Editora: Benvirá
ISBN: 978-85-64065-41-3
Tradução: Marcos Santarrita
Opinião: ★★★★☆
Páginas: 512
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Sinopse: Misturando
ficção com fatos históricos, 1919 apresenta os reflexos dos movimentos
que alteravam a paisagem sociopolítica dos Estados Unidos no começo do século
XX: o modo como os socialistas comemoraram a vitória da Revolução Russa (1917),
a repressão da polícia, como o presidente Woodrow Wilson criticava a esquerda
norte-americana que adotava a política de não participação na Primeira Guerra
Mundial (1914-1918) e a consequente marginalização dessa mesma esquerda na
sociedade.
Segundo livro da trilogia USA, 1919 dá
continuidade à composição do painel político e social dos Estados Unidos,
iniciado em Paralelo 42 e que se completa com O grande capital.
Uma época de grande ebulição, marcada por guerras e revoluções e pelas
oportunidades que se criavam. Neste livro, é possível acompanhar o
desenvolvimento de muitos personagens que estavam em Paralelo 42, bem
como conhecer novos atores. Por meio deles, John dos Passos mostra a
repercussão da Primeira Guerra e da Revolução Russa na vida norte-americana.
Admirado desde sua publicação, em 1932, pelas inovações
literárias que apresenta, 1919 é também um romance que carrega muitas
das crenças dos anos de depressão que se seguiram.
“no banco de madeira roncantesacolejante do
trem noturno chacoalhando pela meia-noite afora subia dos alojamentos de
terceira classe para tomar um hausto de vento do Atlântico no navio ondulante
(a moça suíça de rosto oval e o marido eram meus amigos) ela tinha olhos
ligeiramente saltados e uma maneira um pouco rabugenta de dizer Zut alors e lançar-nos
um sorrisozinho um peixe para um leão-marinho que aquecia nossa escuridão quando o funcionário da imigração veio
pegar o passaporte dela não pôde mandá-la para Ellis Island la gripe espagnole
ela estava morta
lavava aquelas janelas
K. P.*
limpava as velas de ignição com um canivete
A.W.O.L.**
moía rosas Beleza Americana para reduzi-las a
pó na cama daquela prostituta (a noite nublada ardia com proclamações da Liga
dos Direitos do Homem) o cheiro de almôndegas de explosivos fortes soltando
éclats cantantes em meio à adocicada nauseante grandiloquência dos mortos em
decomposição
amanhã eu esperava seria o primeiro dia do
primeiro mês do primeiro ano”
* Kitchen Police ou Kitchen Patrol: polícia
da cozinha ou patrulha da cozinha. Quando, por punição ou qualquer outra razão (como
ser contratado), o civil ou militar é colocado para realizar qualquer tarefa na
cozinha que não seja especificamente cozinhar (esfregar o chão, descascar
batatas, lavar louça, etc.). [N. T.]
** Absolut Without Oficial Leave: Ausente sem
licença oficial, meio caminho para a deserção. [N. T.]
Playboy
Jack Reed*
era filho de um delegado federal, destacado
cidadão de Portland, Oregon.
Era um garoto amável
por isso os pais o mandaram a uma escola no
Leste
e a Harvard.
Harvard impunha o “a” aberto e proporcionava
aqueles contatos tão úteis na vida posterior e à boa prosa inglesa... se o
porco-espinho não pode ficar culto em Harvard, então não pode
mesmo e os Lowell só falam com os Cabot e os
Cabot
e a Antologia de Poemas de Oxford.
Reed era um rapaz amável, não era judeu nem
socialista e não vinha de Roxbury; era robusto ambicioso tinha apetite por
tudo: um homem vem a gostar de muitas coisas na vida.
Reed era um homem; gostava de homens gostava
de mulheres gostava de comer e escrever e de noites nubladas e de beber e de
noites nubladas e de nadar e de futebol e de verso rimado e de ser chefe de
torcida orador ela turma formar clubes (não os mais requintados, não gostava
muito de clubes requintados) (...)
Jack Reed queria viver numa barrica e
escrever poemas;
mas vivia encontrando operários vagabundos
sujeitos fortes dos quais gostava azarados desempregados por que não a revolução?
Não podia concentrar-se em sua obra com tanta
gente azarada;
não aprendera na escola a Declaração da Independência
de cor? Reed era um homem do Oeste e as palavras tinham peso; quando dizia alguma
coisa, encostado com um colega no bar do Harward Club, falava sério das solas
dos pés às ondas do cabelo desgrenhado (não gostava muito do Harvard Club nem do
Dutch Treat Club nem do respeitável Bohemia de Nova York).
Vida, liberdade e a busca da felicidade;
não havia muito disso nas fábricas de seda
quando,
em mil novecentos e treze,
ele foi a Paterson para escrever sobre a
greve, os operários têxteis desfilando espancados pelos policiais, os grevistas
na cadeia; antes que desse pela coisa era um grevista desfilando espancado
pelos policiais na cadeia;
não deixou o editor pagar sua fiança, aprenderia
mais com os grevistas na cadeia.
Aprendeu bastante para levar o desfile da
Greve de Paterson ao Madison Square Garden.
Aprendeu a esperança de uma nova sociedade
onde ninguém seria azarado,
por que não a revolução?
O Metropolitan Magazine enviou-o ao
México
para escrever sobre Pancho Villa.
Pancho Villa ensinou-o a escrever e as
montanhas esqueletos e os altos cactos e os trens blindados e as bandas tocando
nas pequenas plazas cheias de mocinhas morenas com xales azuis
e a maldita poeira e o silvo dos tiros de
fuzis
na noite enorme do deserto, e os pardos peões
de voz baixa morrendo de fome matando pela liberdade
por terra por água por escolas.
O México ensinou-o a escrever.
Reed era um homem do Oeste e as palavras
tinham peso.
A guerra foi uma explosão que mandou pelos
ares todas as lanternas de Diógenes;
os homens de bem começaram a juntar-se para
pedir metralhadoras. Jack Reed foi o último daquela grande raça de correspondentes
de guerra que driblaram a censura e arriscaram suas peles por uma história.
Jack Reed foi o melhor escritor americano de
sua época, se alguém quisesse saber sobre a guerra podia ler sobre ela nos artigos
que ele escrevia sobre o front alemão,
a retirada Sérvia,
Salonica;
por trás das linhas no cambaleante império do
tsar,
escapando da polícia secreta,
cadeia em Cholm.
Os mandachuvas não o deixaram ir para a
França porque diziam que uma noite nas trincheiras alemãs brincando com a
guarnição boche ele puxara o cordão de um canhão huno apontado para o coração
da França... coisa de playboy mas afinal que importância tinha quem disparava os
canhões ou para que lado eles apontavam? Reed estava com os rapazes que eram
mandados para o inferno,
com os alemães os franceses os russos os
búlgaros os sete alfaiatezinhos do Gueto de Salonica,
e em mil novecentos e dezessete
estava com os soldados e camponeses
na Petrogrado de outubro:
Smolny,
Dez dias que abalaram o mundo;
nada mais do pitoresco México de Villa, nada
mais daquela coisa de playboy do Harvard Club, planos para teatros gregos,
versos rimados, boas histórias de um velho correspondente de guerra,
isso não tinha mais graça
era sinistro.”
*: o autor se refere à John Reed, jornalista
e escritor, dentre outros, do livro 10 dias que abalaram o
mundo, ao qual ele se refere no texto. John Reed
foi um dos únicos estadunidenses a ser enterrados na Necrópole da Muralha do
Kremlin.
“— Céus, eu bem que ia fazer um cara feliz se
tivesse a chance – disse ela e caiu no choro.”
“— Companheiros, isto não é nenhuma guerra. É
um hospício.”
“— Se você estivesse aqui uma semana atrás,
Anne Elizabeth, teria visto uma verdadeira nevasca.
— Eu pensava que neve era como nos cartões de
Natal disse Esther Wilson, uma garota de aparência interessante, com olhos
negros e rosto comprido e uma voz grave que soava meio trágica. — Mas era
apenas ilusão, como um monte de coisas.
— Nova York não é lugar para ilusões — disse
Ada com aspereza.
— Tudo me parece mais ou menos uma ilusão —
disse Filha, olhando para fora da janela do táxi.”
“— Que adianta ter uma Liga das Nações se ela
vai ser dominada pela Grã-Bretanha e suas colônias? — perguntou o sr. Rasmussen
com mau humor.
— Mas não acha que qualquer liga é melhor que
liga nenhuma? — perguntou Eveline.
— Não é o nome que importa, é quem está
levando o seu por baixo que conta — disse Robbins.
— É uma observação muito cínica — disse a mulher
da Califórnia. — E isso não é hora de cinismo.
— Esta é a hora — disse Robbins — em que se a
gente não fosse cínico teria de dar um tiro na cabeça.”
“— Talvez fosse preciso a guerra pra nos
ensinar a viver — ele disse. — Andávamos interessados demais em dinheiro e coisas
materiais, os franceses foram necessários para mostrar como viver.”
“— O presidente vai reconhecer os sovietes? —
Dick viu-se perguntando em voz baixa.
— Estou indo pra lá... Acho que ele vai
mandar uma missão não oficial. Depende um pouco do petróleo e do manganês...
Antes, era o Rei Carvão, mas agora é o Imperador Petróleo e a srta. Manganês,
rainha consorte do aço. Está tudo na república rosa da Geórgia... Espero chegar
lá breve, dizem que têm o melhor vinho e as mais belas mulheres do mundo. Deus do
céu, tenho de chegar lá... Mas o petróleo... Diabos, é isso que seu maldito
idealista Wilson não consegue entender, que enquanto o enchem de grandes
banquetes no Palácio de Buckingham, o alegre exército britânico velho está
ocupando Mosul, o rio Karum, a Pérsia... agora os boatos dizem que estão em Baku...
a futura metrópole petrolífera do mundo.
— Eu achava que os campos de petróleo de Baku
estavam secando.
— Não creia nisso... Acabo de falar com um
sujeito que esteve lá... um sujeito esquisito, Rasmussen, você devia
conhecê-lo.
Dick perguntou se não tinham bastante
petróleo em sua terra. Robbins deu um murro na mesa.
— Nunca se tem o bastante de qualquer
coisa... esta é a primeira lei da termodinâmica. Eu jamais tive uísque bastante...
você é um cara jovem, algum dia teve rabo de saia bastante? Bem, a Standard Oil
e a Royal Dutch-Shell também jamais terão petróleo bruto bastante.”
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