Editora: Nova Fronteira
ISBN: 978-85-209-2446-4
Opinião: ★★☆☆☆
Páginas: 596
Sinopse: Polêmico,
zangado, romântico, revolucionário. 50 anos a mil é a autobiografia de
Lobão, que conta, em um volume fartamente ilustrado, a história do menino que
queria ser jogador de futebol e acabou se transformando num dos grandes nomes
do Rock brasileiro. As músicas, os amigos, as confusões com a polícia - o grande
lobo não poupa nada nem ninguém.
“O espiritismo tomava conta de nossos corações
e mentes. Enquanto eu devorava meus livros de Alan Kardec, Ramatis, André Luiz e
companhia, mamãe e tia Janine iniciavam uma exploração mais ampla pelos centros
da cidade, até que se deparam com um terreiro de umbanda. Após um breve período
de adaptação, minha mãe se viu livre dos conceitos “errôneos” que fazia dessa formosa
religião e passou a ser uma ardorosa frequentadora e médium, pois mamãe recebia
um sem-número de entidades.
O único problema é que a nossa vida girava em
torno do mundo espiritual: sempre ocorria o desagradável evento do encosto.
Vivia cheia de intervenções do além, tanto para
o bem como para o mal…Vira e mexe, estávamos conversando inocentemente e, de repente,
uhuuhu, misifio!, minha mãe recebia aquele influxo ectoplasmático, provocando sacudidelas,
espasmos, catrancos, quando não, a própria incorporação da entidade aflita.
E pra botar fogo nessa fogueira, descobrimos que
a mulher do Raul era uma médium profissa. Fazia altas jiras, desfazia altos ebós,
e era cavalo de Pombajira.
No afã de se descobrir um bom galpão para a oficina,
no afã de desvendar os desígnios dos acontecimentos futuros, iniciou-se uma jira
particular, todas as sextas-feiras, no terraço lá de casa.
A mulher do Raul (não me lembro o nome dela),
a grande estrela da parada, era especialista em receber a Maria Padilha…
Me lembro perfeitamente da primeira vez que encontrei
com a Maria Padilha… Estávamos nós no terraço, pra lá da meia-noite, quando desce
uma entidade nunca dantes recebida. A médium se esgarçava toda e com as mãos na
cintura, um estalar de língua característico das Pombajiras, gargalhava exigindo
um marafo e umas baforadas, exigência esta cumprida imediatamente por seu cambono
(o Raul era cambono da própria esposa), entregando-lhe uma garrafa de cachaça e
um charuto, consumido vorazmente pela entidade.
Rapaz… a pomba bebia que nem maluca! Eu ficava
observando pra ver se ela cuspia aquela quantidade astronômica de cachaça, mas não!
Ia tudo gogó abaixo! E logo quando acabava, vinha ela: “Marafu, Maria Padilha qué
marafu!! Maria Padilha qué fudê!!!”
Pensem bem… a tendência da plateia era inquiri-la
sobre os desígnios da nova sociedade, se o galpão recém-descoberto ia ficar bacana,
se o locador não ia pentelhar muito durante a vigência do contrato etc., mas, para
meu espanto, a coisa se desenvolveu de outra forma, o assunto descambou para outras
praias… Num dado momento lá, a Maria Padilha me dá uma encarada e dispara: “Ô!!
guri, tá na hora de trepá, num tá sabeno?… tu tá precisano dá uma ‘tepada’, muleque…
tem uma namoradinha pra cumê? Tô veno aqui que tem, hein? E é fromosa… lorinha...
que tá fim de te dá, muleque, abre os ôio! Tu fica brincando suzinho no banheiro,
a lorinha acaba dano pra outro… se apruma, muleque!” Fiquei perplexo com aquele
monte de meias verdades...
E continuou olhando para um tio meu: “Esse aí
nem cum barbante levanta esse troço!! He-he-he-he-he-he… tá fudido esse aí…” Inconveniente,
a pomba...
Enquanto a Maria metia o pé na jaca e detonava
todo mundo na sala, eu meditava profundamente… É claro que eu estava me desmilinguindo
de tanto tocar punheta, mas… quem seria a tal loirinha a fim de me dar?...
A despeito de toda a minha aflição e constrangimento
em virtude daquela exibição pública sem precedentes da minha sexualidade, pesou
mais o mistério de quem poderia ser…
Só sei que essas jiras começaram a mexer com os
meus sentidos e acabei me apaixonando… pela Pombajira.
Passava noites e noites sozinho no terraço me
concentrando e abstraindo pra ver se a Maria Padilha dava um help e aparecia, e
me desse umas dicas, tipo, se eu ia continuar traumatizado com o ato da penetração,
até que uma noite, em estado de conexão cósmica, por mais de meia hora, sempre pensando
num rosto que elegi pra ser o dela, materializando os trejeitos que deveria fazer
para me seduzir, imaginando quais seriam as feições verdadeiras daquela entidade
puramente feminina…, que me deixou apaixonado, quando, de repente, ouço atrás do
meu cangote um sibilo… algo do tipo: psssssiu! Me deu um arrepio na nuca e, todo
encagaçado, despistei o medo com um assobio sórdido e saí correndo para baixo chamando
as pessoas… “Mãe, já começou a novela? Tô indo, aê!”… “Cecília, meu macacão tá lavado
pra amanhã?”…”.
“A noite é a única coisa entre todas que continuará
existindo, mesmo depois da morte de todas as estrelas, mesmo com a morte de todos
os universos, mesmo sem tempo nem espaço, restará, incólume, a noite… a noite nunca
vai mudar...”
“– Em 4 de maio de 1986, texto de Maria Esther
Martinho publicado no Jornal da Tarde diz que, em fevereiro, Lobão encontrou
a polícia em sua casa, quando voltava de uma festa portando heroína, e será julgado
por tráfico de entorpecentes. Apesar de nunca ter negado ser usuário de drogas,
o músico disse que o papelote era presente de “um grande amigo”: o autor da denúncia.
“Vou para lá sem culpa no cartório. E vou dizer
ao juiz que não sou traficante nem dependente, apenas faço experiências com a felicidade
química”, afirmou Lobão à repórter.”
“A certeza da certeza faz o louco pensar que é
um gênio.”
“Lobão sumiu depois do lançamento do disco O
inferno é fogo. De acordo com a Bizz, ele “tomou porrada da crítica,
levou lata no Rock in Rio, sofreu um grave acidente de moto e resolveu tirar o time.
Cortou os cabelos, foi estudar violão clássico, descobriu a MPB e se meteu a fazer
um show acústico com banquinho e violão. Resultado: ficou parecendo um professor
de geografia. Se deu mal. ‘Eu fiz shows pelo Brasil todo e foi um fracasso retumbante.
A média de público era de 15 pessoas. Tinha vezes que eu parava o show e convidava
a plateia pra jantar”.
Além disso, houve um boato de que o músico estaria
se tornando evangélico. “Logo eu? Sequer sou ateu. Se eu existo, logo Deus deve
existir também. É uma gentileza que faço com um desconhecido.”
Lobão ainda declarou que adora “ficar puto. É
um esporte pra mim”, e que “a cocaína virou droga de chato”, por isso abandonou
a droga. “É deprimente cheirar e saber que na Bolsa de Valores todo mundo está nessa
também. Não tem a menor poesia. E tem mais: cansei da paranoia do PP. Você conhece
o papo de papelote? É aquela conversa em que o sujeito fica todo suado, com um odor
desagradável, te cutuca o tempo todo e confessa as maiores babaquices. Quando paguei
meu décimo mico, decidi que não cheirava mais.”
– Em 7 de novembro de 1995, Lobão comentou o nome
do novo disco, Nostalgia da modernidade, à Folha: “Eu me irrito com
a concepção de modernidade do brasileiro, que transmite uma ansiedade e uma sensação
de obsolescência. Você compra um computador e acha que vai estar velho na semana
que vem. Todo mundo se acha ultrapassado. Os flashbacks hoje em dia são de
três meses atrás. A modernidade produz sofisticação tecnológica e simplificação
do comportamento.”
“Nós vivemos num país que não suporta opinião,
e qualquer coisa mais contundente que se fale é levada a ferro e fogo para o terreno
pessoal; logo, um alvo susceptível a retaliações das mais rancorosas.
Sou muito duro comigo mesmo e gosto disso... Dependo
disso para continuar crescendo... Portanto, não tenho muitos pruridos em ser duro
com os outros ao meu redor. Pois isso é amor. Porque amor é um sentimento dinâmico;
se a gente se acomoda e se sacia, ele evapora e vai embora. Amor tem muito a ver
com insatisfação... É uma espécie de desequilíbrio que, só assim, nos leva à plenitude.
E a felicidade não está em lugar nenhum a não ser no processo, na alma de quem consegue
desfrutar dela. É a única maneira de ser feliz...”
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