Editora: Ecclesiae
ISBN: 978-85-8491-044-1
Tradução: Alexandre Correia
Opinião: ★☆☆☆☆
Páginas: 764
“Deixa
os argumentos quando se procura a fé.” (Ambrósio)
“Não
há mérito a fé onde a razão fornece a prova.” (Gregório)
“Por cinco vias
pode-se provar a existência de Deus. A primeira e mais manifesta é a procedente
do movimento; pois, é certo e verificado pelos sentidos, que alguns seres são
movidos neste mundo. Ora, todo o movido por outro o é. Porque nada é movido
senão enquanto potencial, relativamente àquilo a que é movido, e um ser move
enquanto em ato. Pois mover não é senão levar alguma coisa da potência ao ato;
assim, o cálido atual, como o fogo, torna a madeira, cálido potencial, em
cálido atual e dessa maneira, a move e altera. Ora, não é possível uma coisa
estar em ato e potência, no mesmo ponto de vista, mas só em pontos de
vista diversos; pois, o cálido atual não pode ser simultaneamente cálido
potencial, mas, é frio em potência. Logo, é impossível uma coisa ser motora e
movida ou mover-se a si própria, no mesmo ponto de vista e do mesmo modo, pois,
tudo o que é movido há de sê-lo por outro. Se, portanto, o motor também se
move, é necessário que seja movido por outro, e este por outro. Ora, não se
pode assim proceder até ao infinito, porque não haveria nenhum primeiro motor
e, por consequência, outro qualquer; pois, os motores segundos não movem, senão
movidos pelo primeiro, como não move o báculo sem ser movido pela mão. Logo, é
necessário chegar a um primeiro motor, de nenhum outro movido, ao qual todos
dão o nome de Deus.
A segunda via
procede da natureza da causa eficiente. Pois, descobrimos que há certa ordem
das causas eficientes nos seres sensíveis; porém, não concebemos, nem é
possível que uma coisa seja causa eficiente de si própria, pois seria anterior
a si mesma; o que não pode ser. Mas, é impossível, nas causas eficientes,
proceder-se até o infinito; pois, em todas as causas eficientes ordenadas, a
primeira é causa da média e esta, da última, sejam as médias muitas ou uma só;
e como, removida a causa, removido fica o efeito, se nas causas eficientes não
houver primeira, não haverá média nem última. Procedendo-se ao infinito, não
haverá primeira causa eficiente, nem efeito último, nem causas eficientes
médias, o que evidentemente é falso. Logo, é necessário admitir uma causa
eficiente primeira, à qual todos dão o nome de Deus.
A terceira via,
procedente do possível e do necessário, é a seguinte — Vemos que certas coisas
podem ser e não ser, podendo ser geradas e corrompidas. Ora, impossível é
existirem sempre todos os seres de tal natureza, pois o que pode não ser, algum
tempo não foi. Se, portanto, todas as coisas podem não ser, algum tempo nenhuma
existia. Mas, se tal fosse verdade, ainda agora nada existiria pois, o que não
é só pode começar a existir por uma coisa já existente; ora, nenhum ente
existindo, é impossível que algum comece a existir, e portanto, nada existiria,
o que, evidentemente, é falso. Logo, nem todos os seres são possíveis, mas é
forçoso que algum dentre eles seja necessário. Ora, tudo o que é necessário ou
tem de fora a causa de sua necessidade ou não a tem. Mas não é possível
proceder ao infinito, nos seres necessários, que têm a causa da própria
necessidade, como também o não é nas causas eficientes, como já se provou. Por
onde, é forçoso admitir um ser por si necessário, não tendo de fora a causa da
sua necessidade, antes, sendo a causa da necessidade dos outros; e a tal ser,
todos chamam Deus.
A quarta via procede
dos graus que se encontram nas coisas. — Assim, nelas se encontram em proporção
maior e menor o bem, a verdade, a nobreza e outros atributos semelhantes. Ora,
o mais e o menos se dizem de diversos
atributos enquanto se aproximam de um máximo, diversamente; assim, o mais
cálido é o que mais se aproxima do maximamente cálido. Há, portanto, algo
verdadeiríssimo, ótimo e nobilíssimo e, por consequente, maximamente ser; pois,
as coisas maximamente verdadeiras são maximamente seres, como diz o Filósofo.
Ora, o que é maximamente tal, em um gênero, é causa de tudo o que esse gênero
compreende; assim o fogo, maximamente cálido, é causa de todos os cálidos, como
no mesmo lugar se diz. Logo, há um ser, causa do ser, e da bondade, e de
qualquer perfeição em tudo quanto existe, e chama-se Deus.
A quinta procede do
governo das coisas — Pois, vemos que algumas, como os corpos naturais, que
carecem de conhecimento, operam em vista de um fim; o que se conclui de
operarem sempre ou frequentemente do mesmo modo, para conseguirem o que é
ótimo; donde resulta que chegam ao fim, não pelo acaso, mas pela intenção. Mas,
os seres sem conhecimento não tendem ao fim sem serem dirigidos por um ente
conhecedor e inteligente, como a seta, pelo arqueiro. Logo, há um ser
inteligente, pelo qual todas as coisas naturais se ordenam ao fim, e a que
chamamos Deus.”
“Uma
coisa é cognoscível na medida em que é atual” (Aristóteles)
“Um ser é
considerado bom na medida em que é perfeito, pois, nessa mesma, é desejável,
como já se demonstrou. Ora, consideramos como perfeito aquilo a que nada falta,
segundo o modo da sua perfeição.”
“A Escritura diz (Sb
7, 24), que a sabedoria é mais ágil do que todo o movimento.”
“A eternidade é
total, não por ter partes, mas, porque nada lhe falta.”
“Deus compreende em
si a perfeição total do ser. Ora, se existissem vários deuses, necessariamente
tinham que diferir e, portanto, algo conviria a um que não conviria aos outros;
e se tal fosse uma privação, eles não seriam absolutamente perfeitos; se fosse
perfeição, esta faltaria aos outros. Logo, é impossível existirem vários deuses.”
“Deus é infinito. Logo é, como tal, inconhecível.”
“Deus é visto pelo intelecto e não pelo sentido.”
“É impossível predicar-se qualquer coisa, univocamente, de Deus e das
criaturas. Pois, todo efeito que não iguala a virtude da causa agente, recebe a
semelhança do agente, não segundo o mesmo sentido mas, deficientemente; de modo
que, o que nos efeitos existe dividida e multiplamente, existe na causa simples
e uniformemente; assim, o sol, pela sua virtude una, produz nos seres da terra
formas várias e múltiplas. Do mesmo modo, como já dissemos, todas as perfeições
que existem nas coisas criadas, dividida e multiplamente, preexistem em Deus,
una e simplesmente.”
“Pois, Orígenes diz: Não é porque Deus sabe, que alguma coisa será, que
ela há-de ser; mas, porque há-de ser, é que é conhecida por Deus antes que
seja.”
“Quem quer que conheça alguma coisa perfeitamente deve conhecer tudo o
que lhe diga respeito. Ora, há certas coisas boas, que podem ser corrompidas
pelo mal. Logo, Deus não as conheceria perfeitamente se também não conhecesse o
mal. Pois, um ser é cognoscível na medida em que é; e, sendo a essência do mal
a privação do bem, pelo mesmo conhecer Deus o bem, conhece também o mal, como
pela luz se conhecem as trevas. Por isso, diz Dionísio: Deus por si mesmo tem a
visão das trevas, não as vendo senão pela luz.
O mal não é cognoscível em si mesmo, porque é, por essência, privação do
bem; e, assim, não pode ser definido nem conhecido a não ser pelo bem.”
“As coisas naturais dependem do intelecto divino como as artificiais do
humano.”
“Todo o que se engana não entende aquilo por onde se enganou.”
(Agostinho)
“Deus mesmo é o fim de tudo o que fez. E isto pela sua essência, porque
é bom, por essência, como já demonstramos; pois, a essência do fim é o bem.”
“— O livre arbítrio é a faculdade da razão e da vontade, que elege o bem
e o mal.”
“O amor põe o amante fora de si e, de certo modo, o transfere para o
amado. (...) O amante, transferindo-se para o amado, exterioriza-se a si mesmo,
enquanto quer o bem para o amado e obra, pela sua providência, como se o
fizesse para si próprio.”
“Pois, inocentes ou penitentes, melhores e mais amados são os que têm
maior graça. Porém, todas as condições iguais, a inocência é mais digna e mais
amada. Dizemos contudo que Deus mais se rejubila com o penitente do que com o
inocente, porque mais frequentemente os penitentes ressurgem mais cautos,
humildes e fervorosos. Por isso, diz Gregório: Na batalha, o mais querido do
chefe é o soldado que, arrependido da fuga, volta-se e ataca fortemente o
inimigo, mais que o que nunca fugiu, mas também nunca atacou fortemente. Ou,
outra razão é que o mesmo dom da graça custa mais ao penitente, que mereceu a
pena, do que ao inocente, que não a mereceu; assim como cem marcos são dom
maior ao pobre que ao rei.”
“Seria ridículo louvar a Deus pelas suas virtudes políticas, como diz
Aristóteles.”
“Misericordioso é quem possui coração comiserado, por assim dizer, por
contristar-se com a miséria de outrem, como se fora própria e esforçar-se por
afastá-la como se esforçaria por afastar a sua própria.”
“Assim, quem desse duzentos dinheiros ao credor, ao qual só deve cem,
não pecaria contra a justiça, mas agiria liberal ou misericordiosamente. O
mesmo se daria com quem perdoasse a injúria, que lhe foi feita; pois, quem
perdoa, de certo modo dá; e por isso o Apóstolo chama ao perdão, doação (Ef 4,
32): Perdoai-vos uns aos outros como também Cristo vos perdoou. Donde resulta
que, longe de suprimir a justiça, a misericórdia é a plenitude dela. Donde, o
dizer a Escritura (Tg 2 ,13): A misericórdia triunfa sobre o justo.”
“Ora, como a prudência, a providência é a razão existente no intelecto e
que determina que certos seres se ordenem ao seu fim, como vimos. Ora, sem
preexistir a vontade do fim, nada pode ser determinado a se ordenar para ele.
Por onde, a predestinação de certos, a que se salvem, pressupõe racionalmente,
que Deus lhes quer a salvação, o que inclui a eleição e o amor. O amor, por
querer-lhes Deus o bem da salvação eterna; pois, amar é querer um bem a alguém.
A eleição, por querer-lhes tal bem a uns de preferência a outros; pois, certos
são reprovados, conforme vimos. Mas a eleição e o amor não se exercem do mesmo
modo em nós e em Deus. Porque a nossa vontade não causa o bem que ama; ao
contrário, o bem preexistente é que nos incita a amá-lo. Por isso, elegemos a
quem amamos. Por onde, em nós, a eleição precede o amor, mas o inverso se dá
com Deus, cuja vontade, querendo bem a quem ama é causa de que este, de
preferência a outro, possua esse bem.”
“Nenhum ser se mede por si mesmo.”
“O Filho não foi gerado do nada, mas, da substância do Pai. Pois, como
demonstramos, a paternidade, a filiação e a natividade existem em Deus
verdadeira e propriamente. Ora, entre a geração verdadeira, pela qual se
procede como filho, e a produção, há a seguinte diferença: o produzir faz
alguma coisa, da matéria exterior; assim, o artífice faz um escabelo, da
madeira; ao passo que o homem gera um filho, de si mesmo. Mas assim como o
artífice criado faz alguma coisa da matéria, assim Deus faz do nada; e não que
se transforme o nada na substância da coisa, mas porque por si mesmo produz a
substância inteira da coisa, sem pressuposição de nenhum outro ser. Se, pois, o
Filho procedesse do Pai, tendo recebido a existência como provindo do nada,
estaria para o Pai como o artificiado, para o artífice; e então é manifesto,
que não lhe poderíamos atribuir a filiação propriamente dita, mas só segundo
certa semelhança. Donde resulta que, se o Filho procedesse do Pai, como
existindo do nada, não seria verdadeira e propriamente Filho, contrariamente ao
que diz a Escritura (1 Jo 5, 20): Para que estejamos em seu verdadeiro Filho,
Jesus Cristo. Logo, o verdadeiro Filho de Deus não procede do nada; nem é
feito, mas somente gerado.
E se certos se chamarem filhos de Deus, estes feitos do nada, sê-lo-á só
metaforicamente, por alguma assimilação com aquele que verdadeiramente é Filho.
Por isso, enquanto só ele é o verdadeiro e natural Filho de Deus, chama-se
unigênito, segundo a Escritura (Jo 1, 18): O Filho unigênito, que está no seio do
Pai, esse é quem o deu a conhecer. Porém, por semelhança com ele, os outros se
chamam filhos adotivos, sendo ele chamado primogênito, por assim dizer
metaforicamente, conforme a Escritura (Rm 8, 29): Os que ele conhece na sua
presciência também os predestinou para serem conformes à imagem de seu Filho,
para que ele seja o primogênito entre muitos irmãos.
Donde se conclui, que o Filho é gerado da substância do Pai, porém
diferentemente dos filhos dos homens. Pois, parte da substância do gerador
passa para a substância do filho. Ao contrário, a divina natureza é
indivisível. Por onde, e necessariamente, o Pai, gerando o Filho, não lhe
transfunde nada da sua natureza, mas lhe comunica a natureza inteira,
permanecendo a distinção só pela origem.”
“A ação é propriamente a atualidade da virtude, como a existência é a da
substância ou essência.”
“Por beatitude se entende a última perfeição racional ou intelectual da
natureza; donde vem ser a beatitude naturalmente desejada, pois cada ser naturalmente
deseja a sua última perfeição. Ora, a última perfeição racional ou intelectual
da natureza é dupla. Uma, que pode ser atingida por essa natureza considerada
em si mesma, e essa perfeição se chama, de algum modo, beatitude ou felicidade.
Por onde, a perfeitíssima contemplação do homem, pela qual o ótimo inteligível,
que é Deus, pode ser contemplado nesta vida, Aristóteles a considera a
felicidade última. Mas, acima dessa, há outra felicidade, que esperamos no
futuro, pela qual veremos Deus como Ele é. E esta é superior à natureza de
qualquer intelecto criado.”
“A felicidade consiste na aplicação ao que nos é
superior.”
“Como diz Damasceno, a morte é para os homens o que é a queda para os
anjos.”
“A natureza não falta com o necessário a nenhum
ser.”
“O homem tem livre arbítrio; do contrário seriam inúteis os conselhos,
as exortações, os preceitos, as proibições, os prêmios e as penas. E isto se
evidencia, considerando, que certos seres agem sem discernimento; como a pedra,
que cai e, semelhantemente, todos os seres sem conhecimento. Outros, porém,
agem com discernimento, mas não livre, como os brutos. Assim a ovelha que,
vendo o lobo, discerne que deve fugir, por discernimento natural, mas não
livre, porque esse discernimento não provém da reflexão, mas do instinto
natural. E o mesmo se dá com qualquer discernimento dos brutos. ― O homem,
porém, age com discernimento; pois, pela virtude cognoscitiva, discerne que
deve evitar ou buscar alguma coisa. Mas esse discernimento, capaz de visar
diversas possibilidades, não provém do instinto natural, relativo a um ato
particular, mas da reflexão racional. Pois a razão, relativamente às coisas
contingentes, pode decidir entre dois termos opostos, como se vê nos silogismos
dialéticos e nas persuasões retóricas. Ora, os atos particulares são
contingentes e, portanto, em relação a eles, o juízo da razão tem de se avir
com termos opostos e não fica determinado a um só. E, portanto, é forçoso que o
homem tenha livre arbítrio, pelo fato mesmo de ser racional.”
“Se temos livre arbítrio é que podemos tomar uma coisa e recusar outra;
e isso é eleger. Por onde, é mister considerar a natureza do livre arbítrio
partindo da eleição.”
“O irascível e o concupiscível estão sujeitos à
razão.”
“Pela virtude da caridade é que amamos a Deus.”
“Pois, inteligir importa na recepção simples de uma coisa; por onde,
consideram-se inteligidos, no sentido próprio, os princípios que, sem
raciocínio, são conhecidos em si mesmos. Mas, raciocinar, propriamente, é
passar do conhecimento de uma coisa para o de outra; e, por isso, propriamente,
raciocinamos sobre as conclusões, conhecidas pelos princípios. Semelhantemente,
por parte do apetite, querer importa no simples desejo de uma coisa; e, por isso,
diz-se que a vontade quer o fim, desejado em si mesmo. Ao passo que eleger é
desejar uma coisa por causa de outra, que se quer conseguir; e, por isso,
propriamente, se refere às coisas que conduzem ao fim. Ora, assim como, na
cognição, o princípio está para a conclusão, na qual assentimos por causa dos
princípios; assim, na apetição, o fim está para as coisas conducentes ao fim e
que por causa daquele são desejadas. Por onde, é manifesto que assim como o
intelecto está para a razão, assim está à vontade para a virtude eletiva, i.
é., para o livre arbítrio. Mas, a mesma potência que intelige raciocina, assim
como a mesma que repousa é movida. Logo, a mesma potência que quer também
elege. E, por isso, a vontade e o livre arbítrio não são duas potências, mas
uma só.”
“Se se considerar a quantidade proporcional, maior é o grau do mérito
depois do pecado, por causa da fraqueza do homem; pois, uma obra de pequena
monta excede mais o poder daquele, que a faz com dificuldade, do que uma obra
de grande valia, o poder de quem a faz sem dificuldade.”
“A palavra milagre vem de admiração. Ora, esta surge quando, sendo a
causa oculta, os efeitos são manifestos; assim, admiramo-nos vendo um eclipse
do sol e ignorando-lhe a causa, como diz Aristóteles. Ora, como a causa de um
efeito aparente pode ser conhecida de uns e ignorada de outros, daí vem que é
admirável para aqueles e não o é para estes; assim, quando o rústico se admira
de um eclipse do sol, mas não, o astrônomo. Ora, chama-se milagre o que como provoca
a admiração, porque tem em si causa oculta a todos, e que é Deus. Por onde,
chama-se milagre tudo o que Deus faz, fora das causas que nós conhecemos.”
Um comentário:
Trechos bastante filosóficos.
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