Editora: Nova Cultural
Tradução: Luiz João Baraúna e Alexandre Correia
Opinião: ★★☆☆☆
Páginas: 144
Estão
contidos nesta obra os textos: O ente e a
essência (1242-43) / Questões
discutidas sobre a verdade (1256-59) /
Súmula contra os gentios (1259-60) / Compêndio
de teologia (cap. I a XXXVI e LXXVI a C) (1260) / Suma teológica (seleção) (1265).
Súmula contra os gentios (1259-60)
“O
uso comum que, no entender do Filósofo (Aristóteles), deve ser seguido quando
se trata de dar nome às coisas (Tópicos,
II, 1, 5), manda que se chamem sábios
aqueles que organizam diretamente as coisas e presidem ao seu reto governo.
Entre outras ideias, o Filósofo afirma que “o ofício do sábio é colocar ordem
nas coisas” (I Metafísica, II, 3).
Ora, todos quantos têm o ofício de ordenar as coisas em função de uma meta
devem haurir desta meta a regra do seu governo e da ordem que criam, uma vez
que todo ser só ocupa o seu devido lugar quando é devidamente ordenado ao seu
fim, já que o fim constitui o bem de todas as coisas.
Assim
também acontece no setor das artes. Constatamos, efetivamente, que uma arte
detentora de um fim, desempenha em relação a uma outra arte o papel de
reguladora e, por assim dizer, de princípio. A medicina, por exemplo, preside à
farmacologia e a regula, pelo fato de que a saúde, que é o objeto da medicina,
constitui a meta ou o objetivo de todos os remédios cuja composição compete à
farmacologia.
O
mesmo acontece com a arte de pilotar, com respeito à arte de construir navios,
e com a arte da guerra, com respeito à cavalaria e aos fornecimentos militares.
Estas artes, que presidem a outras, chamamo-las arquitetônicas ou artes
principais, e os que se dedicam a elas, e que denominamos arquitetos, fazem jus ao nome de sábios.
Todavia,
sendo que tais profissionais tratam dos fins em áreas particulares, e não
atingem o fim último e universal de todas as coisas, denominamo-los sábios
nesta ou naquela área, do mesmo modo como São Paulo Apóstolo afirma “ter
colocado os fundamentos como um sábio arquiteto” (1 Cor 3, 12). O nome de sábio, pura e simplesmente, isto é, no
sentido estrito do termo, está reservado àqueles que tomam por objeto de sua
reflexão o fim ou a meta do universo, que constitui ao mesmo tempo o princípio
de tudo. É neste sentido que, para o Filósofo, o ofício do sábio é o estudo das
causas mais altas (I Metafísica, I. 12).”
“No
livro X de sua Ética, o Filósofo
(Aristóteles) aponta outra razão da utilidade ou necessidade de uma revelação
sobrenatural (capítulo VII, ponto 8). A propósito de um certo Simônides, que
queria convencer os homens a renunciar a conhecer a Deus e a dirigir a sua
pesquisa para as realidades humanas, afirmando que o homem deve degustar as
coisas humanas, e o ser mortal deve desfrutar as coisas mortais, o Filósofo
afirma que o liberto na medida de suas possibilidades, deve altear-se ao nível
das coisas imortais e divinas. Igualmente, no livro XI Sobre os Animais, afirma que, por mais limitado que seja o nosso
conhecimento acerca das substâncias superiores, este pouco é mais desejado e
mais amado que todo o conhecimento que possamos adquirir das coisas inferiores.
Ainda mais, no livro II da obra Sobre o
Céu e o Mundo (capítulo XII, ponto 1), afirma que, por mais limitada que
seja a solução que conseguirmos encontrar para os problemas que representam
para nós os corpos celestes, a alegria que os discípulos sentem é intensíssima.
Tudo
isto demonstra que o conhecimento das realidades mais nobres, por mais
imperfeito que seja, confere à alma uma perfeição muito alta. Mesmo que a razão
humana não consiga apreender plenamente as verdades suprarracionais, haure
delas uma grande perfeição ao recebê-las de alguma forma pela via da revelação
sobrenatural, ao menos de alguma maneira.”
“Com
efeito, Deus manifestou a sua presença, bem como a verdade do seu ensinamento e
da sua inspiração, através de provas adequadas, operando de maneira bem visível
coisas que ultrapassam de muito as possibilidades da natureza inteira, no
intuito de confirmar as verdades que superam as forças do intelecto humano:
curas maravilhosas de enfermos, ressurreições de mortos, alterações
impressionantes dos corpos celestes e, o que é mais admirável, inspiração do
espírito dos homens, de tal modo, que pessoas ignorantes e simples, uma vez
repletas do dom do Espírito Santo, lograram em um instante a mais alta
sabedoria humana e a mais elevada eloquência.
Face
a tais coisas, uma inumerável multidão, movida pela eficácia de uma tal
demonstração, não pela violência das armas nem pela promessa de prazeres
materiais, e, o que é ainda mais impressionante, sob a tirania dos
perseguidores, não somente pessoas simples, mas também pessoas muito sábias,
inscreveram-se sob o signo da fé cristã, esta fé que prega verdades
inacessíveis à inteligência humana, reprime os desejos da carne e ensina a
desprezar todos os bens do presente mundo. Que os espíritos dos mortais deem o
seu assentimento a tudo isto, e que, menosprezando as realidades visíveis, só
se desejem os bens invisíveis, eis certamente o maior milagre e a obra evidente
da inspiração de Deus. Tudo isto não aconteceu de um só golpe e como que ao
acaso, mas conforme uma disposição divina. Para comprová-lo, existe o fato de
que Deus, muito tempo antes, predisse tudo isso pela boca dos Profetas, cujos
livros nós veneramos, visto que são portadores de um testemunho em favor da
nossa fé.”
“Esta
tão admirável conversão do mundo a Jesus Cristo constitui uma prova muito firme
em favor dos milagres antigos, tal que não é necessário que eles se renovem,
pois transparecem com evidência nos seus efeitos. Certamente seria um milagre
mais impressionante do que todos os outros o fato de que o mundo tenha sido
vocacionado, sem sinais dignos de admiração, por homens simples e de extração
humilde, a crer verdades tão altas, a operar obras tão difíceis, a esperar bens
tão elevados. E, mesmo assim, Deus, ainda em nossos dias, não cessa de
confirmar a nossa fé pelos milagres dos seus santos.”
Compêndio de teologia (1260)
“Com
efeito, a salvação humana consiste no conhecimento da verdade, a fim de que a
inteligência humana não seja obscurecida por erros. Além disso, consiste a
salvação humana no perseguir o fim devido, para que o homem não se desvie da
verdadeira felicidade, buscando objetivos indevidos. Consiste outrossim a
salvação humana na observância da justiça, a fim de que o homem não se polua
com os diversos vícios.
Condensou
Jesus Cristo o conhecimento da verdade humana necessária para a salvação em
alguns poucos e breves artigos de fé. Eis por que o Apóstolo (São Paulo)
escreve na Epístola aos Romanos. 9. 28: “Deus usará de palavra breve sobre a
terra”. Esta é a palavra da fé que pregamos. Retificou a intenção humana pela
palavra breve, com a qual, ao mesmo tempo que nos ensinou a orar, revelou a que
devem tender a nossa intenção e a nossa esperança. Consumou a justiça humana, a
qual consiste na observância da Lei, no preceito único do amor, visto como “a
plenitude da Lei é o amor” (Romanos,
13, 10). Daí ensinar o Apóstolo, na primeira Epístola aos Coríntios. 13, 13,
que toda a perfeição da vida presente consiste na fé, na esperança e na
caridade, que constituem como que capítulos a englobarem a nossa salvação,
dizendo: “Agora permanecem a fé, a esperança e a caridade”. Efetivamente,
segundo o dizer de Santo Agostinho (Enquirídio,
cap. III), é através destas três virtudes que se cultua a Deus.”
“A
fé constitui um certo antegozo daquele conhecimento que nos fará felizes no
futuro. Por isso diz o Apóstolo São Paulo na Epístola aos Hebreus (11,1) que a
fé constitui “a substância das coisas que se esperam”, como que fazendo já
viverem em nós as coisas esperadas, ou seja, a felicidade futura, à guisa de
prelúdio. O Senhor ensinou que este conhecimento que nos torna felizes tem por
objeto duas coisas: a divindade da Santíssima Trindade e a humanidade de Jesus
Cristo.”
“Quanto
à unidade da essência divina, a primeira coisa a crer é que Deus existe, o que
aliás é óbvio à própria razão.
Efetivamente,
observamos que tudo quanto se move é movido por outros. Assim, os seres
inferiores são movidos pelos superiores, da mesma forma como os elementos são
movidos pelos corpos celestes. Nos elementos terrestres, por sua vez, o que é
mais forte move o que é mais fraco. Também nos corpos celestes, os inferiores
são movidos pelos superiores. Ora, é impossível que este processo se prolongue
até ao infinito. Com efeito, se tudo aquilo que é movido por outro é como que
um instrumento da primeira causa movente, caso não existisse uma primeira causa
movente, todas as causas motoras seriam instrumentos. Se procedermos até ao
infinito na sucessão das causas motoras, não existe uma primeira causa motora.
Nesta hipótese, todos os infinitos que movem e que são movidos serão
instrumentos. Ora, até mesmo os não-letrados percebem que seria irrisório
afirmar que os instrumentos não são movidos por algum agente principal.
Equivaleria isto aproximadamente a afirmar a possibilidade de fazer uma caixa
ou uma cama com a serra e o machado, porém sem a intervenção de um carpinteiro.
Em
consequência, é indispensável que haja uma primeira causa motora, superior a
todas as outras. A esta causa motora denominamos Deus.”
“Todo
ser ou coisa que move outro, para poder fazê-lo, deve necessariamente ter
domínio sobre a coisa movida. De fato, observa-se que, quanto mais a força
motora superar a da coisa movida, tanto mais rápido é o movimento. Ora, a que é
a primeira de todas as causas motoras deve necessariamente ter o máximo domínio
sobre as coisas movidas. Tal não poderia acontecer se a causa motora primária
estivesse de qualquer forma subordinada à coisa movida, o que necessariamente
ocorreria se fosse a sua forma ou a sua força.
Deduz-se,
por conseguinte, que a primeira causa motora não pode ser um corpo, nem uma
força no corpo, nem uma forma do mesmo. Eis por que Anaxágoras postulou uma
inteligência capaz de comandar e de pôr em movimento tudo quanto existe (cf.
Aristóteles, Física, livro VIII,
capítulo V).”
“Do
exposto pode-se também inferir que Deus é infinito. Não por via de privação,
isto é, numa linha de quantidade, como quando se denomina infinito o que, em
razão do seu gênero, deveria ter conaturalmente fim, mas na realidade não tem.
Deus é infinito por via de negação, isto é, no sentido de que não tem nenhum
limite. Pois todo ato é finito em razão da potencialidade, a qual é uma força
receptiva. Com efeito, constatamos que as formas são limitadas, segundo a
potência da matéria. Se, por conseguinte, a primeira causa motora é puro ato,
sem qualquer mescla de potencialidade, e isto pelo fato de não ser nem a forma
nem a força de algum corpo, é necessário que esta primeira causa motora seja
infinita.
É
o que demonstra também o reino da criação. Pois, quanto mais altas forem
algumas coisas nos seres, tanto maiores são, a seu modo. Com efeito, é entre os
elementos superiores que encontramos os quantitativamente maiores, como também
na simplicidade. É o que demonstra a sua proveniência, pois, multiplicando-se a
proporção, o fogo é tirado do bronze, o ar da água, a água da terra. É evidente
que o sol supera a totalidade dos elementos. Necessariamente, portanto, Aquele
que é o primeiro de todos os seres, e antes do Qual nada pode existir, deve ser
infinito.
Não
deve causar espécie afirmar que Aquele que é simples e destituído da forma
corpórea é infinito e pela sua imensidade supera quantitativamente qualquer
corpo, visto que já a nossa inteligência, incorpórea e simples, ultrapassa
quantitativamente e abarca todos os corpos, graças ao conhecimento que a
caracteriza. Com muito maior razão deve-se dizer que Aquele que é o primeiro de
todos supera pela sua imensidade tudo quanto existe, abarcando tudo.
Nesta
linha, conclui-se igualmente que Deus é infinito em poder. Com efeito, se Deus
é infinito na sua essência, segue que também o é no seu poder.
Depreende-se
isto também de um olhar atento à ordem da natureza. Tudo aquilo que tem
potência, na mesma medida tem poder receptivo e passivo; se for ato, terá poder
ativo. Em consequência, o que for pura potência, isto é, a matéria primeira,
tem uma virtude infinita para receber, totalmente destituído de virtude ativa.
Em contrapartida, quanto mais uma determinada coisa for ato, tanto maior será a
sua virtude ativa, razão pela qual o fogo é o mais ativo dos elementos, Deus,
por ser puro ato e não apresentar vestígio sequer de potencialidade, é infinito
em seu poder ativo, ultrapassando tudo quanto existe.”
“Não
havendo em Deus nada em potência, mas exclusivamente em ato, conforme ficou
demonstrado (no capítulo IX), é necessário que a sua inteligência não esteja em
potência nem em hábito, mas tão-somente em ato, o que significa que na sua
intelecção Deus não admite sucessão de tempo. Com efeito, quando uma
inteligência apreende muitas coisas em tempos sucessivos, inevitavelmente,
enquanto compreende uma coisa em ato, entende a outra só em potência, já que
não existe sucessão temporal em coisas que acontecem simultaneamente.
Se,
por conseguinte, Deus nada apreende em potência, o seu intelecto não admite
qualquer sucessão temporal, razão pela qual compreende ao mesmo tempo todas as
coisas que apreende, não podendo, além disso, apreender nada de novo. Pois uma
inteligência que apreende algo de novo é um intelecto que antes estava só em
potência.
Outra
conclusão lógica é que a inteligência de Deus não pode compreender de maneira
discursiva, isto é, entendendo uma coisa a partir da outra, como ocorre com a
nossa inteligência. Com efeito, o nosso intelecto procede de maneira tal que do
conhecido chegamos ao desconhecido, ou àquilo que antes não havíamos considerado.
Isto não pode acontecer com a inteligência de Deus.
Do
acima explanado infere-se outrossim que Deus não compreende as coisas através
de elementos intermediários, mas através da sua própria essência.
Toda
inteligência que compreende as coisas através de elementos diferentes dela
mesma está para estes elementos como a potência está para o ato, uma vez que
esta “imagem” inteligível constitui uma perfeição da mesma e a faz compreender
em ato ou na realidade. Ora, se em Deus nada existe em estado de potencialidade,
por ser Ele puro ato, necessariamente o conhecimento que possui das coisas não
passa por outros elementos (“imagens” inteligíveis), mas procede diretamente da
sua própria essência. Daqui segue também que o objeto direto e principal da
inteligência de Deus é Ele próprio. Pois a essência de uma coisa não conduz própria e diretamente ao
conhecimento daquilo de que é a essência: assim, pela definição do homem
conhecemos propriamente o que é o homem; pela definição do cavalo, o que é o
cavalo.
Se,
portanto, Deus compreende tudo em sua própria essência, necessariamente o
objeto direto e principal do seu entendimento é Ele mesmo. E já que Ele mesmo é
a sua essência, conclui-se que n’Ele se identificam totalmente o ato de
compreender, o objeto da compreensão e aquilo através do qual se processa a
intelecção. (...)
De
certo modo a inteligência está para o ato de compreender como a essência está
para o ser. Ora, Deus compreende através da sua própria essência, e a sua
essência é o seu ser. Logo, a sua inteligência é a sua própria intelecção. E
assim, pelo fato de Deus entender, não se lhe atribui composição, pois n’Ele
não há distinção entre a inteligência, o ato de compreender e as “imagens
inteligíveis”. Estes três elementos não são outra coisa senão a própria essência
de Deus.”
“Esta
é a razão pela qual a fé católica não só denomina a Deus criador, mas também “fazedor”,
pois o fazer é próprio do artífice que opera livremente. E, já que todo ser que
age livremente o faz pela concepção da sua inteligência — a qual se denomina “o
verbo” (palavra) do agente, conforme dissemos acima (capítulo XXXVIII), e o
verbo-palavra de Deus é o Filho — por este motivo a fé católica fala do Filho, através do qual tudo foi feito.”
Suma teológica (1265)
“A
denominação Aquele que é, por
excelência, é própria de Deus, por três razões.
Primeira,
pela sua significação, pois não significa nenhuma forma, mas o próprio ser.
Ora, sendo em Deus a existência idêntica à essência, o que não se dá com nenhum
outro ser, como já demonstramos (q. 3, a. 4), é manifesto que, entre outras, a
denominação de que se trata é a que convém a Deus, por excelência; pois um ser
é denominado pela sua forma.
Segunda,
por causa da sua universalidade. Pois todos os outros nomes são menos gerais,
ou, se são equivalentes à denominação vertente, contudo, acrescentam-lhe algo,
racionalmente, e de certo modo informam-na e a determinam. Ora, o nosso
intelecto não pode, nesta vida, conhecer a essência mesma de Deus, tal como ela
em si é; por onde, seja qual for o modo por que determinamos o que inteligimos
de Deus, não poderemos nunca compreender o que Deus em si mesmo é. E, portanto,
quanto menos determinados e quanto mais gerais e absolutos forem certos nomes,
tanto mais propriamente nós os atribuiremos a Deus. E por isso diz Dionísio1
que, de todos os nomes atribuídos a Deus,
é o principal — Aquele que é; pois,
compreendendo tudo em si, exprime o ser mesmo, como uma espécie de pélago
infinito e indeterminado da substância. Ao passo que qualquer outro nome
determina apenas um aspecto da substância da coisa designada, a denominação Aquele que é não determina nenhum modo
de ser, porque se comporta indeterminadamente em relação a todos e, portanto,
designa o pélago mesmo infinito da substância.
Terceira,
pelo que está incluído na sua significação mesma, que é o ser presente, que se
atribui a Deus por excelência, cujo ser não conhece pretérito nem futuro, como
diz Agostinho2.
1: Da Fé Ortodoxa, liv. 1,c. 9
2: Da Trindade, V, c. 1
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