Editora:
Imesp – Unb
ISBN:
978-85-2300-204-6
Tradução:
Mário da Gama Kury
Opinião: ★★★★☆
Páginas: 428
Sinopse: Ver Parte I
“A razão do prestígio de Péricles era o fato de sua
autoridade resultar da consideração de que gozava e de suas qualidades de
espírito, além de uma admirável integridade moral; ele podia conter a multidão
sem lhe ameaçar a liberdade, e conduzi-la ao invés de ser conduzido por ela,
pois não recorria à adulação com o intuito de obter a força por meios menos
dignos; ao contrário, baseado no poder que lhe dava a sua alta reputação, era
capaz de enfrentar até a cólera popular. Assim, quando via a multidão
injustificadamente confiante e arrogante, suas palavras a tornavam temerosa, e
quando ela lhe parecia irracionalmente amedrontada, conseguia restaurar-lhe a
confiança.”
“Somente o respeito decorrente da igualdade de
forças constitui base firme para uma aliança, pois o eventual transgressor
recua diante do sentimento de que não tem superioridade bastante para atacar.”
“Realizou-se imediatamente uma assembleia, na qual
foram emitidas opiniões antagônicas por vários oradores. Um destes era Clêon
filho de Cleênetos, que havia conseguido a aprovação da moção no sentido de
serem mortos todos os mitilênios (que haviam se rebelado contra Atenas e haviam
sido posteriormente capturados). Ele, que não era somente o mais violento dos
cidadãos, mas também o mais ouvido pelo povo na ocasião, subiu à tribuna pela
segunda vez e disse o seguinte:
Habituados entre vós na vida cotidiana a não temer
nem intrigar, tendes a mesma atitude diante de vossos aliados, esquecidos de
que, todas as vezes que sois induzidos em erros por seus representantes ou
cedeis por piedade, vossa fraqueza vos expõe a perigos e não conquista a sua
gratidão; sois incapazes de ver que vosso império é uma tirania imposta a
súditos que, por seu turno, conspiram contra vós e se submetem ao vosso comando
contra a sua vontade, e vos obedecem não por causa de alguma generosidade vossa
para com eles em detrimento de vossos interesses, mas por causa de vossa
ascendência sobre eles, resultante de vossa força e não de sua boa vontade. O
risco mais temível, todavia, seria a falta de firmeza em nossas decisões, e a
incapacidade de ver que leis imperfeitas mas imutáveis tornam uma cidade mais
forte que leis bem feitas mas sem autoridade; a ignorância combinada com a
modéstia é mais útil que a astúcia unida ao atrevimento; quase sempre as
cidades são melhor governadas pelos homens simples que pelas inteligências mais
sutis; estas, com efeito, querem sempre mostrar que são mais sábias que as leis
e dominar os debates, como se nunca mais houvesse assuntos importantes a
respeito dos quais pudessem exibir o seu talento, e com essa conduta geralmente
levam a sua cidade à ruína; os homens que, ao contrário, não confiando em sua
sutileza, contentam-se com saber menos que as leis e ser menos competentes que
outros para criticar as palavras de um orador sagaz e, por serem mais juízes
imparciais que contestadores interesseiros, geralmente são bem-sucedidos. (…)
Me admiro daqueles que propõem debater novamente a
questão dos mitilênios e assim provocar delongas que só interessam aos culpados
(a cólera do ofendido contra o ofensor vai-se amortecendo com o passar do
tempo); quando a repressão segue imediatamente o ultraje são mantidas as
proporções e a reparação é completa. (…)
Posso ser tolerante com homens que recorrem à
rebelião por serem incapazes de suportar o vosso domínio, ou por serem coagidos
por vossos inimigos a agir assim, mas quanto a homens que habitam uma ilha
fortificada e não temem nossos inimigos senão por mar, e mesmo sob esse aspecto
nunca ficaram sem a proteção da força de suas próprias trirremes, e que além
disso se governam por suas próprias leis e eram tratados por nós com a mais
alta consideração, pergunto: tal conduta não constitui uma conspiração, mais
uma rebeldia que uma revolta – pois revolta é recurso de quem sofre opressão –
e uma tentativa deliberada de passar para o lado de nossos piores inimigos com
o objetivo de causar a nossa destruição? Isto é certamente mais grave do que se
eles nos houvessem declarado guerra a fim de aumentar o seu poder. As desgraças
de seus vizinhos que se revoltaram contra nós e foram dominados não lhes
serviram de advertência, nem a felicidade que gozaram até agora os fez recuar
diante do perigo; ao contrário, tornando-se demasiadamente confiantes no futuro
e nutrindo esperanças que, embora maiores que suas forças, eram menores que sua
ambição, empunharam armas, querendo pôr a força acima do direito, pois no
momento em que se consideraram capazes de vencer atacaram-nos sem ser
provocados. Realmente, as cidades inesperadamente prósperas tendem ao orgulho;
em geral o cálculo, mais que o imprevisto, dá solidez ao sucesso e, para dizer
tudo, é mais fácil afastar a adversidade que manter a prosperidade. Desde o
começo os mitilênios nunca deveriam ter sido tratados por nós com mais
consideração que os outros aliados; assim jamais teriam demonstrado tanta
insolência, pois é próprio dos homens em qualquer caso desprezar a consideração
e admirar o rigor. Castigai-os, portanto, enquanto é tempo, de maneira
compatível com seu crime.
Não devemos deixar-lhes qualquer esperança, seja
fundada na eloquência, seja comprada com dinheiro, de que serão perdoados porque
seu erro foi humano. Na verdade, seu ato não foi um ultraje involuntário, mas
uma conspiração deliberada, e a indulgência só se aplica ao ato involuntário.
Insisto, portanto, como tenho feito desde o princípio, em que não haja uma
reversão em nossa decisão anterior, e em que não vos deixeis levar pelos três
sentimentos mais nocivos a quem exerce o império: a compaixão, o encanto da
eloquência e a clemência. A compaixão pode ser estendida aos que também a
sentem, mas nunca àqueles que não mostrarão piedade por seu turno e serão
inevitavelmente inimigos constantes. Quanto aos oradores que encantam com sua
eloquência, terão outras oportunidades de exibi-la em assuntos menos
importantes, e não quando a cidade pagará por um prazer efêmero um alto preço
enquanto eles ganham um bom salário por suas falas agradáveis. E será melhor
reservar a clemência para os que no futuro se mostrarem aliados fiéis, em vez
de usá-la com quem continua a ser o que sempre foi, ou seja inimigo.”
“Os dois obstáculos mais contrários a uma
deliberação sensata são a pressa e a paixão; com efeito, uma anda geralmente em
companhia da leviandade, e a outra da obsessão e estreiteza de espírito.”
“Quanto às palavras, quem sustenta que elas não
guiam nossas ações, é ignorante ou defende algum interesse pessoal – ignorante
se crê que existe outro meio de lançar luz sobre a incerteza do futuro;
defensor de interesses pessoais se, desejando impingir uma proposta desonesta e
não podendo falar bem de uma causa má, consegue ao menos caluniar bem e assim
intimidar seus opositores e ouvintes. Os mais perigosos são exatamente os que
acusam antecipadamente um orador de estar subornado, apenas para fazer uma
exibição de retórica. Se lhe imputassem somente ignorância, o orador incapaz de
convencer os seus ouvintes poderia ir embora com a reputação de tolo, mas não
de desonesto; quando, porém, a acusação é de desonestidade, o orador
bem-sucedido se torna suspeito, e o fracassado além de tolo será indigno. Tudo
isto é prejudicial à cidade, privada de seus conselheiros pelo temor.”
“Praticamente todo o mundo helênico ficou
convulsionado, pois nas várias cidades os chefes das respectivas facções
democráticas enfrentavam os oligarcas, já que os democratas queriam chamar os
atenienses e os oligarcas os lacedemônios. Com efeito, em tempo de paz não
teriam pretexto nem ousadia para pedir a intervenção, mas agora que as duas
alianças estavam em guerra, cada facção nas várias cidades, se desejava uma
revolução, achava fácil recorrer a aliados, para de um só golpe fazer mal aos
adversários e fortalecer sua própria causa. Dessa forma as revoluções trouxeram
para as cidades numerosas e terríveis calamidades, como tem acontecido e
continuará a acontecer enquanto a natureza humana for a mesma; elas, porém,
podem ser mais ou menos violentas e diferentes em suas manifestações, de acordo
com as várias circunstâncias presentes em cada caso. Na paz e prosperidade as
cidades e os indivíduos têm melhores sentimentos, porque não são forçados a
enfrentar dificuldades extremas; a guerra, ao contrário, que priva os homens da
satisfação até de suas necessidades cotidianas, é uma mestra violenta e
desperta na maioria das pessoas paixões em consonância com as circunstâncias do
momento. Assim as cidades começam a ser abaladas pelas revoluções, e as que são
atingidas por estas mais tarde, conhecendo os acontecimentos anteriores, chegam
a extravagâncias ainda maiores em iniciativas de uma engenhosidade rara e em
represálias nunca antes imaginadas. A significação normal das palavras em relação
aos atos muda segundo os caprichos dos homens. A audácia irracional passa a ser
considerada lealdade corajosa em relação ao partido¹; a hesitação prudente se
torna covardia dissimulada; a moderação passa a ser uma máscara para a fraqueza
covarde, e agir inteligentemente equivale à inércia total. Os impulsos
precipitados são vistos como uma virtude viril, mas a prudência no deliberar é
um pretexto para a omissão. O homem irascível sempre merece confiança, e seu
oposto se torna suspeito. O conspirador bem-sucedido é inteligente, e ainda
mais aquele que o descobre, mas quem não aprova esses procedimentos é tido como
traidor do partido e um covarde diante dos adversários. Em suma, ser o primeiro
nessa corrida para o mal e compelir a entrar nela quem não queria é motivo de
elogios. Na realidade, os laços de parentesco ficam mais fracos que os de
partido, no qual os homens se dispõem mais decididamente a tudo ousar sem perda
de tempo, pois tais associações não se constituem para o bem público
respeitando as leis existentes, mas para violarem a ordem estabelecida ao sabor
da ambição. Os compromissos tiram a sua validade menos de sua força de lei
divina que da ilegalidade perpetrada em comum. Palavras sensatas
ditas por adversários são recebidas, se estes prevalecem, com desconfiança
vigilante ao invés de generosidade. Vingar-se de uma ofensa é mais apreciado
que não haver sido ofendido. Os juramentos de reconciliação só têm valor no
momento em que são feitos, pois cada lado só se compromete para fazer face a
uma emergência, não tendo a mínima força, e aquele que, em qualquer ocasião,
vendo um adversário desprevenido, é o primeiro a se atrever, acha sua vingança
mais agradável por causa do compromisso rompido do que se atacasse abertamente,
levando em conta não somente a segurança de tal procedimento, mas também a
circunstância de, por vencer mediante falsidade, estar fazendo jus a elogios
por sua astúcia. De um modo geral os homens passam a achar melhor ser chamados
canalhas astuciosos que tolos honestos, envergonhando-se no segundo caso e
orgulhando-se no primeiro.
A causa de todos esses males era a ânsia de chegar
ao poder por cupidez e ambição, pois destas nasce o radicalismo dos que se
entregam ao facciosismo partidário. Com efeito, os líderes partidários emergentes
nas várias cidades, usando em ambas as facções palavras especiosas (uns falavam
em igualdade política para as massas, outros em aristocracia moderada),
procuravam dar a impressão de servir aos interesses da cidade, mas na realidade
serviam-se dela; valendo-se de todos os meios para imporem-se uns aos outros,
todos ousavam praticar os atos mais terríveis, e executavam vinganças ainda
piores, não nos limites da justiça e do interesse público, mas pautando a sua
conduta, em ambos os partidos, pelos caprichos do momento; sempre estavam
prontos, seja ditando sentenças injustas de condenação, seja subindo ao poder
pela violência, a agir em função de suas rivalidades imediatas.
Consequentemente, ninguém tinha o menor apreço pela verdadeira piedade, e
aqueles capazes de levar a bom termo um plano odioso sob o manto de palavras
enganosas eram considerados os melhores, e os cidadãos que não pertenciam a um
dos dois partidos eram eliminados por ambos, por não fazerem causa comum com
eles ou simplesmente pelo despeito de vê-los sobreviver.
Assim proliferaram na Hélade todas as formas de
perversidade em consequência de revoluções, e a simplicidade, que é a
característica mais condizente com uma natureza nobre, provocava sorrisos de
escárnio e desapareceu, enquanto florescia por toda a parte a hipocrisia
combinada com a desconfiança. Já não havia palavras fidedignas, nem juramentos
capazes de inspirar respeito bastante para reconciliar os homens; os mais
fortes, considerando precárias as garantias, preocupavam-se mais com evitar que
lhes fizessem mal do que com esforçar-se por demonstrar aos demais que podiam
confiar neles. Geralmente os medíocres triunfavam, pois o sentimento de suas
limitações intelectuais e o temor da inteligência do adversário, aliados ao
receio de ser vencidos em debates com opositores mais hábeis no falar, os
levavam direta e ousadamente à ação. Seus adversários, em sua presunção de que
poderiam prever os acontecimentos e de poderem confiar mais em sua inteligência
do que na crueza dos fatos, na maioria das vezes eram apanhados de surpresa e
exterminados.
Naquela crise, quando Atenas vivia na mais completa
anarquia, a natureza humana, então triunfante sobre as leis e já acostumada a
fazer mal mesmo a despeito das leis, comprazia-se em mostrar que suas paixões
são ingovernáveis, mais fortes que a justiça e inimigas de toda superioridade;
na verdade, se a inveja não possuísse uma força tão nociva não se teria
preferido a vingança às regras consagradas de conduta, nem o proveito ao
respeito pela justiça. Realmente, os homens, quando querem vingar-se de alguém,
não hesitam em derrogar os princípios gerais observados em tais circunstâncias
– princípios dos quais dependem as esperanças de salvação de cada um deles
diante dos infortúnios – mostrando-se incapazes de mantê-los vigentes para
invocá-los se algum perigo os forçar a isto.”
1: Havia então dois partidos, o popular, com ideais democráticos (como o
que detinha o poder em Atenas) e o oligárquico, com ideais despóticos
(mandatário em Esparta). Mesmo as cidades que possuíam um sistema de governo,
possuíam em seu seio partidários do sistema contrário – em outros termos,
possuíam uma oposição.
“Se algum de vós alimenta convictamente a esperança
de que pode obter qualquer vantagem insistindo intransigentemente em seus
direitos ou apelando para a força, não vá sofrer uma amarga decepção, enleado
por sua expectativa, pois deve saber que muitos homens antes, perseguindo com a
vingança aqueles que os prejudicaram, ou em outros casos esperando obter alguma
vantagem com o exercício do poder, no primeiro caso não somente não conseguiram
vingar-se, mas perderam todas as possibilidades de salvar-se, e no segundo, em
vez de ganhar mais perderam o que já possuíam. Realmente, a, vingança não tem o
direito de esperar uma justa reparação apenas porque foi cometida uma
injustiça, nem a força é segura de si mesma apenas por ser confiante. Em
relação ao futuro prevalece geralmente a incerteza, e esta, embora seja
extremamente enganadora, pode ser mais útil que qualquer outra coisa, pois
sendo igualmente temida por todos, torna-nos mais prudentes antes de nos
atacarmos uns aos outros.”
“Os homens, em relação ao objeto de seus desejos,
costumam entregar-se a esperanças infundadas e rejeitam por considerações
arbitrárias o que lhes desagrada.”
“– Para combater bem são necessárias três virtudes:
a decisão, o sentimento de honra e a obediência aos comandantes.”
“Aqueles que preservam a sua liberdade a devem à
sua força.”
“São as coisas mais distantes e aquelas cuja
reputação foi menos posta à prova que provocam admiração.”
“Em toda parte o perigo traz a união.”
“As opiniões dos homens tendem a variar segundo o
que ouvem dizer.”
“Com adversários deve-se estar prevenido não
somente quanto ao que eles fazem, mas até quanto às suas intenções, pois quem
não for o primeiro a tomar cuidados será o primeiro a sofrer.”
“Como diz um
provérbio, a vingança é o mais doce dos prazeres.”
2 comentários:
Como ocorre em algumas oportunidades, divido a postagem para que ela não fique muito extensa.
Faço este fracionamento acompanhando as páginas das divisões internas da obra (que o autor alcunha como “livros”).
Trechos interessantes.
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