença e
a expectativa no enriquecimento por meio do jogo de azar e da sorte de cada um
(sorteios, bingos, loterias de todos os tipos: quina, sena, esportiva,
estaduais, raspadinhas),
— O setor que controla ou opera os meios de comunicação deve ser tratado
com cuidado, especialmente aquele relacionado com a mídia não-escrita, em
particular televisiva. Seus artistas, comunicadores, âncoras, editores,
diretores, cantores, apresentadores, comentaristas devem ter tratamento
especial. Não se deve economizar na remuneração desses profissionais; deles
depende em grande parte a hegemonia do nosso ideário. Apesar de tudo, sempre
haverá, entre eles, os rebeldes; uns mais, outros menos. A esses rebeldes
devem-se negar espaços, dificultar sua trajetória.
— Particular atenção deve merecer o ensino em todos os níveis. A
educação deve ser essencialmente profissionalizante e desprovida de visão
humanista. Os estudantes, em sua quase totalidade, devem ser treinados para
executar, nunca para pensar. Devem ser preparados para um amplo mercado de
trabalho constituído de ocupações com tarefas rotineiras e burocráticas. Isso
fica facilitado, pois corresponde à expectativa da grande maioria deles, mesmo
no nível superior.
— É certo que, com a recomendação anterior, não formamos o que
constituirá a elite pensante do país. Sem dúvida necessitamos de profissionais
competentes, criativos, empreendedores; precisamos de verdadeiros líderes. Mas
o número necessário deles não é tão grande assim. Eles podem e devem ser
recrutados exclusivamente nos estratos mais altos da sociedade e a eles devem
ser reservados uns poucos estabelecimentos de ensino superior, exclusivos, não
acessíveis às outras camadas sociais. Assim, com tudo isso, garante-se a
fidelidade desse futuro setor dirigente à nossa concepção.
— É verdade que, apesar de tudo, alguns desses estudantes privilegiados,
terminarão por cair nas mãos da ideologia nefasta do igualitarismo e do
idealismo. Se mesmo a alta remuneração e os privilégios não forem suficientes,
só poderão ser tratados como inimigos.
— Convém manter partido ou partidos políticos que apresentem, em seu
programa, concepções intermediárias. São eles que garantem espaço para os
setores privilegiados da sociedade, camadas médias e intelectuais, que não se
atrevem claramente a expressar nossas posições. Podem ter diversas caras, mas,
no fundo, constituem partidos que defendem posições próprias do neoliberalismo.
Nos últimos tempos, constituem-se, na verdade, em neoliberais envergonhados e,
sem dúvida, têm um papel fundamental na aliança em defesa da sociedade atual. É
o que acontece nos anos mais ou menos recentes com partidos socialdemocratas,
tanto na Europa (França, Espanha, Portugal etc.) como na América (Bolívia,
Venezuela etc.), na Austrália e na Nova Zelândia.
— Finalmente, se estivermos em uma circunstância política desfavorável à
nossa doutrina, resta o apelo ao regime de força, à ditadura. Criar condições
para ela não é difícil, sobretudo controlando os principais meios de
comunicação: desmoralize-se a democracia divulgando o que ocorre (corrupção,
fisiologismo, negociatas, apropriação do dinheiro público por diversos meios),
provoque-se a hiperinflação ou a recessão, generalize-se o desemprego e,
portanto, o desespero. Estarão dadas as condições para que amplas camadas da
população, sobretudo as mais humildes, clamem por um homem forte, por um regime
de força. A democracia só é legítima enquanto garantir a hegemonia da perspectiva
neoliberal.
PALAVRAS FINAIS
Retomemos a palavra. Ficamos perplexos diante
do cinismo que aparece contido no discurso sem rodeios de um neoliberal.
Teremos exagerado? Provavelmente não.
Perante isso o que podemos dizer e fazer? Em
primeiro lugar é indispensável declarar nosso total antagonismo a todo e
qualquer tipo de neoliberalismo. Somos seus inimigos intransigentes e
irreconciliáveis: do cínico, do hipócrita e de qualquer outro tipo que possa
existir.
Devemos, além do mais, reconhecer as reais
dificuldades do momento, sem subestimá-las, mas também sem exagerá-las. Isso é
indispensável para elaborar novas estratégias. Parece impor-se a necessidade de
que se redefinam objetivos, talvez seja necessário até que se redesenhem
alianças. Dentro dos limites da ética e da lógica, impõe-se até repensar
conceitos. É possível inclusive que, diante da proposta ideológica contida na
globalização, um conceito como o do internacionalismo deva converter-se
provisoriamente em nacionalismo (ou, melhor até, em macrorregionalismo).
É extremamente importante ter presente que
nos momentos de derrota e simultânea resistência, o papel dos que pensam e
podem conduzir é muito mais importante que em outros; o papel das ideias que só
amadurecem com a experiência e a sabedoria é fundamental. É indispensável
propor caminhos e alternativas, desenhar estratégias e táticas. A desesperança,
sobretudo nos jovens, não é uma boa mestra; ela só conduz a ações
inconsequentes, e isso é perigoso.
Para finalizar, é verdade que, dos anos 60
para cá, o mundo mudou e muito. Surpreendente? Mas não afirmávamos
categoricamente, desde então, ou desde antes ainda, que o mundo não era
estático? Na verdade, surpresos só podem estar aqueles que, acreditando que
tudo muda, pensavam que a mudança fosse sempre em direção ao bem, ao alto. Eles
acreditavam não na mão invisível, mas na mão todo-poderosa que nos conduziria
inevitável e placidamente ao paraíso. Eles sim, hoje, estão surpresos e por
isso optam pelo cinismo ou renunciam a pensar e portanto a viver; vegetam, por
mais que cercados de prazeres materiais.
O mundo mudou muito, mas não pode mudar
nossas consciências, nossos princípios, nossos valores éticos.
Não podemos acreditar que o futuro pertença
ao cinismo, nem à hipocrisia. Não podemos saber exatamente como será esse
futuro. Talvez muito pouco possa dizer-se sobre ele, mas uma coisa é certa: o
amanhã pertence à história. E ela é construída por nós.”
(Reinaldo A. Carcanholo)
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