Editora: Civilização
Brasileira
ISBN: 978-85-200-0866-9
Opinião: ★★★★☆
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Páginas: 798
Sinopse: De Martí a Fidel – a Revolução Cubana e a
América Latina apresenta um panorama do processo revolucionário em Cuba
desde os anos 30. Nesta segunda edição, o cientista político Luiz Alberto Moniz
Bandeira acrescentou a análise de fatos ocorridos após 1998, data da primeira
edição, até o afastamento de Fidel Castro do poder, em 2008. Esta edição traz
ainda um encarte com fotos de época.
O autor destaca o papel de
países da América Latina, sobretudo Brasil e México, em episódios cruciais da
Revolução Cubana, como a Crise dos Mísseis, em 1962. A obra é uma referência
entre a literatura desta importante parte da história latino-americana, que
predominantemente é impregnada pela visão norte-americana.
Para conferir uma visão
brasileira sobre o tema, o autor pesquisou por dois anos a documentação
confidencial e secreta do Arquivo Histórico do Itamaraty entre os anos 50 e 60
e outros documentos de pessoas-chave na política internacional da época como
Francisco Clementino San Tiago Dantas, Ministro das Relações Exteriores do
Governo João Goulart. Durante a VIII Reunião dos Chanceleres Americanos, em
Punta del Leste, 1962, O ex-ministro exerceu um papel fundamental ao defender o
direito à autodeterminação de Cuba.
Moniz Bandeira contextualiza
a Revolução Cubana com os demais movimentos revolucionários da época, como o
peronismo na Argentina (1945-1956) e o regime reformista na Guatemala
(1944-1954), derrubado pela CIA. Segundo o autor, estas e outras revoluções
ocorridas na América Latina um pouco antes da cubana são fundamentais para
entender o episódio cubano.
O autor afirma que a
implantação do regime comunista nos moldes dos países do Leste Europeu não foi
reflexo de uma ação da antiga URSS, mas sim uma consequência da intolerância
dos EUA em relação às políticas públicas igualitárias implementadas na ilha,
como a reforma agrária. Moniz Bandeira conclui que a radicalização da revolução
cubana foi uma defesa do país em relação aos EUA.
“Os Estados Unidos já
não se podem apresentar como a grande democracia. Seus valores políticos e
morais foram golpeados pela revelação das torturas em Abu Ghraib e no campo de
concentração de Guantánamo. Seu poderio militar, quanto mais enorme, com uma
capacidade de destruir sem paralelo na história, mais se torna inútil, porque
não pode ser aplicado. Os resultados anulariam todas as vantagens econômicas e
políticas. Seriam inaceitáveis. Os políticos de Washington sempre foram
tentados por uma “illusion of omnipotence”, como observou Eric Hobsbawm.7 Porém, a continuidade do regime revolucionário em
Cuba demonstrou que os Estados Unidos não podem fazer tudo o que querem, ainda
que possam destruir tudo. A guerra no Iraque comprova, mais uma vez, depois da
Guerra do Vietnam, que eles não têm condições de impor um controle efetivo
sobre um país que resiste e, menos ainda, sobre o resto do mundo, onde os focos
de contestação se propagam cada vez mais.”
7. Prefácio — Kiernan, 2005, p. xii.
“A
presença da Espanha no Caribe, conservando ainda Cuba e Porto Rico como
colônias, continuava, no entanto, a incomodar os Estados Unidos, cujo propósito
de anexar aquelas ilhas nunca se desvanecera, e eles, sem dúvida alguma,
encorajaram, direta ou indiretamente, as lutas pela independência que lá
recomeçaram em 1895. Esperavam colher o fruto maduro depois que elas se
desprendessem da Espanha. E contavam com o apoio em Cuba de amplo segmento
social favorável à anexação. Durante a chamada Guerra dos Dez Anos, que Carlos
Manuel Céspedes desencadeara em 1868 contra o domínio de Espanha e terminara,
em 1878, com o Pacto de Zanjón, as tendências anexionistas se manifestaram, e a
luta pela independência de Cuba, no mais das vezes, significara sua
incorporação aos Estados Unidos, conforme proposto pelo Congresso de Guáimaro.37
O general Ulisses Grant, comandante das forças do Norte durante a secessão, e
eleito, em 1868, presidente dos Estados Unidos, quase envolveu seu governo
naquela guerra de 10 anos, não só devido à sua própria tendência (ele
pretendera inclusive conquistar e República Dominicana) e aos anseios anexionistas
do país, mas ao fato de que muitos cubanos desejavam e lhe pediam a
intervenção. Os Estados Unidos, que emergiram da guerra civil com feridas a
cicatrizar e vários problemas ainda por vencer, não podiam, naquelas
circunstâncias, atender a tais apelos, sobretudo porque o seu envolvimento com
os rebeldes, visando à anexação de Cuba, implicaria um conflito armado com a
Espanha. No entanto, quando a luta pela independência, em 1895, recomeçou sob o
comando de Máximo Gomez, as condições internas e externas se configuravam de
forma diferente. Os capitalistas norte-americanos já controlavam o comércio de
exportação de Cuba por meio de um trust,
a American Sugar Refining Co., que Henry O. Havemeyer formara, em 1887, com a
fusão de 19 pequenas refinarias, passando a monopolizar a compra do açúcar
bruto38 e até 98% do produto refinado consumido no mercado
norte-americano. E a Espanha, a fim de não perder as colônias no Caribe, cedera
às pressões dos Estados Unidos, após muita relutância, ao firmar, em 1891, o
acordo de reciprocidade comercial, mediante o qual obteve para os açúcares que
elas produziam as mesmas isenções tarifárias outorgadas ao Brasil naquele mesmo
ano. Com isso, a produção açucareira de Cuba recebeu forte estímulo e passou a
depender ainda mais, em ampla medida, do mercado norte-americano, tanto para o
seu escoamento, dado que a fabricação de açúcar a partir da beterraba
reduzia-lhe a demanda na Europa, inclusive na Espanha, quanto para a aquisição
da maquinaria necessária à rápida modernização tecnológica e ao funcionamento
das usinas. Em 1892, enquanto a Espanha comprava apenas 328.521 sacas de açúcar
bruto de Cuba, os Estados Unidos importavam quase quatro vezes mais, ou seja,
1.154.194 sacas.39 Não sem fundamento, o jornalista britânico W. T.
Stoad, ao escrever para a Review of
Reviews de outubro de 1891, declarou que o tratado de reciprocidade,
efetivando a isenção de tarifas autorizada pelo McKinley Act, convertera Cuba
“virtualmente em uma possessão dos Estados Unidos”.40
O boom produzido na economia cubana pelo
tratado de reciprocidade de 1891 não durou muito tempo. Afetada pelo crack de 1893, a economia cubana sofreu
forte golpe e abismou-se na mais profunda crise, em 1894, com a promulgação do
Wilson-Gorman Act, que submetia a pagamento de tarifas, em até 40%, os açúcares
estrangeiros, importados pelos Estados Unidos, e anulava, em consequência, os
acordos de reciprocidade comercial celebrados com a Espanha, o Brasil e outros
países. Diante de tal situação, não havia aparentemente outra perspectiva senão
a anexação de Cuba aos Estados Unidos. Por um lado, o Pacto de Zanjón se
frustrara, na medida em que a Espanha se esquivara de cumprir o compromisso de
conceder à ilha, conforme negociado com os autonomistas, o status de província ultramarina, com direitos políticos iguais aos
vigentes no seu território europeu. Por outro, a manipulação das tarifas pelos
Estados Unidos, ao isentar o açúcar e outros produtos de seu pagamento e, em
seguida, abolir essa concessão, mostrava a Cuba as vantagens que teria em
libertar-se do domínio colonial da Espanha e incorporar-se àquele país. Suas
classes dominantes, cujos interesses se entreteciam com os dos norte-americanos
e se concentravam sobretudo na produção e comercialização do açúcar, tendiam, geralmente,
para essa solução, embora alguns segmentos preferissem a fórmula da autonomia,
mantendo a ilha como província ultramarina da Espanha. Os homens que
deflagraram, em 1895, a luta armada contra o domínio de Madri, no entanto,
queriam a mais completa independência de Cuba e repudiavam tanto o projeto de
autonomia quanto a ideia de anexá-la aos Estados Unidos. O general Antonio
Maceo, que se insurgira, em Baraguá, contra o Pacto de Zanjón, por julgá-lo uma
“rendição desonrosa”, e voltara, em 1895, a comandar também os insurretos,
declarou certa vez que se Cuba viesse a tornar-se mais uma estrela na
“cintilante constelação” norte-americana, conforme o desejo manifestado pelo
jovem anexionista José J. Hernández, este seria o “único caso” em que ele, provavelmente,
estaria ao lado dos espanhóis.41 Por sua vez, José Martí, fundador
do Partido Revolucionário Cubano e considerado apóstolo da independência de
Cuba, escreveu a Manuel Mercado, em 18 de maio de 1895, um dia antes de tombar
no combate de Dos Rios, que arriscava a vida pelo seu país e pelo dever de
impedir que os Estados Unidos se estendessem às Antilhas, bem como “la anexión de los
pueblos de nuestra América al Norte revuelto y brutal que los desprecia”.42 Ele, que residira 15 anos em
Nova York, de onde organizara a luta armada pela independência de Cuba, podia
dizer: “Vivi en el monstruo y le conozco
las entrañas — y mi honda es la de Davi.”43”
38. Hilferding, 1968, Band II, p. 307;
Roosevelt, 1985, p. 441.
39. Foner, A History of Cuba and its Relations With the United States, 1963,
p. 298.
40. Id., ibid., p. 341.
41. Id., ibid., p. 314. Dirección Política de
las FAR, 1983, p. 437.
42. Martí, Obras Escogidas, 1992, tomo III, p. 604.
43. Id., ibid., p. 604.
“Assim, conquanto pudessem
tender para o corporativismo ou mostrar alguma simpatia pelo Eixo, os regimes
implantados na Bolívia, uma “nação proletária”, segundo a conceituação de Paz Estenssoro,58 assim
como na Argentina e no Brasil, países ainda predominantemente agrícolas, não
revestiram um Estado em contrarrevolução permanente, que constituiu a essência
do nazifascismo na Itália e na Alemanha, cujas políticas se ajustavam aos
interesses dos monopólios industriais e do capital financeiro. Pelo contrário,
na Bolívia, assim como na Argentina e no Brasil, o nacionalismo autoritário,
estatizante, configurou um processo revolucionário, ao permitir a consolidação
ou o avanço de conquistas sociais, juntamente com o esforço de desenvolvimento
econômico, contra o predomínio estrangeiro, máxime dos Estados Unidos, cujas
relações com a América Latina se assentavam em padrões neocoloniais, ou seja,
na troca de produtos industriais por matérias-primas. Esse fenômeno se deveu,
entre outros fatores, a que, salvo raras exceções, as organizações soi-disant
de esquerda, aferradas ao modelo da revolução russa e aos esquemas doutrinários
do bolchevismo, não compreenderam as especificidades da América Latina e os
partidos comunistas, depois que as tropas da Alemanha invadiram a União
Soviética, alinharam-se com as oligarquias nacionais, apoiando as políticas dos
Estados Unidos. O Foreign Office, entretanto, percebeu que os golpes de Estado
na Argentina e à Bolívia não representavam clara ameaça de introdução das
doutrinas econômicas e políticas do fascismo e do nazismo, mas a reemergência,
em forma aguda, do nacionalismo, que era “endêmico” e, às vezes, “epidêmico” em
todos ou quase todos os países da América Latina.59
Segundo os diplomatas britânicos, quando o Departamento de Estado e outros setores
da administração norte-americana referiam-se à Argentina e à Bolívia com os
qualificativos de nazi e fascista, o que talvez eles temessem, realmente, não
era a ação da Alemanha e da Itália, e sim o julgamento de todos os países da
América Latina contra a influência dos Estados Unidos.60”
58. Payne, A History of Fascism —
1914-1945, 1995, p. 334.
59. Minuta de P. Maison, 14/1/1944, file
AS130, PRO-FO 371 376698. Minuta do lorde Halifax, telegrama do Foreign Office
para a embaixada britânica em Washington, 15/1/1944, 12:25pm, file 294, PRO-FO
371 376988.
60. Inclose Minute — Conversation with Mr.
Boham and C.B. Jerram, 22/12/1943, anexada à carta de J. V. Perowne,
27/12/1943. Ibid.
“Os camponeses e os
trabalhadores das cidades e dos campos realmente estavam solidários com o
governo Castro, com o qual se identificavam, em virtude de benefícios reais que
ele em dois anos lhes propiciara. Além da reforma agrária, que beneficiara mais
de 100.000 famílias, o governo revolucionário promovera a reforma urbana,
reduzindo os aluguéis pela metade e possibilitando também aos moradores
adquirir a propriedade das casas e apartamentos onde moravam, e estava a
empreender a construção de milhares de casas, a baixo custo, para as camadas
mais pobres da população. Ao mesmo tempo, deflagrara uma campanha de educação,
já quase a eliminar, em pouco tempo, o analfabetismo, que em 1959 afetava mais
de 30% da população, e tornara públicas, abertas a todos, as praias de Cuba,
antes propriedade privada dos hotéis e dos magnatas. Por fim, o crônico
desemprego, em que aproximadamente 600.000 cubanos, em uma população de cerca
de 6,5 milhões, viviam, estancara ou diminuíra, enquanto a distribuição de
renda tornava-se mais igualitária, favorecendo especialmente as zonas rurais.144
Não sem fundamento, o encarregado de Negócios do Brasil, Carlos Jacyntho de Barros, previra que os extremismos de
direita e esquerda caracterizariam a política de Cuba por muito tempo, se os
exilados assumissem o poder com o auxílio dos Estados Unidos, pois se “alguma
coisa de perene” a revolução oferecera à história daquele país, fora, por
certo, a “popularização irreversível dos princípios de reforma econômica e
social”, que alguns setores insistiam “imprudentemente” em desconhecer.145 Por esta mesma razão, Schlesinger
advertiu Kennedy, uma semana antes da invasão da Baía dos
Porcos, de que, se o regime pós-Castro começasse a devotar sua primeira atenção
aos donos de propriedades confiscadas e aos investimentos estrangeiros; se
chutasse outra vez a gente humilde das praias e dos hotéis; se tentasse fazer
retroagir o relógio econômico e social — “tais coisas documentariam
vitoriosamente a afirmação da União Soviética de que o motivo dos Estados
Unidos para derrubar Castro fora tornar Cuba outra vez segura para o
capitalismo norte-americano”.146 Felizmente, na
opinião do embaixador Philip Bonsal, a aventura
fracassou, porque, se o empreendimento triunfasse devido à presença de forças
norte-americanas, o governo cubano pós-Castro teria sido totalmente inviável;
ele teria requerido o constante suporte dos Estados Unidos, e isto não
conquistaria o respeito do povo cubano; os heróis daquele povo seriam os que
resistiram aos norte-americanos, com as armas na mão, ainda que sem sucesso. O
cenário com que Castro contara — Bonsal observou —
haveria sido criado e os Estados Unidos atolar-se-iam em prolongada guerra de
guerrilhas dentro de Cuba.147 Opinião semelhante
o embaixador Ellis O. Briggs manifestou, ao ponderar
que o fracasso da operação na Baía dos Porcos constituiu trágica experiência
para os cubanos nela envolvidos, porém foi uma sorte para os Estados Unidos,
ainda que humilhante, porque, de outro modo, ela seria selada com uma
indefinida ocupação da ilha pelas forças norte-americanas.148
Henry Raymont, correspondente da United Press
International em Havana, previu igualmente que se os Estados Unidos consumassem
a invasão, seu prestígio na América Latina ficaria em ruínas.149 E quando um ano depois Kennedy lamentou a derrota, Clayton Fritchey, da
equipe do embaixador Adlai Stevenson, disse: “Senhor Presidente, poderia ter sido
pior.” “Como?” — Kennedy perguntou. E ele respondeu: “Se tivéssemos vencido”.150
Com
efeito, a invasão da Baía dos Porcos, como Piero Gleijeses salientou, não foi
um empreendimento em que os Estados Unidos cooperaram com a resistência cubana
contra o regime instalado em Cuba por Fidel Castro. Os cubanos nela envolvidos
foram empregados da CIA — Gleijeses salientou —, como os
guatemaltecos que antes participaram da operação contra o governo Arbenz. Os que se amotinaram foram presos e confinados
nas selvas, ao norte da Guatemala. Os planos foram feitos pelos Estados Unidos,
que selecionaram os líderes, mantendo-os sob prisão domiciliar e incomunicáveis
na base militar de Opa-Locka (Flórida) até o dia da invasão. O inspetor-geral
da CIA, general Lyman Kirkpatrick, após investigar as
causas do fiasco na Baía dos Porcos, nos seis meses subsequentes, escreveu um
duro relatório, só revelado em 1998, e assinalou, entre vários outros
desacertos, que, conquanto o número dos funcionários norte-americanos
encarregados do Cuban Project na CIA saltasse de 40, em janeiro de 1960, para
588, em 16 de abril de 1961, poucos falavam espanhol, e os líderes rebeldes,
integrantes do Conselho Revolucionário, foram tratados como “puppets”.151 Este mesmo general, em artigo posteriormente
publicado, escreveu que, se havia resistência a Fidel
Castro, esta se encontrava em Miami, e que todas as informações de fontes
aliadas indicavam claramente que ele tinha o comando da ilha e contava com o
respaldo da maioria da população, que lá permanecera.152
“So when we are talking about the Bay of Pigs”, Gleijeses
definiu com precisão, “we are talking about U. S. Aggression against Cuba,
just like we were talking about Guatemala before”.153
Kennedy não teve
alternativa senão assumir publicamente a responsabilidade pelo humilhante mas
venturoso fiasco, com o qual a CIA, em vez dos US$ 4,4 milhões previstos no
orçamento inicial, gastara mais de US$ 46 milhões, no ano fiscal de 1960/61.154 Sem ter mais como negar o envolvimento dos
Estados Unidos, cujo mito da invencibilidade na Baía dos Porcos chafurdara,
declarou aos repórteres: “There is an old saying that the victory has a
hundred fathers, and defeat is an orphan. I am the responsible officer of this
government”.155 Sim. Ele fora o responsável pela
invasão de um país com o qual os Estados Unidos não estavam, oficialmente, em
guerra, uma invasão organizada na surdina, in silentio noctis, com todo
o requinte da perfídia, bem como pelos atos de sabotagem e terrorismo, que
produziram em Cuba centenas de vítimas inocentes. Mas, ao que tudo indicou,
entendeu que o preço do cancelamento seria maior do que o que teria de pagar
com o fracasso da invasão e simplesmente preferiu desembaraçar-se daquele
contingente de exilados que formaram a Brigada 2506, lançando-o às praias de
Cuba, para onde eles queriam ir,156 a ser
acusado de covardia e de nada ter feito contra Castro. De qualquer modo, se os
princípios jurídicos e morais efetivamente prevalecessem nos Estados Unidos, Kennedy, como presidente, seria passível de impeachment
por haver violado as próprias leis norte-americanas, entre as quais o
Neutrality Act, desrespeitando os tratados internacionais, como a Carta da ONU,
a Carta da OEA e o Tratado do Rio de janeiro, dos quais os Estados Unidos eram
signatários.”
144.
Mesa-Lago, Breve Historia Econômica de
Cuba Socialista, 1994, pp. 24-25.
145.
Ofício nº 51/600.(24h), confidencial, de Carlos Jacyntho de Barros, encarregado
de Negócios, ao chanceler Afonso Arinos de Melo Franco, Havana, 30/12/1961.
Revoluções — 1943-1967. 6.555 a 6.563. AHMRE-B.
146.
Memorandum from the President=s Special Assistant (Schlesinger) to President
Kennedy. Subject: Cuba: Political, Diplomatic and Economic Problems.
Washington, April 10, 1961. FRUS, vol. X, 1961-1962, Cuba, pp. 196-203.
147.
Bonsal, Cuba, Castro and the United
States, 1972, p. 184.
148.
Apud Bonsal, 1972, p. 185.
149.
Wyden, Bay of Pigs — The Untold Story,
1979, p. 183.
150.
Id., ibid., p. 183.
151.
“The Inspector General=s Survey of the Cuban Operation” (General Lyman
Kirkpatrick). National Security Archive at George Washington University.
Website: http://www.seas.gwu.edu/nsarchive. Esse relatório do general Lyman
Kirkpatrick, inspetor-geral da CIA, foi escrito em outubro de 1961, com duras
críticas ao trabalho da CIA, e somente liberado 36 anos depois, em virtude de
requerimento formulado pelo diretor do National Security Archive na George
Washington University, com base no Freedom of Information Act, em fevereiro de
1998. Kirkpatrick e seus inspetores entrevistaram cerca de 300 pessoas da CIA
que trabalharam no Cuban Project. Considerado ofensivo aos funcionários daquele
órgão de inteligência, John McCone, que substituiu Allen Dulles, ordenou que
todas as cópias fossem destruídas, exceto uma, que permaneceu fechada no seu
cofre. Peter Wyden escreveu: “His (Kirkpatrick) report, never declassified and
probably buried forever, was devastating.” Wyden, 1979, p. 322. Provavelmente
foi esse o documento perdido a que H. R. Haldeman, chefe do staff do presidente
Nixon, referiu-se em uma conversa que com ele manteve em 17 de maio de 1973,
dizendo que a CIA ou alguém o fizera desaparecer para impedir o esforço de
descobrir o que realmente acontecera na Baía dos Porcos. Kutler, 1997, p. 528.
152.
Apud Wyden, 1979, p. 322.
153.
Blight & Kornbluh, 1998, p. 72.
154.
“The Inspector General=s Survey of the Cuban Operation” (general Lyman Kirkpatrick).
National Security Archive at George Washington University. Website: https://nsarchive2.gwu.edu/NSAEBB/NSAEBB341/IGrpt1.pdf. Segundo a embaixada do Brasil em
Washington, os gastos chegaram a US$ 200 milhões. Telegrama nº 70, do Itamaraty
para a Embaixada do Brasil em Washington, 16/6/1961, 6560 — 601.3 (24h) —
Revolução — 1943 a 1967. AHMRE-B.
155.
Quirk, Fidel Castro, 1993, p. 374.
156.
Higgins, 1989, p. 117. Hersh, 1997, The
Dark Side of Camelot, p. 210.
“O segundo
golpe coube a Castro desfechar, quando proclamou o caráter socialista da
Revolução Cubana. Tal afirmação contrariou todos os dogmas que Joseph Stalin e
seus epígonos, como Kruchev, Mao Zedong e outros, cristalizaram, sob o rótulo
de marxismo-leninismo. A Revolução Cubana, que Castro qualificara como socialista, fora
realizada não por um partido supostamente operário, constituído sob as normas
do chamado centralismo-democrático e rotulado de comunista, mas pelo M-26-7,
uma organização composta, sobretudo, por elementos das classes médias, que, no
curso da guerra de guerrilhas, passaram a incorporar ao Exército Rebelde
camponeses e trabalhadores rurais, os guajiros, em benefício dos quais
realizaram a reforma agrária. Os dirigentes comunistas, que visitavam Havana,
consideravam a revolução em Cuba estranha ao modelo por eles reconhecido, dado
lá não existir um operariado industrial, e julgavam Fidel
Castro e seus companheiros um “grupo inexperiente, com formações ideológicas
diversas e pouco definidas”, orientados pelo que qualificaram como “‘marxismo
amador, ou melhor ainda, como cubanismo”.5
Teoricamente, de conformidade com a ortodoxia stalinista, Cuba não tinha
condições materiais senão para uma revolução agrária e democrática, mediante a
instalação de um “governo patriótico”, de união com a burguesia progressista,
que se propusesse a impulsionar o processo de industrialização e, libertando o
país do domínio imperialista, promover o desenvolvimento econômico e a
emancipação nacional. Os dirigentes do M-26-7, mormente os comandantes do
Exército Rebelde, também convinham em que a principal tarefa da revolução
consistia na realização da reforma agrária, que começara em Sierra Maestra, com
o objetivo de criar condições para que Cuba se industrializasse, diversificasse
seu comércio exterior e, elevando o nível de vida do povo, libertasse sua economia
do predomínio norte-americano. Che Guevara, ao assumir
o Departamento de Indústria do INRA, anunciara, no primeiro ano da revolução, o
propósito de fomentar a industrialização, com medidas aduaneiras, para proteger
a produção nacional de manufaturas, e a expansão de um mercado interno, a ele
incorporando as massas camponesas, os guajiros, mediante a elevação do
seu poder aquisitivo.6 Na primeira etapa, a
meta não era criar indústrias de exportação, mas substitutivos de importações,
devendo Cuba, mesmo sem possuir jazidas de ferro, obter financiamento da União
Soviética para aumentar sua produção de aço, da ordem de 70.000 toneladas em
1959, para 350.000 e, em fases sucessivas, para 500.000 e 1.500.000 toneladas,
dentro de alguns anos.7 Guevara
entendia que, sem uma poderosa indústria siderúrgica, não seria possível a
emancipação econômica e chegou a predizer que, dentro de 10 anos, Cuba
figuraria entre os 10 maiores produtores de aço da América Latina.8 Seu projeto visava a capacitá-la com uma indústria
pesada para que pudesse desenvolver, além da produção de açúcar, outras
indústrias, como níquel, construção naval, automotriz e têxtil.9
Com a decisão de não redistribuir imediatamente a totalidade dos
latifúndios expropriados pela reforma agrária e de criar, ao lado de
cooperativas, as Granjas del Pueblo, dedicadas, principalmente, à pecuária e ao
cultivo do arroz, o governo revolucionário estabeleceu, porém, as premissas
sociais de um forte setor estatal, percebido como base para qualquer
transformação econômica com sentido socialista. Este passo foi acentuado e
acelerado na medida em que as contradições com os Estados Unidos se
intensificaram, como consequência, sobretudo, das sanções econômicas que a
administração Eisenhower começara a impor, a partir do
primeiro acordo comercial entre Cuba e a União Soviética, em fevereiro de 1960.
O governo revolucionário, no entanto, não podia erradicar (sem toda uma série
de etapas intermediárias de desenvolvimento) os alicerces do capitalismo, ainda
que promovesse radical redistribuição da propriedade territorial, favorecendo o
campesinato. Com isto, sua economia assumiu um caráter misto, em forma híbrida
de capitalismo de Estado, a partir do que Fidel
Castro e Che Guevara trataram de impulsionar o
processo autônomo de industrialização acelerada, com vistas à completa
socialização de Cuba. Em tais circunstâncias, se qualquer país dentro do Bloco
Soviético, inclusive a Albânia, o mais atrasado de todos, fosse considerado
socialista, motivo não havia para recusar esse qualificativo à revolução em
Cuba. Mas ao usá-lo, Fidel Castro, além de
constranger politicamente a União Soviética, reduzindo-lhe, no contexto do
conflito com a China, a liberdade de negociar com os Estados Unidos a invasão
de Cuba em troca da anexação de Berlim Ocidental à República Democrática Alemã
(Alemanha comunista), não só demoliu o dogma stalinista que atribuía sua
direção ao partido comunista, pressuposto como vanguarda da classe operária,
como reabilitou também a teoria da revolução permanente, defendida por Leon Trotski. Segundo esta teoria, a “solução verdadeira e
completa das tarefas democráticas e nacionais-libertadoras” só seria concebível
por meio da ditadura do proletariado, que assumiria a direção da nação oprimida
e, antes de tudo, de suas massas camponesas.10
Trotski igualmente considerava que a construção do
socialismo só seria concebível quando baseada na luta de classes em escala
nacional e internacional, e, dada a dominação decisiva das relações
capitalistas na arena mundial, essa luta não podia deixar de produzir erupções
violentas, tanto no interior do país, sob a forma de guerra civil, quanto no
exterior, sob a forma de guerra revolucionária. A revolução socialista não
poderia completar-se dentro da moldura do Estado nacional, daí seu caráter
permanente, quer se tratasse de um país atrasado, como Cuba, que apenas acabara
de empreender a reforma agrária, aspirando à industrialização, quer se tratasse
de um país capitalista desenvolvido, que já experimentara longo período de
democracia.
Trotski prognosticara
que em um país atrasado e semifeudal, como a Rússia, a revolução democrática,
entendida como agrária e industrial, só seria possível sob a forma de ditadura
do proletariado, apoiada pelos camponeses, e ela também teria de colocar na
ordem do dia, inevitavelmente, as tarefas socialistas, imprimindo ao mesmo
tempo formidável impulso à revolução socialista internacional, sem a qual o
Poder Soviético não poderia subsistir.11
Diretrizes fortemente aparentadas com estas Castro e Che
Guevara implementaram, tanto ao nível da teoria quanto da prática, no curso da
revolução em Cuba. E, como os dirigentes bolcheviques, incorreram no mesmo erro
de atribuir validade universal à forma insurrecional que acarretara a queda de Batista, transformando a necessidade em virtude. Um ano
após a vitória da revolução, Che Guevara publicou um
manual intitulado A guerra de guerrilhas,12
no qual, ao indicar a contribuição de Cuba aos movimentos revolucionários na
América Latina, contestava, implicitamente, a doutrina que privilegiava a via
pacífica para o socialismo, sustentada por Kruchev
durante o XX Congresso do PCUS e desde então professada por todos os partidos
comunistas, apesar de dissidências ocorrerem, com o apoio da China. De acordo
com seu pensamento, nem sempre havia necessidade de esperar que todas as condições
para a revolução amadurecessem, porquanto um foco insurrecional (guerrilhas)
poderia criá-las e as forças populares poderiam ganhar uma guerra contra o
Exército, na medida em que o campo seria, fundamentalmente, o terreno da luta
armada na América subdesenvolvida.13 As
condições por ele referidas eram aquelas em que, se as massas já não queriam a
continuidade do status quo, as classes dominantes já não podiam
sustentá-lo ao modo antigo. Esta situação realmente ocorrera em Cuba, quando a
luta armada, que Castro e seus companheiros desencadearam a partir de Sierra
Maestra, espraiou-se e, a prejudicar as atividades produtivas e os interesses
das companhias norte-americanas, sobretudo às vésperas da colheita da
cana-de-açúcar, sustentáculo de toda a economia cubana, o Departamento de
Estado retirou o suporte dado a Batista e
pressionou-o para que ele, já socialmente isolado, abandonasse o governo e
fugisse. Certamente, o foco de guerrilha, como método para criar as condições
que possibilitassem a vitória de unia insurreição, não seria viável em países
que, como o Brasil, já haviam alcançado certo nível de urbanização e
industrialização, conforme o próprio Guevara
reconhecera,14 ou mesmo em outras regiões da
América Latina, ainda que subdesenvolvidas, quando os Estados Unidos já estavam
alertados pelo rumo que a revolução em Cuba tomara.
Contudo, Fidel Castro e Guevara
não apenas difundiram o método das guerrilhas — a via cubana da insurreição —
para que servisse de exemplo e modelo, como trataram de impulsionar
materialmente sua aplicação em todos os países da América. De um lado, eles
necessitavam que a revolução se alastrasse, como um incêndio, a outras partes
do Hemisfério, de modo a aliviar as pressões que os Estados Unidos exerciam
sobre Cuba. De outro, fizeram-no, porque, imbuídos de espírito messiânico,
criam que, assim como Simón Bolívar, José
de San Martin e José Martí lutaram, no século XIX,
contra o domínio colonial de Espanha, eles, Castro e Guevara,
estavam predestinados à missão de libertar a América Latina do jugo
imperialista exercido pelos Estados Unidos. O próprio Fidel
Castro manifestou o propósito de “continuar haciendo de la nación el ejemplo
que puede convertir a la cordillera de los Andes en la Sierra Maestra del
continente americano”.15 E não escondeu
que, se os Estados Unidos se supunham no direito de promover a contrarrevolução
em Cuba e a reação na América Latina, Cuba também se sentia no direito de
alentar a revolução continental.16 Neste
esforço, Castro e Guevara opuseram-se frontalmente à
orientação oficial de Moscou, à qual os partidos comunistas, defendendo a
aliança com a burguesia progressista e o caminho pacífico para o socialismo,
obedeciam, e compeliram-nos à radicalização ou levaram-nos à cisão. A maioria
resistiu. Os partidos de esquerda não comunistas, com raízes na
social-democracia ou no nacionalismo populista, foram, entretanto, os que mais
forte impacto receberam das doutrinas de Castro e Guevara
e geraram na América Latina tendências revolucionárias mais radicais do que o
comunismo orientado por Moscou.”
5.
Telegrama nº 226, confidencial, da embaixada do Brasil em Havana (Marcos
Antônio de Salvo Coimbra), 16-17/8/1960. 600. (24h) — Situação Política — Cuba
— Confidencial — 1945-1960 — 6.218. AHMRE-B.
6.
Guevara, Obras Escogidas — 1957-1967,
1991, vol. II, p. 19.
7.
Id., 1977, vol. VI, p. 178.
8.
Campos, A Lanterna na Popa (Memória),
1994, p. 422.
9.
Id., ibid., p. 182.
10.
Trotski, A Revolução Permanente, 1979,
p. 137.
11.
Id., 1947, p. 558.
12. Che
Guevara, 1991, pp. 26-149. Esse livro foi publicado no Brasil, em 1961, pelas
Edições Futuro, do Rio de Janeiro, em tradução feita por Maurício Grabois,
dirigente do Partido Comunista do Brasil (linha chinesa).
13.
Che Guevara, 1991, p. 31.
14.
Artigo publicado em Verde Olivo, Havana, 9/4/1961, cf. Moniz Bandeira, 1962, p.
175.
15.
Apud Ofício nº 203, confidencial, embaixador Álvaro Teixeira Soares ao
chanceler Horácio Lafer, Bogotá, 26/7/1960, Bogotá — Ofícios — 1960-1964.
AHMRE-B.
16.
Discurso de Fidel Castro por motivo de la recepción de las milicias en la
Habana, em 20 de enero de 1961, in Castro et al., 1981, p. 350.
“O conflito entre
Castro e os velhos comunistas e as tensões com a União Soviética coincidiram
com o agravamento da crise de abastecimento e o reinício dos atos de terrorismo
e sabotagem. Em março, os incêndios dos canaviais recomeçaram em várias
províncias de Cuba. Em abril, dois incêndios destruíram, respectivamente, um
edifício em Havana e um depósito de adubos químicos, com o resultado de 100
feridos e um morto.48 Muitos cubanos que
apoiavam o governo revolucionário, conquanto não fossem marxistas-leninistas,
logo atribuíram à CIA a responsabilidade pelo recrudescimento daquelas
atividades criminosas, pois supunham que aos Estados Unidos, empenhados em
derrubar Fidel Castro, não convinha que ele se
afastasse demasiadamente dos velhos comunistas e da União Soviética, o que lhe
poderia dar novos elementos para sua consolidação no poder.49
A suspeita era correta. A CIA efetivamente começara a implementar a Operation
Mongoose, que Kennedy autorizara desde novembro de
1961, designando o general Edward G. Lansdale,
especialista em contrainsurreição, com experiência nas Filipinas e no Vietnã,
para chefiar as covert actions e spoiling action, sob a
supervisão do procurador geral, seu irmão, Robert
Kennedy. A fim de planejá-las e executá-las, a CIA organizara então a Task
Force W (W em homenagem ao flibusteiro norte-americano William
Walker, responsável por vários ataques a Cuba e a países da América Central no
século XIX), empregando um total aproximado de 400 pessoas, sob a chefia de William Harvey, da Diretoria de Planos, e a orientação do
Special Group Augmented (SGA), no qual Robert Kennedy
teve ativa participação.50 Este homem, cuja
função no governo norte-americano era zelar pela aplicação das leis, assumiu
com ardor a incumbência de acompanhar a sua transgressão, mediante uma
sequência de crimes e ilícitos penais, enfim, de atos e operações que violaram
desde os próprios estatutos da CIA, cujas atividades eram proibidas no
território dos Estados Unidos, ao Neutrality Act e o Código Penal, bem como
outras leis, regulamentos e tratados internacionais. E a Operation Mongoose,
desde então, tornou-se isoladamente o maior programa de ações clandestinas, sem
qualquer precedente, dentro da CIA.
A estação da CIA em Miami, instalada em um dos prédios da Universidade e
denominada JM/WAVE, que também serviu como depósito de armas, expandiu de tal
forma suas atividades, que chegou a ter 600 funcionários e a envolver cerca de
3.000 agentes contratados,52 passando a
dispor, inclusive, de uma frota de seis navios e 12 embarcações menores, bem
como de uma força aérea, com helicópteros e aviões anfíbios, que conduziam os
contrarrevolucionários, a partir da Flórida, para as incursões contra Cuba. E o
início de suas operações foi programado para março, como de fato aconteceu,
devendo as atividades clandestinas recrescerem, entre abril e julho, de sorte
que, no curso de agosto e setembro, os atos de resistência e operações de
guerrilha começassem e a sublevação generalizada pudesse eclodir nas primeiras
semanas de outubro, possibilitando o estabelecimento de novo governo ao final
do mês.52 O uso aberto das Forças Armadas norte-americanas afigurava-se a Lansdale uma decisão vital, a ser tomada o mais cedo
possível, definindo as contingências em que os Estados Unidos estariam prontos
para empregá-las em apoio à revolta.53 (...)
A Operation Mongoose, ao contrário da Operation Zapata, partiu da
constatação, feita pela comunidade de inteligência dos Estados Unidos, de que Fidel Castro contava com “sufficient popular support
and repressive capabilities” para dominar qualquer ameaça interna, em
futuro previsível, que a massa da população aceitava o regime revolucionário e
grande parte dela apoiava-o com entusiasmo, pois as condições de vida nas áreas
rurais, especialmente nos centros de produção de açúcar, melhoraram substancialmente,
sobretudo em termos de saneamento e habitação, benefícios tangíveis e que
alimentavam a esperança de muitos outros.60
Apesar da escassez e do alto grau de desorganização, que poderiam aumentar, não
era provável que a economia se deteriorasse, a ponto de produzir a queda de
Castro, tendo em vista a assistência do Bloco Soviético, cujos créditos
propiciados a Cuba já atingiam o montante de US$ 357 milhões.61
Pelo contrário, a situação tendia a melhorar dentro de um ano, quando o novo
tipo de organização comunista se consolidasse, adquirisse maior experiência
administrativa e o comércio exterior se ajustasse aos novos canais.62
O objetivo da Operation Mongoose, da qual Kennedy
queria resultados imediatos, consistiu, portanto, em reverter tais expectativas.
E, como um ato de guerra econômica, o governo norte-americano, apoiado nas
resoluções da VIII Reunião de Consulta, decretou em 3 de fevereiro o embargo
total do comércio com Cuba, suspendendo as compras que os Estados Unidos ainda
lá faziam, de modo a privar Castro de quaisquer divisas em dólar, no que tentou
ainda envolver em tais esforços os países da Europa Ocidental, membros da OTAN.
À guerra econômica conjugou-se a guerra psicológica, com o estabelecimento de
60 estações de rádio, em países da América Latina, e três na Flórida,63 destinadas à propaganda anticastrista e à
difusão de rumores falsos, bem como de métodos para danificar instalações
industriais e outros estabelecimentos do governo cubano. Estes atos de
sabotagem e de terrorismo recrudesceram nos meses de maio e junho, quando duas
incursões paramilitares para destruir material bélico e incendiar canaviais
ocorreram, apoiadas por aviões anfíbios, cujas bases estavam instaladas na
Guatemala.64 O governo revolucionário, sem
dúvida alguma, tinha informação de que os Estados Unidos, provavelmente, não
intentariam uma invasão em grande escala, a curto prazo, mas começariam a
efetuar pequenos desembarques e incursões do tipo que os Aliados empreenderam
durante a Segunda Guerra Mundial, no intuito de destruir indústrias e
instalações essenciais à economia do país, mantendo as autoridades cubanas e a
população em permanente estado de alerta e preparativos de defesa, o que, em
última análise, resultaria também na desorganização das atividades produtivas.65
Naquela época, a embaixada do Brasil em Havana informou ao Itamaraty que
a destruição de refinarias e atentados contra as principais figuras do governo
cubano constituíam os primeiros objetivos da contrarrevolução, da qual o
governo norte-americano participava, inclusive pedindo aos oposicionistas em
Cuba que selecionassem pessoal para ser treinado nos Estados Unidos em práticas
de sabotagem.66 “Por absurdo que pareça, eu
mesmo fui sondado sobre a possibilidade de garantir, previamente, asilo aos que
participassem da campanha de sabotagem”, o embaixador Bastian
Pinto comunicou ao Itamaraty.67 Antes de sua
chegada a Havana, já haviam sido encontradas, nas dependências da embaixada do
Brasil, uma metralhadora Thompson, tipo portátil; quatro granadas de mão; um
fuzil automático M-1; três pistolas 45, e munição de vários tipos.68 Estas armas foram lá introduzidas por um
grupo de asilados, com a finalidade de que ao encarregado de Negócios, Carlos Jacyntho de Barros, não foi possível precisar.69 Também na embaixada do Equador, três pistolas
e três espingardas foram encontradas, quando o Brasil assumiu a gestão dos seus
negócios.70 O afluxo de asilados às
embaixadas do Brasil, México e Uruguai, dado que a Argentina e o Equador, por
pressão dos militares, romperam relações diplomáticas com Cuba depois da
Reunião de Punta del Leste, convertera-se em gravíssimo problema, porque
aquelas pessoas, “em sua grande maioria”, como o embaixador Bastian
Pinto verificou, “não são perseguidos políticos, mas apenas indivíduos
valendo-se dos privilégios de asilo e especialmente do direito que têm os
asilados de obter residência nos Estados Unidos”.71
Este direito não era assegurado a quem saísse pelas vias normais — e, àquele
tempo, cerca de 1.500 a 1.800 cubanos abandonavam, semanalmente, o país pelas
vias normais72 —, além de sua concessão
demorar em torno de três meses, o que era um modo de induzir os cubanos que
desejassem emigrar a solicitar asilo, pois aos Estados Unidos isto não só
convinha como propaganda contra Cuba, como criava os mais sérios problemas para
os quatro países latino-americanos cujas embaixadas ainda funcionavam em
Havana.73
Em meados de 1962, insuflada, possivelmente, pelos agentes da CIA,
conforme o cronograma da Operation Mongoose, a população de alguns bairros da
cidade de Cárdenas, na Província de Matanzas, lançou-se às ruas, protestando
contra a escassez de gêneros alimentícios, que, em certas zonas do interior do
país, era mais grave do que em Havana. O presidente Oswaldo
Dorticós para lá se dirigiu e, precedido de um extemporâneo desfile de tanques
e peças de artilharia, interpretado como indicativo de que o governo
revolucionário não toleraria qualquer demonstração coletiva de oposição,
pronunciou duro discurso, no qual denunciou a “estrategia del imperialismo y
de la contrarrevolución” de gerar, primeiro, dificuldades e escassez, “mediante
el bloqueo y la agresión económica”, e assim criar as condições materiais
que lhes propiciassem “después un trabajo eficaz”.74
Suas palavras indicavam que o governo revolucionário, se podia não ter
informações completas, percebia que uma operação para desestabilizá-lo —
objetivo da Operation Mongoose — estava em andamento e ele se dispunha a
reprimi-la, não dando trégua nem descanso “a las bandas minoritarias
contrarrevolucionarios en el campo”, e não permitir “los parasitos
contrarrevolucionarios en las ciudades (...) una sola provocación”.75 Com efeito, como consequência dos
acontecimentos de Cárdenas, foram presas cerca de 200 pessoas naquela cidade, o
que revelava a proporção dos protestos.76
Àquele tempo, meados de 1962, o serviço secreto do governo cubano (G-2)
conseguiu deter os principais agentes da CIA e chefes da resistência, o que
modificou substancialmente a composição social da frente interna da
contrarrevolução.77 Este fato igualmente
determinou que a Operation Mongoose deslocasse sua ênfase da construção da
resistência, mediante atos de sabotagem, incursões paramilitares, para esforços
que visavam à desorganização da economia, como contaminação das exportações de
açúcar,78 falsificação de dinheiro e das
cadernetas de racionamento.79 Robert Kennedy estava particularmente empenhado na
destruição das minas de cobre de Matahambre, no oeste de Cuba. O que ele queria
era “boom-and-bang”.80 (...)
Entre
janeiro e agosto de 1962, sob o signo da Operation Mongoose, os
contrarrevolucionários recrutados pela CIA realizaram 5.780 ações encobertas,
das quais 716 foram sabotagens contra grandes objetivos econômicos, o que
acarretou a destruição de milhões de arrobas de cana e armazéns de mercadorias,
assassinatos, ataques a navios mercantes, bombardeio de hotéis no litoral etc.83 De acordo com as informações do governo
cubano, àquela época cerca de 41 bandos de contrarrevolucionários, com cerca de
500 homens, promoviam operações de guerrilha na província de Las Villas e mais
30 atuavam no resto do país.84 Segundo a
embaixada do Brasil, 24 pequenos grupos de guerrilheiros, que contavam com
cerca de 160 homens e operavam, sobretudo, nas montanhas de Escambray, não
tinham condições de resistir a uma ofensiva séria do governo revolucionário,
muito menos de transformar-se em um movimento capaz de desestabilizá-lo, sem
ininterrupta ajuda dos Estados Unidos em víveres e armamentos.85
Naquela região, entre janeiro e março de 1962, as milícias de Castro travaram
98 combates, mataram cerca de 150 contrarrevolucionários e capturaram algumas
centenas.86 A embaixada do Brasil em Havana já sabia que os líderes
da oposição clandestina, cujas correntes careciam de unidade, contemplavam,
entretanto, a possibilidade de realizar atentados contra as principais figuras
do regime e embaixadores dos países socialistas, enquanto continuavam a esperar
as decisões de Washington.87
Essa
informação tinha fundamento. Kennedy e seus assessores, os homens que se
propuseram a renovar a política nos Estados Unidos e reivindicavam o idealismo
de Camelot, a corte do Rei Artur, não hesitaram em estender a New Frontier até
o extremo da amoralidade, em que o objetivo de destruir o governo Castro
justificava a prática de todos os crimes, confundindo o próprio governo
norte-americano com alguma famiglia da Máfia. Limite não houve para imaginação
no planejamento dos ardis mais sórdidos e desonestos e, conforme Samuel
Halpern, que servira como agente de alto nível da CIA na Operation Mongoose,
“gente dos escalões superiores não se envolveria em tais atividades, com as
ideias mais idiotas, se não soubesse que o Presidente e seu irmão estavam tão
envolvidos”.88 A Operation Mongoose configurou uma guerra não
declarada em que toda a cúpula do governo norte-americano — e não apenas a CIA
— recorreu aos expedientes mais sujos e ignominiosos, sem hesitar diante de
qualquer crime, inclusive o homicídio, com o objetivo de estabelecer o caos em
Cuba, gerar uma revolta interna e possibilitar a intervenção armada dos Estados
Unidos para derrubar o governo Castro. O assassinato de Fidel Castro constituiu
uma das opções então contempladas e Kennedy já sabia, provavelmente desde 1960,
que a CIA estava a tramá-lo com a Máfia, pois um dos seus chefes, Sam Giancana,89
fora-lhe apresentado por sua amante (de ambos) Judith Campbell Exner90
e ajudara-o durante a campanha presidencial nas eleições primárias em West
Virginia e Chicago, juntamente com outros gângsteres, entre os quais Joseph
Frischetti e Meyer Lansky, a pedido de Frank Sinatra.91 A primeira
tentativa de matar Castro ocorrera em julho daquele ano, e, aparentemente, a
ideia partira do coronel J. C. King, chefe da Divisão do Hemisfério Ocidental da
CIA, de onde o assistente do diretor de Planejamento, C. Tracy Barnes, com sua
ordem, telegrafara à agência em Havana para informar que a “possível remoção
dos três principais líderes” de Cuba, ou seja, Fidel, Raúl Castro e Che
Guevara, estava recebendo séria consideração no quartel-general, em Langley, e
autorizara-a a entrar em contato com um cubano que se propusera a “ arranjar”
um acidente que envolvesse Raúl Castro.92 Em agosto, a repartição de
Serviços Médicos da CIA recebera também instruções para contaminar com um
veneno letal (toxina botulínica) uma caixa que continha os charutos favoritos
de Castro e que possivelmente lhe seria entregue quando de seu comparecimento à
Assembleia-Geral da ONU.93
Naquela
mesma época, agosto de 1960, Richard Bissell, diretor de Planos da CIA,
solicitara ao coronel Sheffield Edwards, diretor de Segurança, que encontrasse
alguém para promover a eliminação de Castro e tratou de estabelecer um contato
com a Máfia, a partir do pressuposto de que ela, prejudicada enormemente pela
proibição do jogo e fechamento dos cassinos em Cuba, podia interessar-se por
executar essa operação sensível, contando com recursos e os meios de
comunicação da CIA.94 O detetive particular Robert Maheu intermediou
então os entendimentos com dois chefes da Máfia, Sam Giancana e seu
lugar-tenente John Rosselli, cujo verdadeiro nome era Filipo Sacco, e ambos
dispuseram-se a colaborar, mas recusaram qualquer remuneração, embora a CIA
haja oferecido o montante de US$ 150.000 aos que executassem o serviço.95
Entrementes, a Technical Services Division (TSD) da CIA continuou a pesquisar,
sob a supervisão do assessor científico Sidney
Gootlieb, qual o melhor veneno que poderia ser utilizado para a eliminação de
Castro e, após experiências com macacos, entregou ao coronel Sheffield Edward
cápsulas ou pílulas com determinada toxina (botulínica), a fim de que, através
de Rosselli, fossem enviadas a um homem da entourage de Castro, Juan Orta
Córdova, seu secretário particular.96 Manuel (Tony) Varona, um dos
líderes da contrarrevolução e predileto da CIA, bem como Santos Trafficante,
chefe da Máfia em Miami, e Meyer Lansky, líder do sindicato do narcotráfico na
Flórida, participaram da operação, e as pílulas foram remetidas para Cuba na
segunda semana de abril de 1961, a fim de que o assassinato de Castro
coincidisse com a invasão da Baía dos Porcos, isto, é na véspera do ataque
anfíbio ou durante o seu desenrolar.97 Os dois planos obviamente se
interligavam.98
Àquela
mesma época, pouco antes da invasão da Baía dos Porcos, Kennedy, em conversa
com o senador George Smathers, da Flórida, perguntou-lhe qual seria a reação da
América Latina se Castro fosse assassinado e concordou com a desaprovação da
ideia, porque o crédito recairia sobre os Estados Unidos.99 Tudo
indicava, por esta e outras informações, que Kennedy estava a par da operação
mas tratara de ouvir outra opinião, e, como fora contrária, com ela concordou,
para não revelar o seu ânimo. Por outro lado, tanto Giancana quanto Rosselli,
Santos Trafficante e Meyer Lansky dispuseram-se naturalmente a colaborar com a
CIA, recusando qualquer remuneração, não só porque quisessem retomar os
cassinos e o jogo em Cuba, mas porque esperavam também que o governo
norte-americano tivesse tolerância e benevolência com as suas atividades
ilegais. Bissell admitira, perante o comitê do senador Frank Church, que em
1975 investigara as atividades da CIA, e que, na primavera de 1961, ou seja,
entre março e abril, o coronel Edwards tentara persuadir o Departamento de
Justiça, via comunicações ao FBI, a não perseguir Maheu, Giancana e Rosselli,
porque isso poderia não apenas expor uma operação de inteligência das mais
sensíveis, relacionada com a invasão de Cuba, como arriscar o desfecho de
futuros planos.100 A implementar a gestão, J. Edgard Hoover, em 22
de maio de 1961, enviara a Robert Kennedy um sumário das informações prestadas
por Edwards ao FBI sobre o complô com a Máfia para assassinar Fidel Castro, e
escrevera à margem do memorando: “I hope this will be followed up vigorously”.101
Essa segunda tentativa de assassinato, feita em abril de 1961, fracassou, da
mesma forma que a realizada em 1960, porque o funcionário do governo cubano,
subornado pelo sindicato do jogo para cumprir a missão, perdera o acesso a
Castro.102
Cerca de
um ano depois, em março de 1962, J. Edgard Hoover, diretor do FBI, avisou a
Kennedy que a sua agência estava informada das ligações telefônicas feitas para
a Casa Branca por sua amante Judith Campbell, da residência de Sam Giancana, em
Chicago, e havia perigo de que ele pudesse falar, caso fosse perseguido pelo
governo norte-americano, provocando um escândalo. Judith Campbell, que também
fora amante de Frank Sinatra, levara várias vezes mensagens de Kennedy para
Giancana, contendo “intelligence material” relacionado com a eliminação de
Castro, conforme posteriormente ela revelaria.103 Porém,
como consequência da conversa com J. Edgard Hoover, Kennedy, que o confirmara na presidência do FBI, da
mesma forma que Allen Dulles, na direção da CIA, por
temer a revelação dos seus segredos,104 parou
de atender às chamadas da mulher, o que pôs fim ao romance, e deixou de usá-la
como emissária particular de suas mensagens para Giancana.105 No dia seguinte à audiência com Kennedy,
Hoover encaminhou ao coronel Edwards um memorando indagando se a CIA teria ou
não alguma objeção a que o Departamento de Justiça iniciasse um processo
criminal contra Maheu por ele ter instalado clandestinamente um aparelho de
escuta telefônica num hotel de Las Vegas. A CIA naturalmente objetou, devido ao
risco de expor “as mais sensíveis informações relativas à abortada invasão de
Cuba” e acarretar os mais prejudiciais embaraços ao governo norte-americano.
Ademais, a utilização dos gângsteres para eliminar Fidel,
Raúl Castro e Che Guevara continuava nos planos da CIA.
No começo
de abril, por ordem de Richard Helms, que substituíra Bissell como diretor de
Planos, William Harvey, chefe da Task Force W, pediu ao coronel Sheffield
Edwards que o colocasse em contato com Rosselli. A ele fora designada, desde o
início de 1961, a tarefa de capacitar a CIA para a Executive Action, incluída
sob o criptograma ZR/RIFLE,106 visando a
inutilizar líderes estrangeiros, inclusive por meio do assassinato, como
“última instância”, e seu encontro com Rosselli, a quem
entregou quatro pílulas com veneno para matar não apenas Fidel
como também Raúl Castro e Che
Guevara, ocorreu em 21 de abril de 1962.107
Tony Varona, que possuía os contatos com os cubanos incumbidos de cumprir a
missão, pediu armas e equipamentos que a estação da CIA em Miami (JM/WAVE) lhe
forneceu, e, como das vezes anteriores, nada aconteceu. Poucos dias depois, em
7 de maio, o coronel Sheffield Edwards foi convocado ao
gabinete do procurador-geral, Robert Kennedy, a quem
reportou, primeiro verbalmente e depois através de memorando,108
os entendimentos que mantivera com Giancana e Rosselli por intermédio de
Robert Maheu. Esta audiência, assistida pelo conselheiro-geral da CIA, Laurence
Houston, em 7 de maio de 1962, teve como objetivo relatar-lhe os entendimentos
da CIA com o crime organizado, visando à eliminação de Castro, porém Edwards
informou-o, falsamente, de que a operação terminara. Robert Kennedy estava
colérico porque nada lhe fora dito a respeito de Giancana. Não condenou a
imoralidade do plano para assassinar Castro, cuja ideia lhe era simpática, nem
proibiu a continuidade do conluio com os gângsteres, apenas advertiu que queria
tomar conhecimento prévio de outros eventuais contatos e ordenando à CIA que
não desse tais passos sem antes consultar o Departamento de Justiça.109
Os complôs
da CIA para eliminar Castro e os outros dois top leaders da revolução — Raúl Castro e Che Guevara —
não se restringiram às articulações com os gângsteres do sindicato do jogo e do
narcotráfico. O inquérito conduzido pelo comitê do senador Frank
Church, em 1975, encontrou evidências de que ela se envolvera pelo menos em
oito tentativas para assassiná-lo, das 24 alegadas por Fidel
Castro, conforme lista por ele entregue ao senador George
McGovern.110 No contexto da Operation
Mongoose, a CIA, além de pílulas e charutos envenenados, inventou, produziu e
forneceu aos dissidentes cubanos, dispostos a perpetrar o crime, os mais
poderosos rifles, canetas com a ponta também envenenada, pós com bactérias
mortíferas e vários petrechos que desafiavam a imaginação.111
Os planos mais sinistros a Task Force W da CIA igualmente concebeu com o
objetivo de arruinar Cuba, provocar o caos econômico, social e político e criar
as condições para a intervenção armada dos Estados Unidos e a derrubada do
governo Castro. A Task 33, recomendada pelo general Lansdale,
implicava o uso de guerra química, mediante o espargimento de gases não letais
que adoecessem os trabalhadores cubanos durante a safra da cana-de-açúcar, a
fim de afastá-los do campo e incapacitá-los para a colheita, que começava em 15
de janeiro de 1962.112 Outra tarefa
consistiu também na utilização dos gângsteres para que penetrassem no mercado
negro em Cuba e realizassem operações de sabotagem econômica.113
O general Lansdale entendeu também que devia ser
considerado com imaginação e arrojo o esforço para encontrar um nome, na alta
cúpula do governo cubano, “digno de receber ao menos US$ 1 milhão para romper
com Castro e fraturar por dentro o regime revolucionário.114
E, como
parte do Cuba Project (Operation Mongoose), o Pentágono elaborou, sob o
codinome Operation Northwoods, uma série de subterfúgios para que os Estados
Unidos interviessem diretamente em Cuba. Um deles foi a criação de um
Incident which will demonstrate convincingly
that a Cuban aircraft hás attacked and shot down a chartered civil airliner en
rout from the United States to Jamaica, Guatemala, Panama or Venezuela.
Caberia à
CIA, por meio de rádio, acionar a explosão do aparelho, em rota dos Estados
Unidos para a Jamaica, a Guatemala, o Panamá ou a Venezuela, transportando um
group of collegee students off a holiday or
any grouping of persons with common interest to support chartering a non
scheduled flight.115
O general Lyman L. Lemnitzer, chefe do Estado-maior
Conjunto das Forças Armadas americanas, também considerou a possibilidade de
fazer explodir, em Cabo Canaveral, o foguete, matando John
Glenn, e manufaturar “various pieces of evidence which would prove
electronic interference on the part of the Cubans.”116
Assim, enquanto a Nasa se preparava para lançar ao espaço o primeiro astronauta
americano, o Estado-Maior Conjunto do Pentágono cuidava de usar a possível
morte de John Glenn para deflagrar a guerra contra
Cuba.117 Entre vários outros pretextos, o Pentágono também sugeriu a encenação de
um ataque à base naval de Guantánamo,118 por
alguns cubanos “friendly”, fantasiados com fardamento do Exército Rebelde,
“razão propagandista” que Hitler usara para invadir a
Polônia. Também foi sugerida a explosão de um navio norte-americano em
Guantánamo, para atribuir a culpa ao governo de Fidel
Castro, reproduzindo assim o afundamento do Maine, que em 1898 servira como
justificativa para os Estados Unidos declararem guerra à Espanha e intervirem
em Cuba. A Operation Northwoods, aprovada pelo general Lemnitzer
e por todos os membros do Estado-maior das Forças Armadas americanas, conforme
James Bamford avaliou, foi o “...most corrupt plane ver created by the U.S.
government”.119 Em nome do anticomunismo, os
chefes militares pretenderam desencadear “a secret and bloody war of terrorism”
contra o seu próprio país, os Estados Unidos, a fim de enganar a opinião
pública americana e induzi-la a apoiar uma “ill-conceived” guerra que
pretendiam desfechar contra Cuba.120”
48. Ofício nº 143/600. (24h), confidencial,
de Bastian Pinto a San Tiago Dantas, Havana, 5/5/1962. MDB — Havana — Ofícios
Recebidos — 1962-1964. Ibid.
49. Ibid.
50. U.S. Senate — Alleged Assassinations
Plots involving Foreign Leaders — An Interim Report of the Select Committee to
Study Governmental Operations with Respect to Intelligence Activities —
November 20, 1975, Government Printing Office, 1975, p. 140.
51. Powers, 1981, pp. 171, 175 e 176.
52. Program Review by the Chief of Operations
— Operation Mongoose (Lansdale) — The Cuba Project, Washington, February 20,
1962. FRUS, vol. X, 1961-1962, Cuba, pp. 745-747.
53. Ibid., p. 747.
60. Memorandum from the Chairman of the Board
of National Estimates (Sherman Kent) to Director of Central Intelligence Agency
Dulles. Subject: The Situation and Prospects in Cuba. Washington, November 3,
1961. Ibid., pp. 668-672.
61. Ibid., pp. 668 e 669.
62. Ibid., p. 669.
63. Paper prepared in the Central
Intelligence Agency — Types of Covert Actions against the Castro Regime,
Washington, November 8, 1961. Ibid., pp. 675-677. Vide também Escalante Fon,
1993, p. 137.
64. Telegrama nº 210, confidencial, da
embaixada do Brasil em Havana (Bastian Pinto), 29/5-1/6.1962 — 16h45.
Telegramas Recebidos — Havana — 1962-1964. AHMRE-B.
65. Carta-telegrama nº 34, secreto, da
embaixada do Brasil em Havana, 8-27/3/1962. Cts. — Telegramas — Recebidos —
Havana — 1962-1964. Ibid.
66. Telegrama nº 210, confidencial, da
embaixada do Brasil em Havana (Bastian Pinto), 29/5-1/6/1962 — 16h45.
Telegramas Recebidos — Havana —1962-1964. Ibid.
67. Ibid.
68. Telegrama nº 276, secreto, da embaixada
do Brasil em Havana (Carlos Jacyntho de Barros), 10/10/1961 — 18h30. MDB —
Secretos — A-K — Cts. Rec. e Exp. — 1960-1961. Ibid.
69. Ibid.
70. Telegrama nº 250, confidencial, da
embaixada do Brasil em Havana (José Maria Diniz Ruiz de Gamboa), 10/7/1962 —
16h45. Telegramas — Recebidos — Havana — 1962-1964. Ibid.
71. Telegrama nº 192, confidencial, da
embaixada do Brasil em Havana (Bastian Pinto), 15-16/5/1962 — 11h15. Telegramas
— Recebidos — Havana — 1962-1964. Ibid.
72. Calculava-se que um total de 220.000
pessoas já haviam abandonado Cuba, dirigindo-se a maioria para os Estados
Unidos. Ofício nº 107, confidencial, de Bastian Pinto a San Tiago Dantas,
Havana, 29/3/1962. MDB — Havana — Ofícios Recebidos — 1962-1964. Ibid.
73. Na embaixada do Equador, que ficara a
cargo do Brasil depois do rompimento de suas relações com Cuba, asilara-se,
havia meses, o dono do jogo no antigo Cassino Capri, Evaristo Garcia Vidal,
“verdadeiro gangster”, que levou para o asilo todos os seus croupiers e um bom
grupo de guarda-costas. Ali o jogo, bancado por ele, campeou todas as noites,
das 22h até as 4h da manhã, e a entrada era franca: as pessoas entravam e saíam
à vontade da embaixada e podiam jogar tanto em pesos quanto em dólares. Depois
que o Brasil assumiu o encargo da embaixada e pediu reforço da guarda dos
milicianos, a entrada franca de jogadores terminou, mas o jogo bancado
continuou, pois entre os mais de 200 asilados havia jogadores suficientes.
Ofício nº 153, confidencial, de Bastian Pinto a San Tiago Dantas, Havana,
18/5/1962. MDB — Havana — Ofícios Recebidos — 1962-1964. Ibid.
74. Discurso do presidente Oswaldo Dorticós
en Cárdenas, in Hoy, La Habana, 17/6/1962. Anexo ao Ofício nº 181,
confidencial, da embaixada do Brasil em Havana, 22/6/1962. MDB — Havana —
Ofícios Recebidos — 1962-1964. Ibid.
75. Discurso de Dorticós. Ibid.
76. Anexo ao Ofício nº 181, confidencial, da
embaixada do Brasil em Havana, 22/6/1962. MDB — Havana — Ofícios Recebidos —
1962-1964. Ibid.
77. Arboleya, 1997, p. 118.
78. Em agosto de 1962, o navio de carga
britânico S.S. Streatham Hill, fretado pela União Soviética, para onde
transportava 80.000 sacas de açúcar, aportou em San Juan, Porto Rico, para
reparos. Mais de 14.000 sacas de açúcar foram desembarcadas para facilitar o
serviço, e os agentes da CIA aproveitaram para contaminá-las com uma substância
química impalatável. Quando Kennedy soube, ordenou que o açúcar contaminado não
deixasse Porto Rico, e a União Soviética nunca recebeu essa parte do
carregamento. Franklin, 1997, p. 53.
79. Powers, 1981, p. 175.
80. Id., ibid., p. 175.
83. Id., ibid., p. 144.
84. Id., ibid., p. 150.
85. Carta-telegrama nº 207, confidencial, do
Itamaraty para a embaixada do Brasil em Washington — Telegramas —
Cartas-telegramas — Recebidos e Expedidos — 1962. AHMRE-B.
86. Escalante Fon, 1993, p. 151.
87. Carta-telegrama ti0 207, confidencial, do
Itamaraty para a embaixada do Brasil em Washington. 10/7/1966. Washington —
Telegramas — Cartas-telegramas — Recebidos e Expedidos — 1962. AHMRE-B.
88. “How to Start a War: The Bizarre Tale of
Operation Mongoose”, reportagem apresentada no programa de televisão Nightline,
da rede ABC, nos Estados Unidos, por Aaron Brown, no dia 29/1/1998. Cf.
Ferreira, Argemiro, “Documentos secretos revelam mais truques sujos planejados
nos Estados Unidos para derrubar Fidel”, Tribuna da Imprensa, Rio de Janeiro,
5/1/1998.
89. Sam Giancana foi assassinado em 20 de
junho de 1975, possivelmente para não depor perante a Comissão do senador Frank
Church, que investigava as atividades de inteligência e os complôs da CIA para
assassinar líderes estrangeiros.
90. Judith Campbell Exner, de Beverly Hills,
fora apresentada a Kennedy por Frank Sinatra, em fevereiro de 1960. Beschloss,
1991, pp. 140-142. Hinckle & Turner, 1992, pp. 136-139. Franklin, 1997, p.
31.
91. Hersh, 1997, pp. 303-312. Thompson, 1992,
p. 141.
92. U.S. Senate — Alleged Assassinations
Plots Involving Foreign Leaders — An Interim Report of the Select Committee to
Study Governmental Operations with Respect to Intelligence Activities —
November 20, 1975, Government Printing Office, 1975, pp. 72 e 73.
93. Powers, 1981, p. 186.
94. U.S. Senate — Alleged Assassinations
Plots Involving Foreign Leaders — An Interim Report of the Select Committee to
Study Governmental Operations with Respect to Intelligence Activities —
November 20, 1975, Government Printing Office, 1975, pp. 74-77. Memorandum for
the Record. Subject: Arthur James Balleti et al. Unauthorized Publication or
Use of Communications. Washington, May 14, 1962. Memorandum prepared by
Sheffield, CIA Director of Security, at Attorney General Robert Kennedy=s
request. FRUS, vol. X, 1961-1962, Cuba, pp. 807-809.
95. Ibid., p. 808. U.S. Senate — Alleged
Assassinations Plots Involving Foreign Leaders — An Interim Report of the
Select Committee to Study Governmental Operations with Respect to Intelligence
Activities — November 20, 1975, Government Printing Office, 1975, p. 75.
96. Ibid., pp. 79-83. Hersh, 1997, pp.
203-207.
97. Hinckle & Turner, 1992, pp. 76-81.
98. Hersh, 1997, pp. 205-206.
99. U.S. Senate — Alleged Assassinations
Plots Involving Foreign Leaders, pp. 123 e 124.
100. U.S. Senate — Alleged Assassinations
Plots Involving Foreign Leaders, p. 126.
101. Ibid., pp. 127-128.
102. Ibid., p. 80.
103. Thompson, 1992, p. 141.
104. Nos arquivos do FBI e, presumivelmente,
da CIA existiam documentos que evidenciavam as ligações amorosas de Kennedy, em
1942, com Inga Arvad Fejos, suspeita de ser espiã nazista. Esse material fora
colhido pela inteligência da Marinha, e tanto Kennedy quanto seu pai temiam que
ele pudesse ser revelado, destruindo-lhe a carreira. Beschloss, Kennedy v. Khrushchev — The Crisis Years — 1960-1963, 1991, p. 103.
105. U.S. Senate — Alleged Assassinations
Plots Involving Foreign Leaders, pp. 129-130. Franklin, 1997, pp. 50-51.
Hinckle & Turner, 1992, pp. 138-139. Em janeiro de 1997, Judith Campbell
publicou artigo na revista Vanity Fair no qual confirmou haver sido
intermediária entre Kennedy e Giancana sobre os planos para matar Castro.
106. U.S. Senate — Alleged Assassinations
Plots Involving Foreign Leaders, p. 83.
107. Ibid., p. 84.
108. Memorandum for the Record. Subject:
Arthur James Balleti et al. — Unauthorized Publication for Use of Communications.
Washington, May 14, 1962. Memorandum prepared by Sheffield, CIA Director of
Security, at Attorney General Robert Kennedy=s request. FRUS, vol. X,
1961-1962, Cuba, pp. 807-809.
109. U.S. Senate — Alleged Assassinations
Plots Involving Foreign Leaders, pp. 132-135.
110. Dos 24 casos que Castro indicara na
lista entregue ao senador George McGovern, a CIA negou 15, ou seja, confirmou o
envolvimento em 7, na resposta ao Comitê do senador Frank Church. Ibid., p. 71.
111. Ibid., p. 71.
112. Ibid., p. 148.
113. Operation Mongoose Priority Operations
Schedule — 21 May-30 June, 1962, Washington, May 17, 1962. FRUS, vol. X,
1961-1962, Cuba, pp. 810-820.
114. Program Review by the Chief of
Operations, Operation Mongoose (Lansdale) — The Cuba Project, Washington,
January 18, 1962. Ibid., pp. 710-718.
115. Top Secret Special Handling Noform,
Memorandum for the Secretary of Defense, 13/3/1962, Subject: Justification for
US Military Intervention in Cuba (TS), L.L. Lemnitzer, Chairman, Joint Chieft
of Staff. 1 Enclosure — Memo for the Chief of Operations, Cuba Project.
National Security Archives —
http://www.gwu.edu/~nsarchiv/news20010430/doc1.pdf.
116. Bamford, 2002, p. 84.
117. Id., ibid., p. 84.
118. O serviço secreto cubano já desmontara
uma trama para assassinar Raúl Castro durante as comemorações do 26 de julho de
1961 e, em seguida, disparar monteiros contra a base naval de Guantánamo.
Discurso de Che Guevara na Conferencia del Consejo Interamericano Econômico y
Social da OEA, 8/8/1961, in Guevara, vol. II, 1991, p. 429.
119. Bamford, 2002, p. 83.
120. Id., ibd., p. 83.
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