Editora: Civilização Brasileira
Tradução: Cristiano M. Oiticica
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 212
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Sinopse: Livro
escrito pelo diplomata soviético Ivan Maiski, embaixador em Londres de 1932 a
1943 e participante da famosa Conferência de Ialta, que reuniu os Quatro
Grandes, explica as razões que levaram a URSS a firmar o célebre e até hoje
controvertido tratado de não agressão germano-soviético.
São personagens destas empolgantes e reveladoras
memórias, Chamberlain, Lord Halifax, Maxim Litvínov, Winston Churchill, Lloyd
George, Anthony Eden, entre outros homens que tiveram em suas mãos a terrível
responsabilidade do destino humano numa hora de medo, ameaça e perigo.
Depoimento sereno, objetivo, vivo e dramático, a um só
tempo, esta obra lança novas luzes sobre o discutido comportamento da União
Soviética em grave momento de sua História e da História de todos os povos.
“É útil recordar o que ocorreu às vésperas da
segunda conflagração universal. Importa, sobretudo, mostrar a fenomenal
cegueira histórica dos governos das potências ocidentais daqueles tempos, que
não viram nem quiseram ver o abismo a que arrastavam a humanidade. O quadro
vivo dessa cegueira — oriunda do seu ódio ao comunismo, ao Estado soviético — e
de suas funestas consequências pode ajudar os elementos mais sensatos do setor
capitalista dos nossos dias a assimilar os ensinamentos do passado recente e,
com isso, facilitar a vitória das forças da paz sobre as forças da guerra.”
“Que tarefas me atribuiu o Governo soviético?
Com que propósitos, planos e estado de espírito parti para o meu novo posto de
trabalho?
Posso afirmar com plena convicção que o
Governo soviético me enviou como mensageiro de paz e amizade entre a URSS e a
Grã-Bretanha e que aceitei com alegria e prazer o cumprimento dessa missão. Sem
superestimar, de modo algum, minhas próprias forças, resolvi de antemão fazer
todo o possível para melhorar as relações entre Moscou e Londres. As causas a
que obedeciam as aspirações do Governo soviético tinham um caráter mais geral e
mais particular.
As causas de caráter mais geral consistiam na
própria natureza do Estado soviético como um Estado pacífico, no qual não há
classes ou grupos que possam tirar proveito da guerra. Os operários, os
camponeses e os intelectuais — elementos sociais de que é formada a sociedade
soviética — só podem sair perdendo com a guerra. Isto não significa, está
claro, que sejam partidários da paz a todo custo! Não, de maneira alguma! Os
bolcheviques não são tolstoianos. Como diz uma conhecida canção soviética,
nosso “trem blindado” está sempre pronto no desvio e apetrechado com material
bélico o mais moderno. Porém, pela própria natureza, não queremos a
guerra, odiamo-la e procuramos evitá-la na medida que o permitem as
possibilidades humanas. Estamos empenhados na edificação do socialismo e do
comunismo, a qual consagramos a nossa inteligência e o nosso coração, e nada
desejamos que possa afastar-nos desse labor, tão arraigado, e menos ainda que
possa desprezá-la seriamente. Assim tem sido e é a todo momento a linha geral
do Estado soviético.
E se a URSS se viu, não obstante, obrigada a
combater — e não pouco — em seus 46 anos de existência, deve-se isso ao fato de
que a guerra nos foi imposta pelas forças inimigas do exterior, que
pretendiam varrer da face da terra o primeiro país socialista do mundo. Assim
ocorreu nos anos da guerra civil e da intervenção estrangeira. Assim ocorreu
também nos dias da Grande Guerra Pátria de 1941-1945.”
“Passemos agora a Alemanha. Em fins de 1932
era evidente a plena decomposição da República de Weimar. Os nazistas avançavam
com rapidez e conquistavam uma após outra posição. A cisão nas fileiras
proletárias era profunda e os sociais-democratas se negavam obstinadamente a
unidade de ação com os comunistas contra o fascismo. Em tais condições,
tornava-se muito provável a ascensão de Hitler ao Poder. Se isso acontecesse,
que efeito produziria em toda a situação internacional? Como se refletiria, em
particular, nas relações germano-soviéticas? Está claro que não se poderia
esperar nada de bom.”
“Repito, uma vez mais, com plena convicção: o
Governo e o povo soviéticos desejavam sincera e profundamente que se
estabelecessem as melhores relações entre a União Soviética e a Grã-Bretanha.
Porém, como se sabe, a amizade é um ato
bilateral. Não bastava que a parte soviética desejasse ter as melhores relações
com a Grã-Bretanha: faltava, além disso, que a parte inglesa tivesse também
esse desejo. Teve-o?
Deixemos que os fatos respondam a essa
pergunta.”
“O segundo fator que testemunhava o início do
degelo nas relações anglo-soviéticas e a história do ingresso da URSS na Liga
das Nações. Sabe-se que em 1919, ao fundar-se essa organização internacional, a
Rússia Soviética não foi convidada a formar parte dela. Então, como durante os
quinze anos posteriores, a Sociedade das Nações era um foco de hostilidades,
intrigas e maquinações de toda sorte contra o Estado soviético. Por volta de
1934, a situação mundial havia mudado muitíssimo com relação a 1919, o que se
refletiu na sorte da Sociedade das Nações. O Senado norte-americano recusou em
1920 a ratificação do Tratado de Versalhes, motivo por que os Estados Unidos
não ingressaram na Liga. O Japão e a Alemanha, que seguiram a trilha da
agressão ativa, desligaram-se da Sociedade das Nações em 1933. Ficaram como
“donos” dela a Inglaterra e a França, impotentes sob todos os aspectos de
governarem sua nave num momento em que a tempestade internacional se aproximava
com nitidez crescente. Isso obrigou os líderes do bloco anglo-francês a
pensarem na conveniência de atrair a URSS para a Sociedade das Nações. Por sua
parte, o Governo soviético chegou, em fins de 1933, a conclusão de que, nas
condições criadas, era oportuno o ingresso da URSS na referida organização.
Isto punha a seu serviço a tribuna internacional mais importante daqueles
tempos para defender a paz e combater o perigo de uma Segunda Guerra Mundial e,
por sua vez, proporcionava a possibilidade (embora o Governo soviético jamais
tivesse superestimado a importância da Sociedade das Nações) de levantar certos
obstáculos no caminho do desencadeamento de uma nova conflagração universal.
Como resultado de tudo isso, a URSS passou a
ser membro da Sociedade das Nações em setembro de 1934, com um posto permanente
em seu Conselho.”
“O degelo fez mudar tudo isso. Os políticos
dirigentes do campo conservador começaram a procurar relações conosco. Como é
natural, tratei de aproveitar ao máximo a conjuntura e, com efeito, consegui
estabelecer contatos estáveis com toda uma série de destacadíssimos representantes
do conservadorismo britânico. Esses contatos eram tão estáveis que se
mantiveram até mais tarde, quando o curto degelo nas relações anglo-soviéticas
cedeu seu posto primeiro, ao esfriamento e, logo em seguida, ao gelo. Os mais
importantes e interessantes desses novos conhecidos foram, sem dúvida, W. Churchill
e lorde Beaverbrook.
Em fins de julho de 1934, um mês após o
almoço com Simon antes citado, os Vansittart convidaram a mim e a minha esposa
para um jantar em casa deles, tendo também comparecido Churchill e sua senhora.
A situação em que então se encontrava
Churchill era das mais originais. Descendente do duque de Malborough e um dos
mais ilustres aristocratas da Inglaterra, Churchill havia feito brilhante
carreira política e ocupado numerosíssimos cargos ministeriais, inclusive o de
Ministro de Finanças (1924-1929), um dos mais elevados na hierarquia
governamental britânica. Porém sua carreira foi interrompida bruscamente.
Quando me entrevistei com Churchill na casa dos Vansittart, fazia já cinco anos
que não ocupava nenhuma pasta no Governo e era formalmente um simples deputado
no Parlamento. Adiantando-me aos acontecimentos, direi que Churchill continuou
naquele “nível inferior” até o início da Segunda Grande Guerra. O Partido
Conservador, que era o partido governante, estava evidentemente interessado em
não permitir-lhe que assumisse as rédeas do Poder. Por quê?
Eis aqui a minha suposição. A década de
1929-1939 foi um período de desenvolvimento relativamente tranquilo na vida
política inglesa. Durante ele atuaram na competição da gestão do Estado
políticos de segunda e inclusive de terceira grandeza, como, por exemplo,
Neville Chamberlain, Samuel Hoare, Halifax, Simon e outros. Não há por que
exagerar os dotes políticos de Churchill, como se faz com frequência nas
publicações do Ocidente. Churchill equivocou-se repetidas vezes na apreciação
dos homens e dos acontecimentos, como veremos mais adiante, e durante a guerra
seguiu uma linha equívoca de longo alcance, equívoca inclusive do ponto de
vista dos interesses ingleses. Mas, apesar de tudo, Churchill era muitíssimo
mais inteligente que todos os personagens que acabo de enumerar e, além disso,
se distinguia por seu forte caráter autoritário. Eis porque os ministros de
então o temiam: temiam que, valendo-se das suas qualidades e do seu prestígio
nos meios conservadores e no país, os esmagasse, envolvendo-os e
transformando-os em seus peões. Melhor será, pensavam, que esse astuto bulldog
político permaneça a margem do caminho no qual desliza com relativa
suavidade a carruagem do Poder!... E somente a terrível crise da Segunda Grande
Guerra levou novamente Churchill ao Governo, de início, como Ministro da
Marinha e, depois, como Primeiro Ministro. Foi então que entraram em jogo
fatores que escapavam ao poder dos Chamberlain e dos Simon.
Porém, apesar de privado de uma pasta
ministerial, Churchill era, naqueles anos, uma das mais destacadas figuras
políticas da Inglaterra e gozava, sem dúvida, de grande influência entre vastos
setores parlamentares. Essa influência aumentou ainda mais em meados da década
de 1930-40, quando se pôs a frente da oposição no seio do Partido Conservador,
a qual via a chave da segurança do Império Britânico no ressurgimento da Entente
da Primeira Grande Guerra.
Ignoro a quem cabe a iniciativa da entrevista
de Churchill comigo (ao próprio Churchill ou a Vansittart); contudo, é um
grande acontecimento o fato de que naquela temperada tarde de julho de 1934,
nos sentássemos os seis a mesma mesa e abordássemos diversos temas da atualidade.
Depois do café, obedecendo ao costume inglês, as senhoras passaram para a sala
de visitas e, na sala de jantar, ficamos unicamente os homens. Entabulou-se
então uma conversa mais séria, durante a qual Churchill me explicou francamente
a sua posição.
— O Império Britânico — falou — é para mim o
começo e o fim de tudo. O que é bom para o Império Britânico, é bom também para
mim; o que é mau para o Império Britânico, é mau também para mim... Em 1919
considerava que o seu país representava o maior perigo para o Império
Britânico; por isso fui então inimigo do seu país. Hoje considero que o maior
perigo para o Império Britânico é a Alemanha; por isso sou agora inimigo da
Alemanha... Ao mesmo tempo, creio que Hitler se prepara para a expansão não
somente contra nós, como também no Leste, contra os senhores. Por que não nos
unirmos na luta contra o inimigo comum?... Sou inimigo do comunismo e
continuarei a sê-lo, porém estou disposto a colaborar com os Sovietes a bem da
integridade do Império Britânico.
Compreendi que Churchill falava sinceramente
e que os argumentos que expunha para motivar sua mudança de orientação eram
lógicos e levavam a se acreditar neles.
Respondi a Churchill com a mesma franqueza:
— Os soviéticos são por princípio inimigos do
capitalismo, porém desejam muito a paz e na luta por ela estão dispostos a
colaborar com qualquer Estado, qualquer que seja seu sistema, se esse Estado
tende efetivamente a evitar a guerra.
E ao dizer isto recordei toda uma série de
fatos concretos e acontecimentos históricos.
Churchill ficou inteiramente satisfeito com
as minhas palavras e, a partir daquela tarde, se estabeleceram entre nós
relações que duraram até ao último dia das minhas atividades na Inglaterra.
Essas relações eram pouco comuns e, em certo ponto, até paradoxais. Churchill e
eu pertencíamos a dois campos opostos e tínhamos isso sempre presente. Eu
também tinha presente que Churchill havia sido o principal líder da intervenção
de 1918-1920 contra a Rússia Soviética. Ideologicamente separava-nos um abismo.
Porém, no terreno da política exterior, é forçoso, às vezes, marchar com os
inimigos de ontem contra o inimigo de hoje se assim o exigem os interesses do
país. Precisamente por isso, na década de 1930-40 mantive constantes relações
com Churchill, com pleno beneplácito de Moscou, a fim de preparar a luta
conjunta com a Inglaterra contra a ameaça hitlerista. Sentia constantemente,
como é natural, que Churchill pensava em seu foro íntimo em como melhor
aproveitar o “fator soviético” para conservar as posições mundiais da
Grã-Bretanha. Devia, por isso, estar sempre em guarda. Não obstante, as
relações com Churchill tinham um grande valor e desempenharam seu papel nos
acontecimentos ulteriores, sobretudo durante o período da Segunda Grande
Guerra.”
“E referindo-se depois aos partidários da
“segurança ocidental”, prosseguiu Churchill:
— Esses homens raciocinam assim: de todas as
formas, a Alemanha precisa lutar em algum lugar e estender suas conquistas em
alguma direção: o melhor será, portanto, que se forme um império à custa dos
Estados situados no Leste e Sudeste da Europa! Que se distraia com os Balcãs ou
a Ucrânia, mas que deixe em paz a Inglaterra e a França. Naturalmente, esses
raciocínios constituem pura idiotice; mas, infelizmente, gozam ainda de
bastante popularidade em certos meios do Partido Conservador, não obstante,
estou firmemente convicto de que, no final das contas, não triunfarão os
partidários da “segurança ocidental”, mas os que, como eu ou Vansittart*,
opinam que a paz e indivisível e que a Inglaterra, a França e a URSS devem
constituir o arcabouço de uma aliança defensiva que infunda à Alemanha o devido
temor. Não se pode fazer nenhuma concessão a Hitler. Toda concessão de nossa
parte será interpretada como um sintoma de fraqueza e não fará mais que dar azo
a Hitler para que aumente suas exigências.
As considerações de Churchill muito me
alegraram e as apoiei integralmente. Queria crer que um homem como ele podia
ser um bom juiz da sagacidade e capacidade de ação da classe dominante
britânica... Porém, como infelizmente o demonstraram os acontecimentos
posteriores, Churchill foi demasiadamente otimista em suas predições. Os
chamberlainianos provaram ser muito mais fortes e obtusos do que ele pensava.
Em particular, mal Eden** regressara de Moscou começaram a fazer imensos
esforços, nada estéreis, para restabelecer sua influência.
O primeiro passo nesse sentido foi a
Conferência de Stresa, realizada em meados de abril de 1935 para examinar a
infração, pela Alemanha, dos artigos militares do Tratado de Versalhes. A ela
compareceram: pela Inglaterra, MacDonald e Simon; pela França, Flandin
(Primeiro-Ministro) e Lavai (Ministro dos Negócios Estrangeiros); pela Itália,
Mussolini e Suvich (Subsecretário das Relações Exteriores). Era completamente
natural que Mussolini sabotasse toda manifestação brusca contra Hitler, porém
tampouco os ingleses nem os franceses mostraram o menor desejo de indispor-se
com o ditador nazista. Em poucas palavras, a Conferência de Stresa, que se
limitou a uma condenação acadêmica dos atos de Hilter, fugiu a adoção de
medidas eficazes contra seu passo agressivo. Com isso, não fez outra coisa
senão estimular o Führer a continuar correndo na mesma direção. E o que
é mais, a Conferência de Stresa (em particular Simon e MacDonald) deu a entender
a Mussolini que a Inglaterra não impediria a conquista da Etiópia pela Itália,
para o que esta última se preparava. (...)
O terceiro passo nessa mesma direção foi o
convênio naval anglo-alemão, firmado em junho de 1935. Sabe-se que o Tratado de
Versalhes estabeleceu restrições muito rigorosas para o armamento naval da
Alemanha. Em fevereiro de 1935 Hitler rompeu, por decisão unilateral, todos os
artigos militares desse tratado e estabeleceu a corrida armamentista alemã em
terra e mar. A Conferência de Stresa condenou (embora não severamente) os
citados atos do Führer. Mas apenas dois meses depois, a Inglaterra
reconheceu oficialmente o direito de a Alemanha dispor de um armamento naval
que ultrapassava de muito os limites assinalados em Versalhes! Esse ato de
“apaziguamento” do agressor se tornava tão provocador que inclusive a França
expressou seu protesto à Inglaterra na véspera da assinatura do acordo. Porém o
Governo de Baldwin desprezou o descontentamento do seu aliado e no dia
seguinte, 18 de junho, assinou o aludido acordo, que previa uma proporção geral
de 100 a 35 na tonelagem da Marinha de ambos os países, reconhecendo, não
obstante, à Alemanha o direito de ter uma frota submarina igual a de todo o
Império Britânico. Os comentários oficiosos não davam margem a dúvida de que
semelhante acordo tinha como motivo principal o desejo da Inglaterra de
assegurar à Alemanha o domínio no Báltico em face da URSS. Com isso ficou não
somente aberto, como inclusive legalizado, o caminho da corrida armamentista
hitlerista.”
* Robert Gilbert Vansittart. (1881-1957):
primeiro Barão de Vansittart; foi um alto diplomata britânico no período antes
e durante a Segunda Guerra Mundial.
** Robert Anthony Eden foi embaixador durante
a Segunda Guerra Mundial e Primeiro-Ministro entre 7 de abril de 1955 a 9 de
janeiro de 1957
“Quando Hitler anunciou em 7 de março de 1936
a ruptura do Pacto de Locarno e voltou a ocupar a região do Reno, a URSS propôs
que se adotassem medidas enérgicas contra esse novo ato de agressão; porém a
Inglaterra e a França, apoiadas pelos Estados Unidos, se limitaram a fazer
protestos verbais que, como é natural, não causaram a Hitler nenhum efeito. E,
não obstante, como se soube mais tarde, os generais hitleristas levavam no
bolso do colete, ao entrar na região do Reno, a ordem de retirarem-se
imediatamente se os franceses opusessem a menor reação.
E quando Franco, com o ativo apoio de Hitler
e Mussolini, sublevou-se em 18 de julho de 1936 contra o Governo legítimo da
República Espanhola, a Inglaterra e a França — apoiadas novamente pelos Estados
Unidos — tiveram a iniciativa da farsa denominada “não-intervenção”, que foi de
fato uma ajuda indireta a Franco e aos seus protetores estrangeiros.12”
12: Em minhas recordações sobre o Comitê de
não-intervenção nos assuntos da Espanha, publicadas em 1962 pela Editorial
Militar sob o título de Cuadernos Espanoles, trato pormenorizadamente
dessa questão.
“Em 28 de maio de 1937 Baldwin demitiu-se,
sucedendo-o na chefia do Governo inglês Neville Chamberlain. Ao saber dessa
notícia, pensei involuntariamente: “Churchill equivocou-se no seu prognóstico:
não é senão Chamberlain quem empunha o leme. Agora nos espera a confabulação de
Chamberlain com Hitler. E depois?...
Neville Chamberlain era, sem dúvida, a figura
mais sinistra que se destacava no horizonte político da Inglaterra. Sinistra
pelo caráter orgânico, profundamente reacionário, de suas concepções. E
sinistra também pela influência de que gozava no Partido Conservador. O fato de
Neville Chamberlain ser um homem de ideias limitadas e faculdades mínimas e de
que seu horizonte político não ia além, segundo a expressão de Lloyd George, da
de “um fabricante provinciano de camas de ferro” não fazia mais que agravar o
perigo que representava sua ascensão ao Poder. O pai de Neville, o famoso
Joseph, considerava seu filho (à dessemelhança do outro, Austen) incapaz para a
política e preparou-o desde a juventude para a atividade comercial. Porém
Neville não conquistou tampouco laureis invejáveis no setor do comércio. Em
vista disso, fê-lo seguir a “linha municipal”, na qual, após uma série de
degraus intermediários, chegou ao posto de prefeito de Birmingham. Em 1917,
como conservador de origem aristocrática, Neville Chamberlain foi nomeado
ministro de Recrutamento do Exército no Governo de coalizão de Lloyd George,
porém fracassou vergonhosamente e o Primeiro-Ministro expulsou-o do gabinete.
E esse mesmo Chamberlain foi quem chefiou o
Governo britânico em maio de 1937, em uma situação mundial extremamente
complicada e difícil! Sem querer, pensava eu de vez em quando: “A que extremo
de profunda decomposição chegou a classe dominante inglesa!” (...)
E a única coisa que podia fazer um
Primeiro-Ministro dotado de tais qualidades era agravar as relações
anglo-soviéticas. Precisamente por sua hostilidade ao Governo soviético,
semelhante Primeiro-Ministro só poderia acentuar a política de “apaziguamento”
dos agressores. Nada de bom podíamos esperar dele!
Por sombrios que fossem meus sentimentos,
resolvi, apesar de tudo, entrevistar-me com o novo Primeiro Ministro e sondar
seu estado de espírito. Chamberlain recebeu-me em 29 de julho em seu gabinete
no Parlamento, mantendo-se mais sereno e comedido do que durante a nossa
primeira entrevista cinco anos atrás. Perguntei-lhe qual era, em linhas gerais,
a política que se propunha aplicar o Governo inglês no terreno das relações
internacionais. E Chamberlain explicou-me longa e circunstanciadamente que o
problema fundamental, no momento, era, na sua opinião, a Alemanha. Em primeiro lugar,
ter-se-ia que solucionar esse problema, depois do que, tudo o mais não
apresentaria dificuldades especiais. Mas como resolver o problema alemão? Ao
Primeiro Ministro se lhe afigurava inteiramente possível fazê-lo se se
aplicasse um método acertado.
— Se pudéssemos — disse ele — sentar-nos com
os alemães à mesma mesa e reexaminar, de lápis na mão, todas as suas queixas e
pretensões, muito ficariam esclarecidas as relações.
Isto é, o que da questão residia
unicamente em sentar-se a mesma mesa de lápis na mão! Que simplório! Lembrei-me
involuntariamente das palavras de Lloyd George: “fabricante provinciano de
camas de ferro”. Como se conclui, Chamberlain imaginava a Hitler e a si mesmo
como dois comerciantes que discutem, gritam, regateiam e, no final, fecham o
trato. Tão rudimentares eram assim as noções políticas do Primeiro Ministro!
Do que me falou Chamberlain em 29 julho se
deduzia, de forma iniludível, que aspirava a conseguir um pacto dos quatro
(Alemanha, França, Inglaterra e Itália), vendo nisso a maneira de “apaziguar”,
por todos os meios, Hitler e Mussolini.”
“O objetivo de Chamberlain consistia em
“apaziguar” os ditadores fascistas como meio de estabelecer a “segurança
ocidental”. É claro que isso não passava
de uma idiotice, como dissera Churchill; porém o ódio de classe ao
Estado socialista era tão grande em Chamberlain (e não somente nele) que lhe
ofuscava por completo o espírito. Em suas memórias de guerra, Churchill
assinala ironicamente ao falar de Chamberlain e de sua atitude perante Hitler:
“Mister Chamberlain animava-se da esperança de apaziguá-lo e reformá-lo para
levá-lo depois a plena mansidão”.13 Churchill atém-se nesse trecho a
maneiras literárias polidas. Porém nas conversações particulares expressava-se
com muito mais rudeza. Recordo-me de que um dia me disse:
— Neville é um imbecil... Pensa que se pode
cavalgar um tigre.”
13 W. Churchill, Second
World War, 5ª edição, vol. I, L., 1955, pág. 322.
“Iniciou-se então a rápida ascensão de sir
Horace Wilson como conselheiro autêntico, e cada dia mais poderoso, do
Primeiro-Ministro para os assuntos de política exterior. Conhecia-o bem das
negociações comerciais com a Inglaterra. Horace Wilson, na ocasião “conselheiro
industrial principal do Governo britânico”, foi o representante mais destacado
da parte inglesa durante a elaboração do convênio comercial provisório de 1934.
Era um homem astuto e hábil, cínico até a medula, e para o qual o mundo era
composto de imbecis e miseráveis. Wilson conhecia a perfeição todos os assuntos
do comércio e da indústria, porém seus horizontes em matéria de política
exterior se encontravam ao nível do pequeno-burguês médio. E Chamberlain
atribuía precisamente a esse homem, como perito da sua maior confiança, a
solução dos problemas internacionais fundamentais! Parecia uma loucura... Mas,
não foi toda a política exterior de Chamberlain por acaso uma loucura, uma
loucura completa, cultivada com o fermento do ódio de classe, da estupidez e
da ignorância?”
“Desse modo, Chamberlain muniu-se de um sistema
modesto e dócil, após o que empreendeu a aplicação consequente de sua “própria”
política exterior.
Começou pela Alemanha. Já em fins de novembro
de 1937, Halifax recebeu de Chamberlain a incumbência de fazer uma peregrinação
até Berlim e entabular negociações com Hitler sobre um acordo geral das
relações anglo-germânicas. Naquele momento, desconhecíamos ainda todos os
detalhes dessas negociações, porém seu sentido geral era claro para nós.
Outrossim, nos meios políticos da Inglaterra filtrou-se algo do que ocorria em
Berlim e chegou ao nosso conhecimento. Em consequência, aumentou em grande
escala a desconfiança da parte soviética para com o Governo de Chamberlain. Os
documentos do Ministério das Relações Exteriores da Alemanha encontrados pelo
Exército Soviético em Berlim provam hoje que tínhamos motivos mais que sobejos
para desconfiar.
Com efeito, as notas de conversação mantida
por Hitler e Halifax em 17 de novembro de 1937, publicadas pelo Ministério de
Negócios Estrangeiros da URSS em 1948, mostram, com toda clareza, que Halifax
propôs a Hitler, em nome do Governo Britânico, uma espécie de aliança à base de
um ‘‘pacto dos quatro” e de deixar-lhe as mãos livres na Europa Central e
Oriental. Halifax declarou, em particular, que “não se deve excluir nenhuma
possibilidade de mudar a situação existente” na Europa. E mais adiante frisou
que “entre essas questões figuram Dantzing, a Áustria e a Tchecoslováquia”.
Como é natural, ao apontar a Hitler a direção da agressão que encontraria menos
resistência por parte do Governo de Chamberlain, Halifax considerou necessário
fazer a seguinte ressalva:
— “A Grã-Bretanha está interessada unicamente
em que as referidas mudanças se façam por meio de uma evolução pacífica e em
que se possa evitar os métodos suscetíveis de produzir novas emoções que nem o Führer
nem os outros países desejariam”.14
Hitler, contudo, compreendia bem o valor
dessa ressalva, e pela qual pode considerar sua conversação com Halifax como o
beneplácito de Londres para a conquista violenta de espaço vital nas
zonas indicadas. E quando Eden se demitiu e Halifax foi nomeado Ministro das
Relações Exteriores, Hitler pensou, e não sem razão, que havia chegado o
momento de levar a prática o programa de agressão traçado durante sua
entrevista de novembro de 1937. Não perdeu tempo, e em 12 de março de 1938,
doze dias depois de Halifax ser nomeado Ministro das Relações Exteriores, deu o
primeiro grande “salto”: apoderou-se da Áustria com um golpe relâmpago. Como se
zombasse dos “apaziguadores” de Londres, o Führer fez coincidir a
anexação precisamente com o dia em que Chamberlain recebia na Inglaterra, com
toda solenidade, o Ministro das Relações Exteriores da Alemanha, von
Ribbentrop. E o que aconteceu? A Inglaterra e a França reagiram perante tão
clamante ato de agressão unicamente com protestos verbais, que nem eles
próprios, e muito menos Hitler, levavam a sério.
Por maior e legítima que fosse, depois de
todo o ocorrido, a desconfiança do Governo soviético para com o Governo de
Chamberlain, os dirigentes da URSS tentaram, naquele momento crítico, apelar
para o bom senso dos dirigentes da Grã-Bretanha. Em 17 de março de 1938, cinco
dias após a anexação da Áustria, o Comissário do Povo de Negócios Estrangeiros,
Litvinov, fez, em Moscou, algumas declarações aos jornalistas, em nome do
Governo soviético, nas quais, entre outras coisas, afirmou:
— “Se os casos de agressão se haviam
registrado antes em continentes mais ou menos afastados da Europa ou no extremo
da Europa... desta vez a violência se produziu no centro da Europa, provocando
um iniludível perigo tanto para os onze países que agora fazem limites com o
agressor, como para todos os Estados Europeus, e não somente europeus...
Surge, em primeiro lugar, uma ameaça para a
Tchecoslováquia...
A atual situação internacional faz surgir
ante todos os Estados pacíficos e, em particular, perante as grandes potências,
o problema de sua responsabilidade pelo destino dos povos da Europa e não
somente da Europa. O Governo soviético está consciente da parcela de responsabilidade
que lhe cabe, como também dos compromissos que lhe dizem respeito na Carta da
Sociedade das Nações, no pacto Briand-Kellog e nos tratados de assistência
mútua que firmou com a França e a Tchecoslováquia, e pode declarar em seu nome
que está disposto, como antes, a participar nas ações coletivas acordadas
conjuntamente com ele e que tenham por fim deter o desenvolvimento da agressão
e eliminar o crescente perigo de uma nova guerra mundial. O Governo soviético
está disposto a examinar imediatamente, junto com outras potências, na
Sociedade das Nações ou a margem dela, as medidas práticas ditadas pelas
circunstâncias”15
Simultaneamente, recebi de Moscou a indicação
de entregar ao Governo britânico o texto das declarações de Litvinov,
acompanhando-as uma nota na qual se dizia que as citadas declarações
expressavam oficialmente o ponto de vista do Governo soviético. Assim o fiz. O
mesmo fizeram também, cumprindo as instruções recebidas de Moscou, os
embaixadores soviéticos em Paris e Washington. Assim, portanto, a URSS declarou
publicamente que estava disposta a adotar medidas enérgicas contra a agressão e
exortou a Inglaterra, a França e os Estados Unidos a procederem da mesma
maneira. A União Soviética cumpriu com o seu dever. E os outros?”
14 Documentos
y materiales de vísperas de la Segunda Guerra Mundial, tomo I. págs. 24 e 34, ed. em espanhol, Moscou, 1948.
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