Editora: Companhia de Bolso
ISBN: 978-85-359-0798-8
Tradução: Pedro Maia Soares
Opinião: ★★★★☆
Páginas: 544
Sinopse: O que é
a guerra? Por que o homem luta contra o homem? Que diferenças há entre um
guerreiro ianomâmi, um bárbaro das hostes de Átila e um soldado entrincheirado
da Segunda Guerra Mundial? Como foi possível a humanidade chegar à beira da
autodestruição total?
Conhecedor profundo de tudo o que diz respeito à história
militar, John Keegan aborda neste livro essas e muitas outras questões ligadas
à guerra, oferecendo uma visão abrangente da História da humanidade a partir
das formas de guerrear e do progresso da tecnologia bélica. Ao mesmo tempo, não
esquece que a história da guerra acompanha a história do homem e que a guerra é
um testemunho permanente da força de instintos e emoções que o coração humano
faz tudo para camuflar.
“A guerra não é a continuação da política por
outros meios. O mundo seria mais fácil de compreender se essa frase de Clausewitz
fosse verdade. O mais famoso livro sobre a guerra — chamado justamente Da
guerra —, na verdade escreveu que a guerra era a “continuação das relações
políticas” “com a entremistura de outros meios”. O original alemão expressa uma
ideia mais complexa e sutil que a tradução mais frequentemente citada. Nas duas
formas, no entanto, o pensamento de Clausewitz está incompleto. Ele implica a existência
de Estados, de interesses de Estado e de cálculos racionais sobre como eles podem
ser atingidos. Contudo, a guerra precede o Estado, a diplomacia e a estratégia por
vários milênios. A guerra é quase tão antiga quanto o próprio homem e atinge os
lugares mais secretos do coração humano, lugares em que o ego dissolve os propósitos
racionais, onde reina o orgulho, onde a emoção é suprema, onde o instinto é rei.
(...)
Na verdade, Clausewitz parecia perceber a política
como uma atividade autônoma, o local de encontro das formas racionais e forças emocionais,
na qual razão e sentimento são determinantes, mas onde a cultura — o grande carregamento
de crenças, valores, associações, mitos, tabus, imperativos, costumes, tradições,
maneiras e modos de pensar, discurso e expressão artística que lastreia toda sociedade
— não desempenha um papel determinante. (...)
Russell Weigley sustenta que a guerra se mostrou
não como “uma continuação eficaz da política por outros meios [...] mas como a falência
da política”. A frustração engendrada pelo fracasso em conseguir um resultado decisivo
levou, deduz ele, ao “apelo calculado e espontâneo a crueldades maiores e mais torpes”
com o correr do tempo, “ao saque das cidades e destruição dos campos, ambos em busca
de vingança e na esperança geralmente vã de que crueldades maiores abalariam o espírito
do inimigo”.”
“Em sua velhice, o general William Tecumseh Sherman,
que incendiara Atlanta e pusera fogo numa grande faixa do Sul dos Estados Unidos,
exorcizou com amargura esse mesmo pensamento, em palavras que se tornaram quase
tão famosas quanto às de Clausewitz: “Estou farto da guerra. Sua glória é pura quimera
[...] A guerra é o inferno”.”
“O verdadeiro trabalho da guerra na época de Clausewitz
era realmente de matadouro. Os soldados ficavam silenciosos e inertes em fileiras
para serem abatidos, às vezes durante horas; em Borodino, diz-se que os corpos de
infantaria de Ostermann-Tolstoi ficaram diante do fogo à queima-roupa da artilharia
por duas horas, “durante as quais o único movimento era a agitação das linhas provocada
pelos corpos que caíam”. Sobreviver à matança não significava o fim do matadouro.
Larrey, o cirurgião mais antigo de Napoleão, realizou duas centenas de amputações
na noite seguinte a Borodino, e seus pacientes eram felizardos. Eugène Labaume descreveu
“o interior das valas” que entrecruzavam o campo de batalha: “quase todos os feridos,
por um instinto natural, tinham se arrastado para lá em busca de proteção [...]
empilhados uns sobre os outros e nadando desamparadamente no próprio sangue, alguns
pediam aos que passavam que os livrassem de sua miséria”.
Essas cenas de matadouro eram o resultado inevitável
de uma forma de guerrear que fazia os povos que Clausewitz considerava selvagens,
como os cossacos, fugirem quando ameaçavam envolvê-los, mas, se não as tivessem
testemunhado, rirem quando alguém as descrevia. O treinamento europeu, quando demonstrado
pela primeira vez por Takashima, o reformador militar japonês, a alguns samurais
de alta patente em 1841, provocou escárnio; o mestre da artilharia disse que o espetáculo
de “homens levantando e manipulando suas armas todos ao mesmo tempo e com o mesmo
movimento parecia que estavam participando de alguma brincadeira de criança”. Era
a reação de guerreiros que lutavam corpo a corpo, para quem lutar era um ato de
auto-expressão pelo qual um homem exibia não apenas sua coragem, mas também sua
individualidade. Osklephts gregos — meio bandidos, meio rebeldes contra o
domínio turco, cujos simpatizantes, filelenos franceses, alemães e britânicos, muitos
deles ex-oficiais das guerras napoleônicas, tentaram instruir em exercícios de ordem
unida no início da guerra de independência da Grécia, em 1821 — também reagiram
com zombaria, mas antes com descrença que com desprezo. Seu estilo de luta — muito
antigo, encontrado por Alexandre, o Grande, em sua invasão da Ásia menor — era construir
pequenos muros no lugar mais provável de encontro com o inimigo e então provocá-lo
à ação com motejos e insultos; quando o inimigo atacava, fugiam. Sobreviviam para
lutar outro dia, mas não para ganhar a guerra, objetivo que não conseguiam entender.
Os turcos também tinham uma maneira própria de lutar: avançavam numa carga desconexa
com desdém fanático pelas baixas. Os filelenos argumentavam que, se os gregos não
enfrentassem os turcos, jamais ganhariam uma batalha; os gregos objetavam que, se
fizessem frente ao inimigo à maneira europeia, peito aberto aos mosquetes turcos,
seriam todos mortos e perderiam a guerra de qualquer modo.”
“Todos nós achamos difícil tomar distância suficiente
de nossa própria cultura para perceber como ela faz de nós, como indivíduos, o que
somos.”
“A guerra abarca muito mais que a política, que
é sempre uma expressão de cultura, com frequência um determinante de formas culturais
e, em algumas sociedades, é a própria cultura.”
“E, contudo, o deus da guerra não é um arremedo.
Quando os regimentos de recrutas da Europa marcharam para a guerra, em 1914, carregando
sua retaguarda de reservistas, a guerra que os enredou foi, de longe, a pior que
os cidadãos pudessem esperar. Na Primeira Guerra Mundial, a “guerra real” e a “guerra
verdadeira” logo se tornaram indistintas; as influências moderadoras que Clausewitz,
como observador desapaixonado dos fenômenos militares, declarara sempre entrarem
em ação para ajustar a natureza potencial e o propósito real da guerra reduziram-se
à invisibilidade; alemães, franceses, ingleses e russos descobriram-se aparentemente
travando uma guerra pela guerra. Os objetivos políticos da guerra — já difíceis
de definir desde o início — foram esquecidos, as restrições políticas foram atropeladas,
os políticos que apelavam para a razão foram execrados, a política, mesmo nas democracias
liberais, logo se reduziu a uma mera justificação de batalhas maiores, listas de
baixas mais longas, orçamentos mais caros, um excesso de miséria humana.
A política não desempenhou papel algum digno de
menção na condução da Primeira Guerra Mundial. Essa guerra foi, ao contrário, uma
aberração cultural monstruosa, a consequência de uma decisão inadvertida de europeus
no século de Clausewitz — que começou com seu retorno da Rússia em 1813 e terminou
em 1913, o último ano da longa paz europeia — de transformar a Europa numa sociedade
de guerreiros.”
“Em nosso tempo, a guerra não tem sido apenas
um modo de resolver disputas entre Estados, mas também um veículo por meio do qual
os amargurados, os esbulhados, os descamisados, as massas famintas ansiosas por
respirar com liberdade expressam sua raiva, seu ciúme e seu impulso encurralado
à violência.”
“O conceito de transformação cultural tem armadilhas
para o incauto. As expectativas de que mudanças benignas — padrões de vida melhores,
alfabetização, medicina científica, a disseminação do bem-estar social — iriam alterar
o comportamento humano para melhor foram tantas vezes frustradas que pode parecer
irrealista prever a chegada de atitudes efetivamente antibélicas ao mundo.”
“As causas subjacentes à ação dos fatores “permanentes”
e “contingentes” sobre a guerra podem, portanto, ser consideradas extremamente complexas.
O homem guerreiro não é agente de uma vontade irrestritamente livre, mesmo que na
guerra rompa os limites que a convenção e a prudência material impõem normalmente
ao seu comportamento. A guerra é sempre limitada, não porque o homem escolha fazê-la
assim, mas porque a natureza determina que assim seja. O rei Lear, atacando seus
inimigos, pode ter ameaçado “fazer coisas — as quais ainda não sei o que são —,
mas que serão os terrores da terra”; mas, como outros potentados passando dificuldades
descobriram, os terrores da terra são difíceis de conjurar. Faltam recursos, o tempo
piora, a estação muda, a vontade de amigos e aliados fraqueja, a própria natureza
pode se revoltar contra as dificuldades exigidas pela porfia.
Metade da humanidade — a metade feminina — é,
de qualquer modo, muito ambivalente em relação à guerra. As mulheres podem ser causa
e pretexto da guerra — o roubo de esposas é a principal fonte de conflitos nas sociedades
primitivas — e podem ser as instigadoras de violência em sua forma extrema: lady
Macbeth é um tipo reconhecido universalmente; elas podem também ser mães de guerreiros
notavelmente empedernidas, algumas preferindo aparentemente as dores da perda à
vergonha de aceitar a volta de um covarde. Ademais, as mulheres podem constituir
líderes guerreiros messiânicos, obtendo, com a interação da química complexa da
feminilidade com reações masculinas, um grau de fidelidade e auto sacrifício de
seus seguidores masculinos que um homem é bem capaz de não conseguir. Apesar disso,
a guerra é uma atividade humana da qual as mulheres, com exceções insignificantes,
sempre e em todos os lugares ficaram excluídas. As mulheres procuram os homens para
protegê-las do perigo e censuram-nos amargamente quando eles não conseguem defendê-las.
As mulheres têm seguido os tambores, cuidado dos feridos, lavrado os campos e pastoreado
os rebanhos quando o homem da família vai atrás de seu líder; elas até mesmo cavaram
trincheiras para os homens defenderem e trabalharam nas oficinas para mandar-lhes
armas. As mulheres, porém, não lutam. Elas raramente lutam entre si e jamais, em
qualquer sentido militar, lutam com os homens. Se a guerra é tão antiga quanto a
história e tão universal quanto a humanidade, devemos agora acrescentar a limitação
mais importante: trata-se de uma atividade inteiramente masculina.”
“Há indicações, a partir dos instrumentos de pedra
encontrados, de que seus habitantes tinham começado a colher ervas silvestres e
a moer os grãos extraídos para comer; há indicações mais sutis de que tinham pelo
menos começado a domesticar e a cuidar de animais dos quais dependiam para viver.
Estavam à beira do pastoreio e da agricultura, as duas atividades que transformam
a relação do homem com seu habitat. Caçadores e coletores podem ter “território”;
os pastores têm locais de pasto e água; os agricultores têm terra. Depois que investe
suas expectativas em um retorno periódico de seus esforços sazonais em um determinado
lugar — de criar, pastorear, plantar, colher —, o homem desenvolve rapidamente os
sentimentos de direitos e propriedade. Em relação aos que invadem os lugares onde
investe seu tempo e esforço, ele pode, da mesma forma, desenvolver rapidamente o
sentimento de hostilidade que o usuário e ocupante tem em relação ao usurpador e
intruso. Expectativas arraigadas favorecem reações arraigadas. O pastoreio e mais
ainda a agricultura favorecem a guerra.”
“Evidentemente, a força militar já estava estabelecida
como um princípio antes da chegada dos povos montados mas como recurso disponível
apenas para os governos e as populações sedentárias que dirigiam, além de limitada
pela produção das economias que controlavam.
Exércitos alimentados com excedentes agrícolas
e limitados em alcance de manobra pelo ritmo e resistência da marcha a pé simplesmente
não podiam empreender campanhas amplas de conquista. Nem precisavam disso: os inimigos,
com restrições semelhantes, podiam ameaçá-los com derrotas em batalhas, mas não
com uma Blitzkrieg.
Os povos montados eram diferentes. Átila mostrara
uma capacidade de mudar seu centro estratégico de ação — Schwerpunkt, como
a doutrina do Estado-maior prussiano denominou-o mais tarde — do Leste da França
para o Norte da Itália, numa distância de oitocentos quilômetros em linha reta e
muito maior na prática, pois estava operando ao longo de linhas externas. Uma manobra
estratégica como essa jamais fora tentada nem seria possível antes. Essa escala
de liberdade de ação estava no centro da “revolução da cavalaria”.
Os povos montados lutavam sem constrangimentos
ainda em outro sentido: não queriam, como os godos, herdar ou se adaptar às civilizações
entendidas pela metade que invadiam. E, apesar da sugestão de que Átila pensou em
se casar com a filha do imperador romano do Ocidente, também não queriam superar
a autoridade política dos outros. Queriam os despojos de guerra sem laços. Eram
guerreiros por amor à guerra, pelo butim, pelos riscos, as emoções, a satisfação
animal do triunfo. Oitocentos anos depois da morte de Átila, Gengis Khan, ao perguntar
a seus companheiros de armas mongóis sobre o maior prazer da vida e receber como
resposta que era a falcoaria, retrucou: “Vocês se enganam. A maior fortuna do homem
é perseguir e derrotar seu inimigo, tomar todas as suas posses, deixar sua esposa
chorando e gemendo, montar seu capão [e] usar os corpos de suas mulheres como camisola
e apoio”. Átila poderia ter dito a mesma coisa; com certeza, agia dentro desse espírito.
Juntas, a crueldade humana e a equina transformaram
assim a guerra, fazendo dela, pela primeira vez, “uma coisa em si mesma”. Podemos
a partir de então falar de “militarismo”, um aspecto das sociedades no qual a mera
capacidade de guerrear, rápida e lucrativamente, se torna um motivo em si mesmo
para fazê-lo.”
“Todos os povos montados que abriram uma trilha
de conquistas das estepes até as terras civilizadas travavam “guerras verdadeiras”
segundo todos os critérios — falta de limites no uso da força, singularidade de
objetivo e nenhuma disposição de aceitar menos que a vitória total. Contudo, sua
guerra não tinha objetivo político no sentido clausewitziano e nenhum efeito transformador
cultural. Não se tratava de um meio de progresso material ou social; na verdade,
era exatamente o contrário, um processo pelo qual obtinham a riqueza para sustentar
um modo de vida imutável, para permanecer exatamente como eram desde que seus ancestrais
atiraram uma flecha de cima de uma sela pela primeira vez.”
“Os povos cavaleiros, tais como os aurigas antes
deles, trouxeram para a guerra o conceito elétrico de fazer campanhas de longa distância
e, quando a campanha se resolvia em batalha, de manobrar em campo com velocidade
— pelo menos cinco vezes mais veloz que homens a pé. Como protetores de seus rebanhos
e manadas contra predadores, preservavam também o espírito do caçador, perdido pelos
agricultores, com exceção da classe senhorial; de seu modo costumeiro de cuidar
dos animais — reunir, conduzir, apartar, abater para comer — tiravam lições sobre
como massas de gente a pé, ou mesmo de cavaleiros inferiores, podiam ser perseguidas,
flanqueadas, encurraladas e finalmente mortas sem risco. Eram práticas que os caçadores
primitivos, com sua relação empática com a caça e respeito místico pela presa atingida,
teriam julgado intrinsecamente estranhas. Para os povos montados, equipados com
o arco composto, ele mesmo um produto de tecidos animais, que sustentava seu modo
de vida, matar à distância — tanto física quanto emocional — constituía uma segunda
natureza.
Era o desprendimento emocional dos guerreiros
montados, manifestado cabalmente em sua prática deliberada de atrocidades, que os
povos sedentários achavam tão aterrorizante. Isso todavia desgastou-os. Com as duas
características da guerra “primitiva” que persistiram por muito tempo no desenvolvimento
da civilização — o caráter tentativo do choque e a associação de ritual e cerimônia
com combate e seu resultado —, os povos montados não tinham nada a ver. Podem ter
tornado um hábito recuar diante de um inimigo que procurasse a luta, mas tratava-se
apenas de uma manobra para tirar o adversário de sua posição, desorganizar suas
fileiras e expô-lo a um contra-ataque arrasador. De forma alguma revelavam a falta
de disposição do guerreiro primitivo de chegar à luta de fato. Quando se aproximava
para o golpe final, a horda a cavalo matava sem compaixão. Ademais, não havia sinal
de rito ou cerimônia nas ações de uma horda montada. Elas lutavam para vencer —
completamente, com rapidez e sem heroísmo. Com efeito, abster-se de exibições de
heroísmo era quase uma regra dos nômades. O próprio Gengis, embora tenha sido ferido
por uma flecha nos primórdios de sua ascensão ao poder, era fisicamente tímido e
deixou depois de se expor nas batalhas em que estava nominalmente no comando. Os
guerreiros ocidentais achavam absolutamente desconcertante não poder identificar
a posição do líder na formação em crescente típica da tática dos nômades, uma vez
que ele ficava discretamente longe do centro, comportamento oposto ao de um Alexandre
ou Ricardo Coração de Leão.”
“Sobretudo, ele não leva em conta o fascínio que
a vida de guerreiro exerce sobre a imaginação masculina. Essa é uma falha comum
dos acadêmicos que se interessam por assuntos militares, mas jamais saem de seu
ambiente universitário. (...)
É a admiração dos outros soldados que o satisfaz
— se ele puder conquistá-la; a maioria dos soldados fica contente apenas com a companhia
dos outros, com o desprezo compartilhado por um mundo mais suave, com a libertação
da materialidade estreita trazida pela caserna e pela linha de marcha, com os confortos
rudes do bivaque, com a competição na resistência, com a perspectiva do répos
du guerrier junto às mulheres que os esperam.
A excitação da trilha da guerra ajuda a explicar
o ethos do guerreiro primitivo. O sucesso no combate explica também por que
alguns primitivos se tornaram povos guerreiros. As recompensas do êxito — se não
conquista direta, apropriação de território e sujeição dos outros, então saque ou
ao menos o direito de ditar os termos do comércio — são suficientes em si mesmas
para validar a rejeição dos meios conciliatórios. Contudo, é importante não exagerar
os impulsos para a vida guerreira. Como vimos, muitos primitivos buscavam conter
o impulso à violência, enquanto até os povos mais ferozes erguiam suas pirâmides
de crânios nas pegadas mais experimentais de outros; Tamerlão não teria sido o que
foi se povos montados anteriores não tivessem testado os limites do poder de resistência
da civilização. Aldous Huxley disse que um intelectual era uma pessoa que tinha
descoberto algo mais interessante que o sexo. Um homem civilizado, pode-se dizer,
é alguém que descobriu algo mais satisfatório que o combate. Depois que o homem
superou o estágio primitivo, a proporção dos que preferiram outra coisa a lutar
— arar o solo, fazer ou vender coisas, construir, ensinar, pensar ou tratar com
outro mundo — aumentou tão rapidamente quanto permitiram os recursos da economia.
Não se deve idealizar; os menos afortunados viram-se presos ao serviço ou até à
servidão, enquanto os privilegiados, como observa Andreski, sempre basearam sua
posição no poder das armas, exercido pessoalmente ou por fiéis subordinados. Porém
o homem pós-primitivo dava um valor particular à vida não violenta, exemplificada
pela do artista, do estudioso e, sobretudo, do homem e mulher santos. Foi por esse
motivo que as atrocidades dos vikings, saqueadores de mosteiros e conventos, provocaram
tanta repulsa no mundo cristão; até mesmo Tamerlão, que tinha recebido com respeito
o grande sábio árabe Ibn Khaldun, não desceu ao nível sanguinário deles.”
“Retrospectivamente, é fácil ver que a principal
contribuição de Roma para a compreensão da humanidade de como a vida pode ser tornada
civilizada foi sua instituição de um exército disciplinado e profissional. Evidentemente,
os romanos não tinham esse fim em vista quando começaram suas campanhas de expansão
na Itália e travaram as guerras contra Cartago; o exército foi transformado de uma
milícia de cidadãos em uma força expedicionária de longo alcance devido às exigências
do campo de batalha, não por decisão consciente. Sua adoção de um sistema de alistamento
regular, oferecendo “uma carreira aberta aos talentos” igualmente a cidadãos e não-cidadãos
de todo o Império, originou-se na necessidade; as reformas de Augusto apenas racionalizaram
uma situação já existente. No entanto, como se estivesse em ação uma mão invisível,
a evolução do exército serviu exatamente à da própria civilização romana. Ao contrário
da Grécia clássica, Roma foi uma civilização da lei e da realização física, não
de ideias especulativas e criatividade artística. A imposição de suas leis e a incansável
ampliação de sua extraordinária infraestrutura física exigia menos esforço intelectual
que energia ilimitada e disciplina moral. Era dessas qualidades que o exército era
a fonte última e, com frequência, em particular na engenharia de obras públicas,
o instrumento direto. Portanto, era inevitável que o declínio dos poderes do exército
— mesmo se provocado tanto por fracassos administrativos e econômicos internos quanto
por crises militares nas fronteiras — trouxesse consigo o do próprio Império, e
que o colapso do exército significasse a queda do Império do Ocidente.
Os reinos que se sucederam no Ocidente não aprenderam
quão valiosa era a instituição que tinham destruído e como seria difícil substituí-la.
Todavia, a autoridade moral na Europa pós-romana não perdeu completamente seu lar:
ela migrou para as instituições da Igreja cristã, firmemente estabelecidas em sua
forma romana, em vez de nestoriana, graças à conversão dos francos em 496; na Igreja,
a ideia, se não a substância, do Império encontrou uma continuidade. Porém, sem
espadas, os bispos não podiam dar força ao pacto cristão; e embora seus protetores
reais tivessem espadas, usavam-nas antes para guerrearem-se uns aos outros que para
estabelecer e manter uma paz cristã.”
Um comentário:
Há de se fazer dois comentários sobre a obra. O primeiro, é que o autor se antagoniza ideologicamente ao livro Da Guerra, de Carl von Clausewitz. Sendo, portanto, muito interessante a leitura prévia desta outra obra antes deste livro que aqui vai.
O segundo aspecto a se destacar é que John Keegan, a despeito da impressionante erudição, não consegue se desfazer da visão infantilizada e burlesca ao avaliar todos os conflitos oriundos de revoluções socialistas como, de alguma maneira, negativos – quando não catastróficos. Basicamente o autor não faz valoração moral sobre nenhum dos grandes líderes militares que descreve, independente do arraso e das consequências mais nefastas que perpetraram (Hitler, Napoleão, Gengis Khan, Alarico, etc.). Já em relação aos socialistas, falta pouco para descrevê-los como comedores de criancinhas.
Em uma obra tão completa e douta, portar-se desta maneira infantil, deixando que sua avaliação ideológica interfira na forma como avalia os conflitos militares é sobremaneira pueril (pra não dizer patético).
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