quinta-feira, 29 de julho de 2010

Cisnes selvagens: três filhas da China – Jung Chang

Editora: Companhia das Letras
ISBN: 978-85-359-0862-6
Tradução: Marcos Santarrita
Opinião: ★★☆☆☆
Páginas: 648
Sinopse: Nosso desconhecimento da China é tão vasto quanto as dimensões desse país, onde vive nada menos que um quarto da humanidade. Neste livro, Jung Chang resgata a saga de sua família, que reflete as turbulências da história chinesa recente. O relato retrocede ao início do século XX, quando sua avó é oferecida como concubina a um poderoso militar. Depois acompanha a história da mãe da autora, que viveu a ocupação japonesa na Manchúria, o governo do Kuomintang, a queda de Chang Kai-chek, a guerra civil e a vitória de Mao.

“Era política comunista não executar qualquer um que depusesse as armas, e tratar bem os prisioneiros. Isso ajudava a conquistar os soldados comuns, a maioria dos quais vinha de famílias camponesas. Os comunistas não tinham campos de prisioneiros. Mantinham apenas oficiais de média e alta patentes, e dispersavam o resto imediatamente. Organizavam assembleias de “desabafo” entre os soldados, nas quais eles eram encorajados a falar de suas duras vidas como camponeses sem terra. A revolução, diziam os comunistas, era apenas para dar terras a eles. Ofereciam aos soldados uma (sic) opção: ou iam para casa, caso em que recebiam a passagem, ou podiam ficar com os comunistas e ajudar a varrer o Kuomintang, para que ninguém voltasse a tomar suas terras. A maioria permanecia por vontade própria e juntava-se ao exército comunista. Alguns, naturalmente, não podiam chegar às suas casas com uma guerra em andamento. Mao aprendera com a guerra chinesa antiga que a maneira mais eficaz de conquistar o povo era conquistar seus corações e mentes. A política em relação aos prisioneiros revelou-se um enorme sucesso. Particularmente depois de Jinzhou, um número cada vez maior de soldados do Kuomintang simplesmente se deixava capturar. Mais de 1,75 milhão de soldados do Kuomintang renderam-se e passaram-se para os comunistas durante a guerra civil. No último ano, as baixas em combate representaram menos de vinte por cento de todos os soldados que Kuomintang perdeu.
Um dos altos comandantes que foram presos tinha consigo a sua filha, em adiantado estado de gravidez. Ele perguntou ao oficial comandante comunista se podia ficar com ela em Junzhou. O oficial comunista disse que não era conveniente um pai ajudar a filha a ter um bebê, e que ia enviar uma “camarada” para ajudá-la. O oficial do Kuomintang achou que ele só dizia aquilo para fazê-lo seguir. Mais tarde, soube que a filha fora muito bem tratada, e a “camarada” na verdade era a esposa do oficial comunista. A política em relação aos prisioneiros era uma complicada combinação de cálculo político e consideração humanitária, e esse foi um dos fatores cruciais na vitória dos comunistas. Seu objetivo não era apenas esmagar o exército adversário, mas, se possível, provocar sua desintegração. O Kuomintang foi derrotado tanto pela desmoralização quanto pelo poder de fogo.”


“Apesar dessas tragédias pessoais, ou talvez em parte por causa do férreo controle, a China estava mais estável em 1956 do que em qualquer época nesse século. Ocupação estrangeira, guerra civil, morte devido à fome generalizada, bandidos, inflação – tudo parecia coisa do passado. A estabilidade, sonho dos chineses, sustentava sua a fé de pessoas como minha mãe em seus sofrimentos.”


“Mao teve de tramar muito para preservar seu poder. Nisso, era um mestre supremo. Sua leitura favorita, que ele recomendava a outros líderes do Partido, era uma coleção clássica de trinta volumes sobre intrigas da corte chinesa. Na verdade, podia-se entender melhor o governo de Mao em termos de uma corte medieval, na qual ele exercia um poder mágico sobre seus cortesãos e súditos. Era também um mestre em “dividir para governar”, e em manipular a tendência dos homens a lançarem outros aos lobos.”


“Mao, o imperador, enquadrava-se num dos padrões da história chinesa: o líder de um levante camponês nacional que varre uma dinastia e se torna um sábio novo imperador, exercendo autoridade absoluta. E, num certo sentido, podia-se dizer que ele fizera jus a seu status de deus-imperador. Foi o responsável pelo fim da guerra civil e pela paz e estabilidade, coisas pelas quais os chineses tanto ansiaram – tanto que diziam: “É melhor ser um cão na paz que um ser humano na guerra”. Foi sob Mao que a China se tornou uma potência a ser levada em conta no mundo, e muitos chineses deixaram de sentir-se envergonhados e humilhados por ser chineses, o que significava muitíssimo para eles. Na verdade, Mao levou a China de volta aos tempos do Reino do Meio, e, com a ajuda dos Estados Unidos, ao isolamento do mundo. Ele possibilitou aos chineses voltar a sentir-se grandes e superiores, cegando-os para o mundo externo. Apesar disso, o orgulho nacional era tão importante para os chineses que grande parte da população era genuinamente agradecida a Mao, e não achava ofensivo o seu culto da personalidade, certamente não a princípio. A quase total falta de acesso às informações e a sistemática desinformação significaram que a maioria dos chineses não tinha como discriminar entre os sucessos e os fracassos de Mao, ou de identificar o papel relativo dele e de outros líderes nas conquistas comunistas.
O medo jamais esteve ausente na escala do culto a Mao. Muitas pessoas haviam sido reduzidas a um estado em que não se atreviam sequer a pensar, para que suas ideias não se externassem involuntariamente. Mesmo que alimentassem ideias heterodoxas, poucos falavam delas aos filhos, pois eles podiam deixar escapar alguma coisa para outras crianças, o que traria a tragédia tanto para si mesmas quanto para os pais. Nos anos da campanha de Lei Feng, martelou-se nas crianças que nossa primeira e única lealdade devia ser para com Mao. Uma música popular dizia: “Papai está perto, mamãe está perto, mas ninguém está tão perto quanto o presidente Mao”. Éramos condicionados para pensar que qualquer um, incluindo nossos pais, que não fosse totalmente pró-Mao, era nosso inimigo. Muitos pais encorajavam os filhos a tornarem-se adultos conformistas, pois isso seria mais seguro para o futuro deles.”

3 comentários:

Doney disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Doney disse...

Um livro de uma dondoca escrito para outras dondocas

As partes deste livro que mostram as peculiaridades culturais dos múltiplos povos que compõem a China foram interessantes. Também teve relevo a exposição da desastrosa “Revolução cultural”, porém, a extrema piedade com que a autora se retrata o tempo todo incomoda demasiadamente. Por exemplo, ela conta com extrema comiseração de si mesma quando teve de pegar um trem muito lotado (fato cotidiano para boa parte do povo brasileiro), quando teve de se agachar (!) porque os soldados lutavam desesperadamente no barco em que ela estava etc. Cito algumas das inúmeras, inúmeras partes em que a imensa pena de si mesma reverbera:

“Os dois oficiais trouxeram-nos sacos de grandes maçãs maduras, raramente vistas em Chengdu, e punhados de confeitos de castanha, de que todas tínhamos ouvido falar como uma grande especialidade de Pequim. Para retribuir a bondade, fomos ao quarto deles e pegamos suas roupas sujas e as lavamos com grande entusiasmo. Lembro-me de que tive de lutar com os grandes uniformes cáqui, extremamente pesados e duros na água gelada.”

“Nossos oficiais da Força Aérea nos davam ordem-unida sem parar, nas quadras de basquete da Escola de teatro, todo dia. Ao lado das quadras ficava a cantina. Eu lançava olhares furtivos para lá assim que formávamos nas quadras, mesmo tendo acabado de tomar o café-da-manhã. Vivia obcecada por comida, embora não soubesse se isso se devia à ausência de carne, ao frio ou ao tédio da ordem-unida. Sonhava com a variedade da cozinha de Sichuan, pato novo pururuca, peixe agridoce, “frango bêbedo” e dezenas de outros suculentos pitéus.”

“Deram à minha família alguns aposentos no alto de uma casa de três andares, que tinha sido a redação de uma revista agora defunta. Não havia água encanada nem banheiro no último andar. Nós tínhamos de descer até mesmo para escovar os dentes, ou para jogar fora os restos de uma xícara de chá. Mas eu não ligava, porque a casa era muito elegante e eu vivia sedenta de coisas bonitas.”

Isso quando o texto não é incoerente por si próprio:
“Como havia pouca variação de indivíduo para indivíduo do mesmo sexo em termos de pontos diários, o número de pontos de trabalho acumulados dependia sobretudo de quantos dias alguém trabalhava, mais do que como trabalhava. Isso era um constante motivo de ressentimento entre os aldeões – além de ser um grande desestímulo à eficiência. Todo dia, os camponeses torciam os olhos para ver como os outros estavam trabalhando, para não serem explorados. Ninguém queria dar mais duro que os outros que ganhavam o mesmo número de pontos no trabalho. (...)
Eu não era muito popular na aldeia, embora os camponeses quase sempre me deixassem em paz. Desaprovavam-me por não trabalhar tanto quanto achavam que eu devia. O trabalho era toda a vida deles, e um critério importante pelo qual julgavam qualquer um. O olho deles para o trabalho aplicado era ao mesmo tempo intratável e justo, e era claro para eles que eu detestava o trabalho físico e aproveitava toda oportunidade de ficar em casa e ler meus livros.”

(continua no próximo comentário)

Doney disse...

(continuando)

Certa vez li uma frase que dizia a história de cada ser humano daria para escrever uma Bíblia. Parece que a autora comprou a ideia. A todo momento fica lambendo a própria ferida, a todo momento se retrata com uma cansativa autoindulgência, desconsiderando o que está ao redor e que a vida da imensa maioria das pessoas é dura e árdua.
Por exemplo, ela destaca como se fosse uma heroína a troca de tiros que presenciou. Claro que seria um momento difícil na vida de qualquer um. Porém, ela não consegue observar que situação mais difícil que a dela era a dos soldados que estavam efetivamente trocando tiros!
Ou, quando descreve a lembrança de décadas (!) por lavar uns uniformes com uma água que estava gelada (como ela sobreviveu a tanto!). Pode-se perguntar: como se sujou esse uniforme? Em atividade mais ou menos penosa do que ela fazia quando o lavava?
É evidente que tal tipo de questionamento nem passa pela cabeça da patricinha.
Ademais, claro, a propaganda anticomunista é massiva. Apenas para se dar uma mísera informação: quando Mao Tsé Tung e o partido comunista ascenderam ao poder na China, 850 milhões de chineses passavam fome diuturnamente. Hoje, a extrema pobreza foi eliminada da China, um dos maiores feitos da história da humanidade.
É claro que este tipo de informação você não encontrará no livro.

Em resumo, nem quero me ater ao discurso reacionário e eivado de inconsistências, nem é o que mais incomoda.
O pior é o fato de ser um livro escrito por uma dondoca para que outras dondocas possam lê-lo. Desaconselho decididamente a obra.