Editora: Nova Fronteira / Saraiva de bolso
ISBN: 978-85-2093-147-9
Tradução: Sérgio Milliet
Opinião: ★★★★☆
Páginas: 376
Sinopse: Em junho
de 1940, soldados franceses se veem abandonados e desmoralizados, na iminência
da derrota, temendo e, ao mesmo tempo, desejando o armistício. O quadro se
completa – dias antes da entrada dos alemães na França. Os personagens
centrais da trilogia
voltam, seguindo rumos diferentes devido a suas opções no momento.
“Voltou-se; cinquenta telas de Mondrian nas paredes
brancas daquela clínica: pintura esterilizada numa sala climatizada; nada de suspeito;
estava-se ao abrigo dos micróbios e da paixão.”
“– Minha opinião – disse Ritchie – é que a arte
não foi feita para suscitar questões incômodas. Suponha que alguém venha me perguntar
se desejei a minha mãe: eu o boto para fora, a menos que seja um pesquisador científico.
Nessas condições, não vejo porque autorizariam os pintores a interrogar-me publicamente
sobre meus complexos. Sou como todo mundo – acrescentou em tom conciliatório. –
Tenho meus problemas. Só que no dia em que eles me atormentam, não vou ao museu:
telefono para o psicanalista. Cada qual tem seu ofício: o psicanalista me inspira
confiança porque começou por se fazer analisar. Enquanto os pintores não fizerem
a mesma coisa, podem dizer o que quiserem, mas não lhes pedirei que me ponham perante
mim mesmo.
– O que pede a eles? – perguntou Gomez distraidamente.
Inspecionava o quadro com uma obstinação melancólica.
Pensava: “não significa nada.”
– Peço-lhes inocência – disse Ritchie. – Esta
tela...
– Que tem ela?
– É seráfica – afirmou ele em êxtase. – Nós, americanos,
queremos pintar pra gente feliz ou que tenta sê-lo.
– Não sou feliz – retorquiu Gomez – e, seria um
salafrário se o tentasse ser, quando todos os meus companheiros estão presos ou
foram fuzilados.
A língua de Ritchie estalou de novo:
– Meu caro – disse –, compreendo muito bem suas
inquietações de homem. O fascismo, a derrota dos Aliados, a Espanha, sua mulher,
seu filho: evidente! Mas é bom de vez em quando erguer-se acima de tudo isso.
– Nem um só minuto! – replicou Gomez. – Nem um
só minuto!
Ritchie corou um pouco.
– O que você pintava então? – indagou, magoado.
– Greves? Massacres? Capitalistas de cartola? Soldados atirando no povo?
Gomez sorriu.
– Sabe que nunca acreditei muito na arte revolucionária.
E agora deixei de acreditar por completo.
– Então – disse Ritchie – estamos de acordo.
– É possível; só que subitamente me pergunto se
não deixei de acreditar na arte simplesmente.
– E na Revolução simplesmente?
Gomez não respondeu e Ritchie sorriu novamente:
– Vocês, intelectuais europeus, vocês me divertem:
têm um complexo de inferioridade diante da ação.
Gomez virou-se bruscamente e agarrou Ritchie pelo
braço:
– Vamos. Já vi demais. Conheço esse Mondrian de
cor, posso perfeitamente engendrar um artigo. Vamos subir.
– Aonde?
– Ao primeiro andar, quero ver os outros.
– Que outros?
Atravessaram as três salas de exposição. Gomez
empurrava Ritchie à sua frente sem olhar para nada.
– Que outros? – repetiu Ritchie de mau humor.
– Todos os outros. Klee, Rouault, Picasso: os
que fazem questionamentos incômodos.”
“Sem dúvida, ele condenava severamente
a tristeza, mas quando se cai nela, é um inferno para sair.”
“Não sou bastante covarde para ter medo de fazer
sofrer quando é preciso.”
“Reiniciaram a caminhada para alcançar a estrada;
a partida deles provocou uma rápida fenda no frescor da tarde; uma lasca de tempo
passou pela brecha, os alemães deram um passo para a frente, cinco dedos de ferro
crisparam-se no coração de Mathieu. E depois a sangria parou, o tempo parou de novo,
havia apenas um parque por onde passeavam anjos. “Que vazio!”, pensou Mathieu. Algo
imenso retirara-se bruscamente, deixando a Natureza guardada por soldados de segunda
classe. Uma voz se extingue sob um sol antigo: Pã morreu, eles sentiram
a mesma ausência. Quem morreu, desta vez? A França? A cristandade? A esperança?
A terra e os campos retornavam docemente à sua primitiva inutilidade. No meio dos
campos que não podiam nem cultivar nem defender, estes homens tornavam-se gratuitos.
Tudo parecia novo e, no entanto, a tarde já se debruava com os contornos da noite
próxima; no coração desta noite, um cometa se jogaria contra a Terra. Bombardearão?
Aguardava-se a cerimônia para dentro em pouco. Seria o primeiro dia do mundo ou
o último? Os trigais, as papoulas que escureciam rapidamente, tudo parecia nascer
e morrer ao mesmo tempo. Mathieu percorreu com o olhar aquela tranquila ambiguidade
e pensou: “É o paraíso do desespero”.”
“É de mim que tenho raiva, pensou. Mas censurava-se
por isso porque era uma forma de se colocar acima dos outros. Indulgente com todos,
severo consigo: mais uma armadilha do orgulho. Inocente e culpado, severo demais
e demasiado indulgente, imponente e responsável, solidário com todos e rejeitado
por cada um, perfeitamente lúcido e totalmente iludido, escravo e senhor: sou como
todo mundo, afinal.”
““Será difícil”. “O que será difícil?” “Adquirirmos
uma consciência. Não somos uma classe. Quando muito um rebanho. Poucos operários:
camponeses e pequeno-burgueses. Não trabalhamos sequer: somos abstratos.” “Não se
aflija”, diz Brunet sem querer, “nós trabalharemos”. “Certamente. Mas como escravos.
Não é um trabalho que emancipe e não passaremos nunca de um complemento. Que ação
comum você pode exigir de nós? Uma greve dá aos grevistas a consciência da sua força.
Mas, mesmo se todos os prisioneiros franceses cruzassem os braços, a economia alemã
não perderia grande coisa.”
“Moûlu procura conciliar: “Falar de amor de vez
em quando não é crime, faz a gente mudar de ideia.” “São os imponentes que falam
de amor”, diz Brunet. “O amor a gente faz quando pode.” “E quando não se pode?”
“Fica-se calado”, responde Brunet.”
“A inteligência não é tão importante assim, mas
torna as relações mais agradáveis.”
2 comentários:
Fechou com chave de ouro: “A inteligência não é tão importante assim, mas torna as relações mais agradáveis.”
esse livro é fantástico^^ sua resenha perfeita.
seguindo vc.
http://escreverdayse.blogspot.com.br/
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