Editora: Iluminuras
ISBN: 85-7321-230-6
Estudo e tradução: Jaa Torrano
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 168
Sinopse: Hesíodo,
junto a Homero,
é o mais antigo poeta grego cujas obras chegaram a nós.
Este livro se compõe da tradução integral da Teogonia
de Hesíodo, e do ensaio em que este poema é estudado como um documento do
pensamento religioso grego, sob quatro aspectos interligados, a saber:
1)A noção mítica da linguagem como manifestação divina.
As Deusas Musas, filhas de Zeus e de Mnemosýne (“Memória”),
manifestam-se no canto e na dança e em forma de canto e de dança. Elas
constituem o fundamento transcendente dos cantos e, ao mesmo tempo, a garantia
divina da verdade que nesses cantos se revela.
2)A noção mítica da verdade como “revelações” (alethéa).
A epifania das Musas a Hesíodo coloca em termos míticos o problema lógico e
ontológico da verdade. Entre “muitas mentiras símeis aos fatos”, as Musas,
quando querem, sabem dizer a verdade, ou melhor: “revelações” (alethéa).
Quem poderia distinguir entre tais “mentiras” e “revelações”? – Para a piedade
hesiódica, a Verdade é um dom dos Deuses, e assim depende da vontade deles se
ela se apresenta ou não aos homens –, mas, apresentando-se, ela traz consigo o
sinal inequívoco de sua autenticidade: o esplendor divino. Quem poderia jamais
deixar de percebê-lo, se assim querem as Deusas?
3)A noção mítica do tempo como temporalidade da Presença
divina. Os gregos hesiódicos vivem na proximidade dos Deuses, num tempo cujos
dias não se deixam medir por quaisquer números, pois cada dia então se mostra
com as características e qualidades mesmas do Deus que nesse dia se manifesta e
se comemora.
4)A noção mítica do mundo como um conjunto único, uno e
múltiplo de teofanias. O mundo, para os gregos hesiódicos, é um conjunto único
de inesgotáveis aparições divinas (teofanias); no entanto, é um mundo lógico,
em termos míticos e na lógica própria do pensamento mítico – um mundo real e
perigoso, que se deixa conhecer através das genealogias divinas, das linhagens
e famílias de Deuses ciosos de suas prerrogativas e vigilantes de que elas
sejam observadas.
A presente tradução, em versos livres, busca reproduzir
não só a riqueza poética, mas ainda as noções e o movimento próprios do
pensamento grego arcaico.
“A força do Sábio está em saber dizer o já
dito com o mesmo vigor com que foi dito pela primeira vez.” (Jaa Torrano)
“Ele reina no céu
tendo consigo o trovão e o raio flamante,
venceu no poder o pai Crono, e aos imortais
bem distribuiu e indicou cada honra.”
“Eros: o mais belo entre Deuses imortais,
solta-membros, dos Deuses todos e dos homens todos
ele doma no peito o espírito e a prudente vontade.”
“Quem fugindo a núpcias e a obrigações com mulheres
não quer casar-se, atinge a velhice funesta
sem quem o segure: não de víveres carente
vive, mas ao morrer dividem-lhe as posses
parentes longes. A quem vem o destino de núpcias
e cabe cuidosa esposa concorde consigo,
para este desde cedo ao bem contrapesa o mal
constante. E quem acolhe uma de raça perversa
vive com uma aflição sem fim nas entranhas,
no ânimo, no coração, e incurável é o mal.”
“Não se pode furtar nem superar o espírito de Zeus
pois nem o filho de Jápeto o benéfico Prometeu
escapou-lhe à pesada cólera, mas sob coerção
apesar de multissábio a grande cadeia o retém.”
“Ávido de guerra o ânimo
ainda mais, e despertaram o triste combate
todos — Deusas e Deuses — naquele dia:
os Deuses Titãs, quantos nasceram de Crono,
os que Zeus do Érebos sob a terra lançou à luz,
terríveis, poderosos, com bem-armada violência.
Deles eram cem braços que saltavam dos ombros
de cada um, cabeças de cada um cinquenta
brotavam dos ombros sobre grossos membros.
Eles impuseram aos Titãs lúgubre batalha
agarrando íngremes pedras com os grossos braços.
Os Titãs defronte fortificavam as fileiras
com ardor. Ambos os lados mostravam obras
braçais violentas. Terrível mugia o mar infinito,
retumbava forte a terra, o vasto céu gemia
sacudido, no solo estremecia o alto Olimpo
sob golpes dos imortais, o abalo pesado atingia
o Tártaro nevoento, e o surdo estrondo de pés
de indizíveis assaltos e ataques brutais.
E uns contra outros lançavam dardos gemidosos,
vinda de ambos atinge o céu constelado
a voz exortante, e batiam-se com grande grito.
Não mais Zeus continha seu furor e deste
furor logo encheram-se suas vísceras e toda
violência ele mostrava. Do céu e do Olimpo
relampejando avançava sempre, os raios
com trovões e relâmpagos juntos voavam
do grosso braço, rodopiando a chama sagrada
densos. A terra nutriz retumbava ao redor
queimando-se, crepitou ao fogo vasta floresta,
fervia o chão todo e as correntes do Oceano
e o mar infecundo, o sopro quente atava
os Titãs terrestres, a chama atingia vasta
o ar divino, apesar de fortes cegava-os nos olhos
o brilhar fulgurante de raio e relâmpago.
O calor prodigioso traspassou o Caos. Parecia,
a ver-se com olhos e ouvir-se com ouvidos a voz,
quando Terra e o Céu amplo lá em cima
tocavam-se, tão grande clangor erguia-se
dela desabada e dele desabando-se por cima,
tal o clangor dos Deuses batendo-se na luta.
Os ventos revolviam o tremor de terra, a poeira,
o trovão, o relâmpago e o raio flamante,
dardos de Zeus grande, e levavam alarido e voz
ao meio das frentes, estrondo imenso erguia-se
da discórdia atroz. Mostrava-se o poder dos braços.
A batalha decai. Antes, uns contra outros
atacavam-se tenazes em violentas batalhas.
Na frente despertaram áspero combate
Cotos, Briareu e Giges insaciável de guerra.
Trezentas pedras dos grossos braços
lançavam seguidas e cobriram de golpes
os Titãs. E sob a terra de amplas vias
lançaram-nos e prenderam em prisões dolorosas
vencidos pelos braços apesar de soberbos,
tão longe sob a terra quanto é da terra o céu,
pois tanto o é da terra o Tártaro nevoenta.”
“Nove noites e dias uma bigorna de bronze
cai do céu e só no décimo atinge a terra
e, caindo da terra, o Tártaro nevoento.
E nove noites e dias uma bigorna de bronze
cai da terra e só no décimo atinge o Tártaro.
Cerca-o um muro de bronze. A noite em torno
verte-se três vezes ao redor do gargalo. Por cima
as raízes da terra plantam-se e do mar infecundo.
Aí os Deuses Titãs sob a treva nevoenta
estão ocultos por desígnios de Zeus agrega-nuvens,
região bolorenta nos confins da terra prodigiosa.
Não têm saída. Impôs-lhes Posídon portas
de bronze e lado a lado percorre a muralha.
Aí Giges, Cotos e Briareu magnânimo
habitam, guardas fiéis de Zeus porta-égide.
Aí, da terra trevosa e do Tártaro nevoento
e do mar infecundo e do Céu constelado,
de todos, estão contíguos as fontes e confins,
torturantes e bolorentos, odeiam-nos os Deuses.
Vasto abismo, nem ao termo de um ano
atingiria o solo quem por suas portas entrasse
mas de cá para lá o levaria tufão após tufão
torturante, terrível até para os Deuses imortais
este prodígio. A casa terrível da Noite trevosa
eleva-se aí oculta por escuras nuvens.
Defronte, o filho de Jápeto sustem o Céu amplo
de pé, com a cabeça e infatigáveis braços
inabalável, onde Noite e Dia se aproximam
e saúdam-se cruzando o grande umbral
de bronze. Um desce dentro, outro vai
fora, nunca o palácio fecha a ambos,
mas sempre um deles está fora do palácio
e percorre a terra, o outro está dentro
e espera vir a sua hora de caminhar,
ele tem aos sobreterrâneos a luz multividente,
ela nos braços o Sono, irmão da Morte,
a Noite funesta oculta por nuvens cor de névoa.
Aí os filhos da Noite sombria têm morada,
Sono e Morte, terríveis Deuses, nunca
o Sol fulgente olha-os com seus raios
ao subir ao céu nem ao descer o céu.
Um deles, tranquilo e doce aos homens,
percorre a terra e o largo dorso do mar,
o outro, de coração de ferro e alma de bronze
não piedoso no peito, retém quem dos homens
agarra, odioso até aos Deuses imortais.
Defronte, o palácio ecoante do Deus subterrâneo
o forte Hades e da temível Perséfone
eleva-se. Terrível cão guarda-lhe a frente
não piedoso, tem maligna arte: aos que entram
faz festas com o rabo e ambas as orelhas,
sair de novo não deixa: à espreita
devora quem surpreende a sair das portas.”
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