Editora: Companhia das Letras
Opinião: ★★★☆☆
ISBN: 978-85-359-3298-0
Páginas: 384
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Sinopse: Com mais
de 10 mil templos, distribuídos em todos os estados e em quase cem países, a
Igreja Universal do Reino de Deus é um gigante neopentecostal. Da réplica do
Templo de Salomão, Edir Macedo dirige sua igreja com autoridade inconteste,
cortejado por líderes de todas as cores ideológicas. Nesse sentido, a recente
unção de Jair Bolsonaro como paladino da fé cristã ― celebrada pessoalmente por
Macedo ― demonstra um projeto de poder iniciado há mais de quarenta anos na
primeira sede da Universal, o prédio de uma antiga funerária no subúrbio do Rio
de Janeiro.
Neste minucioso e inédito trabalho de apuração
jornalística, Gilberto Nascimento traça a história completa da IURD, de seu
fundador e de sua vertiginosa expansão. Indispensável para compreender o Brasil
de hoje, O reino examina os mecanismos internos da igreja e suas estratégias
para arrebatar ― e manter ― fiéis, e explica como o bispo se tornou uma
celebridade midiática, autor de best-sellers e empresário de sucesso, imune a
todas as polêmicas em torno de seu império religioso.
“Por pouco o bebê Edir não teve o mesmo destino de outras 26 gestações
das 33 que teve dona Geninha. Nascida e criada no vilarejo do Abarracamento,4
ao longo da vida Eugênia Macedo Bezerra sofreu dezesseis abortos espontâneos e
ainda perdeu mais dez filhos prematuramente. Sete sobreviveram: Eris, Elcy,
Eraldo, Edir, Celso, Edna e Magdalena. A família não tinha acesso a
equipamentos de saúde, assim como a população de Rio das Flores — no ano em que
Edir Macedo nasceu, não havia posto de saúde no vilarejo; o mais próximo estava
na vizinha Valença, maior cidade da
região. Uma das razões da sobrevivência do bebê foram as habilidades
obstetrícias da avó materna, Clementina Iório da Silva Macedo, parteira famosa
no Vale, ela também campeã de fertilidade: deu à luz 28 filhos, dezessete
homens e onze mulheres.5 O marido, Eugênio Jacinto de Macedo, ainda
tinha três filhos de outros relacionamentos.6
Já
aos dois anos o pequeno Edir assombrava a família. A irmã mais velha estremecia
ao ver o irmão brincar com uma figura imaginária, supostamente uma menina. O
garotinho falava, ria e se divertia — entretinha-se com um anjo, supunham os
familiares. Anos depois Eris mudaria de opinião: o demônio é que estaria ao
lado dele.7 Outro episódio que a apavorou foi quando, sozinha com o
bebê, ela viu uma serpente cobra-cipó se esgueirando entre as cobertas do
berço. Familiares e vizinhos acorreram com foices e enxadas e mataram o réptil.
Edir
era um garoto tímido, brincava pouco.8 Uma característica fazia dele
alvo de chacota das outras crianças. Didi, como era chamado, nascera com uma
atrofia nos dedos: indicadores finos como lápis e polegares anormalmente
maiores,9 com mobilidade reduzida. Herança da avó paterna, que tinha
três dedos em cada mão.
Hoje
o primo Moacyr Marins Macedo faz troça do defeito de nascença do parente mais
famoso: “Aquele dedo fino é bom para contar dinheiro”.10 ”
4.
Douglas Tavolaro, O bispo, op. cit., p. 56.
5. Na
época, as famílias eram bastante numerosas: cada mulher brasileira tinha em
média 6,2 filhos.
6.
Entrevista de Amarílio Macedo a Chico Silva, para a produção deste livro.
7.
Informação de Eris Crivella em material de arquivo para a produção de trabalho
jornalístico sobre os sessenta anos da TV Record.
8.
Douglas Tavolaro, O bispo, op. cit., p. 59.
9.
Ibid.
10.
Entrevista de Moacyr Marins Macedo ao repórter Chico Silva, em 28 jan. 2018.
“Logo cedo Edir desenvolveu uma característica peculiar, observada pelo
tio Amarílio Macedo, irmão de dona Geninha, conhecido como Missô (corruptela de
meu senhor): “Sempre que ia comer alguma coisa, se escondia. Não gostava de
dividir nada com ninguém. Era muito desconfiado. E esperto também”,25
disse, lúcido aos 94 anos. O sobrinho, acostumado a observar a lida do pai no
armazém, tinha com o dinheiro a mesma relação que tinha com a comida. Tirava
escondido do bolso, para ninguém ver, pequenas quantias que ganhava dos
familiares.”
25.
Relato do ex-pastor da Igreja Universal Carlos Magno de Miranda na reportagem
“‘Tenho medo dele’, diz o ex-seguidor”, Kássia Caldeira, Jornal da Tarde,
2 abr. 1991.
“Na TV, o bombardeio diminuía após o fim da guerra santa e o “acordo de
paz” entre a Globo e a Record, em 1996. Mas na mídia impressa, principalmente,
repercutia o andamento dos inúmeros processos e inquéritos criminais movidos
contra a igreja e seus líderes, por acusações de envio ilegal de recursos ao
exterior, empréstimos para empresas de fachada e a utilização de fiéis como
laranjas na compra de emissoras de rádio e TV. Foram várias as denúncias-crime
encaminhadas à Justiça: lavagem de dinheiro, evasão de divisas, formação de
quadrilha, estelionato, falsidade ideológica, sonegação fiscal, crimes contra a
Fazenda Pública, crime contra a ordem tributária, charlatanismo, curandeirismo,
sequestro de bens, vilipêndio, incêndio criminoso, ataque a homossexuais, racismo,
incitação ao crime, preconceito religioso, calúnia e difamação. O próprio
Macedo, em sua biografia, listou essas acusações. Entre 1990 e 2007, foram instauradas
21 ações e inquéritos.1
Os
processos que mais causaram dor de cabeça se referiam à compra da Record e às
denúncias de lavagem de dinheiro, evasão de divisas, formação de quadrilha,
estelionato e falsidade ideológica. A maioria prescreveu ou foi arquivada por
falta de provas. Macedo não foi condenado em nenhum processo. A igreja possui
uma eficiente estrutura jurídica, com advogados renomados, para se contrapor às
acusações.
Entre
as ações mais importantes contra o bispo, a referente a lavagem de dinheiro e
outros delitos tramitou até setembro de 2019 na 2ª Vara Federal Criminal de São
Paulo, quando prescreveu.2 Eram acusados no processo Edir Macedo, o
bispo e ex-deputado federal João Batista Ramos da Silva, o ex-bispo Paulo
Roberto Gomes da Conceição e a executiva do grupo Universal Alba Maria da
Costa. Para o procurador federal Silvio Luís Martins de Oliveira, em sua
denúncia, Macedo e os outros três acusados haviam formado uma quadrilha para
lavar dinheiro da igreja.3 A pena máxima para o crime de lavagem é
dez anos e prescreve em dezesseis. Se o acusado é maior de setenta anos — o caso de Edir
Macedo —, a prescrição cai para a metade. A denúncia foi feita em 2011 e o
prazo para aplicação da pena, então, se esgotou. Caso o bispo pegasse a
condenação máxima, ainda estaria livre. Na avaliação do procurador, mesmo numa
ação que envolva cooperação internacional, “não é razoável” a Justiça levar
oito anos para dar a sentença. A ação estava pronta para ir a julgamento. “Nada
justifica, é demasiado, desproporcional”, afirmou.4”
1.
Douglas Tavolaro, O bispo, op. cit., p. 204.
2.
Denúncia do procurador federal Silvio Luís Martins de Oliveira, oferecida à 2a
Vara Criminal Federal de São Paulo, 1 set. 2011.
3.
Ibid.; “MPF/SP denuncia Edir Macedo e mais três por lavagem de dinheiro e
evasão de divisas”, Ministério Público Federal/SP Notícias, 12 set. 2011.
4.
Entrevista do procurador Silvio Luís Martins de Oliveira ao autor, em 29 ago.
2019; Flávio Ferreira, “Justiça deixa prescrever ação contra Edir Macedo pronta
para julgamento”, Folha de S.Paulo, 19 out. 2019.
“As doações recebidas atingem cifras milionárias. Entre 2003 e 2006, a
Universal declarou ter recebido cerca de 5 bilhões de reais em doações (10
bilhões de reais, em valores corrigidos). O valor, no entanto, pode ser muito
maior. Apesar de ter imunidade tributária, a Universal só declara parte do que
arrecada, afirmou o MPF.10 Na denúncia, são citadas as declarações
do ex-dirigente da igreja e ex-vereador do Rio Waldir Abrão, de que apenas 10%
dos dízimos e doações recolhidos eram depositados na conta da igreja, enquanto
o restante seguia para doleiros que remetiam o dinheiro para o exterior.11
A
afirmação de Abrão encontrava respaldo em documentos reunidos nos autos,
segundo o procurador Oliveira. Foi para enviar o dinheiro ao exterior que a
igreja criou, entre setembro de 1991 e agosto de 1992, as duas já citadas
offshores Investholding Ltd. e Cableinvest Ltd. “Os dólares vendidos pelas
empresas Investholding Ltd. e Cableinvest Ltd. transformaram-se em recursos
emprestados, ao menos formalmente, às pessoas que desempenhariam o papel de
laranjas da Igreja Universal do Reino de Deus nas aquisições de participações
societárias em empresas de radiodifusão e telecomunicação.” Para tanto, a
igreja valeu-se de dezenas de contratos de mútuos (empréstimos), firmados entre
as empresas offshore, na condição de mutuantes, e pessoas ligadas à Universal,
denunciou Silvio Oliveira.12 Constavam como acionistas da
Investholding, em documentos apresentados pela Procuradoria-Geral da República,
o sobrinho de Edir Macedo e atual prefeito do Rio de Janeiro, Marcelo Crivella,
e Álvaro Stievano Júnior, contador e ex-diretor do Banco de Crédito
Metropolitano, instituição financeira vinculada à igreja. De acordo com essa
documentação, Crivella e Stievano — ex-secretário municipal de Esportes de São
Paulo na gestão de Paulo Maluf — outorgavam poderes a dois estrangeiros para
representá-los no exterior em reuniões de diretoria, com direito a voto em
assuntos predefinidos.13 Em um ofício atribuído à Cableinvest,
Crivella também autorizara um executivo do grupo Universal a operar uma conta
aberta no Union Chelsea National Bank.14
Desde
1999, seguia na Polícia Federal do Rio um inquérito para apurar suspeitas de
crimes contra o sistema financeiro nacional e evasão de divisas. Eram citados
Crivella e outros oito integrantes da Universal. Senador, em 2003, o sobrinho
do bispo tinha foro privilegiado e, por isso, o caso foi encaminhado ao STF.
Apurava-se naquele momento a entrada de 18 milhões de dólares no Brasil, via
Uruguai, para a compra da TV Record do Rio e emissoras de rádio. O dinheiro
vinha das duas offshores.
Em
2003, a Procuradoria-Geral da República informava não ter dúvida sobre a
participação de Crivella nas empresas de paraísos fiscais. “Está documentalmente
demonstrado que Marcelo Bezerra Crivella dirigia a Investholding Ltda., firma
que operava nas Ilhas Cayman. Nos autos, outrossim, [há] manifestação escrita
de Marcelo Crivella, como proprietário beneficiário — beneficial owner —
da Cableinvest Ltd., firma que operava em outro paraíso fiscal — Jersey —, mas
que foi dissolvida em 11 de outubro de 1999”, atestou o então procurador-geral
Claudio Fonteles.15
Três
anos depois, o novo titular da Procuradoria, Antonio Fernando de Souza, livrou
Crivella da acusação. Deu outro rumo ao inquérito e pediu o arquivamento.16
O ministro do STF Ricardo Lewandowski também julgou não haver provas
documentais ou testemunhais de que os investigados tenham remetido ou recebido
18 milhões de dólares das duas offshores, via Uruguai. E acolheu a manifestação
do procurador. Determinou, no entanto, que fossem enviadas cópias de partes do
inquérito à Procuradoria da República no Rio de Janeiro para apurar a
ocorrência de crimes ou improbidade administrativa dos envolvidos.17
No final, o processo somou sete volumes, 656 folhas e oito apensos. O primeiro
relator foi o ministro Carlos Velloso, que conduziu toda a tramitação até a
penúltima decisão. Com sua aposentadoria, em 2006, o caso foi assumido por
Lewandowski, dois meses depois de tomar posse no tribunal.
Crivella sempre negou
envolvimento com empresas em paraísos fiscais. “Eu nunca fui sócio de empresas
em paraísos fiscais. […] Eu nunca tive participação nessas empresas que vocês
falaram. […] Tudo que foi publicado é uma mentira deslavada e covarde”,
garantia. O bispo alegava que os documentos exibidos em cópias xerox eram
falsos. “Nenhum tribunal aceita.” Segundo ele, as revelações sobre sua
participação nas offshores teriam partido de “uma denúncia apócrifa registrada
em 1993, na Folha de S. Paulo, e que tramitou durante anos em processo
no STF e foi arquivada”. Crivella atribuía as denúncias ao fato de ter se
tornado candidato, um ano antes, em sua primeira tentativa de chegar à
prefeitura do Rio. “Em 1999, o [Geraldo] Brindeiro [então procurador-geral da
República] abriu um processo e mandou me ouvir. […] Depus, e pronto. Agora, no
ano passado, […] reabriu
o caso. Tudo coincidiu na época com minha candidatura”, reagiu. O sobrinho de
Macedo considera o caso encerrado.18
Uma
decisão do desembargador Antônio Carlos Viana Santos, do TJ de São Paulo,
considerando nulas as provas de movimentação bancária vindas dos Estados Unidos
numa investigação sobre a Igreja Universal, também favorecia Crivella. As
provas citadas eram justamente sobre as duas empresas criadas em paraísos
fiscais. Promotores americanos haviam informado ao Brasil que um dos sócios das
duas offshores era o sobrinho de Edir Macedo. Mas o representante do Ministério
Público que requisitara a prova deveria ter pedido autorização a um juiz
brasileiro, por se tratar de dados protegidos por sigilo bancário, no entender
do desembargador. Ainda que obtida por meio de cooperação internacional, a
prova documental de natureza bancária vinda dos Estados Unidos seria “imprestável”,
visto que não observava as formalidades da lei. O MP entendia que o acordo de
cooperação com os Estados Unidos dispensava o pedido de quebra de sigilo no
Brasil, pois promotores americanos podem determinar essa medida sem autorização
judicial.19 Como nos Estados Unidos não havia empecilhos para obter
a informação, a solicitação aqui não seria necessária, concluíram.
Apesar
dessa decisão da Justiça, o procurador federal Silvio Oliveira, em sua
denúncia, avaliou ser importante apontar o papel da Investholding e da
Cableinvest, para facilitar a compreensão e o encadeamento dos fatos. Ele
apontou também a casa de câmbio paulista Diskline como intermediadora de
remessas ilegais do Brasil para os Estados Unidos, entre 1993 e 2005. E
relacionou outras práticas semelhantes ocorridas entre os anos de 1991 e 1993
para explicar o mecanismo utilizado. Alertou, no entanto, que esses fatos,
vindos de outro processo da Justiça estadual de São Paulo, já estariam
prescritos. Sobretudo aqueles que envolviam operações internacionais e a
constituição de empresas offshore. Os delitos seriam “penalmente atípicos”, em
razão de a lei no 9613 (sobre crimes de lavagem ou ocultação de bens e valores)
ter entrado em vigor apenas em março de 1998. Assim, o procurador ofereceu denúncia
em relação aos eventos ocorridos a partir desse ano, e pediu o arquivamento dos
delitos registrados anteriormente.
Como
ocorria a transação financeira? Recapitulando: doleiros a serviço da igreja
converteriam em dólar o dinheiro arrecadado e o depositariam em contas
bancárias das duas offshores em Miami, Nova York e Montevidéu. Em seguida,
esses recursos eram reconvertidos em moeda nacional. Milionárias transações de
vendas de dólares em contas dessas empresas eram feitas no Uruguai. Os dólares
da Investholding e da Cableinvest transformavam-se em valores emprestados, ao
menos formalmente, a bispos, pastores e fiéis no papel de laranjas, para
formalizar participações em emissoras de rádio e TV. Para tanto, a igreja
valia-se dos contratos de mútuos entre as offshores e representantes da
Universal. 20
Em
1992, a Investholding “emprestou” aos laranjas 13 bilhões de cruzeiros (cerca
de 8 milhões de reais atuais), enquanto a Cableinvest desovou 18,5 bilhões de
cruzeiros (11,3 milhões de reais), segundo a denúncia. O dinheiro dos
empréstimos nem chegaria às mãos dos supostos representantes. Vinha em cheques,
utilizados diretamente na compra de emissoras.
“Assim
foi que valores doados por fiéis da Igreja Universal do Reino de Deus, em sua
maioria pessoas humildes e de escassos recursos financeiros, sofreram uma
espúria engenharia financeira para, ao final, se converterem em participações
societárias de integrantes da IURD em empresas de radiodifusão e
telecomunicações”, constatou o Ministério Público Federal. “Certamente um
destino totalmente ignorado pelos crentes e pela Receita Federal, bem como
absolutamente incompatível com os objetivos de uma entidade que se apresenta
como religiosa perante a sociedade e o Estado.” 21
Dessa
engenharia financeira faziam parte as empresas Cremo Empreendimentos e a
Unimetro Empreendimentos, ambas com sede na rua São Carlos do Pinhal, na região
da avenida Paulista. Mas nunca funcionaram de fato, eram empresas-fantasmas,
segundo apurou o Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado
(Gaeco), do MP de São Paulo, responsável pela condução do inquérito remetido à
Justiça Federal. O nome Unimetro era desconhecido até dos funcionários da
portaria. 22
Ao
menos no papel, ali funcionava um conglomerado financeiro. O concorrido prédio
também era o endereço do Banco de Crédito Metropolitano — o banco do bispo,
depois transformado na Credinvest Facility —, e da Abundante Corretora, cuja lista de
clientes era encabeçada pela Igreja Universal. Empresas de comunicação do grupo
religioso integravam o conglomerado.
Líderes
influentes da instituição religiosa compunham a direção da Cremo. Entre eles, o
bispo João Batista Ramos da Silva e dois colegas, João Luiz Leite e Paulo
Roberto Conceição. Ramos da Silva e Leite também apareciam nos quadros da
Unimetro, ao lado de outros dirigentes e acionistas como os bispos Honorilton
Gonçalves, Jerônimo Alves, Valdeir Moraes da Silva, Péricles dos Santos, Renato
Maduro (já falecido) e os hoje dissidentes Marcelo Pires e Alfredo Paulo Filho.23
Flagrado num caso de infidelidade conjugal, Leite foi afastado do conselho de
bispos em fevereiro de 2018. Era o responsável pela igreja em Angola.24
Também
desligado da igreja por acusação de adultério, o ex-líder em Portugal Alfredo
Paulo é atualmente a principal nêmese de Edir Macedo. Nos últimos anos, passou
a disparar denúncias diárias contra a igreja nas redes sociais. Suas postagens,
contestadas pela Igreja, têm atraído milhares de seguidores.
O
ex-bispo Marcelo Pires questionou a estratégia da Universal de colocar empresas
de comunicação em nome de religiosos. Duas emissoras pertencentes à igreja, as
TVs Vale do Itajaí e Xanxerê, de Santa Catarina, estavam em seu nome. Segundo
ex-colegas, Pires saiu da instituição mas decidiu não devolvê-las. Não só
desafiou Macedo como o acusou de fraudar uma procuração para retirar de seu
controle os dois veículos de comunicação. Uma pessoa se apresentou como
procurador de Pires e solicitou um depósito no valor correspondente das ações
para uma conta da empresa Cremo Empreendimentos, a título de amortização de
empréstimo anteriormente contraído. Pires atribuiu toda a operação “a uma
simulação destinada a ocultar a aquisição da TV Xanxerê pela IURD”, afirmou o
procurador Silvio Oliveira. Atualmente na concorrente Igreja Mundial do Poder
de Deus, Pires moveu uma ação para anular a transferência de suas cotas ao
colega Honorilton Gonçalves.25
A
Universal costumava recolher assinaturas de bispos e pastores em folhas em
branco. Quando a cúpula decidia alterar a participação societária de alguma
empresa, esses documentos eram preenchidos. A história se repetiu com Pires. O
procurador Oliveira, ao citar o caso, denunciou a ocultação de bens pelos verdadeiros
proprietários.26
Um
dirigente da Record assumiu essa prática publicamente, em 1999. “No momento em
que o pastor ou o bispo se torna acionista de uma emissora, [ele] assina um
outro contrato, com a data em branco, transferindo suas cotas. Se ele morrer,
ou se abandonar a igreja, ponho uma data anterior […] e transfiro as cotas para
outro líder da igreja”, revelou o então superintendente da emissora Dermeval
Gonçalves.27
O
ex-deputado Laprovita Vieira confirmava que os bens em nome de bispos e
pastores pertenciam, na verdade, à Universal. Então sócio da TV Record de Minas
e da financeira Credinvest, Laprovita nem sabia informar em quais e quantas
empresas ele aparecia como proprietário ou sócio. “Eles [administradores da
igreja] preparam meu imposto de renda em São Paulo e eu só assino. Não esquento
minha cabeça com nada. Tem coisa em meu nome que eu nem sei”, revelou.28
Marcelo Pires, ao assinar o documento dando plenos poderes a Macedo para
transferir as ações, deixou em branco o espaço reservado ao nome da empresa.
Assim, em 2002, Macedo preencheu a procuração com o nome das empresas TV Vale
do Itajaí, Televisão Xanxerê e Rede Fênix. O documento foi utilizado na
transferência da TV Vale do Itajaí para Honorilton Gonçalves e apresentado na
alteração da composição societária da emissora junto ao Ministério das
Comunicações. As investigações reiteraram que essa prática era comum no grupo,
afirmou o procurador Marcelo da Mota. Um dos indícios que comprovariam o
preenchimento posterior do documento, de acordo com o representante do
Ministério Público, era a inclusão da TV Xanxerê, criada com esse nome apenas
em 1998. Pires assinara a procuração dois anos antes.29
Em
2013, Macedo acabou absolvido dessa acusação de falsidade ideológica no
Tribunal Regional Federal da 4o Região, em Porto Alegre. Segundo seu advogado,
Arthur Lavigne, não houve delito porque a procuração fora feita seis anos antes
justamente porque a intenção era de que a TV, no futuro, ficasse com o próprio
bispo Macedo. Em 2017, o TRF-4 atendeu ao recurso do Ministério Público,
contestou a absolvição de Macedo e mandou de volta o processo à Justiça Federal,
em primeira instância.30 Pires, por outro lado, manteve suas cotas
das TVs Xanxerê e Vale do Itajaí, conforme sua declaração de renda de 2016.31
Atualmente, empresas da Universal têm se tornado sócias umas das outras
justamente para dificultar a perda de controle do grupo. Em casos de rompimento
e saída de algum bispo ou pastor sócio, o queixoso poderia pleitear, no máximo,
uma participação da empresa, mas não assumir o seu controle, como ocorreu com
Pires.
Bispo
influente à frente de negócios do grupo, João Batista Ramos da Silva passou por
momentos complicados. Não era pouca coisa: foi diretor-presidente da Record,
deputado federal, dirigente da Cremo e acionista da Unimetro. Mas como seu
xará, o pregador judeu João Batista — o primo de Jesus preso e decapitado a
mando de Herodes, o rei da Judeia —, ele viveu seu infortúnio. João Batista viu
seu poder desmoronar em julho de 2005, no exercício de seu mandato parlamentar,
depois de ser flagrado com sete malas cheias de dinheiro. Ele estava em
Brasília, se preparando para decolar rumo a São Paulo, a bordo de um jato
executivo — um Cessna 525 Citation.
Foi detido e obrigado a dar explicações à polícia; respondeu a um inquérito
conduzido pela 6o Vara Criminal Federal de São Paulo, juntado depois ao mesmo
processo sobre lavagem de dinheiro e evasão de divisas, que prescreveu em 2019.32
João
Batista carregava 10,2 milhões de reais em espécie. Nem o próprio parlamentar
sabia quanto transportava. Era tanto dinheiro que foram necessárias dez horas
para contá-lo, com o auxílio de cinco máquinas emprestadas pelo Banco do
Brasil.33 O deputado bispo disse que o dinheiro fora arrecadado na
campanha da Fogueira Santa, em templos do Amazonas e Pará. No momento da
apreensão, ele fazia uma escala, ao retornar de Manaus rumo a São Paulo. Causou
estranheza a quantidade de notas de cem e de cinquenta apreendidas. A maioria
dos fiéis da Universal não costuma doar quantias altas nem carregar cédulas
nesses valores.
O
bispo deu uma justificativa que não convenceu o delegado da PF David Sérvulo
Campos: ele alegou que os bancos não tiveram interesse em receber um depósito
que seria transferido para São Paulo.34 O argumento não colou, entre
outros motivos, porque havia notas com numeração sequencial, o que significava
que ao menos parte da quantia saíra de uma instituição bancária. Não seriam
ofertas, portanto.35
As
explicações não convenceram nem o PFL, o partido político do deputado, e ele
acabou expulso da legenda. Um ano depois, ele se envolveria em outro episódio:
o esquema de venda superfaturada de ambulâncias — o escândalo dos sanguessugas.
Foi indiciado pela Polícia Federal e desistiu de disputar a reeleição.
Terminado seu mandato, passou um bom tempo no ostracismo. Reapareceu em 2012,
eleito vereador em São Bernardo do Campo, na Grande São Paulo. Atualmente no
Republicanos (o ex-PRB), está no segundo mandato.”
9.
Denúncia do procurador federal Silvio Luís Martins de Oliveira, oferecida à 2a
Vara Criminal Federal de São Paulo, 1 set. 2011.
10.
Ibid.
11.
Ibid.; Tribunal Regional Federal da 3a Região — Apelação criminal
00075066920124036181 — Inteiro teor — relator desembargador André Nekatschalow,
publicado em 11 nov. 2014, e declaração de Waldir Abrão registrada no Cartório
do 14o Tabelião de Notas de São Paulo, em 18 nov. 2009.
12.
Denúncia do procurador federal Silvio Luís Martins de Oliveira, oferecida à 2a
Vara Criminal Federal de São Paulo, 1 set. 2011.
13.
Ibid.
14.
Ibid.; e Tribunal Regional Federal da 3a Região — Apelação criminal
00075066920124036181 — Inteiro teor — relator desembargador André Nekatschalow,
publicado em 11 nov. 2014; relatório de análise da Procuradoria da República do
Distrito Federal sobre movimentações financeiras identificadas nas bases de
dados do chamado “Caso Banestado”, relacionadas a parlamentares integrantes da
Igreja Universal do Reino de Deus: Marcelo Crivella (então senador do PL-RJ), e
deputado João Batista Ramos da Silva (então PFL-SP), em 15 jul. 2005.
15.
Manifestação do então procurador-geral da República, Claudio Fonteles, em
inquérito remetido ao STF para apurar a responsabilidade penal dos diretores
das empresas Investholding e Cableinvest, em 4 maio 2004; relatório de análise
da Procuradoria da República do Distrito Federal sobre movimentações
financeiras identificadas nas bases de dados do chamado “Caso Banestado”,
relacionadas a parlamentares integrantes da Igreja Universal do Reino de Deus:
Marcelo Crivella (então senador do PL-RJ), e deputado João Batista Ramos da
Silva (então PFL-SP), em 15 jul. 2005; Elvira Lobato, “Record tem firmas em
paraísos fiscais”, op. cit.; “Sobrinho de Macedo seria controlador de empresa”,
op. cit.; “Fonteles pede a quebra de sigilo da Igreja Universal”, Folha de
S.Paulo, 13 maio 2005; e Gilberto Nascimento, “As contas secretas da Igreja
Universal”, IstoÉ, 25 maio 2005.
16.
Rubens Valente, “Polícia liga Universal a doleiros do Banestado”, Folha de
S.Paulo, 21 set. 2009.
17.
Portal do Supremo Tribunal Federal, Inquérito 1903, São Paulo. Disponível em:
<portal.stf.jus.br/processos>.
18.
Gilberto Nascimento e Eduardo Hollanda, “Ministério Público unifica
investigação” e “É tudo mentira”, IstoÉ, 1 jun. 2005; Rubens Valente, “Para
Crivella, assunto está ‘vencido’”, Folha de S.Paulo, 21 set. 2009.
19.
Mario Cesar Carvalho, “Justiça anula provas contra Igreja Universal”, Folha
de S.Paulo, 25 ago. 2010.
20.
Denúncia do procurador federal Silvio Luís Martins de Oliveira, oferecida à 2a
Vara Criminal Federal de São Paulo, 1 set. 2011.
21.
Ibid.
22.
Ibid.
23.
Ibid.
24.
“Chefe da Igreja Universal afastado por adultério”, O País (Angola), 17
fev. 2018.
25.
Denúncia do procurador federal Silvio Luís Martins de Oliveira, oferecida à 2a
Vara Criminal Federal de São Paulo, 1 set. 2011; Adauri Antunes Barbosa, Flavio
Freire, Ricardo Galhardo e Soraya Aggege, “Empresas de fachada compraram TVs”, O
Globo, 11 ago. 2009.
26.
Denúncia do procurador federal Silvio Luís Martins de Oliveira, oferecida à 2a
Vara Criminal Federal de São Paulo, 1 set. 2011.
27.
Elvira Lobato, “Record pretende pressionar a Globo”, Folha de S.Paulo,
20 jul. 1999.
28.
Id., “Deputado nega ter feito negociação”, Folha de S.Paulo, 18 jul.
1999.
29.
Id., “Plano de Igreja Universal gera disputa judicial com ex-bispos”, Folha
de S.Paulo, 15 dez. 2007; Nelito Fernandes, “Novas suspeitas contra o
bispo”, Época, 4 jan. 2008.
30.
Reinaldo Azevedo, “Justiça manda prosseguir denúncia de crime contra Edir
Macedo”, Blog de Reinaldo Azevedo, Veja, 22 set. 2017.
31.
Wálter Nunes, “O bispo se complica”, Época, 15 fev. 2008; “Edir Macedo é
absolvido da acusação de falsidade ideológica em venda de TV em SC”, UOL, 26
nov. 2013; “Edir Macedo será julgado por falsidade ideológica em venda de TV em
SC”, O Estado, 26 nov. 2013; e Leticia Faria, “Bispo Macedo explica à Justiça
Federal compra da TV Record de Xanxerê”, Tudo sobre Xanxerê, 23 ago. 2013.
32. O
inquérito policial do caso João Batista tinha o número 2007.61.81.005723-9, em
trâmite inicialmente na 6a Vara Criminal Federal de São Paulo.
33.
Ronald Freitas, Ricardo Amorim e Matheus Machado, “No país do dinheiro vivo”, Época,
20 fev. 2009.
34.
Ibid.
35.
Ibid.
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