Editora: Civilização
Brasileira
ISBN: 978-85-200-0866-9
Opinião: ★★★★☆
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Páginas: 798
Sinopse: Ver Parte
I
“(...) Tais
gestões não puderam avançar. No dia 22 de novembro de 1963, enquanto em Cuba
Fidel Castro almoçava com Jean Daniel, retomando a conversação (que se iniciara
em 19 de novembro) sobre a possibilidade de reabrir o diálogo com os Estados
Unidos, Desmond Fitzgerald, responsável pelas operações clandestinas, entregava
a Rolando Cubela Secades, em Paris, uma caneta com um dardo envenenado para que
fosse disparado contra ele. Entretanto, coincidentemente, foi Kennedy que,
naquele dia, tombou em Dallas, assassinado.120 Segundo o jornalista
Tad Szulc, o projeto AM/LASH fora tão sigilosamente mantido pela CIA, que nem
mesmo Kennedy soubera de sua existência.121 E tanto Dean Ruk quanto
McGeorge Bundy, ao prestarem, posteriormente, depoimento perante o Senado
norte-americano, julgaram difícil que Kennedy autorizasse o uso de um
estratagema para assassinar Fidel Castro, enquanto Attwood realizava gestões
com o objetivo de normalizar as relações de Cuba com os Estados Unidos.
Difícil, na verdade, não era. Pelo contrário. Não declarara o próprio Kennedy,
quando a CIA articulava o golpe contra Leónidas Trujillo, na República
Dominicana (1961), que os Estados Unidos, “as
a matter of general policy, could not condone assassination”?122
Não autorizara o golpe de Estado contra Ngo Dinh Diem, presidente do Vietnã do
Sul, assassinado em 2 de novembro, três semanas antes de sua própria morte,
porque ele começara a estorvar os planos dos Estados Unidos e entrara em
negociações secretas com o Vietnã do Norte?123 Por que não haveria
de autorizar o assassinato de Castro? Se soubera e encorajara os entendimentos
da CIA com Sam Giancana, John Rosseli e outros chefes da Máfia, por que não
haveria de autorizar o complô com Rolando Cubela, que era um funcionário do
governo cubano, seu representante na UNESCO e com acesso a Fidel Castro?124
Além do mais, muito provavelmente Desmond Fitzgerald não se apresentaria a Rolando
Cubela como representante pessoal de Robert Kennedy, se este não o tivesse
autorizado, o que significava o conhecimento do presidente. E tanto Kennedy não
via incompatibilidade entre a via das negociações e o complô para matar Castro,
que as incursões contra Cuba, a partir da Flórida, continuaram no mês de
novembro, quando o governo cubano apresentou na televisão três invasores, que
confessaram serem pagos, armados e dirigidos pela CIA, e as inundações,
provocadas por um ciclone, permitiram a descoberta de grandes depósitos de
armas no litoral.125 Assim, não obstante Castro haver revelado ao
embaixador Luís Bastian Pinto que Kennedy, nas suas últimas semanas de vida, já
demonstrara mudança de atitude em relação a Cuba, talvez porque reconhecesse
que ela se tornara muito mais forte, política e economicamente, tanto ao nível
interno quanto externo, o fato era que o ambiente de extrema tensão, lá,
permanecera, em face dos frequentes desembarques de contrarrevolucionários,
levando o governo a anunciar numerosos fuzilamentos de “agentes da CIA”.126”
120. U.S. Senate — Alleged Assassination
Plots Involving Foreign Leaders, pp. 173, 174 e 176.
121. Ibid., pp. 174-176.
122. U.S. Senate — Alleged Assassination
Plots Involving Foreign Leaders, p. 205.
123. Ibid., pp. 217-223 e 261-262. Hersh,
1997, p. 412.
124. Rolando Cubela era um médico que
chefiara o contingente guerrilheiro do Directorio Revolucionario nas montanhas
da região central de Cuba durante a campanha contra Batista. Ele desfrutava da
confiança do governo cubano e fora nomeado representante especial de Cuba junto
à UNESCO, em Paris. Lá, a CIA o contatou. A conspiração prosseguiu mesmo após a
morte de Kennedy. Szulc, 1987, pp. 59-60.
125. Telegrama nº 267, confidencial, da
embaixada do Brasil em Havana (Bastian Pinto), 4-5/11/1963 — 12h30. Telegramas
— Recebidos — Havana — 1962-1964. AHMRE-B.
126. Telegrama nº 273, confidencial-urgente,
da embaixada do Brasil em Havana (Bastian Pinto), 12-13/11/1963. Telegramas—
Recebidos — Havana — 1962-1964; Telegrama nº 295, secreto — urgente, da
embaixada do Brasil em Havana (Bastian Pinto), 8-9/12/1963. CTs. — Telegramas —
Recebidos — Havana — 1962-1964. Ibid.
“Desde a visita de
Castro a Moscou em abril de 1963, as relações de Cuba com a União Soviética
desenvolveram-se com relativa tranquilidade, apesar das numerosas diferenças
ideológicas e em questões de política internacional.1
A União Soviética, em posição defensiva diante da China e dos Estados Unidos,
depois da crise dos mísseis, nada pôde fazer, senão aceitar a independência com
que Castro e Guevara implementavam uma política
própria, próxima da linha chinesa, ao fomentar a luta armada e os chamados
movimentos de libertação nacional, não só na América Latina como na África.
Cuba, porém, já lhe custava compromissos de crédito no valor de US$ 300
milhões, mais cerca de US$ 750 milhões de déficit no seu balanço de pagamentos,
não lhe interessando, portanto, que outros regimes revolucionários se
instalassem na América Latina.2 Assim, os
dirigentes do Kremlin, a fim de isolar a China, instaram Castro a reunir-se com
os partidos comunistas latino-americanos, que sempre funcionaram como cadeia de
transmissão das diretrizes de política exterior da União Soviética, e alcançar
um termo de compromisso que acomodasse o apoio à luta armada com a doutrina da
coexistência e da via pacífica para o socialismo. A reunião ocorreu em Havana,
entre novembro e dezembro de 1964, após a queda de Kruchev,
e seu resultado foi profícuo tanto para a União Soviética como para Cuba.
Castro obteve, de um lado, uma adesão mais explícita e consistente dos partidos
comunistas ortodoxos, mas, por outro, comprometeu-se, a partir daí, a
entregar-lhes a coordenação dos movimentos de inspiração castrista, emergentes
em vários países da América Latina, com o objetivo de formar amplas frentes
políticas e de amplitude continental. A reunião, demonstrando que,
ideologicamente, tanto a União Soviética podia influenciar Cuba quanto Cuba
tinha condições de modificar a atitude da União Soviética, em face do cisma
dentro do chamado campo socialista, terminou então com a emissão de comunicado,
de caráter conciliatório, que, embora admitisse a luta armada em seis países
(Venezuela, Colômbia, Guatemala, Honduras, Paraguai e Haiti), reconhecia a
possibilidade do caminho pacífico no resto da América Latina e condenava
enfaticamente as “polêmicas públicas e atividades fracionalistas”, em clara
alusão às dissidências que a China se empenhava em promover nos partidos
comunistas.
Che Guevara
estranhamente não participou da reunião, cujo objetivo, inter alia, foi
conter Cuba, de um lado, e consolidar, do outro, uma frente única dos partidos
comunistas latino-americanos contra a China, antes da conferência comunista
internacional, a realizar-se em Moscou, em 1º de março de 1965. Ele, decerto,
discordava daquele tipo de entendimento, que implicava o sacrifício de
princípios doutrinários. Suas relações com os partidos comunistas
latino-americanos, em virtude das divergências sobre a luta armada e do seu
apoio a outras correntes revolucionárias não comunistas, tornaram-se
extremamente tensas no curso de 1963 e 1964. A tentativa de implantar um foco
de guerrilha em Salta, norte da Argentina, sob o comando do jornalista Jorge Massetti e com recrutas trotskistas,3 bem como a aliança com John
William Cooke e a esquerda do peronismo antagonizaram-no com Vitório
Codovilla e Rodolfo Ghioldi, dirigentes do Partido
Comunista naquele país. Guevara também já se afastava
das atividades tanto administrativas quanto políticas em Cuba. No início do
ano, tivera de frear o esforço de industrialização, anunciando um plano de
investimentos (US$ 180 milhões) inferior 18% ao do ano anterior, devido ao
imenso déficit no balanço de pagamento com a União Soviética.4
Em julho, perdera o controle sobre a indústria do açúcar, o maior e mais
importante segmento da economia cubana, para a qual Castro criou um ministério
autônomo, e sua influência sobre a condução da economia, concomitantemente,
diminuiu com a substituição de Regino Boti no
Ministério da Economia pelo presidente Oswaldo
Dorticós, que também assumira a direção da JUCEPLAN. E em novembro, às vésperas
dos preparativos para a reunião dos partidos comunistas da América Latina, Guevara partira para Moscou, onde assistiu ao desfile do
dia 7, comemorativo do 47º aniversário da revolução russa, na Praça Vermelha.
Fora seu primeiro contato com os dirigentes do Kremlin depois da crise dos
mísseis, mas sua percepção do socialismo real, tal como existente no Bloco
Soviético, já se revelava profundamente crítica. Ele concluíra que os países da
Europa Ocidental, apesar do que se dissesse, estavam a avançar em ritmo
superior ao dos países da chamada democracia popular.5
E constatara que a fraqueza do soi-disant campo socialista decorria não
apenas do magro potencial econômico, mas também da perversão do regime na União
Soviética e nos países do Leste Europeu.6 No
entender de Che Guevara, o pensamento na União
Soviética, governada por uma gerontocracia, esclerosara-se, perdera o vigor
intelectual e cultural.7 “La investigación
marxista avanza en un camino peligroso”, Guevara
certa vez observou, acrescentando: “Al dogmatismo intransigente da época de Stalin le ha sucedido un pragmatismo inconsistente. Y lo
trágico es que lo mismo ocurre en todos los aspectos de los pueblos socialistas”.8 Guevara considerava
também muito difícil a situação em Cuba, apesar da aparente pausa do sectarismo
e a crise do Caribe.9 E, a contrastar com o
otimismo de Castro, tinha uma visão bastante sombria da situação internacional
e, em especial, da América Latina, onde, no dia em que embarcara para Moscou,
um golpe de Estado derrubara o presidente Victor Paz
Estenssoro e instalara uma junta militar, sob a presidência do general René Barrientos, homem vinculado à CIA desde 1960. Ele não
via alternativa a não ser a luta armada para a libertação dos povos do Terceiro
Mundo, mas se dava conta de que a União Soviética, não podendo dar a Cuba, um
país pequeno, uma ajuda suficiente, não teria condições de sustentar um país
como o Brasil, se ali uma revolução socialista ocorresse.10
Em Moscou, onde demonstrou alguns desacordos com os soviéticos, Guevara soube que o apontavam como trotskista.11 “Yo he expressado opiniones que pueden
estar más cerca del lado chino (...) y también lo de trotskismo surge mezclado”,
comentou e, aludindo sarcasticamente ao hábito de baeta amarela e verde que os
réus da Inquisição vestiam pela cabeça, à moda de saco, nos autos-de-fé, aduziu
que “dicen que los chinos son fraccionalislas y trotskistas y a mi también
me meten el sambenito”.12 Segundo Kiva Maidanik, especialista em América Latina no PCUS, os
dirigentes do Kremlin, sobretudo Brejnev, não
simpatizavam com Che Guevara, não por ser ele
favorável à linha chinesa, mas por seu suposto trotskismo, e molestavam-se com
o “elemento antiburocrático vibrante” no seu pensamento.13
Como resultado de sua segunda viagem à União Soviética, de acordo com Paco Ignacio Taibo II, Guevara
começou a modificar suas ideias sobre Trotski e o
trotskismo, por entender que não se podiam destruir opiniões a pauladas, pois
isso matava o desenvolvimento da inteligência, e que estava “claro que del
pensamiento de Trotski se pueden sacar una série de
cosas”.14 Que coisas, não disse. Mas o
fato era que realmente as concepções de Guevara,
quanto à permanência da revolução, seu caráter socialista e internacional,
mesmo nos países atrasados e coloniais e semicoloniais, assemelhavam-se mais
com as teorias de Trotski do que com as difundidas
pelos partidos comunistas, que, modelados pelo stalinismo, defendiam a
colaboração com a chamada burguesia progressista e o caminho pacífico para o
socialismo, conforme as diretrizes da União Soviética, empenhada em sofrear a
corrida armamentista e expandir suas relações comerciais, de modo a melhorar os
níveis de vida do seu povo, e não em propagar qualquer tipo de revolução, quer
na Europa, quer no Terceiro Mundo. Segundo D. Bruce
Jackson, do Washington Center of Foreign Policy Research, da Johns Hopkins
University, o segundo homem no movimento revolucionário de Castro, Che Guevara, foi, ao menos parcialmente, influenciado
pelas ideias trotskistas e reivindicado como amigo pelos trotskistas em Cuba e
no resto da América Latina.15 Mas, enquanto
ele tendeu para o trotskismo, com a crença de que só seria possível promover e
sustentar a construção do socialismo em Cuba mediante a abertura de novas
frentes revolucionárias no Terceiro Mundo, Castro, concentrando-se nos
problemas do país, orientou-se cada vez mais na direção da União Soviética.16
Àquela época, fins de 1964, Guevara, embora
reconhecesse, por um lado, que fora um erro menosprezar a agricultura,
rechaçava, por outro, a reconcentração dos esforços na produção de açúcar, tal
como a União Soviética induzira Castro, e não se resignava com o abandono dos
projetos industriais, entre os quais a instalação do complexo siderúrgico, nem
com o fato de que a Cuba se reservasse o destino de país monoprodutor e
especializado. Muito provável era que, desiludido, já então estivesse a
amadurecer a ideia de abandonar o Ministério da Indústria para dirigir a luta
revolucionária em outro país,17 talvez a
Argentina, onde Jorge Ricardo Massetti, o comandante
Segundo, a quem ele encarregara de instalar um foco de guerrilha, desaparecera,
liquidado pelas forças de repressão. Tanto isto é certo que, depois de retornar
da União Soviética, permaneceu menos de um mês em Cuba, onde, aparentemente,
não participou da conferência dos 22 partidos comunistas latino-americanos e,
na Província de Oriente, fez um discurso, exaltando a luta armada, ao ressaltar
que Cuba demonstrara “como se hacer una revolución al lado, en las fauces
del imperialismo yanqui, y, no solo hacer, declarar socialista la revolución, y
no declararla de palabras, declararla expropiando a los explotadores”.18 Menos de 10 dias depois, em 9 de dezembro,
ele voltou a viajar, desta vez para Nova York, como chefe da delegação cubana à
19ª Assembleia-Geral da ONU, evidenciando que, não obstante as concessões à
União Soviética e aos partidos comunistas ortodoxos, Castro continuava solidário
com a sua linha de pensamento, favorável a uma política revolucionária, mais
agressiva, nos países do Terceiro Mundo. Lá, no dia 11 dezembro, Che Guevara perante o plenário, fez um pronunciamento,
no qual declarou, peremptoriamente, que, “como marxistas, hemos mantenido
que la coexistencia pacífica entre naciones no engloba la coexistencia pacífica
entre exploradores y explotados, entre opresores y oprimidos”.19 E não apenas mostrou sua preocupação com as
lutas no Vietnã, no Laos e no Congo, mostrando sua indignação com o massacre
realizado em Stanleyville pelas tropas da Bélgica,20
como, ao responder ao representante da Nicarágua, revelou a intenção de
prosseguir na luta, em qualquer parte do continente, dizendo:
He nacido en la Argentina; no es secreto para nadie. Soy cubano y
también soy argentino y, si no se ofenden las ilustríssimas señorias de
Latinoamérica, me siento tan patriota de Latinoamérica, de cualquier país de
Latinoaméríca, como el que más e, en momento que fuera necesario, estaría
dispuesto a entregar mi vida por la liberación de cualquiera de los países de
Latinoamérica, sin pedirle nada a nadie, sin exigir nada, sin explotar a nadie.21”
1. Erisman, Cuba’s International Relations, 1985, p. 27.
2. Duncan, The Soviet Union and Cuba, 1985, pp. 56-57.
3. Castañeda, La Vida en Rojo — Una Biografia del Che Guevara, 1997, p. 305. Anderson, Che
Guevara — A Revolutionary Life, 1997, p. 596.
4. Taibo II, Ernesto
Guevara, también conocido como el Che, 1997, p.
482.
5. Id., ibid., p. 497.
6. Cormier, Che Guevara (Nouvelle édition augmentée), 1997, p. 325.
7. Id., ibid., p. 325.
8. Apud Kalfon, Che — Ernesto Guevara, una leyenda de nuestro siglo, 1997, p. 419.
9. Castañeda, 1997, p. 306.
10. Cormier, 1997, p. 325.
11. Taibo II, 1997, p. 497. Anderson, 1997,
p. 596. Castañeda, 1997, pp. 359-360.
12. Taibo II, 1997, p. 497. Kalfon, 1997, p.
421.
13. Gilbert, 1994, p. 60.
14. Taibo II, 1997, pp. 497-498.
15. Jackson, Castro: The Kremlin and Communism in Latin America,1969, p. 11.
Embora, quando mais jovem, demonstrasse muitas vezes admiração por Stalin, Che
Guevara contou a Luís Simón, universitário que passara algum tempo com ele na
serra, durante 1948, que fora trotskista na Argentina. Castañeda, 1997.
16. Liss, Marxist
Thought in Latin America, 1984, pp. 259-260.
17. Gambini, El Che Guevara, 1968, p. 419.
18. El 30 de Noviembre de 1956, discurso en
homenage a la fecha al inaugurarse un combinado industrial en Santiago de Cuba,
el 30 de noviembre de 1964, in Guevara, 1991, vol. 11, pp. 638-651.
19. En la XIX Asamblea General de las
Naciones Unidas: Discurso y contrarréplica, in Guevara, 1991, vol. II, pp.
541-571.
20. Em 30 de junho de 1960, o Congo belga
(Léopoldville) obteve sua independência, e Patrice Lumumba, nacionalista,
assumiu o governo. Pouco tempo depois, o Exército amotinou-se e a Bélgica
interveio, permitindo que um fantoche, Moise Tshombe, proclamasse, por sua
conta, a independência de Katanga, região ao sul do país, onde a União Mineira,
representante dos mais poderosos interesses belgas, estava instalada. As tropas
da ONU, que lá intervieram, protegeram os interesses separatistas, que os
Estados Unidos favoreciam. Em setembro de 1960, Mobutu, um antigo sargento
elevado a coronel, prendeu Lumumba, o que levou alguns de seus ministros a
formar um governo leal em Stanleyville, ao norte do país. Golpeado e torturado,
Lumumba foi entregue, em 1961, a Tshombe, que mandou executá-lo, com a
cumplicidade da CIA. Desde então a luta não cessou. Em 1963, Pierre Mulele,
antigo ministro de Lumumba, iniciou uma guerra revolucionária em Kwilu, a
oeste, e Gastóns Soumialot, em 1964, assumiu o controle desse país e organizou
em Stanleyville a República Popular do Congo. Tshombe, nomeado
primeiro-ministro por obra de Mobutu, lançou seus homens contra Stanleyville,
contando com o apoio de aviões norte-americanos, pilotados por exilados cubanos,
que a CIA treinara.
21. En la XIX Asamblea General de las
Naciones Unidas: Discurso y contrarréplica, in Guevara, 1991, vol. II, p. 562.
“Os
Estados Unidos atravessavam então gravíssima crise política e moral, em virtude
não apenas da derrota na guerra do Vietnã, contra a qual, internamente, os mais
intensos e disseminados protestos começaram a ocorrer desde que, em 1970, as
tropas norte-americanas invadiram o Camboja. Também abalou os Estados Unidos o
escândalo, que provocara a renúncia de Nixon (1974) em meio a um processo de impeachment em curso no Congresso, ao
descobrir-se que alguns agentes da CIA invadiram o Hotel Watergate, sede do
Partido Democrata em Washington, na campanha eleitoral de 1972 e que a Casa
Branca utilizava as agências de segurança nacional e inteligência (FBI e CIA)
na política interna. Esse episódio levou o Senado norte-americano a instaurar
uma comissão de inquérito, sob a presidência do senador Frank Church (Idaho),
para investigar as operações de inteligência do governo. Seus trabalhos
revelaram não apenas que, desde 1970, a CIA, por ordem de Nixon, começara a
organizar o golpe de Estado contra o governo do presidente Salvador Allende,
considerado inaceitável para os Estados Unidos,6 como participara,
ao tempo de Kennedy, dos assassinatos de Leónidas Trujillo (República
Dominicana), de Patrice Lumumba (Congo), do general Ngo Dinh Diem e de seu
irmão (Vietnã do Sul), bem como de pelo menos oito complôs para matar Fidel
Castro, entre 1960 e 1965.7”
6. A preparação do golpe militar começou em
1970, por instrução direta de Nixon a Richard Helms, diretor da CIA, visando a
impedir a posse de Allende na Presidência do Chile, para a qual fora então
eleito. O general René Schneider, comandante-em-chefe das Forças Armadas,
opôs-se à conspiração e foi assassinado pela CIA. U.S. Senate, Alleged Assassination Plots Involving
Foreign Leaders, pp. 225-254.
7. Em 1975, Castro entregou ao Senador George
McGovern uma lista com 24 tentativas de assassiná-lo nas quais a CIA esteve
envolvida. A CIA negou envolvimento em quinze. Ibid., p. 71n.
“Cuba, àquela época,
sofreu premente necessidade de divisas, não apenas porque sua dívida externa
com os bancos privados internacionais, estabilizada em US$ 3,6 bilhões no
início dos anos 1980, saltara para US$ 4,7 bilhões em 198664
e, com a União Soviética, atingira 7,5 bilhões de rublos, mas também porque a
cotação do açúcar no mercado mundial, no qual vendia entre 10% e 40% de sua produção,
despencara de 27 cents, em 1980, para 4 cents, no meio da década, e ela nem
podia obter novos financiamentos e não dispunha senão de US$ 650 milhões,
contra US$ 1,5 bilhão em 1984, para pagar as importações que fazia do Ocidente.65 Essa escassez de divisas provavelmente
determinou a campanha de “rectificación de errores y tendencias negativas”,
visando a obter mais austeridade interna e disciplina de trabalho, mas a
escalada da dívida externa em divisas, cujo pagamento do serviço Cuba
suspendera em 1986, continuou e atingiu o montante de US$ 6,2 bilhões.66 No começo de 1988, ela tinha atrasos
acumulados no valor de 2,1 bilhões de pesos (o peso, sobrevalorizado, tinha
oficialmente cotação ao par com o dólar) no principal e 360 milhões de pesos
nos juros. Um adicional de 1,2 bilhão de pesos no principal e 505 milhões de
pesos em juros somou-se àquele montante em 1988, quando o total das obrigações
do serviço da dívida subiu para 4,18 bilhões de pesos, levando Cuba a requerer
do Clube de Paris a extensão do prazo de pagamento para 15 anos, com cinco de
carência.67 Entre 1986 e 1990, Cuba recebeu
da União Soviética empréstimos no total de US$ 11,6 bilhões (US$ 8,2 para
cobrir os déficits comerciais e US$ 3,4 bilhões em ajuda ao desenvolvimento) e
sua dívida com os soviéticos subiu para US$ 24,5 bilhões.68
Entretanto, sem os recursos do Banco Mundial ou do Fundo Monetário
Internacional, Cuba teve de cortar drasticamente suas importações em moeda
forte, impor um programa de austeridade e reduzir o crescimento planejado de 5%
para entre 1% e 1,5%,69 em 1988, com o que a
disponibilidade de bens de consumo piorou cada vez mais.
A União Soviética estava a enfrentar o mesmo problema. Trotski, já em 1930, observara que o ponto fraco da
economia soviética, além do atraso que herdara do passado, consistia no
isolamento, dado que ela não podia aproveitar os recursos da economia mundial,
nem de acordo com os princípios socialistas, nem mesmo de acordo com os
princípios capitalistas, sob a forma de crédito internacional normal, de
financiamento, cuja importância era decisiva para os países atrasados.70 As crises agudas que afetavam a economia
soviética, Trotski advertira, lembravam que as forças
produtivas criadas pelo capitalismo não podiam adaptar-se à moldura nacional e
só podiam ser coordenadas e harmonizadas de forma socialista em um plano
internacional. Essas crises, ele acrescentou, representavam “algo infinitamente
mais grave do que as moléstias infantis ou de crescimento”: elas constituíam
“severas advertências” do mercado internacional, ao qual a União Soviética
estava subordinada e ligada e do qual não podia separar-se.71
Conforme sua previsão, se uma revolução política não ocorresse e a democracia,
com plena liberdade dos sindicatos e dos partidos políticos, não fosse
restabelecida na União Soviética, a restauração da propriedade privada dos
meios de produção tornar-se-ia ali inevitável e a nova classe possuidora, para
a qual as condições estavam criadas, encontraria seus servidores entre os
burocratas, técnicos e dirigentes, em geral, do Partido Comunista.72
A Segunda Grande Guerra (1939-1945), não obstante os imensos danos que
causara à União Soviética, aliviou-lhe de certo modo as dificuldades, ao
possibilitar que incorporasse ao seu espaço econômico os países do Leste
Europeu e se impusesse como potência política e militar, à frente do chamado
Bloco Socialista. E o que a orientara, prevalecendo sobre quaisquer
considerações revolucionárias e internacionalistas, fora seu próprio interesse
nacional, o interesse do Estado soviético, racionalizado pela teoria do socialismo
em um só país, segundo a qual tudo o que se fizesse para defendê-lo e
fortificá-lo favoreceria a causa do proletariado mundial. O socialismo real,
tal como existente na União Soviética e nos países do Leste Europeu, pretendia
constituir não uma via de distribuição da riqueza, produzida pelo capitalismo
de forma excludente e discriminatória, de acordo com a concepção de Marx, mas uma política de desenvolvimento, seduzindo
mais os povos dos países atrasados do que o proletariado das potências
industriais, em virtude do apelo nacionalista ou anti-imperialista de que se
revestira. Contudo, a tentativa de implantar o socialismo, mediante a
estatização dos meios de produção e a planificação da economia, em países
atrasados, de escassa industrialização ou onde não havia riqueza para
distribuir, estava, naturalmente, destinada ao fracasso, em consequência de
suas contradições internas e externas. De um lado, a burocratização do sistema
produtivo e a equalização social impediam a acumulação de capital necessário ao
esforço de desenvolvimento econômico. Por outro, não obstante o estabelecimento
de sua própria comunidade econômica — o CAME/COMECON —, com um sistema
monetário internacional próprio e submetendo o comércio a acordos de longo
prazo, conforme os planos quinquenais, a União Soviética e os países do chamado
Bloco Socialista jamais se libertaram do mercado mundial, que não deixara de
funcionar segundo as leis do capitalismo. Era inevitável, portanto, que suas
economias sofressem igualmente as consequências da depressão que o abatera no
início dos anos 1970, quando Nixon, diante das
dificuldades enfrentadas pelos Estados Unidos, desvinculou o dólar do
padrão-ouro, iniciando a demolição do sistema monetário que os acordos de
Bretton Woods estabeleceram, e as regras para o manejo das taxas de câmbio
foram abandonadas, no início de 1973.
Como resposta, os países exportadores de petróleo, agrupados desde 1960
na OPEP (Organização dos Países Exportadores de Petróleo), quadruplicaram os
preços do óleo cru, atingindo duramente a economia não apenas das potências
industriais, mas, sobretudo, dos países em desenvolvimento, com graves reflexos
sobre os países do Bloco Socialista, uma vez que, ao importar matérias-primas
do Ocidente a custos cada vez mais elevados, eles não puderam manter o subsídio
às exportações. Em tais circunstâncias, o abalo no comércio mundial afetou
igualmente a União Soviética, em 1974, compelindo-a tomar a iniciativa de
reajustar os termos do comércio com os demais parceiros do CAME e a estabelecer
o preço das exportações de acordo com a média do mercado mundial, a fim de
evitar maior deterioração de sua economia, bastante comprometida, entre outros
fatores, pelos gastos militares decorrentes da competição com os Estados
Unidos. Desde então, a crise econômica carcomeu todo o Bloco Socialista e
determinou sua desintegração, em 1989, bem como a da própria União Soviética,
que retornou à economia de mercado, restaurando a propriedade privada dos meios
de produção e integrando-se no sistema capitalista mundial, do qual, na
verdade, nunca se libertara e sempre dependera.”
64. Zimbalist & Brundenius, The Cuban Economy — Measurement and Analysis
of Socialist Performance, 1989, p. 154. Eckstein, 1994, p. 72.
65. Id., ibid., pp. 72 e 73. Zimbalist &
Brundenius, 1989, pp. 156 e 157.
66. Mesa-Lago, Breve Historia Econômica de Cuba Socialista — Políticas, Resultados y
Perspectivas, 1994, p. 168.
67. Zimbalist & Brundenius, 1989, p. 159.
68. Mesa-Lago estimou que o total da dívida
exterior de Cuba (incluída tanto a parte em divisas como a não conversível)
atingira em 1990 o montante de US$ 37 bilhões, a mais alta dívida per capita da
América Latina. Mesa-Lago, 1994, pp. 166-168. Segundo Eliana Cardoso e Ann
Helwege, em 1989, Cuba devia US$ 18 bilhões (em rublos) à União Soviética e aos
países do Leste Europeu, e US$ 6 bilhões aos bancos comerciais do Ocidente.
Cardoso & Helwege, 1992, p. 99.
69. Zimbalist & Brundenius, 1989, p. 159.
70. Eckstein, Back from the Future — Cuba under Castro, 1994, p. 11.
71. Id., ibid., p. 12.
72. Trotski, La Révolution Trahie, 1936, pp. 285, 286, 306, 324 e 325.
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