Editora: Record
ISBN: 978-85-0106-262-8
Tradução: Ryta Vinagre
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 544
Link para
compra: Clique
aqui
Sinopse: Em 1992, a Nike pagou 20 milhões de dólares a Michael Jordan para
estampar o rosto do rei do basquete nas propagandas de seu mais novo tênis. A
quantia fica ainda mais impressionante quando se descobre que é muito superior
do que a que a empresa pagou a todo o conjunto de 30 mil trabalhadores
indonésios que efetivamente fabricaram os calçados. Essa e outras histórias
curiosas do mundo do marketing estão em Sem
Logo – a tirania das marcas em um planeta vendido, livro da jornalista
canadense Naomi Klein. O livro revela o processo de traição das promessas
centrais da era da informação: opções, interatividade e liberdade crescente.
Oferece, ainda, uma organizada compilação dos protestos mais significativos
contra grandes corporações e sua influência mundial. Saudada pelo The New York
Times como “(...) a bíblia de um movimento”, esta obra foi considerada pelo
jornal britânico The Observer “O
capital do crescente movimento anticorporativo”. A autora – que vem ao Brasil
para participar do Fórum Mundial Social de Porto Alegre, entre os dias 31 de
janeiro e 5 de fevereiro – passou a infância obcecada por marcas e anúncios e
tinha verdadeira adoração pelos letreiros fluorescentes de grandes companhias
de petróleo e pequenas etiquetas de roupas. Depois de adulta, a atração virou
repulsa e Naomi passou a se dedicar a analisar e desarmar os absurdos cometidos
pela publicidade.
Em Sem Logo – A tirania
das marcas em um planeta vendido, Naomi Klein constrói formulações
reveladoras sobre o reino das marcas: aponta os efeitos negativos do marketing
na cultura, no trabalho e nas escolhas do consumidor, mostrando como
multinacionais convertem o mundo em uma oportunidade de mercado. Logotipos e
marcas são o que temos mais próximo de uma linguagem internacional: a maior
parte dos seis bilhões de habitantes da Terra pode identificar o símbolo do Mc’Donalds
ou da Coca-Cola. No universo globalizado, gerenciar imagens e associações por
meio das quais o consumidor se relaciona com um produto se tornou a chave do
sucesso. Naomi Klein nasceu em 1970, em Montreal, no Canadá, e hoje vive em
Toronto. Iniciou sua carreira jornalística no Toronto Star, cobrindo a área de
marketing. Colunista do The Globe and
Mail, teve artigos publicados no The
New York Times, The Village Voice,
Ms., The Nation, This Magazine e
Saturday Night.
“Seria ingenuidade acreditar que os consumidores
ocidentais não se beneficiaram dessas divisões globais desde os primeiros dias do
colonialismo. O Terceiro Mundo, como dizem, sempre existiu para o conforto do Primeiro.
Um desenvolvimento relativamente recente, entretanto, é que o interesse investigativo
parece se voltar para os pontos de origem, sem grife, de produtos com marcas. As
viagens dos tênis Nike têm sido rastreadas até o trabalho semiescravo no Vietnã,
as pequenas roupas da Barbie até a mão-de-obra infantil de Sumatra, os cafés da
Starbucks aos cafeicultores castigados pelo sol da Guatemala, e o petróleo da Shell
às aldeias poluídas e empobrecidas do delta do Níger.”
“E por um tempo mais longo, a produção de bens permaneceu, pelo menos em princípio,
no cerne de todas as economias industrializadas. Nos anos 80, afetados pela recessão
da década, alguns dos mais poderosos fabricantes do mundo começaram a vacilar. Surgiu
o consenso de que as corporações estavam inchadas, superdimensionadas; elas possuíam
demais, empregavam gente demais e se curvavam sob o peso de coisas demais.
O próprio processo de produção – administrado pelas fábricas, responsáveis por dezenas
de milhares de empregados efetivos de tempo integral – começou a parecer menos um
caminho para o sucesso do que uma pesada responsabilidade.
Mais
ou menos na mesma época, um novo tipo de corporação começou a disputar mercado com
os fabricantes americanos tradicionais; eram as Nikes e Microsofts, e mais recentemente,
as Tommy Hilfigers e as Intels. Esses pioneiros declararam audaciosamente que produzir
bens era apenas um aspecto incidental de suas operações e que, graças às recentes
vitórias na liberalização do comércio e na reforma das leis trabalhistas, seus produtos
podiam ser feitos para eles por terceiros, muitos no exterior. O que essas empresas
produziam principalmente não eram coisas, diziam eles,
mas imagens de suas marcas. Seu verdadeiro trabalho não estava na fabricação,
mas no marketing. Essa fórmula, desnecessário dizer, mostrou-se imensamente lucrativa,
e seu sucesso levou as empresas a uma corrida pela ausência de peso: quem possuísse
menos, tivesse o menor número de empregados na folha de pagamentos e produzisse
as mais poderosas imagens, em vez de produtos, ganharia a corrida.
Desse
modo, a onda de fusões no mundo corporativo dos últimos anos é um fenômeno ilusório:
elas apenas parecem gigantes, ao unir suas forças, tornando-se cada vez maiores.
A verdadeira chave para compreender essas mudanças está em perceber que de várias
formas cruciais — mas não em relação a seus lucros, é claro – essas empresas pós-fusão
na verdade estão encolhendo. Sua grandeza aparente é simplesmente o caminho mais
eficaz para alcançar sua verdadeira meta: livrar-se do mundo das coisas.”
“Como previu o publicitário no início da recessão, as empresas que tiveram
sucesso com a queda foram as que optaram pelo marketing do valor todo o tempo: Nike,
Apple, a Body Shop, Calvin Klein, Disney, Levi's e Starbucks. Essas marcas não apenas
estavam indo muito bem, obrigada, como o ato de branding* estava se tornando
uma preocupação cada vez maior em seus negócios. Para essas empresas, o produto
ostensivo era um mero tapa-buraco para a produção real: a marca.”
Branding: o processo
de estabelecer e gerenciar imagens, percepções e associações pelas quais o consumidor
se relaciona com um produto ou empresa.
“(Estas empresas) integraram o conceito da gestão de marca com o próprio tecido de suas
empresas. Sua cultura corporativa era tão estreita e enclausurada que de fora parecia
ser um cruzamento entre uma fraternidade universitária, um culto religioso e um
sanatório. Tudo era publicidade para a marca: estranhos léxicos para descrever os
funcionários (parceiros, associados, jogadores do time, membros da tripulação),
canções da empresa, CEO superstar, atenção fanática à coerência do design,
uma propensão a construção de monumentos e declarações de missão no estilo Nova
Era.”
“Nasceu um novo consenso: os produtos que florescerão no futuro serão aqueles
apresentados não como “produtos”, mas como conceitos:
a marca como experiência, como estilo de vida.
Desde
então, um seleto grupo de corporações vem tentando se libertar do mundo corpóreo
dos produtos, passando fabricantes e produtos a existir em outro plano. Todo mundo
pode fabricar um produto, raciocinam eles (e como mostrou o sucesso das marcas privadas
durante a recessão, todo mundo fabricou). Essa tarefa ignóbil, portanto, pode e
deve ser delegada a terceiros cuja única preocupação é atender às encomendas a tempo
e dentro do orçamento (e o ideal é que fiquem no Terceiro Mundo, onde a mão-de-obra
é quase de graça, as leis são frouxas e isenções fiscais são obtidas a rodo). As
matrizes, enquanto isso, estão livres para se concentrar em seu verdadeiro negócio
– criar uma mitologia corporativa poderosa o bastante para infundir significado
a esses toscos objetos apenas assinalando-os com seu nome.”
“Com essa mania de marca veio um novo tipo de homem de negócios, que orgulhosamente
o informará de que a Marca X não é um produto, mas um meio de vida, uma atitude,
um conjunto de valores, uma expressão, um conceito. E isso parece mesmo ótimo –
melhor do que a Marca X é uma chave de fenda, uma cadeia de hambúrgueres, um par
de jeans ou mesmo uma linha muito bem-sucedida de calçados de corrida. A Nike, anunciou
Phil Knight no final dos anos 80, é uma “empresa de esportes”; sua missão não é
vender calçados, mas “melhorar a vida das pessoas pela prática de esportes e a forma
física” e manter “viva a magia dos esportes”.24 O presidente-e-xamã-dos-tênis
Tom Clark explica que “a inspiração dos esportes nos permite renascer constantemente”.25
Relatos
dessas epifanias de “visão de marca” começam a surgir em todos os cantos. “O problema
da Polaroid”, diagnosticou o presidente de sua agência de publicidade, John Hegarty,
“foi que ela continuou pensando em si mesma como uma câmera. Mas o processo de 'visão
[de marca]' nos ensina uma coisa: a Polaroid não é uma câmera – é um lubrificante
social.”26 A IBM não está vendendo computadores, mas “soluções” para
os negócios. A Swatch não tem relação com relógios, mas com o conceito de tempo.
Na Diesel Jeans, o proprietário Renzo Rosso disse à revista Paper: “Não vendemos
um produto, vendemos um estilo de vida. Acho que criamos um movimento. (...) O conceito
da Diesel é tudo. É o modo de vida, é a maneira de se vestir, é o jeito de fazer
alguma coisa.” E como me explicou a fundadora da Body Shop, Anita Roddick, suas
lojas não têm nada a ver com o que vendem, são veículos para uma grande ideia –
uma filosofia política sobre as mulheres, o ambiente e os negócios éticos. “Apenas
uso a empresa que criei e surpreendentemente teve sucesso – não devia ter sido assim,
eu não pretendia que fosse assim – baseando-me em seus produtos para alardear essas
questões”, diz Roddick.
O famoso
e falecido designer gráfico Tibor Kalman resumiu a mudança do papel da marca
desta forma: “O conceito original da marca era qualidade, mas agora a marca é um
símbolo estilístico de bravura.”27”
24. Donald Katz, Just
Do It: the Nike Spirit in the Corporate World (Holbrook: Adams Media Corporation,
1994).
25. “In the Super Bowl of
Sport Stuff, the Winning Score is $ 2 Billion”, The New York Times, 11 de
fevereiro de 1996, seção 8, 9.
26. John Heilemann, “All
Europeans Are Not Alike”, The New Yorker, 28 de abril e 5 de maio de 1997,
175.
27. “Variations: A Cover
Story”, New York Times Magazine, 13 de dezembro de 1998, 124.
“Com essa mania de marca veio um novo tipo de
homem de negócios, que orgulhosamente o informará que a marca X não é um produto,
mas um meio de vida, uma atitude, um conjunto de valores, uma expressão, um conceito.
E isso parece mesmo ótimo – melhor do que a Marca X é uma chave de fenda, uma cadeia
de hambúrgueres, um par de jeans ou mesmo uma linha muito bem sucedida de calçados
de corrida. A Nike, anunciou Phil Knight no final dos anos 80, é “uma empresa de
esportes”; sua missão não é vender calçados, mas “melhorar a vida das pessoas pela
prática de esportes e a forma física” e manter “viva a magia dos esportes”. O presidente-e-xamã-dos-tênis
Tom Clark explica que “a inspiração dos esportes nos permite renascer constantemente”.
Relatos dessas epifanias de “visão de marca” começam a surgir em todos os cantos.
“O problema da Polaroid”, diagnosticou o presidente de sua agência de publicidade,
John Hegarty, “foi que ela continuou pensando em si mesma como uma câmera. Mas o
processo de ‘visão [de marca]’ nos ensina uma coisa: a Polaroid não é uma câmera
– é um lubrificante social. A IBM não está vendendo computadores, mas “soluções”
para os negócios. A Swatch não tem relação com relógios, mas com o conceito de tempo.
Na Diesel Jeans, o proprietário Renzo Rosso disse à revista Paper: Não vendemos
um produto, vendemos um estilo de vida. Acho que criamos um movimento. (...) O conceito
da Diesel é tudo. É o modo de vida, é a maneira de se vestir, é o jeito de fazer
alguma coisa.” E como me explicou a fundadora da Body Shop, Anita Roddick, suas
lojas não têm nada a ver com o que vendem, são veículos para uma grande ideia –
uma filosofia política sobre as mulheres, o ambiente e os negócios éticos. “Apenas
uso a empresa que criei e surpreendentemente teve sucesso – não devia ter sido assim,
eu não pretendia que fosse assim – baseando-me em seus produtos para alardear essas
questões”, diz Roddick.
O famoso e falecido designer gráfico Tibor
Kalman resumiu a mudança do papel da marca desta forma: “O conceito original da
marca era qualidade, mas agora a marca é um símbolo estilístico de bravura.”
“E antes que o negócio do branding não
seja desprezado como o playground de artigos de consumo da moda como tênis, jeans
e bebidas Nova Era, pense bem. A Caterpillar, mais conhecida como fabricante de
tratores e destruidora de sindicatos, incorporou o negócio da gestão de marcas,
lançando a linha de acessórios Cat: botas, mochilas, bonés e qualquer outra coisa
para uma je ne sais quoi pós-industrial. A Intel Corp., que faz componentes
de computadores que ninguém vê e poucos compreendem, transformou seus processadores
em uma marca de fetiche, com peças publicitárias na TV mostrando funcionários da
produção em trajes especiais metálicos moderninhos dançando para “Sacudir sua rotina”.
Os mascotes da Intel se mostraram tão populares que a empresa vendeu centenas de
milhares de bonecos idênticos a seus bruxuleantes técnicos dançantes. Pouco surpreende,
então, que quando indagado sobre a decisão da empresa de diversificar seus produtos,
o vice-presidente sênior para vendas e marketing, Paul S. Otellini, respondeu que
a Intel “é como a Coca-Cola. Uma marca, muitos produtos diferentes”.29
E se a Caterpillar e a Intel podem ser uma marca,
certamente qualquer um pode.”
29.
Business Week, 22 de dezembro de 1997.
“Ou, para citar Tom Peters, o homem da marca:
“Marca! Marca! Marca!!! É essa a mensagem (...) para o final dos anos 90 e para
o futuro.”
“Os editores do zine Hermenaut articularam a receita:
Como o falecido etnólogo Michel de Certeau,
preferimos concentrar nossa atenção no uso independente de produtos de cultura
de massa, um uso que, como os estratagemas de camuflagem de peixes e insetos,
pode não “derrubar o sistema”, mas nos mantém intactos e autônomos dentro desse
sistema, que pode ser o melhor que podemos esperar. (...) Ir ao Disney World
para tomar ácido e sacanear o Mickey não é revolucionário; ir ao Disney World
com pleno conhecimento de o quão ridículo e pernicioso é tudo aquilo e ainda
viver grandes momentos de inocência, em alguns casos quase inconsciência, mesmo
que psicótica, é algo completamente diferente. Isso é o que Certeau descreve
como “a arte de estar entre as coisas”, e é o único caminho de verdadeira
liberdade na cultura atual. Vamos, então, ficar entre as coisas. Vamos nos
divertir com Baywatch, Joe Camel, revista Wired e mesmo com
livros sofisticados sobre a sociedade do espetáculo [touché], mas jamais
sucumbamos ao fascínio glamouroso dessas coisas.27”
27.
Editorial, Hermenaut # 10: Popular Culture, 1995.
“Apesar da adoção da imaginação poliétnica, a globalização orientada para
o mercado não criou diversidade; aconteceu exatamente o oposto. Seus inimigos
são os hábitos nacionais, as marcas locais e preferências regionais distintas.
Os interesses cada vez menores controlam cada vez mais a paisagem.
Deslumbrados
pela gama de opções de consumo, podemos a princípio deixar de perceber a imensa
consolidação que ocorre nas diretorias de empresas de entretenimento, mídia e
varejo. A publicidade nos inunda de sedativas imagens caleidoscópicas dos
Estados Unidos da Diversidade e das tentações escancaradas “Aonde você quer ir
hoje?” da Microsoft. Mas nas páginas das seções de negócios, o mundo é
monocromático e as portas batem ruidosamente de todos os lados: quase todas as
matérias – sejam os anúncios de uma nova compra, uma falência prematura, uma
fusão colossal – apontam para uma perda de opções significativas. A verdadeira
questão não é “Aonde você quer ir hoje?”, mas “Como posso guiar você melhor no
labirinto sinergizado onde eu quero que você vá hoje?”
Este
ataque às opções está acontecendo simultaneamente em várias frentes. Está
acontecendo estruturalmente, com fusões, compras alavancadas e sinergias
corporativas. Acontece localmente, com um punhado de supermarcas usando suas
imensas reservas de dinheiro para tirar do mercado pequenas empresas independentes.
E acontece na frente jurídica, com as empresas de entretenimento de bens de
consumo usando processos de difamação e marca registrada para acossar quem quer
que confira um significado indesejável a um produto pop-cultural. E assim
vivemos em um mundo duplo: carnaval na superfície, consolidação embaixo, onde
interessa.”
“Em épocas menos entusiásticas que a nossa, outras palavras além de “sinergia”
foram comumente utilizadas para descrever as tentativas de distorcer
radicalmente as ofertas ao consumidor para beneficiar proprietários em conluio;
nos EUA, os trustes ilegais eram combinações de empresas que secretamente
concordavam em fixar preços enquanto fingiam ser competitivas. E o que mais é
um monopólio afinal, senão sinergia levada ao extremo? Os mercados que reagem à
tirania do porte sempre tiveram uma tendência ao monopólio. É por isso que
grande parte do que tem acontecido na indústria do entretenimento na última
década de mania de fusões teria sido impedido ainda em 1982, antes do ataque
total do presidente Ronald Reagan às leis antitruste americanas.”
“O McDonald’s, enquanto isso, continua diligentemente a importunar
pequenos lojistas e donos de restaurantes descendentes de escoceses por sua
predisposição nacional não-competitiva de usar a partícula Mc em seus
sobrenomes. A empresa processou a loja de salsichas McAllan na Dinamarca; a
lanchonete decorada com motivos escoceses McMunchies em Buckinghamshire;
perseguiu a loja McCoffe de Elizabeth McCaughney na Bay Área de San Francisco;
e travou uma batalha de 26 anos contra um homem chamado Ronald McDonald, cujo
McDonald’s Family Restaurant em uma minúscula cidade em Illinois funcionava
desde 1956.”
“Quando a legislação de copyright e marca registrada não pode ser
invocada para evitar um retrato indesejado da marca, muitas corporações
dependem da lei de calúnia e difamação para manter suas práticas longe do
debate público. O divulgado caso “McLibel” na Grã-Bretanha, em que a cadeia de lanchonetes
processou dois ambientalistas por calúnia, foi uma dessas tentativas. Independente da tática legal escolhida, a mensagem
impossivelmente contraditória enviada pelos produtores desses bens irônicos é a
mesma: queremos que nossas marcas sejam o ar que você respira – mas nem pense
em expirar.”
“Parece que não importa com quanto sucesso a esfera privada emula ou
mesmo aprimora a aparência e a sensação de espaço público, as tendências
restritivas de privatização encontram uma forma de armar sua tocaia. E o mesmo
se aplica não somente ao espaço de propriedade corporativa, como a AOL ou a
Virgin Megastore, mas até ao espaço de propriedade pública que é patrocinado ou
de marca. Essa questão foi nitidamente vista em Toronto em 1997, quando militantes antitabagismo foram retirados à força do
festival de jazz ao ar livre du Maurier, assim como manifestantes estudantis
foram retirados do du Maurier Tennis Open que acontecia em seu campus. A
ironia era que o festival aconteceu na verdadeira praça pública da cidade – a
Nathan Phillips Square, bem em frente a prefeitura de Toronto. Os manifestantes
aprenderam que, embora a praça possa ser um espaço tão público quanto possam
pensar, ela se tornou, durante a semana do festival de jazz, propriedade da
empresa de tabaco patrocinadora. Nenhum material crítico foi permitido em suas
instalações.”
“Nosso plano estratégico na América do norte é focalizar intensamente o gerenciamento
da marca, o marketing e o projeto de produto como um meio de atender às necessidades
e desejos de roupas informais dos consumidores. Mudar uma parcela significativa
de nossa fabricação de mercados americanos e canadenses para terceiros em todo o
mundo dará à empresa maior flexibilidade para alocar recursos e capital a suas marcas.
Esses são passos essenciais se quisermos continuar competitivos”.
– John Ermatinger, presidente
da divisão Levi Strauss Américas, explicando a decisão da empresa de fechar 22 fábricas
e demitir 13.000 trabalhadores norte-americanos entre novembro de 1997 e fevereiro
de 1999.”
“Muitas multinacionais de nome de marca, como vimos, querem transcender
sua necessidade de se identificar com seus produtos terrenos. Elas imaginam,
para isso, profundos significados para suas marcas – o modo como capturam o
espírito da individualidade, do atletismo, da vida selvagem ou da comunidade.
Nesse contexto em que a pose vale mais que o objeto, os departamentos de
marketing encarregados do gerenciamento de identidades de marca começaram a ver
seu trabalho como algo que acontece não em conjunção com a produção da fábrica,
mas em competição direta com ela. “Produtos são feitos na fábrica”, diz Walter
Landor, presidente da agência de criação de marcas Landor, “mas marcas são
feitas na mente.”‘ Peter Schweitzer, presidente da gigante da publicidade J.
Walter Thompson, reitera essa ideia: “A diferença entre produtos e marcas é
fundamental. Um produto é algo feito na fábrica; uma marca é algo comprado por
um consumidor.”2 As agências de publicidade espertas abandonaram a
ideia de que elas estão empenhadas em um produto feito por outra pessoa e
passaram a pensar em si mesmas como fábricas de marca, produzindo o que é de
valor verdadeiro: o conceito, o estilo de vida, a atitude. Os construtores de
marca são novos produtores primários em nossa chamada economia do conhecimento.
Essa
ideia nova tem feito mais do que nos trazer campanhas publicitárias modernas,
superlojas eclesiásticas e campi corporativos utópicos. Ela está mudando
a face do emprego global. Depois de estabelecer a “alma” de suas corporações
empresas de supermarcas estão se livrando de seus embaraçosos corpos, e nada
parece mais embaraçoso, mais repugnantemente corpóreo, do que as fábricas que
fazem seus produtos. O motivo para essa mudança é simples: construir uma
supermarca é um projeto extraordinariamente dispendioso, que precisa de
constante gerenciamento, vigilância e reabastecimento. Acima de tudo, as
supermarcas precisam de muito espaço para imprimir seus logos. Para que uma
empresa seja eficaz em custos, contudo, há uma quantidade finita de dinheiro
que pode ser utilizada para cobrir todos esses gastos – material, fabricação,
despesas gerais e gestão de marca – para que os preços de seus produtos no
varejo não fiquem altos demais. Depois de patrocínios multimilionários terem
sido assinados e cool hunters e especialistas em marketing
receberem seus cheques, pode não haver tanto dinheiro sobrando. Assim, isso se
torna, como sempre, uma questão de prioridades; mas essas prioridades estão
mudando. Como explicou Hector Liang, ex-diretor do conselho da United Biscuits:
“As máquinas se desgastam. Os carros enferrujam. As pessoas morrem. Mas o que
permanece são as marcas.”3
De
acordo com essa lógica, as corporações não devem gastar seus recursos finitos
em fábricas que exigirão manutenção física, em máquinas que sofrerão corrosão
ou funcionários que certamente envelhecerão e morrerão. Em vez disso, elas
devem concentrar seus recursos nos elementos utilizados para construir suas
marcas; isto é, patrocínios, embalagem, expansão e publicidade. Elas devem
também gastar em sinergias: comprar canais de distribuição e varejo para levar
sua marca às pessoas.
Esta mudança lenta mas decisiva
nas prioridades corporativas deixou os produtores não- virtuais de ontem – os
trabalhadores de fábrica e os artesãos – em uma situação precária. Os gastos
excessivos em marketing, fusões e extensões de marca na década de 1990 foram
acompanhados de uma resistência nunca vista ao investimento em instalações de
produção e mão-de-obra. Empresas que tradicionalmente ficavam satisfeitas com
uma margem de 100 por cento entre o custo de fabricação e o preço no varejo têm
atravessado o globo em busca de fábricas que possam fazer seus produtos a
preços tão baixos que a margem fique mais próxima de por cento.4 E
como observa um relatório das Nações Unidas de 1997, mesmo em países onde os
salários já eram baixos, os custos de mão-de-obra estão sendo responsáveis por
uma fatia cada vez menor dos orçamentos corporativos. “Em quatro de cinco
países em desenvolvimento, a participação dos salários no valor agregado de
fabricação de hoje é consideravelmente menor do que foi na década de 1970 e no
inicio dos anos 80.”5 O oportunismo dessas tendências reflete não só
o status do branding como panaceia econômica percebida, mas
também uma desvalorização correspondente do processo de produção de produtores
em geral. O branding, em outras palavras, foi engolindo todo o “valor
agregado”.
Quando
o processo de fabricação real é tão desvalorizado, logicamente é mais provável
que as pessoas que fazem o trabalho de produção sejam tratadas como lixo – coisas
das quais você pode se livrar. A ideia tem uma certa simetria: uma vez que a
produção em massa criou a necessidade do branding, seu papel foi
crescendo em importância até que, mais de um século e meio depois da Revolução
Industrial, ocorreu a essas empresas que talvez o branding pudesse
substituir completamente a produção. Como disse o tenista André Agassi em um
comercial da câmera fotográfica Canon em 1992, “Imagem é tudo”.
Agassi
pode ter feito propaganda da Canon na época, mas ele é antes de tudo um membro
da equipe Nike, a empresa que foi a pioneira na filosofia empresarial de gastos
ilimitados em gestão de marca, acompanhados de uma espoliação quase completa
dos trabalhadores terceirizados que produzem seus calçados em fábricas de áreas
remotas. Como afirmou Phil Knight, “Não há mais valor em produzir coisas. O
valor é agregado pela pesquisa cuidadosa, pela inovação e pelo marketing”.6
Para Phil Knight, a produção não é a base de seu império da marca, é, em vez
disso, uma tarefa tediosa e marginal.
E
por isso que muitas empresas estão agora afastando-se completamente da
produção. Em vez de fabricarem elas mesmas os produtos, em suas próprias
fábricas, as “exploram”, como as corporações nos setores de recursos naturais
exploram urânio, cobre ou madeira. Elas fecham as fábricas que já existem,
transferindo a produção para fábricas terceirizadas, principalmente no
exterior. E quando os velhos empregos voam para fora do país, algo mais está
voando com eles: a ideia obsoleta de que um fabricante é responsável por sua
própria força de trabalho. O porta- voz da Disney, Ken Green, deu uma indicação
da profundidade dessa mudança quando se mostrou publicamente frustrado com o
fato de sua empresa estar sendo criticada pelas condições desesperadoras em uma
fábrica haitiana que produz roupas Disney. “Não empregamos ninguém no Haiti”,
disse ele, referindo-se ao fato de que a fábrica é de propriedade de outra
empresa “Tem alguma ideia das condições de trabalho envolvidas na produção do
papel de jornal que você usa?”, perguntou Green a Cathy Majtenyi, do Catholic
Register.7
De
El Paso a Pequim, de San Francisco a Jacarta, de Munique a Tijuana as marcas
globais estão transferindo a responsabilidade pela produção a terceiros: elas
apenas dizem a eles para fazer essa porcaria, e que façam barato, assim sobra
muito dinheiro para o branding. E que façam barato mesmo.”
2. “People Buy Products Not Brands”, de Peter Shweitzer
(J. Walter Thompson White Paper Series, sem data).
3. “Big Brand Firms Know the Name Is Everything”, Irish
Times, 27 de fevereiro de 1998.
4. Ortega, In Sam We Trust,
342.
5. “Trade and Development Report, 1997”, conferência
das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento Econômico.
6. Katz, Just Do It, 204.
7. Cathy Majtenyi, “Were Disney Dogs Treated Better
Than Workers?”, Catholic Register, 23-30 de dezembro de 1996, 9.
“Independente de onde as ZPEs estejam localizadas, as histórias dos
trabalhadores têm uma certa uniformidade mesmerizante: o dia de trabalho é
longo – 14 horas no Sri Lanka, 12 horas na Indonésia, 16 no sul da China, 12
nas Filipinas. A grande maioria dos trabalhadores é composta de mulheres,
sempre jovens sempre trabalhando para contratados ou subcontratados da Coréia,
de Taiwan ou de Hong Kong. Os contratados em geral atendem a pedidos de
empresas sediadas nos Estados Unidos, na Grã-Bretanha, no Japão, na Alemanha ou
no Canadá. O gerenciamento tem estilo militar, os supervisores cometem abusos,
os salários ficam abaixo do nível de subsistência e o trabalho exige pouca habilidade
e é tedioso. Como modelo econômico, as zonas de processamento de exportação de
hoje têm muito mais em comum com as franquias de fast-food do que com o
desenvolvimento sustentável, tão afastadas são elas dos países que as hospedam.
Esses bolsões de indústria pura ocultam-se por trás de uma capa de
transitoriedade: os contratos vêm e vão quase sem aviso; os trabalhadores são
predominantemente migrantes, distantes de casa e com pouca conexão com a cidade
ou província onde as zonas estão localizadas; o próprio trabalho é de caráter
precário, com frequência sem renovação de contrato.”