Editora: EDUSP
ISBN: 978-85-3140-519-8
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 112
Sinopse: A exuberante
e diversificada fauna brasileira foi descrita com muita fantasia e imaginação
pelos viajantes europeus que percorreram o Brasil rapidamente nos séculos XVI e
XVII. A breve passagem pelo país, insuficiente para uma observação mais
detalhada das espécies, fez com que os autores incorporassem em seus relatos
invencionices e crendices populares. Este livro é um documentário precioso
sobre o imaginário que trata de uma ‘zoologia fantástica’ brasileira, presente
nos relatos dos viajantes.
“Mas naqueles séculos de ferro, que podia ser
a voz da ciência senão o tímido murmúrio de um ou outro ensaísta tratando de
desvendar os segredos dos reinos da natureza?”
“Na opinião de Ferdinand Denis é o Miroir
du monde, de Brunetto Latini, a enciclopédia do século XIII, que insere o
melhor quadro das ideias zoológicas do seu tempo.
Depois de dizer que o nosso globo tinha de
largo 24.037 léguas lombardas, e o terço dessa dimensão em espessura,
acrescenta que na atmosfera mil, cento e cento e onze ventos principais eram
conhecidos, cujos choques produziam os raios.
Dá-nos, depois, grande quantidade de outros
apontamentos cosmogônicos igualmente preciosos para passar a ocupar-se da
geografia propriamente dita.
A seu ver, ocupava a Ásia metade do Globo,
desde a foz do Nilo até a do “rio de Tranam” ao extremo oriente.
No ocidente asiático é que existia o país dos
essênios, onde reinava a idade do ouro!
Ali sim se praticava a virtude, entre esses
povos santos! Também tudo se explicava facilmente: não havia entre aquela
admirável gente as duas grandes causas da discórdias humanas, a mulher e a
pecúnia.
Do país dos misóginos e pecuniófobos essênios
ia-se ao de Seluice onde se erguia tão gigantesco pico que no seu cume havia
sempre sol.
Depois do enorme deserto de Seluice ocorria o
país dos Serres, que se vestiam de uma lã feita da casca de certas
árvores.
Na África, na terre d’Aufrique,
redobravam os prodígios como, por exemplo, sucedia a certos rios cujas águas
tal viscosidade apresentavam que apesar de correrem acima de suas margens não
inundavam as terras ribeirinhas! Era na terre d’Aufrique que
fluía o Lete, o rio infernal cujas fontes surdiam no próprio império de
Satanás.
Os trogloditas, as amazonas, mais tarde
transportadas à América, os garamantes habitavam aquele continente de fogo.
As enormes marés que lhe assolavam o litoral
provinham dos esforços convulsivos da terra, ao respirar.
Porque muitos doutos afirmavam: tinha a Terra
alma e precisava respirar “comem on fait par li narinas” (tal como é feito
pelas narinas).
Também outras convulsões terráqueas faziam
saltar das entranhas do globo miríades de seres malditos e pavorosos. No tratado
da Propriedade dos que Têm Magnitude, Força e Poder em Suas
Brutalidades, ocorrem circunstâncias muito interessantes. Por que motivo
perseguia o dragão os elefantes e de maneira atroz? Pura questão terapêutica?
Sentindo-se na iminência de crise urêmica, buscava o antídoto único para o seu
caso, o sangue do paquiderme!
Simplesmente isso: “le sang de l’éléphant qui
est croit estanche la grant chaleur du venin di dragon” (acredita-se que o
sangue do elefante estanque o calor do veneno do dragão).
Nada mais pitoresco do que os amores da
terrível serpe guivra. No tempo do cio reptava até as praias
do mar onde sabia que existiam moreias. Lá se emboscava emitindo mavioso e
aflautado canto. Atraída por essa música, era o anguiliforme engolido,
tornando-se então possível a fecundação da cobra.
Pouco depois paria ela, sendo imediatamente
devorada pelos filhotes!
Entre os répteis e peixes africanos coloca o
nosso douto autor as sereias e os hipopótamos.
Sobre o unicórnio lê-se no exemplar Miroir
du monde do fonds Colbert, 7066, da Biblioteca Nacional de
Paris, muito pormenorizada notícia.
Três eram, aliás, as espécies de unicórnios,
duas das quais chamadas eglisserion emonoceros.
Nada tinha o unicórnio de gigantesco, pelo
contrário, eram-lhe as dimensões apenas as de um cavalo de pernas curtas. Esse
bicho de corpo branco, cabeça purpúrea e olhos azuis, ostentava um chifre de
três cores: branco na raiz, negro como ébano no centro e rubro na ponta. Animal
cheio de sentimentalismo, valoroso e terno ao mesmo tempo, se se mostrava o
terrível e implacável inimigo do elefante também vinha a ser o inseparável
amigo do pombo, cujos arrulhos o deixavam extático. Do modo mais encantador lhe
retribuía o amoroso volátil essa amizade vindo pousar, a cada passo, na arma
terrível do fantástico quadrúpede.
Era o unicórnio caçado porque o seu chifre
tinha propriedades terapêuticas de inestimável valor. Basta lembrar que o seu
contato neutralizava imediatamente o mais perigoso veneno. Qualquer líquido
tóxico passava a ser o mais inofensivo licor. Se o bicho mergulhava os chifres
num rio, ficavam as águas deste saneadas.
Se acaso uma faca guarnecida da tão preciosa
substância córnea tocasse uma vianda intoxicada, imediatamente transudava de
seu cabo sutil transpiração avisadora do perigo.
Na Etiópia, rebanhos enormes de unicórnios se
viam, afirmaria gravemente, já na Idade Moderna, um viajante português, o padre
Lobo! E ele os vira!
O leão era o único animal capaz de caçar o
unicórnio. Nos tratados de gênero de Brunetto Latini, como no tão
conhecido De Belluis et Monstris, encontram-se uma infinidade de
informes sobre a fauna teratológica de antanho.”
“Quanta curiosidade em matéria hidrográfica!
Certo rio da Samaria mudava quatro vezes, por
ano, de cor, de verde passava a sanguíneo, depois a pardo e afinal a
cristalino.
Ninguém bebesse tal água cuja letalidade
vinha a ser terrível!
E o rio Sábado? Assim chamado porque deixava
de fluir, completamente, um dia todas as semanas?
E o outro rio, da Pérsia, que todas as noites
gelava durante o ano todo? E outro ainda no Epiro, cujas águas não conseguiam
extinguir as brasas? E outro, este da Etiópia, que de noite dava água quente e
de dia gelada?
E mais outro cuja linfa causava a cegueira
dos ladrões? E mais outro ainda, dançarino enragé, cujas águas
tranquilas, inteiramente plácidas, se encrespavam, e encapelavam, até quando em
sua margem havia música animada?
E aquelas fontes do Oriente de águas
inflamáveis a cujos fogos só podiam extinguir o vinagre, a urina e a areia?”
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