Editora: Loyola
ISBN: 978-85-1501-598-6
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 266
Sinopse: Esta
coletânea pretende constituir-se em um espaço de divulgação de ideias críticas
ao neoliberalismo. A ortodoxia liberal radicalizada impõe-se hoje como a única
expressão possível das práticas sociais e as políticas econômicas condizentes
com a modernidade. É bem verdade que seu sucesso deve-se muito mais a apatia
das elites, das universidades e dos meios de comunicação do que ao conteúdo e à
propriedade de suas propostas. Na realidade, os novos liberais apenas ratificam
acriticamente as imposições do mercado: para melhor impulsionar suas
potencialidades, o funcionamento do mercado tem sido libertado de todos os “entraves”,
de todo e qualquer mecanismo regulador, de tudo que possa impedir sua livre
expressão.
“Há duas décadas novas Tábuas da Lei de Deus
impõem-se progressivamente ao conjunto da humanidade: uma aliança foi feita. Na
civilização cristã, a “antiga” aliança estabeleceu um pacto entre Deus e o
Homem, centrado na ideia do amor entre Deus (o Criador, o Pai) e o Homem (sua
criatura, o filho), e entre os próprios seres humanos (“Amarás teu próximo como
a ti mesmo”). Por seu lado, o homem mantinha toda a sua liberdade. Ele podia
pecar; o Pai, misericordioso, podia perdoar.
As Tábuas da Lei dos dias atuais consagram a
aliança entre o mercado (e também a tecnologia) e o conjunto da humanidade. O
mercado é o grande regulador da vida econômica, o guia dos homens e da
sociedade, os quais devem a ele se adaptar por toda a eternidade, Impõe-se
“dedicar toda nossa fé aos mecanismos do mercado”1, cujo motor
principal é o preço, submetido constantemente às mudanças induzidas pelo
progresso científico e técnico, assim como às inovações tecnológicas, cujas
exigências e imposições não permitem que nenhum indivíduo e nenhuma sociedade
possam escapar. Nesse contexto, a única liberdade que o mercado oferece ao
homem é a de submeter-se. Se ele não o fizer, se cair em tentação e pecar, ele
não será perdoado. Será simplesmente eliminado do mercado de trabalho, do
mercado de bens, do mercado de capitais... As novas Tábuas da Lei exaltam a
ideia da competitividade entre todos os homens, entre todos os grupos sociais
constituídos e entre todas as comunidades territoriais (cidades, regiões,
países), pois, proclamam elas, a saúde individual e coletiva passa pela
conquista de partes do mercado, especialmente do mercado mundial2.”
1: Groupe Bangemann. “L’Europe et la société
de l’information planétaire, recommandations au Conseil européen”. Relatório de
Martin Bangemann. Bruxelas, Comission Européenne, 26 de maio de 1994.
2: Cf.
Ricardo Petrella. “L’évangile de la compétitivité”. Le Monde Diplomatique, setembro
de 1991.
(Ignacio Ramonet)
“A história dos séculos XIX e XX foi,
fundamentalmente, a da redução, até mesmo da eliminação, dos excessos perversos
do capitalismo e de suas pretensões de governar a sociedade. Contra a tendência
do capitalismo de criar estruturas oligopólicas ou monopólicas, foram votadas
as leis antitruste, limitando as concentrações financeiras e industriais. Contra
sua lógica de exploração do trabalho humano, foram estabelecidas legislações
proibindo o trabalho infantil, um máximo de horas de trabalho cotidiano foi
fixado, um salário mínimo vital garantido etc. Contra sua inclinação natural a
deixar por conta própria os inaptos para o trabalho, os excluídos ou os
desafortunados, foram instaurados sistemas de proteção social. Contra sua
propensão a tudo transformar em valor mercantil, foram afirmados os princípios
de igualdade, de justiça social e de solidariedade e foi posta a primazia do
político e, ainda mais, da ética. Hoje em dia, a mundialização da economia de
mercado, privatizada, desregulamentada e liberalizada, está “liberando” o
capitalismo das regras, procedimentos e instituições que permitiram, em escala
nacional, que fosse construído o “contrato social” (o Estado de bem-estar ou Welfare State)6.”
6: Cf. Christian de Brie, “Feu sur
l’etat-providence”, e os artigos de Corinne Gobin e Seumas Mine em Le Monde Diplomatique, janeiro de 1994.
(Ricardo Petrella)
“Citemos cinco (iniciativas que a OMC poderia
adotar):
— reintroduzir, em bases coordenadas em
escala mundial, medidas nacionais, europeias e internacionais de controle dos
movimentos de capitais, lado a lado com a eliminação do sigilo bancário e a proibição
dos paraísos fiscais;
— conceber um novo sistema de Bretton Woods
(reforma do Fundo Monetário Internacional [FMI] do Banco Mundial e,
eventualmente, da Organização Mundial do Comércio, chamada a tomar o lugar do
GATT) com o objetivo de orientar a riqueza do mundo para a satisfação das
necessidades básicas da população mundial mais desfavorecida;
— estabelecer um novo sistema fiscal que
desloque o eixo predominante da taxação atual sobre o trabalho para o capital,
os recursos energéticos, as matérias-primas, os equipamentos, com o objetivo de
pôr a tecnologia a serviço da valorização dos saberes e das capacidades humanas
e não de sua substituição pelas máquinas;
— interromper o crescimento irresponsável e
suicida das grandes cidades, notadamente nos países da Ásia, da América Latina
e da África, que estão se tornando “buracos negros” ingovernáveis e destruidores
da sociedade;
— finalmente, revalorizar — em todos os
níveis e de maneira difusa — o papel do legislativo diante do crescimento
imperial das tecnocracias e da nova classe mundial da aristocracia da
competência e da excelência.”
(Ricardo Petrella)
“O capitalismo industrial, simbolizado de
1850 a 1950 pela usina, suas chaminés de fumaça, seus ritmos de atividade, sua
disciplina do trabalho, começa a desaparecer em face de uma nova realidade. E
assim tende também a desaparecer a classe operária, o sindicalismo operário e
certa forma de conflito e de relações sociais. Não é, por isso, um acaso se,
com o passar do tempo, pereça toda uma concepção do socialismo: aquela que foi
forjada na luta contra a exploração capitalista na indústria, que tinha feito
da classe operária a força principal de emancipação humana e do proletariado
industrial o messias dos tempos modernos.
Claro, os ideais fundadores do socialismo
solidariedade, equidade, justiça social, fraternidade — sobrevivem6,
mas duplamente enfraquecidos: fragilizados por ter perdido sua dinâmica de
lutas e por ter de se recompor em capitalismos enfraquecidos pela crise. Mas
recompor-se em relação a quê? Essa nova sociedade emergente foi classificada de
diversas formas pelos mais variados analistas: terciária, pós-industrial, de
serviço, da informação, da comunicação... Mas está aqui o essencial? A dinâmica
maior de nosso tempo é a extensão das relações mercantis a quase todos os
domínios: à diversão e ao bem-estar dos homens, assim como ao funcionamento das
empresas e das organizações, à dinâmica dos sistemas de informação, à decisão
como gestão do político e aos sistemas sociais e de gestão do meio ambiente e
talvez mesmo de controle do planeta. É então uma nova fase da divisão do
trabalho e da esfera das mercadorias, marcada pela multiplicação das
mercadorias complexas, produzidas principalmente por grupos capitalistas ou
instituições sob seu controle. Lembremos, ainda, que essa produção exige tanto
a disponibilidade de um trabalho fundamentado em competências profissionais
(jurídicas, médicas, financeiras, de gestão), como materiais e tecnologias
quase sempre sofisticadas. Essas “mercadorias
complexas” não se reduzem nem a objetos individualizáveis, nem a simples
serviços. Elas são combinações do material e do imaterial, de intervenções
diretas de competências e do uso de bens com forte conteúdo técnico implicando,
então, investimentos pesados, tanto em pesquisa e na produção de equipamentos,
quanto na formação de homens. De onde se deduz o papel central dos grandes
grupos (como na informática, nas comunicações, nas telecomunicações, nos
complexos de informação, nas biotecnologias, no espacial, nos lazeres, na
antipoluição etc.) e o papel secundário da sociedade como simples auxiliar do
mercado.
Assim, atrás da aparência de uma passagem da
indústria para o terciário, o fenômeno decisivo é, segundo pensamos, a
emergência de um capitalismo generalizado. Seu campo é a generalização da
mercadoria, a mercantilização do próprio homem (saúde, comércio de sangue, de
órgãos, da procriação e com a perspectiva da gestão genética de toda sua
existência), das funções sociais (educação e informação, conhecimento e gestão
da opinião e, provavelmente, com a perspectiva de gestão da decisão política,
das tensões e dos conflitos), das atividades humanas superiores (pesquisa
científica, elaboração dos saberes, das obras do intelecto e artísticas, com a
perspectiva da gestão dos princípios e dos valores sociais), das relações com a
natureza (antipoluição, produção e urbanização não-poluentes, com a perspectiva
da gestão do planeta) etc.
Em domínios nos quais a reprodução não
encontra resistências do mundo material (informação, conhecimento, cultura,
criação) a abundância estava ao alcance de uma humanidade que teria
hierarquizado seus fins e controlado suas necessidades. Mas as firmas souberam
impor seus monopólios, exacerbar e multiplicar as necessidades, criar uma nova
escassez. E estamos outra vez presos, em quase todos os momentos de nossas
vidas, pela dependência de novos materiais, de novos programas de computador,
de novas necessidades de informação, de novas esperas, de novas esperanças,
novas alienações...”
6. Cf. Michel Beaud, “Le Socialisme à l’Epreuve de l'Histoire”, Le Seuil, Paris, 1982.
(Michel Beaud)
“Doravante, a economia domina a sociedade.
Para numerosas questões que em outros tempos eram tratadas em termos políticos
ou éticos, primam agora os argumentos econômicos. A melhoria das condições de
vida de cada um, a elevação do nível de vida, a própria existência e até mesmo
a felicidade parecem depender essencialmente da vitalidade da economia. No
universo da Ciência Econômica, correntes cada vez mais poderosas pretendem
trazer respostas a tudo, e isso graças ao simples cálculo econômico. Pois tudo,
seria apenas um negócio de maximização ou de otimização11. Assim, a
dominação crescente da economia sobre nossas sociedades tende a desdobrar-se em
uma dominação crescente do raciocínio econômico sobre nossas mentalidades,
nossas formas de pensar, nossos julgamentos e nossas decisões.
Ora, sociedades nacionais e sociedades
humanas são cada vez mais dominadas pela esfera monetária e financeira que se
desenvolve com a multiplicação das operações de câmbio, o inchaço das
atividades financeiras e da bolsa de valores, as especulações incessantes e as
arbitragens cada vez mais finas e precisas sobre as taxas de juros e as taxas
de câmbio, os jogos cada vez mais etéreos sobre os “futuros”, os diferenciais, as opções...
Essa esfera monetária/financeira começa a
inflar-se poderosamente e tende a autonomizar-se em relação ao funcionamento
das economias produtivas e mercantis. As trocas nos mercados monetários,
financeiros e na bolsa de valores, que representam duas vezes as trocas de
mercadorias no tempo de Keynes, representam hoje cinquenta vezes seu valor12.
Essa esfera monetária e financeira realiza, de uma forma espetacular, a
tendência contemporânea à globalização; ela constitui o meio ideal para as
atividades dos especuladores internacionais, das oligarquias e ditadores
(enriquecidos em detrimento de seus países13), das finanças de todas
as máfias e de todos os tráficos. Agitada pelas relações complexas entre moedas
nacionais, finanças públicas dos Estados, estratégias financeiras das
multinacionais e contas exteriores das nações, essa esfera também está sujeita
a impulsos e lógicas que lhe são próprias; seus efeitos, que se transmitem em
tempo real para toda a Terra, arriscam, em caso de crise14, levar na
tormenta as moedas e as economias nacionais, com as sociedades humanas que,
doravante, delas dependem.
Finalmente, com o duplo processo da
mercantilização e da globalização, aparece no cenário uma situação
completamente nova na história das sociedades: as sociedades cada vez mais
dependentes da economia; economias cada vez mais tributárias das tensões e dos
sobressaltos de uma esfera monetária e financeira mundial que nada nem ninguém
está em condições de controlar sua dinâmica ou de impedir a espiral de uma
crise.”
11. Pensa-se notadamente em Gary Becker. Cf.
Michel Beaud e Gilles Dostaler, La Pensée Economique depuis Keynes. Paris,
Seuil, 1995, pp. 16ss; pp. 238ss.
12. Outra avaliação: a relação entre o
conjunto das compras e das vendas de moedas nos mercados de câmbio e o conjunto
das operações ligadas ao comércio mundial eram de seis em 1979 e de vinte em
1986. Ct Michel Beaud, L'Economie Mondiale dans les Années 80.
Paris, La Découverte, 1989, pp. 129-129.
13. Nos anos 80, para treze países fortemente
endividados do Terceiro Mundo, os haveres no estrangeiro estimados como
correspondendo a fugas de capitais representavam 40% a 50% do estoque da dívida
externa desses países (United nations
Conference on Trade and Development), International Monetary and Financial
Issues for the 1990's. ONU, Nova York, vol. III, 1995, p, 66).
14. Dois alertas sérios apoiam nossa
afirmação: a crise da bolsa de valores do outono de 1987, por um lado, e os
ataques especulativos contra as moedas do sistema monetário no primeiro
semestre e no verão de 1995, por outro. Os otimistas podem assim pensar que se
poderá sempre evitar o pior; os pessimistas podem temer que uma outra vez todos
os diques sejam arrastados pela cheia.
(Michel Beaud)
“Com valores desgastados, coerências
fragilizadas, as sociedades contemporâneas não têm mais projetos globais: o
crescimento econômico tornou-se sua principal finalidade. Nos países ricos,
apresentado por longo tempo como meio de aumentar o bem-estar, o crescimento é,
hoje, considerado o principal remédio para o desemprego e a pobreza — alguns
preferem não refletir sobre as razões pelas quais, depois de um ou dois séculos
de crescimento, os países capitalistas ainda sofrem desses males.”
(Michel Beaud)
“Mas quem não vê a trágica distorção entre a
amplitude dos desafios de nosso tempo e a incapacidade de nossas sociedades
para enfrentá-los? Não estaríamos entrando numa era de irresponsabilidade
ilimitada? Porque, uma vez que o mercado provê tudo, é o consumidor que deve
fazer sua escolha; desde que os mercados, principalmente o financeiro, são
mundiais, os dirigentes nacionais encontram boas desculpas para o laissez-faire. Firmas, governos,
profissionais (da saúde ou das finanças) ou especialistas não são indiferentes
em relação aos apelos, às declarações, aos códigos (de boa conduta ou de
ética): comprova-se isso, se necessário for, com a conferência do Rio de
Janeiro. Mas, diante dos processos em curso que desestruturam nossas
sociedades, põem em perigo a Terra, ameaçam a humanidade, nenhum lugar elabora
ou põe em prática a estratégia pluridimensional da qual temos necessidade.
Assim, o pior está, talvez, preparando-se:
que uma humanidade mais rica do que nunca aceita que um bilhão dos seus
mergulhem na miséria; a intolerável desigualdade que caracteriza nosso tempo,
nascida da combinação das diversas sociedades e do fosso existente entre elas,
atingindo seus limites visto que, em todos os lugares, domina o dinheiro. Para
a população mundial considerada em seu conjunto, os 20% mais pobres dispõem de
0,5% do rendimento mundial e os 20% mais ricos, de 79%16. Algumas
famílias muito ricas têm como rendimentos o equivalente monetário ao que
recebem centenas de milhares de famílias muito carentes. Ninguém ousa dizê-lo,
mas o que está sendo instaurado, em estrito silêncio, é um novo apartheid de escala planetária.
O pior é também o sacrifício imposto às
próximas gerações pela rapacidade e pelas omissões de hoje, por meio dos
recursos desperdiçados e pilhados: água poluída, solos destruídos, lixo químico
e radioativo lançados nas terras e nas águas, áreas nucleares (civis ou
militares) a controlar. Eles serão vários bilhões a mais (outra
irresponsabilidade daqueles que se opõem ao controle demográfico) e terão de
gerir os estragos, os riscos e as carências que nós lhes teremos legado. Em vez
de conhecer uma nova etapa da emancipação humana, eles estarão submetidos à
pressão de novos limites e novas necessidades.
Levando em conta o poder das dinâmicas em
curso, a força de aceleração que caracteriza praticamente todos os aspectos da
evolução de nosso mundo e a ausência de alternativa crível, só resta o apego
firme, é verdade — a umas poucas trincheiras. Assim fazendo, devemos 1)
procurar impedir a dominação geral da mercadoria; 2) salvaguardar ou recriar
espaços públicos gratuitos e vinculados à pequena produção familiar ou
comunitária; 3) redefinir em todos os níveis (locais e mundiais) um espaço de
bens públicos de responsabilidade dos poderes constituídos; 4) bloquear a
emergência de um apartheid mundial;
5) interromper o agravamento das desigualdades e trabalhar para reduzi-las; 6)
reafirmar, restaurar ou instaurar sistemas múltiplos de solidariedade, de
redistribuição e de proteção social e, enfim, 7) conceber e colocar em prática
estratégias que sejam respostas a necessidades urgentes (água, habitação,
saúde) e que suscitem o desenvolvimento de atividades e de empregos,
contribuindo para promover formas de produção e de vida não-destruidoras dos
recursos e dos equilíbrios de nossa Terra.
Tudo isso na expectativa de que um ímpeto
humanístico, ético, político permita melhores perspectivas.”
16. Programa das Nações Unidas sobre o
Desenvolvimento (PNUD). Relatório Mundial sobre o Desenvolvimento Humano, 1992.
Paris, Econômica, 1992, P. 40.
(Michel Beaud)
“A partir do começo dos anos 80, uma grande
parte das dívidas das grandes sociedades e bancos foi eliminada e transformada
em dívida pública. Esse fenômeno de “conversão” é um elemento central da crise:
as perdas foram sistematicamente transferidas para o Estado. Além disso, boa
parte das subvenções públicas, em vez de estimular a criação de empregos, foi
utilizada para financiar a concentração de empresas, tecnologias limitadoras de
mão-de-obra, deslocamentos para o Terceiro Mundo. As despesas do Estado
favoreceram desse modo a concentração da propriedade e uma diminuição sensível
da força de trabalho industrial, enquanto o desaparecimento de médias e
pequenas empresas e a produção de desemprego entre os assalariados (que também
são contribuintes) aceleravam a diminuição dos ingressos fiscais6. A
crise da dívida ainda favoreceu o estabelecimento de sistemas fiscais
regressivos, que também contribuíram para o agravamento... da dívida. Enquanto
baixava a imposição sobre as empresas, os impostos (entre eles a TVA, Taxe à la
ValeurAjoutée (Imposto sobre valor adicionado]) que atingem a população
assalariada eram utilizados para o pagamento da dívida pública. A crise fiscal
também foi agravada pela transferência, favorecida pelas novas técnicas
bancárias, de lucros de empresas para paraísos fiscais como Suíça, Luxemburgo,
Bahamas etc. As ilhas Cayman, colônia caribenha da coroa britânica, constituem
o quinto centro bancário do planeta em termos de depósitos anônimos ou de
depósitos provindos de empresas de fachada7.
Desse modo, o agravamento do déficit
americano está diretamente ligado a uma evasão fiscal maciça e à fuga de lucros
não declarados. Em compensação, uma boa parte dos fundos depositados nas ilhas
Cayman e nas Bahamas — alguns deles controlados por organizações criminosas —
serve para o financiamento de investimentos nos Estados Unidos. Um círculo
vicioso foi assim estabelecido. Os destinatários dos subsídios governamentais
tornaram-se credores do Estado. Os bônus emitidos pelo Tesouro para financiar
as grandes firmas são adquiridos pelos bancos e pelas instituições financeiras,
que também são beneficiados pelos subsídios estatais. Movemo-nos no absurdo
completo: o Estado financia, desse modo, seu próprio endividamento, subsídios
são utilizados para a compra da dívida pública. Assim, o governo está
imprensado entre ambientes de negócios que fazem pressão para obter subvenções
e serem seus credores. E, como uma grande parte da dívida pública está nas mãos
de instituições financeiras privadas, estas últimas estão em posição de
influenciar os governos com o objetivo de controlar ainda mais os recursos
públicos...
Além disso, em muitos países membros da OCDE,
as práticas dos bancos centrais foram modificadas com o objetivo de responder
às exigências dos mercados. Essas instituições tornaram-se cada vez mais
“independentes” e foram “postas ao abrigo das influências políticas”. Com
efeito, isso significa que o Tesouro está cada vez mais à mercê dos credores
privados. Na verdade, o Banco Central (que não é responsável nem diante do
governo, nem diante dos parlamentares) opera como burocracia autônoma sob a
tutela dos interesses financeiros privados. São estes, mais que o governo, que
determinam a política monetária. Um exemplo: os fortes aumentos das taxas de
juros americanas em 1994-1995 foram ditadas por Wall Street, provocando um
inchaço no pagamento de juros da dívida pública e cortes correspondentes nos
gastos sociais, que também tinham sido solicitados pelos meios financeiros. A
política monetária como meio de intervenção do Estado já existiu um dia;
doravante, ela será em parte domínio do banco privado. Contrastando com a
raridade crescente dos fundos públicos, a “criação de moeda” (que implica um
controle dos recursos reais) é realizada no coração do sistema bancário
internacional, com o único fim de enriquecer a ordem privada. Poderosos atores
financeiros têm, além da possibilidade de criar e de fazer circular moeda, a de
manipular as taxas de lucro e de precipitar a queda de divisas maiores, como
aconteceu com a libra esterlina em setembro de 1992.”
6. A contribuição das firmas americanas nos
ingressos federais passou de em 1980 para 8,3% em 1992. Cf. US Statistical Abstract, 1992.
7. Estimativas apresentadas por Jack A. Blum
em Journées sur les drogues, Le développement et L'état de droit.
Bilbao, outubro de 1994. Cf. também Alain Labrousse e Alain Wallon (sob a
direção de), La Planite des Drogues. Le Seuil, Paris, 1995; e La Drogue, Nouveau Désordre Mondial. Observatoire
Géopolitique des Drogues. Hachette, Paris, 1995.
(Michel Chossudovsky)
“O futuro terá retomado uma perspectiva
positiva? Silêncio, entretanto, sobre o futuro do trabalho e do tempo livre nas
sociedades ricas; silêncio sobre a evolução demográfica e os fulgurantes
fenômenos de urbanização (incluídos em anexos estatísticos nos relatórios);
silêncio sobre as relações entre emprego e modo de desenvolvimento; silêncio
sobre os meios políticos para domar os “dragões” especulativos mundiais, que não
são estranhos à escalada do desemprego. Por outro lado, podemos nos alegrar com
a informação de que vários milhares de assalariados da Microsoft são
milionários e de que dois dentre eles são bilionários. Para eles, ao menos, a
“dura realidade” pertence em princípio, ao passado.”
(Jacques Decornoy)
“Ao contrário das expectativas de uma
transição para a democracia depois das ditaduras militares, a ordem neoliberal
tem se caracterizado por um recrudescimento das formas autoritárias de governo.
O efeito político e social dessas mudanças é
a tendência a excluir da atividade política regular amplos setores da sociedade
por uma das três seguintes vias: limitação do exercício do direito do voto (que
não necessariamente é respeitado, sobretudo quando seus resultados não
beneficiam os grupos dominantes); severa restrição ou eliminação do exercício
da representação das organizações sociais realmente existentes (que só detêm
espaços limitados através dos partidos políticos com registro estável); e
descrédito geral das funções públicas exercidas pelas representações políticas
opositoras.
Nessas condições, é cada vez maior o número
de conflitos políticos que carecem de canais de negociação, bem como de formas
institucionais estáveis de solução. De maneira superficial, a academia
conservadora tende a denominar tal circunstância de “ingovernabilidade”, termo
usado pelos estrategistas da segurança nacional norte-americana. Por nossa
parte, acreditamos que é necessário referir-se, na verdade, ao predomínio de um
regime de exclusão que coloca em risco a sobrevivência da ordem, salvo pelas
ações de força que possam ser exercidas pelos aparelhos de poder. De todas as
maneiras, tal regime de exclusão serve predominantemente para o objetivo de
diminuir ainda mais a soberania nacional (entendida como exercício da
capacidade de decisão política sobre uma população em um território
determinado), com o consequente incremento do intervencionismo externo.”
(Raquel Sosa Elízaga)
Nenhum comentário:
Postar um comentário