quinta-feira, 6 de outubro de 2016

Grandes mulheres que eu não comi, entre elas Vera Fischer, as que sim, e o último salto do goleiro Castilho – Palmério Dória

Editora: Casa Amarela

ISBN: 978-85-868-2155-4

Opinião: ★★★☆☆

Páginas: 108

Sinopse: O jornalista e escritor Palmério Dória narra suas peripécias nesta autobiografia, desde a infância em Santarém, na Amazônia, até a chegada ao sudeste brasileiro, em que sua condição de jornalista o colocou diante de mulheres cintilantes como Vera Fischer, Gretchen, Narcisa Tamborindeguy, Glória Maria, Brigitte Bardot e muitas outras. Além delas, passeiam pelo livro figuras políticas como Jânio Quadros, Jader Barbalho, Heitor Aquino Ferreira e outros.

Filho de goleiro, sobrinho de goleiros, e ele mesmo um goleiro frustrado, Palmério sempre teve Castilho como ídolo no futebol. Adorava-o pela firmeza, pelas defesas impossíveis, pelas pontes e espalmadas. E entendeu-o perfeitamente quando o grande arqueiro, imortalizado no Fluminense, saltou pela última vez, jogando-se do apartamento da ex-mulher ao receber o mais duro não, o não do amor.



“Perfeição era o cinema. Os fundos do cine Olímpia davam para minha casa. A tela ficava praticamente colada na parede da sala em que eu dormia, geralmente ouvindo os sons dos filmes, os diálogos ininteligíveis, a trilha sonora, os tiroteios... Para encontrar Super-Homem, Rocky Lane, Tarzan e Hopalong Cassidy, bastava descer a minha rua e dobrar a esquina. Pagar eu não pagava, era xodó do seu Loureiro, dono do cinema, uma das figuras mais benignas do mundo. Ali, a cortina do espetáculo se abria com toque suave da orquestra de Glenn Miller. Se existia uma realidade era aquela. Tá certo que os chapéus dos mocinhos e bandidos não caíam nunca, mesmo na maior pancadaria, mas os óculos do pessoal do Matrix também não caem até hoje.”

 

 

“Quase matei o Cornélio. Não raras vezes almoçava com a família dele. Depois, os mais velhos iam direto para a sesta. De vez em quando, o Cornélio também desaparecia. Fiquei intrigado e resolvi segui-lo pelos meandros da casa. Dei com ele no galinheiro, dando uma na pobre galinha, quase a ponto de gozar ou coisa que o valha. Gritei:

– Cornélio, olha a tua mãe!

Cornélio estrebuchou ali na hora, quase teve uma congestão, mas não teve sequelas.”

 

 

“Mamãe saiu e ficamos na varanda ali numa boa com a Ismênia, que sumiu da nossa vista. Daí a pouco ouvimos um bafafá no quarto dos meus pais. Mamãe tinha voltado e encontrado papai e Ismênia na cama, na maior farra de cobertor. Eu não conseguia entender nada daquela confusão. Só ouvia os gritos da minha mãe. Papai saiu do quarto e mamãe continuou gritando com a Ismênia lá dentro. Aí, mamãe saiu atrás de papai, eu atrás dela. Ele estava no escritório, descalço, sem camisa, sentado numa cadeira. Parecia brincar com a Mauser, que ganhara de presente de seu Elias Hage, apontada na têmpora. Mamãe deu um berro, voou pra cima, bateu na mão dele, a arma disparou. Corri também, e ele continuava ali sentado, o olhar perdido, um filete de sangue na testa. A bala fez um buraco redondíssimo na porta de vidro de uma estante.

Não demorou um segundo, nossa porta estava coalhada de gente que ouviu o disparo. Logo, o padre Prudêncio, que fiscalizava a vida de Deus e do mundo, adentrou o escritório, de batina marrom-escura e alpercatas:

– Meu filho, por que isso?

Papai recobrou a cor, a dignidade e, com uma energia furibunda, botou o padre no olho da rua, trancou a porta e foi para o escritório conversar com a mamãe.

Achei muito bacana papai fazer isso, pois a gente se pelava de medo da Igreja e do padre Prudêncio. Meus pais, graças a Deus, não eram nada religiosos.”

 

 

“Uma cena de pugilato no pátio do recreio do Colégio do Carmo. De um lado, eu. Do outro, o padre-conselheiro. Eu sem a camisa de aluno salesiano. Ele com a batina bege arregaçada. O motivo: só nós dois é que sabíamos.

O rolo começou bem antes. O padre-conselheiro era confessor das irmãs do Colégio Dom Bosco, também salesianas, só para meninas, onde fiz minha primeira-comunhão, ainda de calças curtas. No confessionário contei todas as minhas estripulias sexuais. Mas, ajoelhado ali, notei que ele ficou especialmente incomodado com essas histórias, principalmente a da Ita. Pediu para eu repetir tudo, e me deu uma penitência absurda, perto dos míseros padres-nossos e ave-marias que deu para os outros.

Dali para frente não deixava de me fuzilar com os olhos toda vez que cruzava comigo em sua Vespa, a caminho do Dom Bosco, a uma quadra de casa. Enfim, eu sabia porque ele me olhava assim. Para ele, eu era a encarnação do demo. Eu pressentia que tinha um encontro marcado com ele nas profundas do inferno. E assim aconteceu.

Eu não usava mais calças curtas, já era rapazinho quando entrei no Colégio do Carmo, só para homens, no bairro da Cidade Velha, uma versão de Lisboa em Belém. Era ele quem fazia a chamada das turmas no pátio do recreio para a entrada nas salas de aula. Ficava num tablado, com a batina sebenta e os óculos de fundo de garrafa com aros de metal. Ostensivamente, meia dúzia de vezes olhou pra mim e disse:

– Tu não. Tu esperas.

Eu esperava pacientemente todo mundo entrar, ali isolado no pátio de areia. Quando não tinha mais ninguém, ele me liberava. Era uma situação absolutamente insustentável. Meus colegas perguntavam qual era a dele comigo, mas eu não podia dizer. Como Gary Cooper em Matar ou Morrer, cheguei naquele dia disposto a encerrar a questão. Em vez de entrar na sala, gritei:

– Desce dessa porra e vem cá, filho da puta!

Ele veio arregaçando a manga, eu tirei a blusa e o pau comeu, para delírio de toda a galera, que saía das salas para assistir ao espetáculo no pátio central, a gente rolando aos sopapos na areia. Não demorou muito para que os outros padres, esses de batina negra, apartassem. Lá estava eu de novo na sala de um padre-diretor por alguns crimes de amor. Claro que ele queria saber a razão da briga. O padre-conselheiro se fechou em copas. Mas eu sabia que, se ficasse calado, o meu destino era a expulsão. Abri:

– Ele tá me fazendo chantagem com uma coisa que eu contei na confissão.

O padre-diretor, um francês com sotaque carregado, arregalou os olhos, perguntou para o padre-conselheiro se era verdade, mas ele continuou calado. Então resolveu me dispensar.

Bem, esse padre-conselheiro não regulava mesmo. Alguns anos depois, ateou fogo na roupa e morreu numa cela do Hospício Juliano Moreira.”

 

 

“Na época, na globo, todos nós comíamos Vera Fischer... com os olhos. Em todas as ilhas de VT, alguém estava fazendo, em algum momento, uma cópia do vídeo que pirou a emissora:

Completamente fora do script, Vera Fischer livra-se da toalha. Marcos Paulo se retrai quando ela lhe dá um amasso au naturel. Perplexidade, pânico e deslumbramento. Com Marcos Paulo fora de combate, Vera Fischer começa a dançar no estúdio como se fosse uma bailarina do Momix. Gira, gira, gira. As câmaras ali ligadas, ela em plena vertigem. De repente, joga-se no sofá, os joelhos separados. E a câmara fecha ali, na prochaska. Nesse momento volta a si, fecha as pernas, os olhos arregalados.

A partir daquele momento, inaugura-se um novo comércio na Globo. O Projac ainda não existia. A produção e o jornalismo conviviam na Von Martius, no Jardim Botânico. E não havia sala em que não estivesse circulando uma cópia do VT. Era um ibope maior que o do Fantástico.

Play, roda VT, congela na prochaska. Alguns VTs já estavam amarelados de tanto uso, nas salas dos altos executivos da Vênus Platinada, nas ilhas de edição. Reuniões ou festas nas casas de funcionários da Globo eram interrompidas para uma exibição especial. O “Vale a Pena Ver de Novo” era de manhã, de tarde, de noite.

Nunca uma prochaska foi tão requisitada em toda a história da televisão. Desde a maconha da lata não pintava nada tão estimulante para os sentidos em todo o Rio. Mas, assim como a maconha da lata, também de repente, não mais que de repente, os vídeos de Vera Fischer, que se multiplicavam mais que os shimus das histórias de Ferdinando, sumiram de circulação.

Não foi o caso de Vera Fischer, uma atriz à prova de escândalo. Um episódio como esse, que poderia avacalhar a vida de qualquer estrela, nem chamuscou a nossa deusa pré-Madonna. Ao contrário. Mito é mito.

Muitos anos depois, Vera continuava aprontando. (...)

Resolvi não mais ir para uma festa no apartamento de Zico Rodrigues e da socialite Ruth Sabbá, em São Conrado, onde rolou a seguinte cena:

Vera Fischer sobe numa espécie de baú, levanta o vestido, baixa a calcinha e diz para o empresário da noite Zeca Priolli, sócio do Canecão:

– Você acha que vai comer a minha xoxota, velho babaca?

O número se repete pelo menos três vezes, durante o resto da noite e o começo da manhã, de frente para o Atlântico.

Detalhe: Zeca Priolli, tremendo boa-praça e – principalmente – marido de Fátima, uma das mais belas mulheres do Rio, não é velho nem tampouco babaca. Babaca sou eu, que perdi esse espetáculo.”