Editora: Zahar
ISBN: 978-85-378-0104-8
Tradução: Roberto Franco Valente
Opinião: ★★★★☆
Páginas: 432
Sinopse: Um
romance de aventura e amor, que combina personagens históricos e ficcionais. O
cenário é composto pelas paisagens astecas do século XVI e os acontecimentos
desembocam no episódio conhecido como “la noche triste”. A história começa em
1519, quando os espanhóis aportaram no território do que hoje é o México e
encontraram uma das sociedades mais sofisticadas e complexas da América então
recém-descoberta: o império asteca.
Os dois personagens principais, a princesa Malintzin e o
cruel conquistador Hernán Cortés, vivem uma relação atribulada em meio a
batalhas e a marcha de tropas até a chegada a Tenochtitlán, a capital do
Império do Sol. A autora nos envolve no drama de alguns dos episódios mais
sangrentos do processo de colonização do México.
“Entretanto, para se fazer justiça a Cortés
ante todos os adiamentos e ao seu lento florescer, quantos homens não se redimem
apenas com um passo, uma ação, uma decisão? O homem tem as suas fragilidades,
do contrário seria Deus. A fraqueza dele era com relação às mulheres. Mas que
homem não é fraco quando se trata de mulheres? E a questão das mulheres
nativas, que ele descobrira depois de muitos encontros secretos e de uma ou
outra gravidez não desejada, era esta: elas se submetiam em silêncio. Não eram
como as filhas das famílias espanholas, de fortuna medíocre e dotes ridículos,
mandadas para as ilhas para encontrarem sustento em meio a uma população de
homens rústicos e solteiros. Aquelas señoritas já começando a
fenecer e com o olhar desesperado faziam o jogo da virgindade, apresentando-se
em absolutamente todas as atividades sociais da colônia, tais como a chegada de
peças de cetim ou de um piano vindo da Espanha, um casamento, um jantar cujo
cardápio era carne de javali ou tartaruga marinha. Elas iam para os bailes
desfilando feito cavalos importados, agitando os pés bem calçados, exibindo um
pedacinho do tornozelo, perambulando, brandindo seus adornos, rebolando as
cadeiras sob as camadas de tafetá na esperança de serem notadas. Os homens, na
esperança de uma legítima descendência cristã, e na falta de algo melhor,
realmente as notavam.
Por outro lado, as mulheres nativas não eram
delicadas nem tinham um ar afetado. Na verdade, não faziam questão de serem
cortejadas, tampouco contavam com a proteção intrometida de alguma mãe
ambiciosa. Verdade seja dita: as índias eram sábias, dotadas de um conhecimento
capaz de provocar um verdadeiro redemoinho, como a Lua no mar, na zona erógena
de um homem plenamente maduro, de 33 anos.”
“Na Espanha Isla tivera muitas oportunidades
para aliviar os velhinhos muito ricos e trôpegos do fardo que era o dinheiro
deles, vender terras onde não havia água ou que só existiam na sua imaginação,
comerciar cavalos que mancavam, oferecer porcos cheio de vermes, dentes de
anciãos, cabeleiras femininas cortadas de mulheres desesperadamente doentes.
Isla havia estimulado transações com navios negreiros portugueses cheios de
escravos mortos ou moribundos, partidas de caneca que eram apenas carvalho
perfumado e de pão que não passava de um grude feito com rebotalho. Ele não
queria prejudicar ninguém. Eram apenas os negócios.”
“– Os deuses se reuniram – começou
Malintzin, adotando a voz de alguém mais velho, enquanto a noite crescia ao
redor delas – e se perguntaram uns aos outros: “Quem viverá na Terra?”
Quetzalcoatl, antes de ser o deus do vento e do milho, da poesia e da
lembrança, disse: “Eu sei.” E decidiu ir para a terra dos mortos e anunciar a
Mictlantecuhtli, o deus do mundo inferior, que tinha vindo para buscar os
velhos ossos dos deuses mortos para fazer as pessoas. Mas Mictlantecuhtli lhe
disse: “Você pode levar os ossos se soprar a minha corneta e andar em círculo
quatro vezes.” Mas a corneta não era oca e não tinha furos, portanto não era
possível soprá-la. Era uma trapaça, Cuy, uma brincadeira cruel. Entretanto,
Quetzalcoatl tinha seus recursos. Convocou os vermes para que fizessem os
buracos e as abelhas para que voassem por dentro da concha, fazendo com que ela
soasse. Mictlantecuhtli ficou muito zangado ao ver que Quetzalcoatl conseguira
e mandou seus demônios fazerem um grande buraco no chão para que Quetzalcoatl
caísse dentro dele. Quetzalcoatl de fato caiu, mas pôde voltar à superfície e
fugiu levando os ossos. Depois reuniu-os e os colocou numa tigela de jade.
Então ele feriu o tepolli dele, isto é, o pênis, derramando o
sangue na tigela. Foi assim que as crianças do sexo masculino foram feitas, e
depois as do sexo feminino. As pessoas nasceram, Cuy, e o mundo teve início. E
aqui estamos nós. As pessoas.”
“O frei Francisco, depois de permanecer algum
tempo em seu monastério na Espanha, mandou-se de repente para a América a fim
de converter os pagãos em Cuba. Algumas vezes, seguir as ordens religiosas era
o mesmo que dar a vida a César, ou seja, aos cardeais, bispos, sacerdotes,
governadores e reis.”
“Foi tudo muito simples. Montezuma, imperador
dos mexicas*, cuja capital, situada no ponto central do país, era uma maravilha
do mundo; o homem que governava mais de 400 cidades e que era o grande
sacerdote de milhares de templos-pirâmides; o homem que ditava a religião do
Estado e que possuía imensas extensões de terra acima e abaixo da costa, no
coração do continente, terras ricas em substâncias necessárias à vida, como o
milho, o tomate, a batata-doce, o tabaco, abóboras de todas as variedades,
plantas medicinais capazes de curar a dor e proporcionar visões sagradas, flores
tão extraordinárias que traziam lágrimas aos olhos, terras repletas de ouro e
pedras preciosas; um homem que dirigia uma vasta e treinada burocracia, além de
uma bem adestrada força de trabalho que cumpria todas as ordens dele,
cultivando as plantações, construindo as obras de arquitetura e modelando os
mais lindos objetos; esse homem, comandante de um Exército de centenas de
milhares de homens que supervisionava a tortuosa execução de milhares de seres
humanos, esse homem tão rico se curvou humildemente diante do destino, quase
beijando os pés do seu astuto conquistador, Hernán Cortés, o filho único de um
fidalgo de Medellín, em Extremadura, Espanha. O caçador de fortuna cubano,
Cortés, o primeiro de todos os amantes latinos, o galanteador com um jeito especial
para lidar com as pessoas, que sabia identificar sua grande chance logo ao
vê-la e que não tinha medo de absolutamente nada debaixo do sol.”
*Mexicas: sinônimo de “astecas”. Esta palavra é a
origem do nome do respectivo país.
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