Editora: Record
ISBN: 978-85-0106-262-8
Tradução: Ryta Vinagre
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 544
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Sinopse: Ver Parte
I
“Mas, como assinalam rapidamente os críticos das ZPE, a economia global
tornou-se muito mais competitiva depois que aqueles países fizeram a transição
de indústrias de baixos salários para indústrias de maior qualificação. Hoje,
com setenta países competindo pelo dólar gerado nas zonas de processamento de
exportação, os incentivos para atrair investidores estão aumentando e os
salários e padrões são mantidos como reféns pela ameaça de retirada das
empresas. O resultado é que países inteiros são transformados em favelas
industriais e guetos de mão-de-obra barata, e não há perspectiva de que isso
irá terminar. Como trovejou o presidente de Cuba Fidel Castro aos líderes
mundiais reunidos na comemoração do quinquagésimo aniversário da Organização
Mundial do Comércio em maio de 1998, “O que vai acontecer com a nossa vida?
(...) O que a produção industrial deixará para nós? Apenas o que é de baixa
tecnologia, intensivo em mão-de-obra e altamente contaminante? Será que vocês
querem transformar uma grande parte do Terceiro Mundo em uma imensa zona de
livre comércio cheia de montadoras que jamais pagam impostos?”29”
29.
“Castro Dampens WTO Party”, The Globe and Mail, 20 de
maio de 1998.
“O único modo de compreender como as corporações multinacionais ricas e
supostamente fiéis à lei podem voltar aos níveis de exploração do século XIX (e
ainda assim continuarem atraentes) é através dos próprios mecanismos da
terceirização: em cada camada de contratação, subcontratação
e trabalho em casa, os fabricantes brigam entre si para forçar os preços para
baixo, e em cada nível o contratador e subcontratador arrancam seu pequeno
lucro. No final dessa cadeia de preços baixos e terceirizações está o
trabalhador – frequentemente três ou quatro níveis abaixo da empresa que fez a
encomenda original – com um cheque de pagamento podado a cada elo da cadeia. “Quando
as multinacionais espremem os subcontratados, estes espremem os trabalhadores”,
explica um relatório de 1997 sobre as fábricas chinesas de calçados da Nike e
da Reebok.34”
34. “Working Conditions
in Sports Shoe Factories in China Making Shoes for Nike and Reebok”, do Ásia Monitor
Resource Group e Hong Kong Christian Industrial Committee, setembro de 1997.
“A maioria dos grandes empregadores no setor de serviços gerencia sua
força de trabalho como se seus funcionários não dependessem de seus cheques de
pagamento para nada que seja essencial, como um aluguel ou o sustento dos
filhos. Em vez disso, os empregadores do varejo e de serviços tendem a ver seus
empregados como crianças: estudantes que procuram empregos de verão, gastam dinheiro
ou fazem paradas rápidas em sua viagem com destino a uma carreira mais
satisfatória e mais bem remunerada. Em outras palavras, estes são grandes
empregos para as pessoas que não precisam realmente deles. Assim, o shopping e
a superloja deram à luz uma subcategoria crescente de empregos de brincadeira –
o idiota do frozen-yogurt, o preparador de sucos Orange Julius, o recepcionista
da Gap, o “associado de vendas” cheio de Prozac da Wal-Mart – que são
notoriamente instáveis, mal pagos e em sua maioria esmagadora trabalham em meio
expediente.”
“O sindicalista de comércio internacional Dan
Gallim definiu o Mc emprego como “um emprego de pouca qualificação, remuneração
baixa, alto nível de estresse, exaustivo e instável.”
“O uso de mão-de-obra temporária nos Estados Unidos aumentou 400 por
cento desde 1982, e esse crescimento tem se mantido
estável.29 O lucro anual das empresas americanas de temporários
aumentou cerca de 20 por cento a cada ano desde 1992, com as empresas obtendo
lucros de US$58,7 bilhões em 1998.30 A gigantesca agência
internacional de trabalho temporário Manpower Temporary Services compete com a
Wal-Mart como a maior empregadora privada dos Estados Unidos.31 De
acordo com um estudo de 1997, 83 por cento das empresas americanas de
crescimento rápido estão agora terceirizando empregos para os quais antes
contratavam pessoas – comparados com 64 por cento apenas três anos antes.32
No Canadá, a Association of Canadian Search, Employment Et Staffing Services
estima que mais de 75 por cento das empresas utilizam os serviços do setor de
US$ 2 bilhões das agências de temporários canadenses.”
29.
Departamento do Trabalho dos Estados Unidos.
30.
“Staffing Services Annual Update”, National Association of Temporary and Staffing
Services, 1999.
31.
Na verdade, a Manpower, que emprega mais de 800.000 trabalhadores, é maior
empregador que a Wal-Mart, que emprega 720.000, mas uma vez que os trabalhadores
da Manpower não trabalham todos os dias, em um dado dia a Wal-Mart tem mais trabalhadores
na folha de pagamento do que a Manpower.
32.
USA Today, 5 de agosto de 1997, BI.
““Não se prendam a ativos fixos inúteis”, disse
o diretor de operações da Microsoft, Bob Herbold, explicando sua filosofia de pessoal
a um grupo de acionistas.”
“Isto levanta a questão mais interessante de todas, acho eu, sobre o efeito
de longo prazo do despojamento das multinacionais de
marca do negócio de empregos. Da Starbucks à Microsoft, da Caterpillar ao
Citibank, a correlação entre lucros e crescimento do emprego está em vias de
ser rompida. Como disse Buzz Hargrove, presidente da Canadian Auto Workers, “Os
Trabalhadores podem trabalhar mais, seus empregadores podem ter mais sucesso,
mas – e o downsizing e terceirização são apenas um exemplo – a ligação
entre sucesso econômico geral e a participação garantida nesse sucesso é mais
fraca do que nunca”.73 Sabemos o que isso significa a curto prazo:
lucros recorde, acionistas tontos e nenhuma vaga no curso de negócios. Mas o
que isso significa a um prazo um pouco mais longo? E quanto aos trabalhadores
que saem da folha de pagamento, cujos chefes são vozes ao telefone em agências
de emprego, que perderam sua razão para se orgulhar da boa sorte de sua
empresa? Será possível que o setor corporativo, ao evitar os empregos, esteja
inadvertidamente colocando lenha na fogueira de seu próprio movimento de
oposição?
73. De “Corporate Success,
Social Failure, Corporate Credibility”, discurso proferido no Canadian Club de Toronto,
23 de fevereiro de 1998.
“Quando os empregos desapareceram, compreendemos que isso era fruto do
difícil período econômico que parecia estar afetando a todos (embora talvez não
atingisse a todos igualmente), de presidentes de empresa que encaravam a
falência a políticos desempregados – todos, homens e mulheres, velhos e jovens,
em todas as esferas da vida e do trabalho, diretamente ligados a mim e a meus
amigos de classe média e nossas buscas desanimadas por empregos. A mudança da
Recessão para a economia global implacável aconteceu tão de repente que senti
como se estivesse doente naquele dia e tivesse perdido tudo – como acontecia
com a álgebra no curso secundário, eu estaria sempre tentando sair do atraso.
Tudo que sei é que em um minuto estávamos todos juntos na Recessão. No minuto
seguinte, uma nova estirpe de líderes de empresas surgia como uma fênix das
cinzas – ternos recém-passados, entusiasmo bombeado – anunciando a chegada de
uma nova era de ouro. Mas, como vimos nos últimos dois capítulos, quando os
empregos voltaram (se voltaram), apareceram modificados. Para os trabalhadores
de fábricas contratadas das zonas de processamento de exportação, e para
legiões de temporários, empregados de meio expediente, contratados e
trabalhadores do setor de serviços nos países industrializados, o empregador moderno
no tinha começado a parecer uma aventura de uma noite que tinha a audácia de
esperar monogamia depois de um encontro sem importância. E muitos deles
compreenderam isso por algum tempo. Fugindo assustados de anos de demissões e
projeções econômicas sombrias, a maioria de nós engoliu a retórica de que
devíamos ser felizes pegando qualquer toco de pagamento que estivesse espalhado
por nosso caminho. Existem cada vez mais evidências, contudo, de que a
transitoriedade do local de trabalho está finalmente erodindo nossa fé
coletiva, não somente nas corporações individuais, mas no próprio princípio
econômico da suposta distribuição de riqueza.”
“As multinacionais que antes jactavam-se de seu papel como “máquinas de
crescimento de emprego” – e usavam isso como alavanca para extrair todo tipo de
apoio governamental – agora preferem se identificar como máquinas de “desenvolvimento
econômico”. As corporações estão na verdade “desenvolvendo” a economia, mas
elas estão fazendo isso, como vimos, através de demissões, fusões,
consolidações e terceirização – em outras palavras, por meio de enfraquecimento
e cortes de postos de trabalho. E à medida que a economia cresce, a porcentagem
de pessoas diretamente empregadas pelas maiores corporações do mundo está na
verdade decrescendo. As corporações transnacionais, que controlam mais de 33
por cento dos ativos produtivos do mundo, são responsáveis por somente 5 por
cento do emprego direto no planeta.3 E embora os ativos totais das
cem maiores empresas do mundo tenham aumentado 288 por cento entre 1990 e 1997,
o número de pessoas que essas corporações empregaram cresceu menos de 9 por
cento durante o mesmo período de enorme crescimento.4”
3. World
Development Movement, “Corporate Giants: Their grip on the world’s economy”. Os
5 por cento de emprego no mundo relacionam-se com empregos diretos e indiretos (73
milhões, ou dois terços, estão diretamente empregados). Esse número é fornecido
pelo Instituto de Pesquisa para o Desenvolvimento Social das Nações Unidas (UNRISD),
relatório n° 5, redigido por Eric Kolodner. O valor percentual dos ativos produtivos
mundiais vêm do Relatório de Investimento Mundial de 1994 do UNCTAD.
4. “Global
500”, Fortune, 29 de julho de 1991 e 3 de agosto de 1998. As empresas são
classificadas por receita.
“O número mais impressionante é o mais recente: em 1998, apesar do
fantástico desempenho da economia americana e apesar da mais baixa taxa de
desemprego da história, as corporações americanas eliminaram 677.000 postos de
trabalho permanentes – mais cortes de postos do que em qualquer outro ano dessa
década. Um em cada nove desses cortes ocorreu como resultado de fusões: muitos
outros se originaram no setor de produção. Como sugere o baixo índice de
desemprego nos Estados Unidos, dois terços das empresas que eliminaram postos
criaram novos cargos e os trabalhadores demitidos encontraram empregos
alternativos com relativa rapidez.5 Mas o que esses drásticos cortes
de vagas demonstram é que um relacionamento estável e confiável entre trabalhadores
e seus em pregadores corporativos tinha pouco ou nada a ver com o índice de
desemprego ou a saúde relativa da economia. As pessoas estão vivendo com menos
estabilidade mesmo na melhor das épocas econômicas – de fato, esses bons tempos
da economia podem estar fluindo, pelo menos em parte, dessa perda de
estabilidade.”
5. Challenger,
Gray Et Christmas e U.S. Bureau of Labor Statistics, 1999.
“A criação de empregos como parte da missão corporativa, particularmente
a criação de empregos estáveis de horário integral e remuneração decente,
parece ser secundária em muitas grandes corporações, independente dos lucros da
empresa. Em vez de ser um componente de uma operação saudável, a mão-de-obra é
cada vez mais tratada pelo setor corporativo como um fardo inevitável, como
pagar imposto de renda; ou um inconveniente caro, como a proibição de despejo
de lixo tóxico em lagos. Os políticos podem dizer que os empregos são sua
prioridade, mas o mercado de ações reage animadamente a cada vez que demissões
em massa são anunciadas, e afunda sombrio se percebe que os trabalhadores podem
receber aumento. Qualquer que seja a estranha rota que tenhamos tomado para
chegar até aqui, uma mensagem inequívoca emana agora de nossos mercados livres:
bons empregos são ruins para os negócios, ruins para “a economia” e devem ser
evitados a todo custo. Embora essa equação tenha inegavelmente produzido lucros
recorde a curto prazo, pode bem se provar um erro de cálculo estratégico por
parte de nossos capitães da indústria. Descartando sua identificação como
criadores de emprego, as empresas se abrem a um tipo de reação que pode vir de
uma população que sabe que o suave fluxo da economia é de pouco benefício
demonstrável para ela.”
“Quando as corporações são
percebidas como veículos que trabalham para a distribuição de riqueza – efetivamente
distribuindo empregos e receita em impostos –, elas pelo menos proporcionam o
alicerce para as frequentes barganhas faustianas pelas quais os cidadãos
oferecem lealdade às prioridades corporativas em troca da garantia de um cheque
de pagamento. No passado, a geração de empregos serviu como uma espécie de
armadura corporativa, protegendo as empresas da ira que seria dirigida a elas
como resultado das agressões ao ambiente e aos direitos humanos.”
“Essa reação em ebulição é mais do que um conjunto de queixas pessoais.
Mesmo que você seja um dos sortudos que conseguiram um bom emprego e nunca
foram demitidos, todos têm ouvido o alerta – se não por si mesmos, então por
seus filhos ou pais, ou pelos amigos. Vivemos em uma cultura de insegurança no
emprego, e as mensagens de autossuficiência estão chegando a cada um de nós. Na
América do Norte, ponto final dos caminhões de 18 rodas que partem do México,
trabalhadores chorando no portão da fábrica, janelas cobertas com tapumes em
uma cidade industrial esvaziada e pessoas dormindo em soleiras e nas calçadas
têm sido algumas das imagens econômicas mais poderosas de nossa época:
metáforas, marcadas a ferro em nossa consciência coletiva, de uma economia que
consistentemente, e sem arrependimento, favorece os lucros em detrimento das
pessoas.”
“Na América do Norte, grande parte dessa atividade pode ter sua origem
identificada em 1995-96, o período que Andrew Ross, diretor de Estudos Americanos
da Universidade de Nova York, chamou de “O ano das fábricas exploradoras”.
Naquele ano, os norte-americanos não podiam ligar seus aparelhos de TV sem
ouvir histórias lamentáveis de exploração de mão-de- obra por trás das grifes
mais populares e mais divulgadas do mundo da marca. Em agosto de 1995, a
fachada recém-polida da Gap foi novamente arrancada para revelar uma fábrica
ilegal em El Salvador, onde o gerente enfrentava protestos do sindicato por
demitir 150 pessoas e prometer que “o sangue ia correr” se a sindicalização
continuasse.4 Em maio de 1996, militantes trabalhistas nos EUA
descobriram que a linha roupas esportivas epônima da apresentadora de um
programa de TV, Kathie Lee Gifford (vendida exclusivamente na Wal-Mart), estava
sendo costurada por uma horrível combinação de mão-de-obra infantil em Honduras
e trabalhadores em fábricas ilegais em Nova York. Mais ou menos na mesma época,
o jeans Guess, que construiu sua imagem com ardentes fotos em preto e branco da
supermodelo Claudia Schiffer, estava em guerra aberta com o Departamento do
Trabalho dos Estados Unidos porque suas fábricas contratadas da Califórnia não
pagavam o salário mínimo. Até Mickey Mouse teve sua dose de exploração de
trabalhadores depois que uma contratada da Disney no Haiti foi apanhada fazendo
pijamas Pocahontas sob condições de tal empobrecimento que as trabalhadoras
tinham de alimentar seus bebês com água com açúcar.”
4. Kitty
Krupat, “From War Zone to Free Trade Zone”, in No Sweat, 56.
“Pode levar cem anos para construir uma boa marca,
e trinta dias para derrubá-la.”
David D’Alesssandro, presidente da John Hancock
Mutual Life Insurance, em 6 de janeiro de 1999.”
“Assim, quando começará o boicote total aos produtos da Nike? Não em
breve, aparentemente. Uma rápida olhada por qualquer cidade do mundo mostra que
seu logo ainda é onipresente; alguns atletas ainda o tatuam em seus umbigos, e
muitos estudantes secundaristas ainda se vestem com as cobiçadas roupas. Mas,
ao mesmo tempo, há pouca dúvida de que os milhões de dólares que a Nike
economizou em custo de mão-de-obra ao longo dos anos estão começando a cobrar
um tributo em seu resultado financeiro. “Não pensávamos que a situação da Nike
ficaria tão ruim como parece estar”, disse um analista de ações da Nikko, Tim
Finucane, ao Wall Street Journal em março de 1998.20
Wall Street realmente não tinha alternativa a não ser voltar-se contra a
empresa que fora sua queridinha por muitos anos. Apesar do fato de que as
moedas em queda da Ásia significam que os custos de mão-de-obra da Nike na
Indonésia, por exemplo, eram um quarto que eram antes da crise, a empresa ainda
estava sofrendo. Os lucros da Nike caíram, os pedidos caíram, os preços das
ações estavam caindo e, depois de um crescimento médio anual de 34 por
cento desde 1995, os ganhos trimestrais subitamente despencaram 70 por cento.
No terceiro trimestre, que terminou em fevereiro de 1999, os lucros da Nike
aumentaram mais uma vez 70 por cento – mas, pelas contas da empresa, a
recuperação não resultava de repercussão das vendas, mas da decisão da Nike de
cortar empregos e contratos. Na verdade, em 1999 a receita da Nike e os pedidos
futuros estavam caindo pelo segundo ano consecutivo.21
A
Nike colocou a culpa por seus problemas financeiros em tudo, exceto na
campanha de direitos humanos.”
20. Shanthi Kalathil, “Being Tied to Nike Affects Share
Price of Yue Yuen”, The Wall Street Journal, 25 de março
de 1998.
21. “Third quarter brings 70 percent increase in net income
for sneaker giant”, Associated Press, 19 de março de 1999.
“Ao longo dos anos, a Nike tentou dezenas de táticas para silenciar as
queixas de seus críticos, mas a mais irônica, de longe, foi a tentativa
desesperada da empresa de se ocultar por trás de seu produto. “Não somos
militantes políticos. Somos uma fabricante de calçados”, disse a porta-voz da
Nike, Donna Gibbs, quando começou a surgir o escândalo da exploração de
mão-de-obra.23 Uma fabricante de calçados? Isso partindo de uma
empresa que tomou a decisão planejada em meados dos anos 80 de não se envolver
com coisas corpóreas e enfadonhas como calçados – e certamente nada tão
grosseiro como a fabricação. A Nike queria ser uma empresa de esportes,
disse-nos Knight, queria estar envolvida com o conceito de esporte, depois a
ideia de transcendência através dos esportes; em seguida quis se relacionar com
a determinação pessoal, os direitos das mulheres, a igualdade racial. Queria
que suas lojas fossem templos, sua publicidade uma religião, seus clientes uma
nação, seus trabalhadores uma tribo. Depois de nos falar essa baboseira de
marca, voltar atrás e dizer, “Não olhe para nós, nós só fazemos calçados”,
parece risivelmente cínico.”
23.
Zusman, “Editor’s Notebook”.
(Outro caso sisudo envolvendo multinacionais foi
a Shell na Nigéria. Depois de extrair mais de US$ 30 bilhões de dólares das terras
do povo ogoni, no Delta do Níger enquanto a população vive uma eterna escassez dos
elementos mais básicos da vida, os nigerianos resolveram protestar).”
Sob
a liderança do escritor e indicado ao prêmio Nobel Ken Saro-Wiwa, o Movimento
pela Sobrevivência do Povo Ogoni (MOSOP) lutou por reformas e exigiu
compensações da Shell. Em resposta, e para manter os lucros do petróleo fluindo
para os cofres do governo, o general Sani Abacha mandou militares nigerianos
mirar nos ogonis. Eles mataram e torturaram milhares de pessoas. Os ogonis não
só culparam Abacha pelos ataques, também acusaram a Shell de tratar as forças
armadas nigerianas como polícia particular, pagando-as para sufocar protestos
pacíficos na terra ogoni, além de dar apoio financeiro e legitimidade ao regime
de Abacha.
Diante
de tantos protestos na Nigéria, a Shell se retirou das terras ogoni em 1993 – um
movimento que só pressionou ainda mais os militares para remover a ameaça
ogoni. Um memorando do chefe das Forças de Segurança Interna de Rivers State do
Exército nigeriano foi bastante explícito: “Operações da Shell ainda
impossíveis, a menos que operações militares implacáveis sejam empreendidas
para facilitar o início de atividades econômicas. (...) Recomendações:
Operações devastadoras durante reuniões do MOSOP e outras tornando presença
militar constante justificável. Alvos de ataque atravessando comunidades e
quadros de liderança, especialmente porta-vozes de vários grupos.”32
Em
10 de maio de 1994 – cinco dias depois da redação do memorando – Ken Saro-Wiwa
disse, “então é isso. Eles [os militares nigerianos] vão nos prender e nos
executar. Tudo para a Shell”.33 Vinte dias depois, ele foi preso e
julgado por homicídio. Antes de receber sua sentença, Saro-Wiwa disse ao
tribunal, “Eu e meus companheiros não somos os únicos em julgamento. A Shell está
aqui no tribunal. (...) A empresa escapou desse julgamento em particular, mas
seu dia certamente chegará”. Então, em 10 de novembro de 1995 – apesar da
pressão da comunidade internacional, incluindo os governos canadense e
australiano, e em menor grau, os governos da Alemanha e da França – o governo
militar nigeriano executou Saro- Wiwa junto com outros oito líderes ogonis que
protestaram contra a Shell. Tornou-se um incidente internacional e, mais uma
vez, as pessoas levaram seus protestos a postos da Shell, boicotando amplamente
a empresa. Em San Francisco, membros do Greenpeace encenaram uma reconstituição
do assassinato de Saro-Wiwa, com o nó corredio preso em uma placa elevada da Shell.”
32.
Memorando escrito pelo prefeito Paul Okuntimo, datado de 5 de maio de 1994, reproduzido
em Harper’s, junho de 1996.
33.
Andrew Rowell e Stephen Kretzmann, “The Ogoni Struggle”, relatório do Project Underground,
Berkeley, 1996.
“A conduta das multinacionais individualmente é simplesmente um
subproduto de um sistema econômico mais amplo que tem continuamente removido
quase todas as barreiras e condições para comercializar, investir e
terceirizar. Se empresas fazem negócios com ditadores brutais, vendem suas
fábricas e pagam salários tão baixos que ninguém pode viver deles, é porque
nada em nossas regras de comércio internacional as proíbe de fazer isso. Mas
eliminar as desigualdades no cerne da globalização de livre mercado parece uma
tarefa desanimadora para muitos de nós, mortais. Por outro lado, escolher a
Nike ou a Shell e possivelmente mudar o comportamento de uma multinacional pode
abrir uma importante porta na complicada e desafiadora arena política.”
“É tentador considerar essa mudança drástica de direção por parte de
tantas multinacionais como uma vitória maciça dos militantes que têm lutado
contra as Nikes e Shells todos esses anos. Talvez as corporações realmente
tenham visto a luz, e todos estejamos vivendo do mesmo lado agora... A
professora de Harvard Débora L. Spar está entre os que saudaram a aurora dessa
nova era. Ela afirma que a ascensão da militância baseada na marca foi tão
bem-sucedida em constranger as corporações, que as
multinacionais de marca, por interesse financeiro, não podem mais permitir que
ocorram abusos. Ela chama essa teoria de “fenômeno do refletor”. Não há
necessidade de regulamentação externa porque “as empresas cortarão os
fornecedores que exploram mão-de-obra ou os tornarão limpos, porque agora é de
seu interesse financeiro fazê-lo”, escreve ela. “O refletor não muda a
moralidade dos gerentes americanos. Ele muda seu resultado financeiro.”22
Não
há dúvida de que empresas como a Nike têm aprendido que as violações aos
direitos do trabalhador podem custar caro para elas. Mas o refletor que é
apontado para essas empresas é vago e aleatório: é capaz de iluminar alguns
cantos da linha de produção global, mas a escuridão ainda cobre o resto. Os
direitos humanos, longe de serem protegidos por esse processo, são respeitados
de modo seletivo: as reformas parecem ser implementadas unicamente com base no
ponto para onde o facho de luz do refletor foi dirigido. Não há absolutamente
nenhuma prova de que uma atividade de reforma desse tipo esteja se
transformando em um padrão universal de comportamento corporativo ético que
venha a ser aplicado em todo o mundo; e não há no horizonte nenhum sistema de
imposição universal dos códigos de conduta.”
22.
Débora L. Spar, “The Sportlight on the Botton Line”, Foreign Affairs,
13 de março de 1998.
“No subtexto dos códigos de conduta há uma hostilidade pela ideia de que
os cidadãos podem – através de sindicatos, leis e tratados internacionais – assumir
o controle de suas próprias condições de trabalho e do impacto ecológico da
industrialização. Nos anos 20 e 30, quando a crise da exploração de mão-de-obra
do trabalho infantil e a saúde dos trabalhadores estava em primeiro lugar na
agenda política do Ocidente, esses problemas eram atacados com sindicalização
em massa, negociação direta entre trabalhadores e empregadores e governos
promulgando novas e mais rigorosas leis. Esse tipo de resposta pode ser
arranjado novamente, só que dessa vez em escala global, através da imposição do
cumprimento de tratados da Organização Internacional do Trabalho que já existem,
se a obediência a esses tratados for observada com o mesmo compromisso que a
Organização Mundial do Comércio agora mostra em seu esforço de impor as regras
do comércio global.”
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