Editora: Nova Fronteira / Saraiva de bolso
ISBN: 978-85-2093-083-0
Tradução: Sérgio Milliet
Opinião: ★★★★★
Páginas: 372
Sinopse: A
idade da razão se passa em Paris, às vésperas da Segunda Guerra Mundial.
Mathieu Delarue é um professor de filosofia que defende a ideia da liberdade
individual e despreza qualquer tipo de compromisso. A gravidez inesperada da
namorada, em meio à crise político-social da época, coloca em xeque seus
conceitos e os dos que o cercam.
“Quando a gente está bêbado, dá-se ao luxo do
patético.”
“E se as lágrimas lhe subiam aos olhos, como
em Lola naquele momento, a gente não sabia onde se enfiar. Lágrimas de adulto
eram uma catástrofe mística, algo como o choro de Deus sobre a maldade dos
homens.”
“Estou velho. Eis-me arriado em cima de uma
cadeira, comprometido até ao pescoço na vida e não acreditando em nada. E, no
entanto, eu também quis partir para a Espanha. Mas não deu certo. Haverá
realmente uma Espanha? Estou aqui, saboreio-me, sinto um gosto velho de
sangue e água ferruginosa, meu gosto, eu sou meu próprio gosto, eu existo.
Existir é isso: beber‑se a si próprio sem sede. Trinta e quatro anos. Há trinta
e quatro anos que eu me saboreio, e estou velho. Trabalhei, esperei, tive o que
queria: Marcelle, Paris, independência. Está tudo acabado. Não quero mais
nada.”
““Assim é o homem”. Era rígido, inflexível e
no fundo havia uma pobre vítima a clamar misericórdia. “Estranho que a gente
possa odiar-se como se fosse outra pessoa!” Mas não era verdade, aliás; por
mais que fizesse, só havia um Daniel. Quando se desprezava tinha a impressão de
se destacar de si mesmo, de pairar como um juiz abstrato acima de um
fervilhamento impuro, e bruscamente aquilo o retomava, o aspirava por baixo e
ele se atolava em si próprio.”
““É sinistro ver com clareza”, pensou Daniel.
Assim é que imaginava o inferno: um olhar penetrante que atravessaria tudo,
iria até o fim do mundo – até o fim de si próprio.”
“Quando a gente não tem coragem de matar-se
de uma vez, deve fazê-lo aos poucos.”
“Não se é homem enquanto não se encontra
alguma coisa pela qual se está disposto a morrer.”
“Entre trinta e quarenta anos a gente joga a
última cartada.”
“A música parou, a dançarina imobilizou-se,
voltando o rosto para o público. Por cima do sorriso brilharam lindos olhos
acuados. Ninguém aplaudia e houve algumas risadas ofensivas.
– Safados! – disse Boris.
Bateu palmas com força. Rostos espantados
viraram-se para ele.
– Fica quieto – disse Ivich, furiosa. –
Aplaudir isso?
– Ela fez o que pôde – disse Boris,
aplaudindo.
– Mais um motivo para não aplaudir.”
“O barman, por exemplo. Pouco
antes fumava um cigarro, vago e poético como um jasmineiro; agora acordara, era
demasiado barman, sacudia o shaker, abria‑o, escorria
uma espuma amarela nos copos, com gestos de uma precisão supérflua.
Representava o papel de barman. Mathieu pensou em Brunet: “Talvez não
possa ser de outro modo; talvez seja preciso escolher: não ser nada ou
representar o que é. Isso seria terrível, essa trapaça com a nossa
própria natureza”.”
“Essa tagarelice na minha cabeça, eu daria
tudo para conseguir me calar.”
“Baixou a cabeça. Pensava na própria vida. O
futuro penetrara‑a até à medula. Tudo nela estava em suspenso, em sursis*.
Os dias mais recuados de sua infância, o dia em que dissera “Serei livre”, o
dia em que dissera “Serei grande”, apareciam‑lhe, ainda agora, com seu futuro
particular, como um pequenino céu pessoal e bem redondo em cima deles, e esse
futuro era ele, ele tal e qual era agora, cansado e amadurecido. Tinham
direitos sobre ele e através de todo aquele tempo decorrido mantinham suas
exigências, e ele tinha amiúde remorsos esmagadores, porque o seu presente
negligente e cético era o velho futuro dos dias do passado. Era ele que eles
tinham esperado vinte anos, era dele, desse homem cansado, que uma criança dura
exigira a realização de suas esperanças; dependia dele que os juramentos
infantis permanecessem infantis para sempre, ou se tornassem os primeiros
sinais de um destino. Seu passado sofria sem cessar os retoques do presente;
cada dia vivido destruía um pouco mais os velhos sonhos de grandeza, e cada
novo dia tinha novo futuro; de espera em espera, de futuro em futuro, a vida de
Mathieu deslizava docemente... em direção a quê?
Em direção a nada. Pensou em Lola. Estava
morta, e a vida dela, como a de Mathieu, não fora senão uma espera.”
*: Prorrogação, espera.
““Eles têm medo da morte. Por mais limpinhos
e fresquinhos que sejam, têm almas sinistras, porque têm medo. Medo da morte,
da doença, da velhice. Agarram‑se à juventude como um moribundo à vida. Quantas
vezes vi Ivich apalpar o rosto inquieto em frente de um espelho. Já treme
diante da possibilidade de ter rugas. Vivem a ruminar a sua juventude, só fazem
projetos a curto prazo, como se só tivessem diante de si cinco ou seis anos.
Depois... Depois, Ivich fala em suicidar‑se, mas estou tranquilo, não ousará
jamais; não morrerão tão cedo. Afinal, eu tenho rugas, uma pele de crocodilo,
músculos retorcidos, mas ainda tenho muitos anos para viver... Começo a crer
que nós é que somos jovens. Queríamos bancar homens feitos, éramos ridículos,
mas eu me pergunto se o único meio de salvar a juventude não será esquecê‑la.”
“Ela olhou o Leão de Balfort e disse,
extasiada:
– Gosto deste leão. Parece um feiticeiro.
– Hum.
Respeitava os gostos da irmã, embora não os
partilhasse. Aliás, Mathieu já dissera, uma ocasião: “Sua irmã tem mau gosto,
mas é melhor do que o melhor gosto. É um mau gosto profundo”.”
“Será isto a liberdade? Ele agiu, agora não
pode mais voltar atrás; deve parecer‑lhe estranho sentir atrás de si um ato
desconhecido, que ele já quase não compreende e que vai transformar-lhe a vida.
Eu, tudo o que faço, faço‑o por nada; dir‑se‑ia que me roubam as consequências
dos meus atos, tudo se passa como se eu pudesse sempre voltar atrás. Não sei o
que não daria para cometer um ato irremediável.”
“Ninguém entrava minha liberdade, foi a minha
vida que a bebeu.”
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