Editora: Nova Cultura
Tradução e notas: Giulio Davide Leoni
Opiniões: Consolação a minha mãe Hélvia: ★★★☆☆ / Da tranquilidade
da alma: ★★★☆☆ / Medéia: ★★★★☆ **** / Apocoloquintose do divino Cláudio: ★★☆☆☆
Páginas: 80
Sinopse: Obras
representativas de um dos mais importantes filósofos estoicos da Roma Antiga,
no tempo de Calígula e Nero.
Consolação a minha mãe Hélvia
“Que chorem e se lastimem e se enfraqueçam,
ao sopro das mais leves contrariedades, as almas delicadas das pessoas que uma
tranquilidade demasiadamente longa enervou; mas as pessoas que passaram toda a
vida na desgraça devem suportar com forte e imutável constância mesmo as dores
mais graves. A perpétua infelicidade só tem isto de bom: que endurece por fim
os que incansavelmente persegue.”
“Não há ninguém a quem uma madrasta, mesmo
ótima, não tenha custado sempre demasiado caro.”
“O que no homem há de melhor está além de
toda a força humana e não pode ser dado nem tirado.”
“Pode acreditar-se, talvez, que o sábio seja
perturbado pela infâmia, ele que reúne tudo em si e está tão afastado das
opiniões do vulgo? Mais ainda do que a infâmia é uma morte infamante: contudo,
Sócrates, com o mesmo rosto, com o qual certa vez, único em Atenas, dominara os
trinta tiranos, entrou no cárcere, tornando-o com isso menos infamante: porque
o cárcere não é cárcere quando nele está um Sócrates.”
Da tranquilidade da alma
“Temos os olhos indulgentes quando se trata
de nossa pessoa e o amor-próprio obscurece sempre nossos julgamentos.”
“Creio que há muitos homens que poderiam
ter-se elevado à sabedoria se não se tivessem julgado filhos da fortuna, se não
tivessem fingido ignorar algumas de suas imperfeições e não tivessem tido os
olhos fechados diante dos outros; pois não se deve imaginar que nossa própria
adulação nos seja menos funesta que a de outrem. Quem ousa dizer a si mesmo a
verdade? Qual é o homem que, no meio de uma multidão de cortesãos que o adulam,
não exagera ainda mais as lisonjas que lhe dirigem?”
“Há, enfim, inúmeras variedades do mal, mas
todas conduzem ao mesmo resultado: o descontentamento de si mesmo. Mal-estar
que tem por origem uma falta de equilíbrio da alma e das aspirações tímidas ou
infelizes, que não se atrevem a tanto quanto desejam, ou que se tenta em vão
realizar e pelas quais nos cansamos de esperar. É uma inconstância, uma
agitação perpétua, inevitável, que nasce dos caracteres irresolutos. Eles
procuram por todos os meios atingir o objeto de seus votos: preparam-se e
constrangem-se a práticas indignas e penosas. E, quando seu esforço não é
recompensado, sofrem não de ter querido o mal, mas de o ter querido sem
sucesso.”
“Na maioria das vezes exageramos nossas
capacidades.”
“Mas nada agrada tanto à alma como uma
amizade fiel e doce. Que felicidade a de encontrar corações aos quais se possa
sem temor confiar quaisquer segredos; consciências, que nos temem menos do que
a nossa; companheiros, cuja palavra acalma nossas inquietações, cujos conselhos
guiam nossas decisões, cuja alegria dissipa nossa tristeza e cuja vista seja
para nós um prazer! Naturalmente, escolhê-los-emos também isentos de paixões, o
quanto for possível, pois o vício é contagioso: ele se apodera de nós desde que
nos aproximamos e seu contato é funesto.
Durante uma epidemia deve-se evitar demorar
junto de pessoas já contaminadas e que são vítimas do flagelo; pois
contrairemos seu mal e só seu hálito já nos contaminará. Do mesmo modo, quando
se tratar de escolher nossos amigos, apliquemo-nos para não nos ligarmos a não ser
com homens o menos possível corrompidos: é querer propagar o mal colocar
indivíduos sãos em contato com enfermos. Fora disso, não exijo que o prudente
seja o único objeto de tuas simpatias ou de teus primeiros passos: e onde
encontrarias tu este mortal sem igual, que já procuramos durante tantos
séculos? O melhor é o menos mau.
Evitemos, porém, o mais possível as naturezas
tristes e queixosas, que não deixam escapar nenhuma ocasião para se lamentar.
Por mais fiel, por mais dedicado que possa ser, um companheiro de humor
inconstante e que se queixa a cada momento é inimigo de nossa tranquilidade.”
“Passemos ao domínio das riquezas, principal
fonte das misérias dos homens: pois, comparando-se todos os nossos outros
perigos, prazeres, doenças, temores, desgostos, sofrimentos e preocupações de
toda espécie, com os males que nascem do dinheiro, será deste lado que muito
claramente penderá a balança.
Figuremo-nos como se suporta mais facilmente
não possuir do que perder; e perceberemos que a pobreza tem muito menos
tormentos a temer e muito menos riscos a correr. Pois é um erro pensar que os
ricos aceitam mais corajosamente suas penas: quer o corpo seja grande ou
pequeno, as feridas lhe são igualmente dolorosas.
Bíon disse com fineza: “Não é porque se tem
mais cabelos sobre a cabeça que é menos desagradável sentir arrancá-los”. Não é
diferente no caso do pobre e do rico, e seu sofrimento é o mesmo: o dinheiro se
apega tão intimamente à alma, que não se pode arrancá-lo sem dor. É, aliás, eu
o repito, mais suportável e mais simples nada adquirir do que perder alguma
coisa: daí vem que se vê um ar mais alegre nas pessoas que a fortuna jamais
visitou do que naquelas que ela traiu.”
“O melhor título da natureza ao nosso
reconhecimento é que, conhecendo todos os sofrimentos para os quais estávamos
destinados na vida, para abrandar nossos padecimentos ela criou o hábito que
nos familiariza em pouco tempo com os mais rudes tormentos. Pessoa alguma
resistiria, se, ao continuar, a adversidade conservasse a mesma violência que
tem na primeira desgraça.”
“Não descortinemos, de outro lado, um campo
vasto demais aos nossos desejos: limitemos o voo aos objetos mais próximos,
visto que não podemos pensar em reprimi-los inteiramente. Renunciando ao que é
impossível ou difícil demais para realizar, apeguemo-nos ao que, estando mais
próximo, anima nossa esperança; mas sem esquecer que todas as coisas são
igualmente frívolas e que, se as aparências diferem, é sempre no interior a
mesma futilidade. Não invejemos as situações elevadas: pois o que julgamos ser
o cume não é mais do que a beira de um abismo.”
“Aquele que temer a morte não fará jamais
obra de homem.”
“Mas não adianta nada ter eliminado as causas
da tristeza pessoal, pois algumas vezes acontece que um desgosto pelo gênero
humano se apossa de nós, quando percebemos quão grande é a quantidade de crimes
felizes; quando refletimos até que ponto é rara a retidão e desconhecidas a
inocência e a sinceridade, desde que ela não convenha; quando notamos os lucros
e as dissipações da paixão desregrada, igualmente odiados, e a ambição que vai
além de seus próprios limites, a ponto de procurar seu esplendor através da
baixeza. Então mergulha o espírito em noite escura; e destas virtudes assim
transformadas, que em ninguém se espera ver, nem são de utilidade alguma para
quem as tem, originam-se densas trevas.
Assim devemos aplicar-nos a não considerar
odiosos, mas ridículos, os vícios dos homens e a imitar Demócrito antes que
Heráclito: este não podia aparecer em público sem chorar, o outro sem rir, um
não via a não ser a miséria em todas as ações dos homens, o outro só tolices.
Aceitemos, pois, todas as coisas superficialmente e suportemo-las com bom
humor: pois está mais em conformidade com a natureza humana rir-se da
existência do que lamentar-se dela.
Acrescentemos que se presta melhor serviço ao
gênero humano ao se rir dele do que ao lamentá-lo: o gracejador nos deixa
alguma esperança de melhora, o outro se aflige estupidamente com os males que
desesperadamente procura remediar. Enfim, para quem julga as coisas de um ponto
de vista mais superior, uma alma mostra-se mais forte abandonando-se ao riso do
que cedendo às lágrimas; visto que não se deixa perturbar a não ser por uma
emoção muito superficial e que não vê nada de importante, nada de sério, nem
mesmo de deplorável em toda a comédia humana.”
“Não faltam pessoas para menosprezar o que se
lhes torna acessível.”
“É doce algumas vezes perder a razão”
(Menandro); ou Platão: “É em vão que o homem de sangue- frio bate à porta das
Musas”; e Aristóteles: “Não se vê jamais um gênio que não tenha seu grau de
loucura”.
Medéia
“– Somente quem sabe aguentar até ao fim, com
calma e paciência, uma grave ferida, sabe depois vingar-se: a cólera
dissimulada é prejudicial; o ódio abertamente declarado perde todo meio para a
vingança.”
“MEDÉIA: Leve é a dor que pode refletir e
usar a dissimulação: os grandes males não podem ser escondidos. Resolvi passar
ao ataque.
A AMA: Ó criatura que eu nutri, susta teu
ímpeto insensato: o silêncio poderá salvar-te.
MEDÉIA: A sorte tem medo dos fortes e oprime
os covardes.
A AMA: A coragem é louvável só quando se
mostra oportunamente.
MEDÉIA: A coragem não é jamais fora de
propósito.
A AMA: Nenhuma esperança poderia aliviar tuas
desgraças.
MEDÉIA: É quem não tem mais esperança que não
deve absolutamente desanimar.”
“A AMA: A Colquida está longe: teu marido te
traiu; nada te fica de tantas riquezas.
MEDÉIA: Resta-me MEDÉIA: e nela tu vês o mar
e a terra, o ferro e o fogo, os deuses e os raios.
A AMA Terrível é o rei.
MED7ÉIA: Meu pai também foi rei.
A AMA: Não tens medo de suas armas?
MEDÉIA: Não, se forem terrenas.
A AMA: Tu morrerás.
MEDÉIA: Desejo-o.
A AMA: Vai embora.
MEDÉIA: Tive que queixar-me por ter fugido.
A AMA: Medéia. . .
MEDÉIA: Tornar-me-ei Medéia.
A AMA: Tu és mãe.
MEDÉIA: Por quem, tu vês.
A AMA: Hesitas em fugir?
MEDÉIA: Vou fugir, mas não antes de ter-me
vingado.
A AMA: Seguir-te-á o castigo.
MEDÉIA: Encontrarei talvez a maneira de
fazê-lo parar.
A AMA: Cessa de falar, ó insensata, susta
tuas ameaças, teus pensamentos audazes: convém ceder perante as circunstâncias.
MEDÉIA: A sorte pode tirar-me os recursos,
mas não a coragem.”
“MEDÉIA: Por qual crime, por qual culpa sou
condenada ao desterro?
CREONTE: Esta mulher inocente pede-me a causa
de sua expulsão.
MEDÉIA: Se tu és juiz, ouve-me; se tu és
tirano, manda.
CREONTE: Justo ou injusto, deves submeter-te
a uma ordem do rei.
MEDÉIA: Nunca um poder iníquo dura por muito
tempo.
CREONTE: Vai queixar-te na Cólquida.
MEDÉIA: Para lá voltarei; mas quem me trouxe
aqui lá me deve reconduzir.
CREONTE: Tua reclamação chega tarde demais:
minha sentença foi pronunciada.
MEDÉIA: Quem delibera sem ter ouvido uma das
partes falta ao seu dever de equidade, mesmo se a sentença pronunciada é
justa.”
“– Um perverso nunca tem pouco tempo demais
para prejudicar.”
“– Se tu procuras, ó mísera, até onde deve
chegar o ódio, pode medi-lo sobre o amor.”
“– É agradável, quando se perece, arrastar
outrem à ruína. Vê quantos perigos te ameaçam, se continuares em tua
obstinação: ninguém pode impunemente atacar os poderosos.”
“– A cólera de um rei é sempre terrível.”
“– Quem aproveita um crime, desse crime é
autor.”
“– Domina tua ardente alma, modera-a. A calma
abranda as calamidades.”
“– Pequena é a vingança que deixa puras as
mãos.”
2 comentários:
O livro possui cinco autores distintos – que não só possuem mais de 500 anos de distância entre o mais antigo e o mais recente, como também perpassam variadas posições sociais – filósofos, senador e até mesmo um imperador romano.
Desta maneira não haveria como inseri-lo na lista como um único livro, já que na estrutura do blog o elemento classificatório é o autor. Então, para não confundir e desestruturar a lista, as postagens serão divididas consoante os autores, com suas respectivas obras e número de páginas que efetivamente ocupam neste livro.
Legal; "porque o cárcere não é cárcere quando nele esta um Sócrates.”
Gostei: Bíon disse com fineza: “Não é porque se tem mais cabelos sobre a cabeça que é menos desagradável sentir arrancá-los”. Não é diferente no caso do pobre e do rico, e seu sofrimento é o mesmo: o dinheiro se apega tão intimamente à alma, que não se pode arrancá-lo sem dor. É, aliás, eu o repito, mais suportável e mais simples nada adquirir do que perder alguma coisa: daí vem que se vê um ar mais alegre nas pessoas que a fortuna jamais visitou do que naquelas que ela traiu.”
Gostei também do trecho: "Quem delibera sem ter ouvido uma das partes falta ao seu dever de equidade, mesmo se a sentença pronunciada é justa.”
Postar um comentário