quinta-feira, 3 de outubro de 2013

Anarquismo - Roteiro da Libertação Social (Parte I), de Edgard Leuenroth

Editora: Mundo livre

Opinião: ★★★★☆

Páginas: 238


“É fato comum de cada dia encontrar-se em discursos de políticos, como na imprensa e em livros a palavra anarquia como qualificativo de uma situação de desordem, o que demonstra a ignorância em matéria de etimologia e filosofia desses oradores, jornalistas e escritores. Nunca se diz que anarquia significa liberdade e justiça para todos.

Em rigorosa análise, o ideal de uma verdadeira democracia, a que aspira, em nossos dias, a maioria da humanidade, só se poderá realizar com a ausência da coação econômica e política.

Se o povo resolve seus problemas sociais sem a intervenção de políticos profissionais, evitando rigorosamente, ao mesmo tempo, a corruptora burocracia administrativa, então o regime será verdadeiramente democrático, e, portanto, ácrata, isto é, anarquista. Em tal regime existirá a anelada felicidade social. A doutrina anarquista nos apresenta o ideal de uma ordem social sem exploração privada ou estatal, no qual a administração das coisas acabará com a dominação do homem. Esta definição não é nova, mas tem de ser repetida, porque a mentira também se repete sempre.”

(Agustin Souchy)

 

 

“A atual sociedade é o resultado das lutas seculares que os homens travaram entre si. Os homens desconheciam as vantagens que podiam resultar para todos, orientando-se pelas normas da cooperação e da solidariedade. Consideravam cada um de seus semelhantes (excetuados, quando muito, os membros de sua família), um concorrente ou um inimigo. E procuravam monopolizar, cada qual para si, a maior quantidade possível de gozos, sem pensar nos interesses dos outros.

Naturalmente, nessa luta, os mais fortes e os mais espertos deveriam vencer, e de diversas maneiras, explorar e oprimir os vencidos.

Enquanto o homem não foi capaz de extrair da natureza senão o estritamente necessário à sua manutenção, os vencedores limitaram-se a pôr em fuga e a massacrar os vencidos para se apoderarem dos produtos silvestres, da caça, da pesca num dado território. Em seguida, quando, com a criação do gado e com o aparecimento da agricultura, o homem soube produzir mais do que precisava para viver, os vencedores acharam mais cômodo reduzir os vencidos à escravidão e fazê-los trabalhar para eles.

Muito tempo após, tornou-se mais vantajoso, mais eficaz e mais seguro explorar o trabalho alheio, por outro sistema: conservar para si a propriedade exclusiva da terra e de todos os instrumentos de trabalho, e conceder liberdade aparente aos deserdados. Logo, estes, não tendo meios para viver, eram forçados a recorrer aos proprietários e a trabalhar para eles nas condições que os patrões lhes impunham.

Assim, pouco a pouco, a Humanidade tem evoluído através de uma rede complicada de lutas de toda espécie – invasões, guerras, rebeliões, repressões, concessões feitas e retomadas, associações dos vencidos unindo-se para a defesa e dos vencedores coligados para a ofensiva. O trabalho, porém, não conseguiu ainda a sua emancipação. No atual estado da sociedade, alguns grupos de homens monopolizam arbitrariamente a terra e todas as riquezas sociais, enquanto que a grande massa do povo, privada de tudo, é espezinhada e oprimida.

Conhecemos o estado de miséria em que se acham geralmente os trabalhadores, e conhecemos todos os males derivados dessa miséria: ignorância, crimes, prostituição, fraqueza física, abjeção moral e morte prematura.

(...) Em resumo, querem os anarquistas:

1.° – Abolição da propriedade (capitalista ou estatal) da terra, das matérias-primas e dos instrumentos de trabalho, para que ninguém tenha meios de explorar o trabalho dos outros e para que todos, assegurados os meios de produzir e de viver, sejam verdadeiramente independentes e possam associar-se livremente uns com os outros, no interesse comum e de conformidade com as afinidades e simpatias pessoais.

2.° – Abolição do Estado e de qualquer poder que faça leis para impô-las aos outros; portanto, abolição de todos os órgãos governamentais e todos os elementos que lhe são próprios, bem como de toda e qualquer instituição dotada dos meios de constranger e de punir.

3.° – Organização da vida social por iniciativa das associações livres e das livres federações de produtores e consumidores, criadas e modificadas conforme à vontade de seus componentes guiados pela ciência e pela experiência e libertos de toda obrigação que não se origine da necessidade natural, à qual todos de bom grado se submeterão quando lhe reconheçam o caráter inelutável.

4.° – A todos serão garantidos os meios de vida, de desenvolvimento, de bem-estar, particularmente às crianças e a todos os que sejam incapazes de prover à própria subsistência.

5.° – Guerra a todos os preconceitos religiosos e a todas as mentiras, mesmo que se ocultem sob o manto da ciência. Instrução completa para todos, até aos graus mais elevados.

6.° – Guerra às rivalidades e aos prejuízos patrióticos. Abolição das fronteiras, confraternização de todos os povos.

7.° – Libertação da família de todas as peias, de tal modo que ela resulte da prática do amor, livre de toda influência estatal ou religiosa e da opressão econômica ou física.”

(Errico Malatesta)

 

 

“O ponto de vista comum em torno do qual todos os anarquistas estão de acordo, porque reagrupa todas as tendências do anarquismo, por mais variadas que sejam, é aquele que conduz à mesma meta e que se caracteriza no fato de se manter o movimento anárquico com uma feição que o distingue de todos os outros movimentos político- social: a concepção de um futuro para a Humanidade que exclua todo princípio de autoridade, de domínio e de exploração do homem pelo homem.”

(Gigi Damiani)

 

 

“O anarquismo pode ser filosofia e ciência político-econômica, sem cair no dogmatismo; simples especulação idealista ou fundamentalmente prático em suas atitudes fora de qualquer ação impositiva; pode apegar-se ao materialismo histórico ou apelar para as forças morais e considerar o sentimento como fator mais eficaz para libertar o homem da incompreensão em que se debate; pode dizer-se ateu, agnóstico ou divagar em hipóteses espiritualistas; mas conserva a sua idoneidade quanto à necessidade que há em combater todo e qualquer princípio de idolatria estatal, conformista e de monopólio econômico, É antiautoritário e anti-totalitário em todas as circunstâncias.”

(Gigi Damiani)

 

 

“Viver uma vida integralmente anárquica na sociedade presente é impossível, porque a autoridade do homem sobre o homem, a exploração do trabalho alheio e a prática de iludir a boa-fé do próximo constituem as regras fundamentais da ordem social em que vivemos. A autoridade do Estado, o desfrutamento dos patrões, a ação nefasta e embrutecedora do clero e da escola oficial estão sempre presentes, assediam-nos, comprimem-nos de todos os lados e não se pode fugir aos seus tentáculos absorventes.

Ser anarquista requer, por conseguinte, aspirar a uma forma de convivência social isenta de governantes, de exploradores e de todas as mentiras convencionais interessadas em manter o presente estado de coisas; lutar para tornar possível o advento da anarquia, contra as violências, os prejuízos sociais, as mentiras e os interesses criados em que se alicerça a ordem existente.”

(“Umanità Nuova”, Roma)

 

 

“A perspectiva de uma sociedade sem governo, sem patrões e sem charlatões sorri a todos os homens que amam a liberdade, sorri particularmente, luminosamente, às multidões famintas de deserdados e oprimidos que, desde milênios, são vítimas dos governos, dos privilégios da riqueza e dos monopólios do saber.

Se alguma vez esses deserdados são atormentados pela dúvida, é porque, de tão bela, consideram irrealizável o advento da anarquia; é porque as agruras da luta pelo pão de cada dia lhes absorvem o tempo e os meios de cultivar as ideias e de afirmar as possibilidades da realização do ideal anárquico.”

(“Umanità Nuova”, Roma)

 

 

“Os anarquistas não condenam a existência do automóvel, do rádio, do avião, de todas as coisas belas e úteis. Condenam o privilégio que têm alguns de possuir e usar essas coisas todas, enquanto a outros não lhes é permitido fazê-lo. Condenam, principalmente, o fato de que, para usarem essas coisas, alguns explorem o trabalho de outros, que construam os seus prazeres, e até mesmo os seus vícios, com a miséria dos seres a quem exploram o trabalho, os sentimentos, a honra e a dignidade.”

(Souza Passos)

 

 

“Todos iguais, como os anarquistas concebem a expressão, é dar a todos o direito de viver, não matando, mas elevando a vida à mais alta expressão da dignidade. Todos iguais para receber os benefícios da vida livre, do amor sem peias e preconceitos, da consciência livre, da livre manifestação de todos os sentidos. Iguais no dever para todos de fazer alguma coisa útil, contribuindo, cada qual, com a sua capacidade física, intelectual, moral ou artística, para o bem de todos.”

(Souza Passos)

 

 

Os Anarquistas e as Lutas Sociais

O anarquista não quer fazer escada do seu companheiro de desventuras; não procura melhorar sua posição tornando-se instrumento da cobiça do capitalista; não se presta aos desejos do patrão, não se humilha diante dele, não pactua com o inimigo seu e de sua classe. Não aspira a viver à parte, enquanto todos sofrem; não separa a sua causa da de seus companheiros; não reconhece diferença de raça ou de nacionalidade; não se ilude imaginando poder arrancar ao capitalista concessões valiosas e duradouras, não pensa exclusivamente no seu interesse momentâneo, mas remonta à causa de seus males e contra ela se insurge.

O anarquista reclama para os outros o mesmo que para si; recusa servir de rufião aos patrões; revolta-se contra todas as instituições presentes porque todas sancionam a onipotência dos ricos; não elege fazedores de leis para não consentir na sua escravidão e para não se deixar enganar pelos costumados mariolas; não confia nas mentirosas promessas dos governantes. E ao burguês que tenta, para o subjugar, ora à força, ora à lisonja, ele responde: “O teu ouro não me seduz, porque fui eu que o extraí das entranhas da terra. As tuas vinganças não me aterrorizam, porque a vida que me deixas é uma contínua agonia; o teu poder está condenado a cair. Eu gozo combatendo-o, e cada revolta minha acelera o triunfo da liberdade e da justiça”.

“A Plebe, São Paulo

 

 

“Se o bem individual fosse realmente oposto ao da sociedade, não teria podido existir a espécie humana.”

(Pedro Kropotkine)

 

 

“O ser humano não é um ser de conflitos. Quando estes surgem é por motivo anormais e estranhos ao ser humano no decurso de seu viver. Freud, talvez sem o propósito específico de não lhe dar esse sentido, assentou uma das bases mais fortes da ética moderna ao demonstrar que os conflitos psicológicos, considerados sempre como inerente e consubstanciais à psique humana e, portanto, rodeadas de todos os mistérios metafísicos, têm origem e natureza em determinadas facetas anormais do viver, que retorcem e reprimem os instintos. De acordo com as leis naturais, um ser vivente não pode levar na essência mesma de sua natureza manifestações contraditórias em conflito permanente, se isso não for motivado por causas alheias a essas essências que o caracterizam. Todo ser vivo é manifestação de harmonia vital; quando essa harmonia cessa, vem a morte, pois que a vida em si não é senão manifestação de harmonia. E o ser humano, que é uma das manifestações mais altas da vida, não pode conter elementos contraditórios permanentes naquilo que constitui os fundamentos de sua existência.

Os instintos que nos induzem à satisfação das necessidades inerentes ao nosso próprio viver não podem ficar à margem da ética nem em contradição com ela. Não pode ser amoral beber-se um copo d’água, comer uma maçã ou coabitar com o sexo contrário, que é o complemento e fator da vida, ou descansar de uma fadiga. Como tampouco é moral satisfazer essas necessidades em detrimento da satisfação das mesmas necessidades dos outros.

As verdadeiras essências da ética residem, pois, na harmonização entre a satisfação dos instintos que nos induzem à conservação da nossa própria existência e os que nos impelem à prática da cooperação na convivência com os nossos semelhantes.

A concepção ética do anarquismo não pode ser outra senão essa ética natural manifestada pela livre expressão dos instintos. Daí a razão de ter o anarquismo que rechaçar toda ética imposta de fora, o que, em definitivo, é autoritarismo.”

(B. Cano Ruiz, “Tierra y Libertad”)

 

 

“Naturalmente, não me ocupo, neste trabalho dos sinistros mistificadores para os quais o idealismo não passa de mera manifestação de hipocrisia e de um instrumento de engano; dos capitalistas que pregam aos trabalhadores o sentimento do dever e o espírito de sacrifício, para amortecer-lhes as energias e poderem continuar pacificamente acumulando fortunas à custa de seu trabalho e de sua miséria; dos “patriotas” que, cheios de fervor pelo amor à pátria e dominados pelo espírito nacionalista, vivem explorando por todos os modos o próprio país e, quando podem, procedem da mesma forma quanto às pátrias alheias; dos militares que, pela glória da pátria e honra da sua bandeira, atacam outros povos, maltratando-os e oprimindo-os.”

(Errico Malatesta)

 

 

“Em minha vida de militante libertário, tive oportunidade de, durante muitos anos, frequentar organizações operárias, grupos revolucionários e sociedades educativas, e sempre verifiquei que os elementos mais ativos, os mais dedicados, os que sempre estavam dispostos às mais duras tarefas, contribuindo não apenas com a sua atividade, mas ainda com recursos retirados de seus ganhos, não eram os mais necessitados, mas, ao contrário, justamente os de melhor situação – e que se sentiam impelidos à luta não tanto pelas próprias necessidades, mas pelo desejo de cooperar em prol de uma boa obra e sentirem-se nobilitados por um ideal. Os elementos de situação mais miserável, aqueles que, em virtude de suas penosas condições de vida deveriam ser os mais direta e imediatamente interessados na mudança das coisas, conservam-se ausentes, ou participam apenas quando a isso levados por um interesse imediato e, assim mesmo, como parte passiva, beneficiando-se do esforço dos demais.”

(Errico Malatesta)

 

 

“Parlamento é a máscara política inventada para fazer crer ao povo ser ele, povo, o soberano e serem púrpuras seus andrajos de escravo.”

(José Oiticica)

 

 

“Para defenderem os próprios privilégios, os exploradores lançam os explorados uns contra os outros, criando toda uma série de pequenos interesses que ligam a eles uma parte dos exploradores, e todos se empenham na defesa dos “grandes privilégios”. E são os trabalhadores, cujos frutos de trabalho lhes permitem apenas viver uma vida de miséria e humilhações, que se transformam nos verdadeiros pontilhões do atual estado de sujeição econômica, política e moral.”

(Ugo Fedelli)

 

 

“Como libertário, não aceito a ação parlamentar, que implica na delegação de poderes, o que constitui séria divergência doutrinária com o anarquismo. É em obediência a este sábio critério que os libertários, arrostando dificuldades sem conta, lutam incessantemente no sentido de conseguir que cada elemento do povo, libertando-se da mentalidade messiânica imperante, tornando-se senhor de si mesmo, constitua uma unidade ativa na vida social, agindo em causa própria no patrocínio dos interesses que, sendo seus, estão em harmonia com os da coletividade. (...)

A experiência é a grande mestra, e esta nos ensina que o Parlamento, instituição essencialmente burguesa, nunca agiu e jamais poderá agir em detrimento da vigente ordem de coisas, o que corresponde a nada fazer em proveito do povo e da causa pública.”

(Edgard Leuenroth)

 

 

“Os socialistas libertários ou anarquistas, condenando o Estado como órgão parasitário, explorador e tirânico, e a instituição do monopólio da propriedade, como iníqua e antissocial, lutam por uma organização que considera o indivíduo como sua unidade essencial e que, repudiando todas as normas totalitárias e ditatoriais, seja baseada no livre consenso, determinada e regulada pelas necessidades, aptidões, ideias e sentimentos de cada qual, dentro de uma vasta confederação socialista-libertária de comunas livres, estruturadas pelas organizações profissionais, técnicas, científicas, artísticas, culturais, recreativas, etc. Esse é o verdadeiro socialismo, obediente aos seus fundamentos históricos, que os anarquistas propagam, lutando para que seja aceito e posto em prática pelo povo.”

(Edgard Leuenroth)

 

 

“O anarquismo é o herdeiro e o intransigente defensor do verdadeiro socialismo. Só o anarquismo vem defendendo desde os seus primórdios, trazendo-o íntegro até os nossos dias, o que o socialismo tem de essencial: o sentido da liberdade.

O marxismo, embora tenha concorrido com algumas contribuições apreciáveis para o estudo do problema social, tornou-se, em sua contextura e em sua ação, um desvirtuamento e uma corrupção do socialismo. À medida que consegue vencer politicamente, vai esvaziando o socialismo do seu conteúdo idealístico e de sua renovação social.”

(G. Ernestan)

 

 

“Socialismo é o sistema de organização da sociedade que tem por base a substituição do regime capitalista – fundamentado no domínio da propriedade privada e do salariato, instrumento da exploração do homem pelo homem – por um regime cujo princípio fundamental é socializar, isto é, pôr em comum os bens sociais, em função dos interesses da coletividade, como produtos que são dos esforços de todas as gerações.

Socializar quer dizer tornar social a propriedade hoje em poder do capitalismo. A riqueza existente, que em sua origem é social (obra de todos), passa a ser também social no seu destino, para ser de todos. Não se pode confundir socialização com estatização – transferência para o Estado da propriedade capitalista.”

(Edgard Leuenroth)

 

 

“Onde os comunistas chegaram a tomar o poder, o socialismo serve de rótulo para um regime de capitalismo de Estado, continuando o proletariado sujeito à tirania do salariato – instrumento de exploração capitalista e negação do socialismo – e do Estado todo-poderoso, senhor das coisas e dos destinos das gentes.”

(Edgard Leuenroth)

 

 

“O anarquismo tem expressão num movimento constituído de unidades autônomas e ativas, que a ele se ligam – sem perda de personalidade – por deliberação voluntária e consciente, e não de indivíduos ainda sem consciência social bem formada, arregimentados sob disciplina autoritária, obedientes às palavras de ordem de elementos de cúpula, para serem executadas automaticamente, sem possibilidade de nenhum exame ou divergência.

O movimento libertário assenta a base ética-social de sua estruturação no objetivo de formar conjuntos constituídos de unidades representando valores individuais, e não multidões de atuação oscilante, sem individualidade própria, dependentes sempre de determinações de líderes, dirigentes, chefes, muitas vezes transformados em messias, dos quais tudo esperam.

Há ainda uma circunstância relevante, que não permite ajuizar-se sobre a situação do anarquismo mediante confronto das bases de seu movimento com as de outras correntes do socialismo e de organizações de orientação nacionalista ou mística: o movimento anarquista não oferece a possibilidade da obtenção de empregos ou da conquista de postos de representação política, não mantendo quadros de funcionalismo para a movimentação de sua obra e nem apresentando candidatos a eleições.

Exatamente o contrário se verifica em relação aos outros movimentos ou organizações que, com diferença de proporções, sujeitara o desenvolvimento de sua atividade à atuação de funcionalismos numerosos, constituídos, em grande parte, de elementos retirados da produção, isto é, do exercício de suas profissões, e que, desabituando-se das obrigações de produtores, passam a constituir um burocratismo desvirtuador e parasitário. Além dos cargos nos partidos e nas organizações, oferecem ainda postos nas casas de representação municipal, nas deputações e senatorias e em cargos governamentais, tudo isso proporcionando a possibilidade de vida mais folgada, e ainda, para muitos, o ensejo para a exibição de vaidades e de ganhos cuja origem nem sempre pode ser justificada. (...)

Daí concluir-se que, não oferecendo o movimento anarquista as vantagens de ordem pessoal proporcionadas por outros movimentos, partidos e agrupações, dificilmente pode atrair para suas fileiras os numerosos elementos que orientam a própria atividade social na base de entusiasmos ocasionais sem motivo ideológico, de simpatias ou de antipatias pessoais, de paixões políticas, o que lhes permite alternar as respectivas ações em campos os mais diversos e muitas vezes contraditórios, como consequência de influências dominantes em cada situação.”

(Edgard Leuenroth)

Um comentário:

Doney disse...

Por motivos de espaço não foi possível inserir os trechos onde se explicava onde o anarquismo foi na prática implementado, mas descrevo os exemplos citados no livro aqui para quem se interessar em pesquisar: na Comuna de Paris; na revolução húngara (1917-1919) durante a revolução russa, com a organização das comunas dos camponeses da Ucrânia; em diversas localidades durante a revolução espanhola (1936-1939); nos kibutzim israelenses; as experiências brasileiras “Nossa Chácara”, e a colônia Cecília do Paraná, além do episódio citado pelo Visconde de Taunay (este descrito nos trechos selecionados); e algumas outras de experiências pontuais de organizações uruguaias e argentinas.