Editora: Mundo cristão
ISBN: 978-85-7325-505-8
Tradução: Almiro Pisetta
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 264
Sinopse: Ver Parte
I
“As pessoas primeiro prestaram homenagem a um
local e depois conquistaram a glória para ele. Roma não foi amada por ser
grande. Ela foi grande por ter sido amada.”
“O suicídio não só constitui um pecado, ele é
o pecado. É o mal extremo e absoluto; a recusa de interessar-se pela
existência; a recusa de fazer um juramento de lealdade à vida. O homem que mata
um homem, mata um homem. O homem que se mata, mata todos os homens; no que lhe
diz respeito, ele elimina o mundo. Seu ato é pior (considerado simbolicamente)
do que qualquer estupro ou atentado a bomba, pois destrói todos os prédios;
insulta a todas as mulheres. O ladrão se satisfaz com diamantes; mas o suicida
não: esse é seu crime. Ele não pode ser subornado, nem com as cintilantes
pedras da Cidade Celestial. O ladrão elogia os objetos que furta, quando não
elogia o dono deles. Mas o suicida insulta a todos os objetos da terra ao não
furtá-los. Ele conspurca cada flor ao recusar-se a viver por ela.
Não existe nenhuma criatura no cosmos, por
mínima que seja, para quem a sua morte não é um escárnio. Quando alguém se
enforca numa árvore, as folhas poderiam cair de raiva e os pássaros fugir em
fúria, pois cada um deles recebeu uma afronta direta. Obviamente pode haver
patéticas desculpas emocionais para o ato. Geralmente as há para o estupro, e
quase sempre para o atentado a bomba. Mas quando se trata de esclarecer ideias
e o significado inteligente das coisas, então, na sepultura na encruzilhada1
e na estaca cravada no corpo, há muito mais verdade racional e filosófica do
que nas máquinas de suicídio do sr. Archer. Há um significado no enterro à
parte de um suicida. O crime desse homem é diferente de outros crimes — pois
torna até os crimes impossíveis.
Li uma solene bobagem de algum
livre-pensador. Dizia ele que um suicida era simplesmente o mesmo que um
mártir. A patente falácia desse texto ajudou-me a esclarecer a questão.
Obviamente um suicida é o oposto de um mártir. Um mártir é um homem que se
preocupa tanto com alguma coisa fora dele que se esquece de sua vida pessoal.
Um suicida é um homem que se preocupa tão pouco com tudo o que está fora dele
que ele quer ver o fim de tudo. Um quer que alguma coisa comece; o outro, que
tudo acabe.
Em outras palavras, o mártir é nobre,
exatamente porque (embora renuncie ao mundo ou execre toda a humanidade) ele
confessa esse supremo laço com a vida; coloca o coração fora de si mesmo: morre
para que alguma coisa viva. O suicida é ignóbil porque não tem esse vínculo com
a existência: ele é meramente um destruidor. Espiritualmente, ele destrói o
universo. E depois me lembrei da estaca e da encruzilhada, e o estranho fato de
que o cristianismo mostrara esse rigor incomum para com o suicida. Pois o
cristianismo mostrara um ardente incentivo ao martírio.
O cristianismo histórico foi acusado, não
inteiramente sem razão, de levar o martírio e o ascetismo a um ponto extremo,
desolado e pessimista. Os primeiros mártires cristãos falavam de morte com uma
alegria horrível. Blasfemavam as belas funções do corpo, sentiam o cheiro da sepultura
à distância como se ela fosse um campo de flores. Tudo isso a muitos parecia a
própria poesia do pessimismo. Todavia, existe a estaca na encruzilhada para
mostrar o que o cristianismo pensava do pessimista.”
1: Segundo o costume cristão, o suicida não
podia ser enterrado no cemitério.
“Esse lado perverso do otimismo meramente
externo também se mostrava no mundo antigo. Por volta da época em que o
idealismo estoico começava a mostrar as fraquezas do pessimismo, a velha
adoração da natureza pelos antigos começava a mostrar as enormes fraquezas do
otimismo. A adoração da natureza é bastante natural enquanto a sociedade é
jovem, ou, em outras palavras, não há nada de errado com o panteísmo desde que
seja a adoração de Pã.
Mas a natureza tem outro lado que a
experiência e o pecado não demoram a descobrir, e não é leviandade dizer do
deus Pã que ele logo mostrou seu casco fendido. A única objeção à religião
natural é que, de certo modo, ela sempre se torna antinatural. Alguém ama a
natureza de manhã pela sua inocência e amabilidade, e à noite, se ainda
continuar a amá-la, será pela sua escuridão e crueldade. Ele se lava ao
amanhecer em águas claras como faziam os Homens Sábios dos estoicos; no
entanto, de algum modo no final sombrio do dia, ele se lavará no sangue quente
de um boi, como fazia Juliano, o Apóstata. A mera busca da saúde sempre conduz
a algo doentio.
A natureza física não deve ser transformada
no objeto direto de obediência; ela deve ser desfrutada, não adorada. As
estrelas e as montanhas não devem ser levadas a sério. Se o forem, nós vamos
acabar onde acabou a adoração pagã da natureza. Por ser a terra bondosa, nós
podemos imitar todas as suas crueldades. Por ser a sexualidade sadia, nós
podemos enlouquecer por ela. O mero otimismo atingia seu final insano e
apropriado. A teoria de que tudo era bom tornara-se uma orgia geral de tudo o
que era ruim.
Em contrapartida, os nossos pessimistas
idealistas foram representados pelos velhos remanescentes dos estoicos. Marco
Aurélio e seus amigos haviam de fato abandonado a ideia de qualquer deus
presente no universo e procuravam apenas o deus interior. Não depositavam
nenhuma esperança na virtude da natureza, e quase nenhuma esperança na virtude
da sociedade. Não alimentavam um interesse suficiente no mundo exterior para
realmente destruí-lo ou revolucioná-lo. Não amavam suficientemente a cidade
para atear-lhe fogo.
Assim, o mundo antigo estava exatamente
diante do nosso desolado dilema. As únicas pessoas que realmente desfrutavam
desse mundo ocupavam-se em desintegrá-lo; e as pessoas virtuosas não atribuíam
atenção suficiente a essa gente para derrubá-la. Diante desse dilema (o mesmo
que nós enfrentamos) o cristianismo de repente entrou em cena e apresentou uma
resposta singular, que o mundo no fim aceitou como A resposta. Foi a resposta
naquela época, e eu penso que é a resposta agora.”
“A expressão radical para todo o teísmo
cristão era esta: que Deus era um criador, como um artista é um criador. Um
poeta está tão separado de seu poema que ele mesmo refere-se a ele como uma
coisinha que foi “jogada fora”. Até mesmo no ato de produzi-lo ele o jogou
fora. Esse princípio segundo o qual toda criação, toda procriação é um
desprender-se é no mínimo coerente através do cosmos como o princípio evolucionário
de que todo crescimento é uma ramificação. Uma mulher perde o filho exatamente
quando o está dando à luz. Toda criação é separação. O nascimento é uma
despedida tão solene quanto a morte.
O princípio filosófico básico do cristianismo
era que esse divórcio no ato divino de criar (como o que separa o poeta do
poema ou a mãe do filho recém-nascido) era a verdadeira descrição do ato com o
qual a energia absoluta criou o mundo. Segundo a maioria dos filósofos, Deus ao
criar o mundo o escravizou. Segundo o cristianismo, ao criá-lo Deus o libertou.
Deus havia escrito não exatamente um poema, mas antes uma peça; uma peça que
planejara à perfeição, mas que tinha necessariamente legado a atores e
diretores humanos, que a partir daquele tempo a transformaram numa grande
confusão.”
“Não preciso lembrar ao leitor que a ideia
dessa combinação é de fato central na teologia ortodoxa. Pois a teologia
ortodoxa tem insistido especialmente que Cristo não foi um ser separado de Deus
e do homem, como um elfo, nem tampouco um ser meio humano e meio não humano,
como um centauro, mas as duas coisas ao mesmo tempo e as duas coisas de modo
pleno, verdadeiro homem e verdadeiro Deus.”
“A coragem é quase uma contradição em termos.
Significa um forte desejo de viver que toma a forma de uma disposição para
morrer. “Quem perder a sua vida, salvá-la-á,” não é um fragmento de misticismo
para santos e heróis. É um fragmento de orientação para o dia a dia de
navegantes e alpinistas. Poderia ser estampado no livro de orientações ou de
exercícios para escaladores de montanhas. Nesse paradoxo está todo o princípio
da coragem; mesmo da coragem totalmente terrena ou totalmente brutal. Um homem
isolado pelo mar pode salvar a vida arriscando-a no precipício.
Ele só pode escapar da morte se for continuamente
pisando a um centímetro dela. Um soldado cercado por inimigos, se quiser achar
uma saída, precisa combinar um forte desejo de viver com uma estranha
despreocupação com a morte. Ele não deve simplesmente agarrar-se à vida, pois
então será covarde — e não escapará. Ele não deve simplesmente aguardar a
morte, pois então será suicida — e não escapará. Ele deve buscar a vida num
espírito de furiosa indiferença diante dela; deve desejar a vida como água e,
no entanto, beber a morte como vinho.
Nenhum filósofo, imagino eu, jamais expressou
esse enigma romântico com a necessária lucidez, e eu certamente não o fiz. Mas
o cristianismo fez mais; ele demarcou seus limites nas terríveis sepulturas do
suicida e do herói, mostrando a distância entre quem morre por amor à vida e
quem morre por amor à morte. E depois disso sempre ostentou acima das lanças
europeias o estandarte do mistério da cavalaria: a coragem cristã, que é um
desdém da morte; não a coragem chinesa, que é um desdém da vida.”
“Tomemos outro caso: a complicada questão da
caridade, que alguns idealistas altamente descaridosos parecem julgar muito
simples. A caridade é um paradoxo, como a modéstia e a coragem. Mal formulada,
a caridade certamente significa uma de duas coisas: perdoar atos imperdoáveis
ou amar pessoas não amáveis. Mas se nos perguntarmos (como fizemos no caso do
orgulho) o que um pagão sensato sentiria a respeito desse assunto, vamos
provavelmente começar da base da questão.
Um pagão sensato diria que há algumas pessoas
que se podem perdoar; e algumas que não se podem: um escravo que roubasse vinho
poderia ser motivo de riso; um escravo que traísse seu benfeitor poderia ser
morto e amaldiçoado mesmo depois de morto. Na medida em que o ato era
perdoável, o homem era perdoável. Isso, mais uma vez, é racional, e até
reconfortante; mas é uma diluição. Não deixa espaço para o puro horror perante
uma injustiça, como aquele que é uma grande beleza no inocente. E não deixa
espaço para a mera ternura pelos homens na qualidade de homens, como a que
constitui todo o fascínio do caridoso.
Como antes, o cristianismo entrou em cena.
Entrou de maneira alarmante com uma espada e separou uma coisa da outra.
Separou o crime do criminoso. Ao criminoso devíamos perdoar até setenta vezes
sete. Ao crime não devíamos perdoar de modo algum. Não bastava que os escravos
que roubassem vinho inspirassem em parte ira e em parte bondade. Nós devíamos
nos irar muito mais com o furto do que antes, e, no entanto, devíamos ser muito
mais bondosos com os ladrões do que antes. Havia espaço para a ira e para o
amor sem limites. E quanto mais eu contemplava o cristianismo, tanto mais
percebia que, embora ele houvesse estabelecido uma regra e uma ordem, o
objetivo principal dessa ordem era permitir espaço para coisas boas sem limites.”
“Lembre-se de que a Igreja abraçou
especificamente ideias perigosas; ela foi uma domadora de leões. A ideia do
nascimento por meio do Espírito Santo, da morte de um ser divino, do perdão dos
pecados ou do cumprimento das profecias — qualquer um pode ver que são ideias
que precisam apenas de um toque para transformar-se em algo blasfemo ou feroz.
Aqui basta observar que se algum pequeno erro fosse cometido na doutrina,
enormes disparates poderiam ser cometidos na felicidade humana.
Uma frase formulada erroneamente acerca da
natureza do simbolismo teria quebrado todas as melhores estátuas da Europa. Um
deslize nas definições poderia parar todas as danças; poderia secar todas as
árvores de Natal ou quebrar todos os ovos de Páscoa. As doutrinas tinham de ser
definidas dentro de rigorosos limites, até mesmo para que o homem pudesse
desfrutar de liberdades humanas gerais. A Igreja precisou ser cuidadosa, se não
por outro motivo para que o mundo pudesse ficar despreocupado.
Essa é a emocionante aventura da Ortodoxia.
As pessoas adquiriram o tolo costume de falar de ortodoxia como algo pesado,
enfadonho e seguro. Nunca houve nada tão perigoso ou tão estimulante como a
ortodoxia. Ela foi a sensatez, e ser sensato é mais dramático que ser louco.
Ela foi o equilíbrio de um homem por trás de cavalos em louca disparada,
parecendo abaixar-se para este lado, depois para aquele, mas em cada atitude
mantendo a graça de uma escultura e a precisão da aritmética.
A Igreja em seus primeiros dias correu
violenta e velozmente com qualquer cavalo de batalha; no entanto, é totalmente
anti-histórico dizer que ela apenas cometeu loucuras apegando-se a uma única
ideia, como um fanatismo vulgar. Ela curvou-se para a esquerda e para a
direita, na medida exata a fim de evitar enormes obstáculos. Num dado momento
ela abandonou o enorme vulto do arianismo, apoiado por todos os poderes deste
mundo para fazer o cristianismo mundano demais. No instante seguinte ela estava
se curvando para evitar o orientalismo, que o teria espiritualizado demais.
A Igreja ortodoxa nunca tomou a rota fácil ou
aceitou as convenções; a Igreja ortodoxa nunca foi respeitável. Teria sido mais
fácil ter aceitado o poder terreno dos arianos. Teria sido mais fácil, durante
o calvinista século 17, cair no abismo infinito da predestinação. É fácil ser
louco; é fácil ser herege. É sempre fácil deixar que cada época tenha a sua
cabeça; o difícil é não perder a própria cabeça. É sempre fácil ser um
modernista; assim como é fácil ser um snob.
Cair em qualquer uma das ciladas explícitas de erro e exagero que um modismo
depois de outro e uma seita depois de outra espalharam ao longo da trilha
histórica do cristianismo — isso teria sido de fato simples.
É sempre simples cair; há um número infinito
de ângulos para levar alguém à queda, e apenas um para mantê-lo de pé. Cair em
qualquer um dos modismos, do agnosticismo à Ciência Cristã, teria de fato sido
óbvio e sem graça. Mas evitá-los a todos tem sido uma estonteante aventura; e
na minha visão a carruagem celestial voa esfuziante atravessando as épocas.
Enquanto as monótonas heresias estão esparramadas e prostradas, a furiosa
verdade cambaleia, mas segue de pé.”
“Foram aqui enfatizadas as seguintes
proposições: primeiro, que algum tipo de fé é necessário em nossa vida até
mesmo para melhorá-la; segundo, que algum tipo de insatisfação com as coisas
como elas se apresentam é necessária até mesmo para sentir-se satisfeito;
terceiro, que para se ter esse contentamento e descontentamento, ambos
necessários, não basta ter o equilíbrio óbvio do estoico. Pois a mera
resignação não tem a gigantesca leveza do prazer, nem a orgulhosa intolerância
da dor. Há uma objeção vital ao conselho de simplesmente sorrir e suportar. A
objeção é que se você simplesmente suportar, você não sorri. Os heróis gregos
não sorriem; mas as gárgulas sim — porque são cristãs. E quando um cristão está
satisfeito, ele se sente (no sentido mais exato da palavra) assustadoramente
satisfeito; a sua satisfação é assustadora.
Cristo profetizou toda a arquitetura gótica
naquela hora em que gente nervosa e respeitável (gente como os que hoje fazem
objeções ao realejo) objetava contra a gritaria dos moleques de rua de
Jerusalém. Disse ele: “Se eles se calarem, as pedras clamarão”. Sob o impulso
do seu espírito surgiram como em clamoroso coro as fachadas das catedrais
medievais, apinhadas de rostos gritando e bocas abertas. A profecia se cumpriu:
as próprias pedras gritam.”
“Podemos dizer, de modo geral, que o
pensamento livre é a melhor de todas as salvaguardas contra a liberdade.
Controlada num estilo moderno, a emancipação da mente do escravo é a melhor
maneira de impedir a emancipação desse escravo. Ensine-o a preocupar-se com a
questão de querer ou não ser livre, e ele não se libertará. De novo, pode-se
dizer que este exemplo é remoto ou extremo. Mas, de novo, é exatamente verdade
em relação ao homem da rua ao nosso redor.
É verdade que o escravo negro, sendo um
bárbaro aviltado, provavelmente terá um afeto humano de lealdade, ou um afeto
humano pela liberdade. Mas o homem que vemos todos os dias — o trabalhador da
fábrica do sr. Gradgrind, o pequeno funcionário do escritório do sr. Gradgrind
— está mentalmente preocupado demais para preocupar-se com a liberdade. Ele é
mantido sob controle com literatura revolucionária. É acalmado e mantido em seu
lugar por meio de uma constante sucessão de filosofias insensatas. Ele é
marxista num dia, nietzcheano no outro, super-homem (provavelmente) no dia
seguinte e escravo todos os dias.
A única coisa que permanece depois de todas
as filosofias é a fábrica. O único homem que ganha com todas essas filosofias é
Gradgrind. Para ele valeria a pena manter sua escravidão comercial abastecida
de literatura cética. E pensando nisso agora, parece óbvio: o sr. Gradgrind é
famoso por doar bibliotecas. Nisso ele mostra a sua inteligência. Todos os
livros modernos estão do seu lado. Enquanto a visão do céu estiver sempre
mudando, a visão da terra será exatamente a mesma. Nenhum ideal continuará por
um tempo longo o suficiente para ser concretizado, mesmo que seja de modo
parcial. O jovem moderno nunca mudará o ambiente; ele sempre mudará a mente.
Essa, portanto, é a nossa primeira exigência
envolvendo o ideal para o qual se direciona o progresso: ele deve ser fixo.
Whistler costumava fazer muitos estudos rápidos de um modelo; não importava se
tinha de rasgar vinte retratos. Mas teria importado se ele erguesse o olhar e
visse, cada vez, uma nova pessoa placidamente posando para o retrato. Assim,
não interessa (comparativamente falando) quantas vezes a humanidade fracassa na
imitação do seu ideal; pois nesse caso os seus velhos fracassos são frutíferos.
Mas interessa dramaticamente quantas vezes a humanidade muda o seu ideal; pois
nesse caso todos os seus velhos fracassos são infrutíferos.”
“A essência de todo panteísmo, evolucionismo
e religião cósmica moderna está realmente nesta proposição: que a natureza é a
nossa mãe. Infelizmente, se você considerar a natureza como mãe, vai descobrir
que ela é madrasta. O ponto principal do cristianismo era este: que a natureza
não é a nossa mãe, a natureza é nossa irmã. Podemos sentir orgulho de sua
beleza, uma vez que temos o mesmo pai; mas ela não tem autoridade sobre nós;
temos de admirá-la, não de imitá-la.
Isso confere ao prazer tipicamente cristão
neste mundo um estranho toque de leveza que é quase frivolidade. A natureza foi
mãe solene para os adoradores de Ísis e Cibele. Foi mãe solene para Wordsworth
ou para Emerson. Mas a natureza não é solene para Francisco de Assis ou para
George Herbert. Para São Francisco de Assis ela é irmã, até mesmo uma irmã
menor: uma irmãzinha que dança, de quem se ri e a quem se ama.”
“A seriedade não é uma virtude. Seria uma
heresia, mas uma heresia muito mais sensata, dizer que a seriedade é um vício.
É na verdade um lapso ou tendência natural a levar-se muito a sério, porque é a
coisa mais fácil de fazer. É muito mais fácil escrever um bom artigo de fundo
para o Times do que escrever uma boa piada para a punch. Pois a solenidade flui dos homens naturalmente; mas o riso é
um salto. É fácil ser pesado, é difícil ser leve. Satanás caiu devido à força
da gravidade.”
“Existe o costume de nos queixarmos da
correria e do árduo trabalho da nossa época. Mas na verdade a marca principal
da nossa época é uma profunda preguiça e fadiga. O fato é que a verdadeira
preguiça é a causa da aparente correria. Tomemos um caso totalmente externo: as
ruas são barulhentas, cheias de táxis e carros. Mas isso não se deve à
atividade humana, mas sim ao repouso. Haveria menos correria se houvesse maior
atividade, se as pessoas simplesmente andassem a pé. O mundo seria mais
silencioso se houvesse mais trabalho.”
“Um feriado, assim como o liberalismo,
significa apenas a liberdade do homem. Um milagre significa apenas a liberdade
de Deus.”
“O que pessoas modernas dizem com a maior
convicção dirigindo-se a plateias apinhadas geralmente vai contra os fatos: na
verdade, são nossos truísmos que são falsos. Aqui está um exemplo. Há uma frase
de liberalidade fácil que é proferida muitas e muitas vezes em sociedades
éticas e em parlamentos da religião: “As religiões da terra diferem em ritos e
formas, mas são a mesma coisa naquilo que ensinam”. Isso é falso; é o contrário
dos fatos.
As religiões da terra não diferem muito em
ritos e formas; elas diferem muito naquilo que ensinam. (...)
Assim, a verdade é que a dificuldade de todos
os credos do mundo não está, como se alega, nesta máxima barata: que eles
concordam no significado, mas diferem no mecanismo. É exatamente o oposto. Eles
concordam no mecanismo: quase todas as grandes religiões da terra funcionam com
os mesmos métodos externos, com sacerdotes, escrituras, altares, irmandades com
votos, festas especiais. Concordam no método de ensino; diferem é no que
ensinam.”
“Para que o homem possa amar a Deus é
necessário não apenas que exista um Deus a ser amado, mas também um homem para
amá-lo. Todas aquelas vagas mentes teosóficas para as quais o universo é um
imenso crisol são exatamente as mesmas mentes que recuam por instinto diante
daquela frase do evangelho que abala o mundo declarando que o Filho de Deus
veio não com a paz, mas com a espada que separa. A frase soa inteiramente
verdadeira mesmo quando considerada pelo que obviamente é: a afirmação de que
qualquer homem que prega o verdadeiro amor está fadado a gerar o ódio. Ela é
tão verdadeira referindo-se à fraternidade democrática como ao amor divino.
O amor falso termina em acomodamento e
filosofia comum; mas o amor real sempre terminou em sangue derramado.”
“Se queremos reformas, devemos aderir à ortodoxia:
especialmente nesta questão (tão discutida nos conselhos do sr. R. J.
Campbell), a de insistir na divindade imanente ou na transcendente. Insistindo
especialmente na imanência de Deus, temos introspecção, autoisolamento,
quietismo, indiferença social — Tibete. Insistindo especialmente na
transcendência de Deus, temos deslumbramento, curiosidade, aventura moral e
política, indignação justa — cristianismo. Insistindo que Deus está no interior
do homem, o homem está sempre no interior de si mesmo. Insistindo que Deus
transcende ao homem, o homem tem de transcender a si mesmo.”
“O Deus complexo do símbolo atanasiano talvez
seja um enigma para o intelecto. Mas é muito menos provável que esse Deus
acumule o mistério e a crueldade de um sultão do que o deus solitário de Omar
ou Maomé. O deus que é uma simples terrível unidade não é apenas um rei, é um
rei oriental.”
“Para o budista ou para o fatalista oriental,
a existência é uma ciência ou um plano, que deve acabar de uma determinada
maneira. Mas para o cristão, a existência é uma história, que pode acabar de
qualquer maneira. Num romance emocionante (esse produto puramente cristão) o
herói não é devorado pelos canibais; mas é essencial para a existência da
emoção que ele possa ser devorado por eles. O herói deve (por assim dizer) ser
um herói palatável.
Assim, a moral cristã sempre disse ao homem,
não que ele perderia sua alma, mas que ele deveria cuidar para não perdê-la. Na
moral cristã, em suma, é perverso chamar um homem de “condenado”; mas é estritamente
religioso e filosófico chamá-lo de condenável. Todo o cristianismo se concentra
no homem na encruzilhada. As vastas e rasas filosofias, as imensas sínteses da
mentira, todas falam sobre épocas e evolução e desenvolvimentos definitivos. A
verdadeira filosofia se preocupa com o instante. O homem tomará esta ou aquela
estrada? — essa é a única coisa sobre a qual devemos pensar, se gostamos de
fazê-lo.”
“Naquela história terrível da Paixão há uma
distinta sugestão emocional de que o autor de todas as coisas (de algum modo
impensável) não apenas passou pela agonia, mas também pela dúvida. Está
escrito: “Não tentarás o Senhor teu Deus”. Não, mas o Senhor teu Deus pode
tentar-se a si mesmo; e tem-se a impressão de que foi isso o que aconteceu no
Getsêmani.
Num jardim Satanás tentou o homem; e num
jardim Deus tentou Deus. De alguma forma sobre-humana ele passou pelo horror
humano do pessimismo. O mundo foi abalado e o sol desapareceu do céu não no
momento da crucificação, mas no momento do grito do alto da cruz: o grito que
confessou que Deus foi abandonado por Deus.
E agora deixemos que os revolucionários
escolham um credo dentre todos os credos e um deus dentre todos os deuses do
mundo, ponderando com cuidado todos os deuses de inevitável recorrência e poder
inalterável. Eles não encontrarão um outro deus que tenha ele mesmo passado
pela revolta. Não (a questão torna-se difícil demais para a fala humana), mas
deixemos que os próprios ateus escolham um deus. Eles encontrarão apenas uma
divindade que chegou a expressar a desolação deles; apenas uma religião em que
Deus por um instante deixou a impressão de ser ateu.”
“A abóbada acima de nós não é surda porque o
universo é um idiota: seu silêncio não é o silêncio sem piedade de um mundo sem
fim e sem destino. O silêncio que nos cerca é antes uma pequena e compassiva
quietude como a súbita quietude no quarto de um enfermo. Talvez a tragédia nos
seja permitida como uma espécie de comédia benigna: porque a frenética energia
das coisas divinas nos derrubaria como uma farsa de bêbados. Podemos aceitar as
próprias lágrimas mais facilmente do que poderíamos aceitar a tremenda leveza
dos anjos. Assim ficamos sentados talvez num quarto estrelado e silencioso,
enquanto a risada dos céus é forte demais para os nossos ouvidos.
A alegria, que foi a pequena publicidade do
pagão, é o gigantesco segredo do cristão.”
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