Este blog destina-se a dividir com os companheiros de estrada as impressões e alguns belos trechos deste fantástico universo que é a literatura.

sexta-feira, 29 de julho de 2011
Um homem por inteiro – Tom Wolfe
sábado, 9 de julho de 2011
Palestina: na Faixa de Gaza* – Joe Sacco
quarta-feira, 6 de julho de 2011
Viagens com o presidente: dois repórteres no encalço de Lula do Planalto ao exterior – Leonencio Nossa e Eduardo Scolese
“A presença tão próxima dos militares (da segurança presidencial) causou preocupações especialmente à primeira-dama. Dona Marisa, que durante a ditadura viu o marido ser preso pelos militares, ficou preocupada se os filhos iriam aceitar a nova situação, com menos liberdade e mais vigilância. Ela estava em Brasília, nos primeiros dias de governo, quando foi informada de que um grupo de militares iria subir ao apartamento da família, em São Bernardo do Campo, para conversar com os filhos sobre o trabalho de segurança.
“O comportamento do presidente de exigir sempre objetividade, sem dar muita importância à política, causa estranheza em profissionais graduados das Forças Armadas e do Itamaraty.
“Nas viagens, ao ver um antigo militante na plateia, Lula faz questão de convidá-lo a se aproximar. Isso causa confusão. Jornalistas e seguranças também têm de acompanhá-lo. Assessores o aconselham a evitar esse tipo de contato. E a resposta do presidente é sempre a mesma:
“Lula teve dificuldades de chegar a Agra, cidade onde está o Taj Mahal. É que a neblina atrasou em mais de uma hora a decolagem do avião presidencial em Nova Déli.
“Tanto Fernando Henrique quanto Lula são admirados de forma intensa pelos seguranças, que apontam pontos positivos nos comportamentos dos dois presidentes. Os seguranças lembram que o tucano segurava a raiva e nunca explodia com os bajuladores, preferindo resolver os problemas com classe e ironia fina. Ele pensava e calculava gestos e atitudes. Usava a emoção de forma inteligente. Homens de visões estratégicas caem fácil no gosto dos militares. Lula, dizem, merece elogios por deixar claro que não tolera puxa-sacos e não é dessas pessoas com chances de morrer de infarte por engolir sapos.
“Fora dos holofotes, porém, Lula nunca escondeu o incômodo ao ver um de seus assessores com fome. Num jantar com o secretário-geral da ONU, Kofi Annan, na cidade suíça de Lausanne, em maio do primeiro ano de mandato, ele percebeu que o intérprete Sérgio Ferreira estava faminto e cansado. Sentado enquanto ouvia um discurso, o presidente pegou um prato com pães e aproveitou enquanto as câmeras apontavam em outra direção para cortar os pães em pedacinhos, passar manteiga e, discretamente, entregar o prato ao intérprete, que desde cedo traduzia conversas e declarações.
Lula, dizem amigos, não está preocupado se a pessoa está cansada. O que o aflige é ver os outros passando fome.”
“Enquanto assessores e ministros insistem no tom professoral em discursos e audiências, Lula se comporta, nos momentos mais privados, com a mesma descontração dos tempos de sindicato. Numa audiência do gabinete concedida a amigos do ABC, em maio do primeiro ano de governo, ele brincou com os visitantes. Lembrou de histórias e se divertiu. Manuel Anísio Gomes, sindicalista que articulou a visita dos metalúrgicos que queriam anistia por terem sido demitidos nos anos da repressão, contou depois aos jornalistas detalhes do encontro:
– Foi ótimo, muito bom. Ele estava tão descontraído que beliscou a bunda do pessoal.
“– Senhoras e senhores, atenção. Daqui a pouco nós estaremos chegando. O problema é que ninguém sabe aonde exatamente.” (Lula, do serviço de alto-falantes da cabine de comando do avião presidencial, em janeiro de 2004, no céu da Europa, brincando pelo fato de talvez não poderem pousar no país desejado – Suíça – devido às condições climáticas e terem três países como alternativa).
“No final do primeiro mandato de governo, Lula usaria as reportagens de sua visita ao Museu do Cairo, no Egito, para se afastar ainda mais da imprensa e organizar visitas fechadas a palácios e museus. O presidente ficou irritado ao ler que seus comentários e os de sua mulher sobre tumbas e peças antigas do museu haviam ganhado destaque dos jornais brasileiros.
“O governo petista, vale ressaltar, representa um período de liberdade para os jornalistas. Ao contrário dos tempos tucanos, por exemplo, repórteres não têm o temor de, mais cedo ou mais tarde, terem suas cabeças pedidas pelo governo à direção dos veículos de comunicação. Essa liberdade momentânea se explica por conta da relação do governo Lula com repórteres, editores, colunistas, diretores e patrões da mídia. Todos são tratados da mesma forma, sem que um ou outro jornalista ou veículo tenha direito a privilégios descarados de informações. Todos são nivelados por baixo.
“Ao longo dos anos 1980 e 1990, como líder petista, Lula construiu uma aliança forte e muito próxima com entidades sindicais e movimentos sociais. Com a estrutura do partido nas mãos, atuava como uma espécie de representante de honra dessas entidades em marchas e manifestações pelo país. Por isso, mesmo depois de chegar à presidência da República, não escondia de ninguém a satisfação que tinha de participar de eventos ao lado desses antigos “companheiros” políticos.
segunda-feira, 4 de julho de 2011
Lobisomens – Sabine Baring-Gould
Editora: Leitura
ISBN: 978-85-7358-964-1
Tradução: Caroline Frurukawa
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 176
Sinopse: A lenda dos lobisomens atravessou séculos e
ainda é muito presente no imaginário de crianças, adolescentes e adultos. O
estudioso inglês Sabine Baring-Gould apresenta na publicação Lobisomens, com tradução de Caroline Frurukawa, lendas
de metamorfoses famosas e o fenômeno da licantropia. Ele mostra que os
lobisomens realmente existem e tem sede de sangue e carne humana.
“O que é
licantropia? A transformação de um homem ou uma mulher em lobo, tanto por meios
mágicos – para que a pessoa possa satisfazer o apetite por carne humana – ou
por castigo imposto pelos deuses em punição a uma grande ofensa.
Essa é a definição
popular. Na verdade, a licantropia consiste em uma forma de loucura, como
aquela encontrada na maioria dos hospícios.”
“Toda a superestrutura
da fábula e do romance relativo à transformação em animais selvagens reside
simplesmente sobre esta base de verdade: que entre as nações escandinavas
existiu uma forma de loucura ou possessão, sob a influência da qual homens
agiram como se fossem transformados em brutos selvagens, uivando, espumando
pela boca, sedentos de sangue e matança, prontos para cometer qualquer ato de
atrocidade, e tão irresponsáveis por suas ações quanto lobos e ursos, com cujas
peles eles geralmente se vestiam. (...)
Pode-se aceitar
como axioma que nenhuma superstição de aceitação geral está destituída de uma
base verdadeira; e, se nós descobrirmos o mito de um lobisomem sendo
disseminado amplamente, não apenas por toda a Europa, mas por todo o mundo,
devemos ter certeza de que há um núcleo sólido factual, rodeado por superstição
popular que se cristalizou; e que o fato é a existência de uma espécie de
loucura, uma crise na qual as pessoas afetadas acreditam ser um animal selvagem
e agem como ele.”
“Na dissertação de
Muller (1736), cuja fonte foi Cluverius e Danhaverus, (Acad. Homilet. p.
ii.), tivemos conhecimento de que um certo Albertus Pericofcius em
Moscou tinha o hábito de tiranizar e fustigar seus súditos das formas mais
inescrupulosas. Uma noite, quando ele estava fora de casa, todo seu rebanho de
gado, adquirido por meio de extorsão, pereceu. Quando voltou para casa foi
informado a respeito da perda, e o perverso homem desferiu as mais horríveis
blasfêmias, exclamando: “Permita que aquele que matou coma; e se Deus conceder,
que ele também possa me devorar.”
Assim que ele
falou, gotas de sangue caíram no chão, e o nobre se transformou em um cão
selvagem, correu até seu gado morto, destroçou e dilacerou as carcaças e
começou a devorá-las; e não parou até que chegasse o seu fim (ac forsan
hodie que pascitur). Sua esposa, então próxima à sua reclusão, morreu de
medo. Dessas circunstâncias não há apenas relatos, mas também testemunhas. (Non
ab auritis tantum, sed et ocidatis accepi, quod narro).”
“Os esportistas e
pescadores seguem um instinto natural de destruição quando atiram em um pássaro
ou outro animal, ou fisgam um peixe: a pretensão de que a presa seja caçada
para colocá-la à mesa não pode ser feita com justiça, pois o esportista se
preocupa pouco com o jogo que ganhou, desde que tenha a presa em mãos. O motivo
para a feroz perseguição de um pássaro ou animal certamente é outro: o desejo
ardente de se extinguir a vida que existe em sua alma. Por que uma criança
impulsivamente bate em uma borboleta assim que ela passa voando? Ela não se
importa com o inseto ao esmagá-lo com os pés, a menos que esteja agonizando, o
que ela observa com grande interesse. A criança bate na criatura voando porque
a borboleta tem vida, e ela tem um instinto que a impele a destruir a vida
assim que a encontra.
Pais e enfermeiras
sabem bem que as crianças por natureza são cruéis, e que a humanidade tem de
ser adquirida pela educação. Uma criança exulta com maldade os sofrimentos de
um animal ferido até que sua mãe lhe peça: “deixe-o em paz, tenha compaixão”.
Uma criança inocente nem pensaria em pôr fim à agonia da criatura abruptamente,
como se saboreasse um bombom inteiro antes de engoli-lo. A crueldade inerente
pode ser obscurecida por impressões posteriores ou pode ser mantida sob repressão
moral; a pessoa que é inerentemente um “Nero”, não consegue reconhecer a sua
própria natureza, até que algum dia, por acidente, o ímpeto se torne dominante
e arrebate tudo diante de si. Um relaxamento da posição moral, um choque do
intelecto controlador ou uma condição anormal do corpo são suficientes para
permitir que o ímpeto se afirme.”
“Vi uma jovem
realizada, de considerável refinamento e de um temperamento extremamente
nervoso, enfiar moscas com a agulha em um pedaço de linha e assistir com complacência
o bater de asas agonizante. A crueldade pode permanecer latente até que, por
algum acidente, ela apareça: então, irromperá em uma chama devastadora. O
ímpeto do amor e do ódio é semelhante ao que ocorre com a sede por sangue; nós
não fazemos ideia da intensidade com que eles podem surgir até que as
circunstâncias ocorram. Amor ou ódio serão dominantes em um peito que esteve
sereno até agora, pois quando a fagulha surge repentinamente, a paixão se
acende, e a serenidade de um peito quieto é destruída para sempre. Uma palavra,
um olhar, um toque são suficientes para atear fogo ao paiol da paixão no
coração e desolar para sempre uma existência. É o mesmo que acontece com a sede
por sangue. Ela pode espreitar nas profundezas do coração de alguém muito
querido para nós. Pode queimar no seio daquele que é muito importante, e nós
podemos ser perfeitamente inconscientes da sua existência. Talvez as
circunstâncias não propiciem seu surgimento; talvez o princípio moral possa
tê-la abatido com grilhões que jamais conseguirá arrebentar.”
“A mitologia
popular na maioria das culturas considera a alma oprimida pelo corpo, e sua
libertação é uma libertação do “fardo” da carne. Se a alma é capaz de agir ou
expressar-se completamente sem um corpo, assim como o fogo existe sem o aparato
da caldeira a vapor ou da maquinaria, é uma questão que ainda não foi aceita
pela mente popular. Somente a religião cristã dá o mesmo valor ao corpo e à
alma, e dando uma esperança de enobrecimento e ressurreição nunca sonhado em qualquer
outro sistema mitológico.
Mas o credo
popular, em vez do testemunho mais enfático das Escrituras, é de que a alma
está sujeita há tanto tempo, que se uniu ao corpo, uma crença inteiramente de
acordo com o Budismo.”