Editora: Geração Editorial
ISBN: 978-85-6150-136-5
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Opinião: ★★★★☆
Páginas: 208
Sinopse: Um dos jornalistas mais respeitados do país
conta os bastidores do surgimento, enriquecimento e tomada do poder regional pela
família Sarney. Do Maranhão ao Senado, o livro mostra os cenários e histórias protagonizadas
pelo patriarca que virou presidente da República por acidente, transformou o Maranhão
no quintal de sua casa e beneficiou amigos e parentes. Com 50 anos de vida pública,
o político mais antigo em atividade no país enfrenta escândalos e a opinião pública.
É a partir daí que o livro puxa o fio da meada, utilizando as ferramentas do bom
jornalismo investigativo. Sempre com muito bom humor, o jornalista faz um retrato
do Brasil na era Sarney, os mandos e desmandos do senador e seus filhos, no Maranhão
e no Congresso Nacional.
“A filha Roseana Sarney,
senadora pelo Maranhão, do Partido do Movimento Democrático Brasileiro, o mesmo
PMDB do pai, caminhava pelo plenário, muito nervosa. Estava em lágrimas quando o
pai encerrou sua fala. Os oitenta pares o aplaudiram protocolarmente, mas um deles,
de um salto pôs-se de pé e bateu palmas efusivas, acompanhadas do revoar de suas
melenas. Tratava-se de Wellington Salgado, do PMDB mineiro, conhecido como Pedro
de Lara ou Sansão.
Onde se encontravam
os jornalistas de política nesse momento, que não registraram tal despautério? Pedro
de Lara é aquela figura histriônica que roubava a cena no programa Silvio Santos
como jurado ranzinza, debochado e falso moralista. E Sansão, o personagem bíblico
que perdeu o vigor quando Dalila o traiu cortando-lhe a cabeleira.
Esta figura caricata
pareceria um estranho no ninho em qualquer parlamento do mundo. Nascido no Rio,
é dono da Universidade Oliveira Salgado, no município de São Gonçalo, e responde
a processo por sonegação de impostos no Supremo Tribunal Federal. Conseguiu um domicílio
eleitoral fajuto em Araguari, Minas Gerais, e praticamente comprou um mandato de
senador ao financiar de seu próprio bolso, com 500 mil reais, uma parte da milionária
campanha para o Senado de Hélio Costa, o eterno repórter do Fantástico da Rede Globo
em Nova York.
Com a ida de Hélio
para o Ministério das Comunicações de Lula, seu suplente Wellington então ganhou
uma cadeira no Senado Federal, presente que ele paga com gratidão tão desmesurada,
que separa da verba de seu gabinete todo santo mês os 7 mil reais da secretária
particular do ministro. Nesse tipo de malandragem, fez como seu ídolo, colega de
Senado Renan Calheiros, que vinha pagando quase 5 mil mensais para a sogra de seu
assessor de imprensa ficar em casa sem fazer nada.
Mas o cabeludo senador
chegou à ribalta em 2007, justamente como aguerrido integrante da tropa de choque
que salvou o mandato de Renan Calheiros, então presidente do Senado e estrela principal
do episódio mais indecoroso daquele ano, com amante pelada na capa da Playboy,
bois voadores e fazendas-fantasma. O alagoano Renan, com uma filha fora do casamento,
que teve com a apresentadora de tevê Mônica Veloso, bancava a moça com mesada paga
por Cláudio Gontijo, diretor da construtora Mendes Júnior. Ao tentar explicar-se,
Renan enredou-se em notas frias, rebanho superfaturado, rede de emissoras de rádio
em nome de laranjas, enquanto Mônica mostrava aos leitores da revista masculina
da Editora Abril a borboleta tatuada na nádega.”
“Memorável dia 2 de
fevereiro (de 2009). Surpreendentes seriam as fotografias nos jornais do dia seguinte.
Sarney de óculos escuros como os ditadores latino-americanos do passado, amparado
pelo colega de PMDB Michel Temer, eleito presidente da Câmara, igualmente pela terceira
vez. Barba e bigode. Este Michel Temer, com seu talhe de mordomo de filme de terror,
merece umas pinceladas.
Michel Miguel Elias
Temer Lulia, paulista de Tietê, nascido em 1940, é advogado, pai de três filhos.
Casou em segundas núpcias em 2003 com uma jovem 42 outonos mais nova, “aspirante
a Miss Paulínia”, de 20 anos.
Temer desponta no mundo
político no começo da década de 1980. Filiado ao PMDB desde 1981, elegeu-se deputado
federal em 1986. Foi secretário de Segurança no governo de Franco Montoro. Professor
universitário de direito. Jeito cerimonioso, formal e educado.
Em 1990, Luís Antônio
Fleury Filho se elege governador de São Paulo, numa eleição difícil bancada pelo
governo Orestes Quércia – “quebrei o Banespa, mas elegi meu sucessor”, a frase de
Quércia entrou para os anais da política desta Era Sarney. Pouco depois do massacre
do Carandiru, em outubro de 1992, Fleury Filho indica Michel para a Segurança Pública.
Ele organizou a Secretaria, criou condições de trabalho, deu recursos técnicos e
operacionais.
Os admiradores e eleitores
sabem que, paradoxalmente, ao mesmo tempo em que conteve o crime organizado, foi
a época de melhor coexistência pacífica entre jogo do bicho e cassinos clandestinos
de um lado, e de outro lado o alto comando da polícia. Não se sabe de escândalo
em sua gestão, mas não há quem não saiba em São Paulo que o comando da jogatina
organizada e o impoluto jurista encarregado de reprimi-la se davam às mil maravilhas.
Michel talvez seja
um dos políticos mais dissimulados do país. Não tem a arrogância de ACM, o sentimento
oligárquico e o provincianismo de Sarney, o pavio curto de Ciro Gomes, os ademanes
gatunos de Renan Calheiros. Usa abotoaduras de Saville Road, o templo londrino dos
elegantes, ou as compra em Roma, quando vai dar aulas de direito como professor
convidado. As meias são as mesmas de outro elegante, o ex-ministro da Justiça Márcio
Thomaz Bastos, de seda pura. A coleção de gravatas concorre com as 4 mil deixadas
na mansão do Cosme Velho por Roberto Marinho, o general civil da ditadura militar.
O cabelo, tingido, não chega a ser ridículo como o negro asa-de-graúna do presidente
do Senado, que aparece ao seu lado nos jornais do dia seguinte ao indigitado 2 de
fevereiro de 2009. A voz é do tipo frequência modulada, imperturbável e serena.
Não há testemunho de uma grosseria, um ato tosco, um palavrão, um agravo que tenha
partido de sua figura bem-posta.
No romance do cubano
Alejo Carpentier, O Recurso do Método, o refinado e culto governante de uma
nação caribenha é, ao mesmo tempo sanguinário ditador. O jurista Michel Temer, poderoso
presidente da Câmara dos Deputados na década de 1990, foi ao mesmo tempo dono de
um pedaço suculento da administração pública. Foi o padrinho, o chefe, o protetor
de quem operou o maior esquema de corrupção da história das docas de Santos, maior
porto comercial da América Latina.
Por lá passam 25% do
que o Brasil importa ou exporta, e lá reinava um homem seu, um apadrinhado seu.
Atende pelo nome de Wagner Rossi. Político de Ribeirão Preto, intimamente ligado
ao quercismo, mas também a qualquer governo que possa lhe dar algo em troca. Na
superintendência do porto de Santos, onde 8 mil estivadores pegam no pesado e 40
navios estão em operação num dia comum, Wagner Rossi criou um estilo debochado e
extrovertido para não fazer nada pelo resto da vida, ele e os descendentes. Recebia
empresários e fornecedores com um procedimento que marcou sua administração e traumatizou
a maior parte de suas vítimas. Precavido, tinha no gabinete um aparelho de som potente,
sintonizado nas mais inesperadas emissoras de Santos. E ao som de baladas brejeiras
ou rock pauleira, tocados em altos decibéis, atendia os interessados. Assim
evitava gravações. Falava quase no ouvido das pessoas, sussurrando uma cantilena
de administrador ímprobo. Como se fosse o mímico Ricardo “Marcel Marceau” Bandeira
das docas santistas, na calada do gabinete fechava os acordos mais espúrios com
uma gesticulação que enojava ou divertia os empresários importadores ou exportadores.
Sorridente, arregalava os olhos, levantava as mãos e esfregava freneticamente indicadores
e polegares, sinal de dinheiro desde que o dinheiro existe. Se todo o empresariado
brasileiro sabe disso, se toda a classe política sabe, se toda a imprensa nacional
sempre soube, e agora você também já ficou sabendo, como Michel Temer não haveria
de saber?
Este era o novo presidente
da Câmara, que aparecia nas fotos praticamente amparando o novo presidente do Senado,
Casas que entrariam numa fase de escândalos dia sim dia não, um deles carimbado
pela mídia como “farra das passagens”.
Pois não é que Michel
Temer logo usaria o agora famoso ato secreto para absolver um colega que “farreou”?
O presidente da Câmara perdoaria o deputado potiguar Fábio Faria (PNM-RN), e por
extensão a outros parlamentares que usam nosso dinheiro para a tal “farra das passagens".
Em dezembro de 2007, Fábio Faria levou, para animar seu camarote de “carnaval fora
de época” em Natal, artistas e a apresentadora de televisão Adriane Galisteu, a
quem atribuiu o status de “namorada”.
Michel arquivaria o
caso em 3 de junho de 2009. Respaldou a decisão em pareceres técnicos, pelos quais
o erário pagou R$ 150 mil. A “análise ética”, que custou R$ 70 mil, foi do professor
da Universidade de São Paulo Clóvis de Barros Filho, que ao jornal O Estado de
S. Paulo declarou, em 24 de junho:
“Meu parecer é um pouco broxante, enigmático,
porque não oferece uma condenação apressada nem uma absolvição ingênua. Não tenho
elementos para condenar ou absolver.”
Trata-se, como se vê,
de uma versão caríssima do que teria dito, de graça, o político mineiro Benedito
Valadares (1892-1973), aquele que ficava “rouco de tanto ouvir”. Valadares simplificaria
a questão, dizendo o seguinte:
“Deputado levar com dinheiro público acompanhante
de luxo para evento carnavalesco, não sou contra nem a favor, muito pelo contrário.”
Já o parecer “jurídico”
foi de Manoel Gonçalves Ferreira Filho. Ao Estadão, este homem da
lei disse sobre a ajuda de custo para comprar passagens de avião:
“Consiste na alocação de uma verba ao parlamentar
para que este se transfira, com sua família, com suas amizades mais íntimas, seus
empregados, animais de estimação etc., bem como os pertences de sua conveniência
para a referida sede.”
Portanto, opina o jurista,
ninguém tem nada com isso, se o parlamentar leva até a cadela para passear de avião.
É, segundo Manoel Gonçalves Ferreira Filho, questão “de foro íntimo”. Seu parecer
nos custou mais caro: R$ 80 mil. Parece que, com tão doutos pareceres encomendados
pelo presidente da Câmara, a farra das passagens está doravante autorizada.”
“Pobre do congressista
que viesse com conversa de moralidade naquele 2 de fevereiro de 2009. Todo o mundo
sabia que na plataforma do rival de Sarney, o petista acreano Tião Viana, uma das
primeiras providências era afastar o diretor-geral do Senado, Agaciel Maia. Quem
em Brasília não sabia de sua casa de 5 milhões, às margens do Lago Paranoá, com
quase mil metros quadrados, três andares, cinco suítes, campo de futebol, piscina
em forma de taça e píer para barcos e lanchas, escamoteada em nome do irmão? Casa
que o irmão, deputado João Maia (PR-RN), escondeu da Receita Federal e da Justiça
Eleitoral, e para justificar tal fato, Agaciel usou o cândido argumento de que não
podia pôr a casa em seu nome porque estava com os bens indisponíveis devido a outro
rolo, conhecido como escândalo da gráfica do Senado – no ano eleitoral de 1994,
candidatos imprimiam à custa do dinheiro público material de propaganda eleitoral.
Adivinhe quem se beneficiou dessa falcatrua? Acredite se quiser: entre outros, a
filha de Sarney, Roseana, então deputada e candidata vencedora ao governo do Maranhão,
numa eleição que ela ganhou na mão grande.”
“José Sarney começa
sem identidade própria. É apenas o “Zé do Sarney”, por sua vez com tal nome registrado
porque o avô do nosso herói, diz a história, quis homenagear um inglês ilustre que
aportou a serviço no Maranhão e a quem todos chamavam de Sir Ney.”
“Aderson Lago, de tradicional
estirpe política, chefe da Casa Civil do governador maranhense Jackson Lago em 2009,
é uma memória viva daqueles tempos:
“Sarney nasceu, cresceu e criou dentes dentro
do Tribunal. O pai não era um fazendeiro abastado, empresário, não era porra nenhuma.
Nunca tiveram nada. Nunca acertaram nem no jogo do bicho. Sarney não tem como explicar
a fortuna que tem. Ele mesmo contou, quando presidente da República, na inauguração
do Fórum Sarney Costa, que o pai teve que vender sua máquina de escrever para mantê-lo
por uns tempos”.”
“Aderson Lago narra
a história de certo engenheiro italiano que havia construído a fortaleza de Dien
Bien Phu, no Vietnã, e para cá veio tocar a construção do porto de Itaqui, perto
de São Luís – por onde meio século depois sairia o minério de Carajás e outras mil
riquezas do Brasil. Surgiu uma demanda judicial contra a empresa do italiano. No
último julgamento, que a empresa perderia e, por isso, quebraria, descendo a escadaria
do Tribunal, o italiano, referindo-se a Sarney, comentou com seus advogados:
“Se Al Capone estivesse vivo e aqui estivesse,
diante desse rapaz de bigodinho seria um mero aprendiz”.”
“Insondáveis são as
razões do coração, realmente. Quando nos debruçamos sobre a folha corrida dos três
pimpolhos do velho coronel Sarney, encontramos mais razões para um pai corar de
vergonha do que para orgulhar-se. No entanto, o senador sempre demonstrou verdadeira
devoção paterna por seus meninos, com indisfarçável xodó pela menina, a mimada mais
velha dos três.
Roseana deu os primeiros
passos na política em pleno Palácio do Planalto, no Gabinete Civil da Presidência
da República, aos 32 anos, formada em ciências sociais, um vernizinho de esquerdista,
um violão mal tocado, o apelido de Princesinha do Calhau – menção à mansão colonial
na praia do Calhau, que ocupa um quarteirão inteiro de 20.000 metros quadrados,
cercada por coqueiros de babaçu e um muro alto, em frente da Baía de São Marcos,
em São Luís. Era onde se decidia a vida política do Maranhão. Ali pai e filha montaram
suas mansões, vizinhas.
Quem entra na mansão
de Sarney imagina tudo, menos uma residência. Com mania de colecionar anjinhos barrocos
e outras antiguidades, chegou a retirar o portão de ferro fundido do cemitério de
Alcântara, ilha tombada pelo Patrimônio Histórico, e levar para casa como peça de
decoração. Quando o visitou, o ex-presidente socialista de Portugal, Mário Soares,
levado à mansão, depois de algum tempo de espera, perguntou a Fernando, filho caçula
do senador:
“Agora vamos à casa
do presidente Sarney?”
Pensou que estava num
museu.”
“Vizinha do pai na
Praia do Calhau, vizinha do pai no Planalto: Roseana tinha gabinete montado pertinho
do gabinete do pai presidente. Comportava-se como se estivesse na própria casa.
Bocuda. E desbocada.
Mal chegando às bordas do poder federal, ela presenciou o encontro em que o deputado
Cid Carvalho, seu conterrâneo, pediu a Sarney apoio para o PMDB nas eleições de
1985. Cid foi enfático:
“Presidente, ao
senhor interessa o PMDB erecto!”
Cid voltou ao Planalto
semanas depois desenxabido com o fracasso de seu candidato, que não passou do quarto
lugar, com apenas dez mil votos. Roseana levantou o braço de punho fechado em posição
fálica:
"Então, Cid?
Cadê o PMDB erecto?”
Baixou o cotovelo e
o balançou em gesto obsceno:
“Broxou?”
Ali ela já era funcionária
do Senado, graças a um truque inacessível a nós mortais comuns. Consultemos a reportagem
publicada na Folha Online de 25 de marco de 2009. Diz o título: “Sarney ACM
e Renan criaram 4.000 vagas no Senado”. Um trecho da reportagem:
Trem da alegria – Entre os servidores efetivos, nem todos são
concursados. Estes somam cerca de 1.200. Entre 1971 e 1984, os senadores aproveitaram
para efetivar servidores por meio de atos administrativos, embora isso fosse vedado
pela Constituição. A atual líder do governo no Senado, Roseana Sarney (PMDB-MA),
é servidora do Senado graças a um trem da alegria de 1982, assinado pelo então senador
Jarbas Passarinho.
O coronel Jarbas Passarinho
prestou grandes desserviços à nação, seja como ministro da Educação da ditadura
militar quando reprimiu e perseguiu estudantes e professores, seja como incentivador
do Ato Institucional 5, o AI-5, diante de cuja truculência mandou “às favas os escrúpulos”
e apoiou com entusiasmo. No finalzinho da ditadura, serviu aos apaniguados com o
ato que beneficiou a filha dileta de seu amigo José Sarney, antecipando o legítimo
Trem da Alegria de 1984, do senador do PDS capixaba Moacyr Dalla, que embarcou 780
felizardos na gráfica do Senado e outros 600 nos gabinetes da Casa, entre eles a
mesma Roseana, que nem morava em Brasília, mas no Rio.
“Essa moça é muito
raivosa. E só tem duas amigas: a rainha de copas e a Viúva Clicquot”, disse um dia
o ex-governador Epitácio Cafeteira, da família dos Bules, como brincava o jornalista
Stanislaw Ponte Preta.
Rainha de copas refere-se
a um dos vícios, segundo Cafeteira; e Viúva Clicquot se refere a outro: é meia tradução
do nome do champanha francês Veuve Clicquot.
Cafeteira, mais tarde
um aliado, era então o mais popular dos adversários políticos e inimigos dos Sarney.
Foi ele que em 1994, por apenas um por cento dos votos, perdeu para Roseana o governo
do Estado. Ganhou folgado o primeiro turno e no segundo foi derrotado por um triz
graças, segundo denúncias documentadas, a uma fraude grosseira nas apurações. O
que se sabe com certeza é que papai Sarney instalou-se pessoalmente dentro do Tribunal
Regional Eleitoral, o TRE, e de lá só saiu quando os votos para a vitória da filha
estavam assegurados.”
“‘Roseana é muito inteligente,
mas não tem bom coração. Zequinha tem bom coração mas não tem inteligência. Fernando
não tem nenhum dos dois’, define João Castelo, outro ex-aliado que virou adversário
e, até 2009, quando era prefeito de São Luís, não havia se reconciliado.”
“Tal era a confiança
de Sarney em Tauser Quinderé – nascido em Codó e ex-dono da Companhia Maranhense
de Mineração –, que o usou como pombo-correio. Por mais de 20 anos, de tempos em
tempos Tauser ia pessoalmente à Suíça levar a mala com as “economias” de Sarney.
Certo começo de tarde, instalado numa mesa do Bar da Onça, no térreo do edifício
Copan, em São Paulo, Helito, bisneto do Barão de Amparo, conta entre talagadas de
uísque:
“Na ditadura, não tinha esse problema, na Suíça
entra tudo, então ia com a mala. Não tinha negócio de doleiro não, economizava os
quatro por cento do doleiro. E, numa dessas viagens, em Genebra, o Tauser teve um
ataque fulminante do coração e morreu, no saguão do aeroporto. Atenderam o Tauser
e levaram a mala. O Sarney ainda não era o bilionário que é hoje, mas já era um
homem rico. Tinha sido governador, era senador, já tinha os diretorezinhos e o próprio
Fernando Sarney na Eletronorte, o Astrogildo Quental levantando dinheiro pra ele,
que estava começando a argamassar a fortuna. E nessa mala tinha muito, era uma mala
de viagem lotada de dinheiro, e o Tauser morre com ela. Como o Sarney é sabidamente
sovina, o Tauser viajava sozinho, de classe econômica, aquelas coisas, sem acompanhante,
nada. Pegaram o corpo do Tauser e a grana não apareceu até hoje. Tem mais um rico
no mundo.”
Depois de dois belos
goles de uísque, com o copo longo envolto por um guardanapo de papel, a aristocrática
figura do ex-subchefe da Casa Civil de Maluf retoma o fio da história:
“Ao saber da notícia de que perdeu o fiel escudeiro
– e também a mala – o coração de Sarney fraquejou. Impactado por ambas as perdas,
deixou Brasília em direção aos cardiologistas de São Paulo. No learjet do dono do cimento Cauê, o mineiro
Juventino Dias, dona Marly acompanhou o marido enfartado com o rosário nas mãos”.”
“O novo golpe de mestre
de Fernando Sarney se dará então na nova transição de governo. Fernando Collor,
que havia acabado de vencer Lula no segundo turno, nas eleições de 15 de novembro
de 1989, chamou José Sarney para uma conversa reservada poucos dias antes de tomar
posse. Conversa entre presidente que sai e presidente que entra. Collor ia tomar
posse dia 15 de março de 1990, uma quinta. Ele pediu a Sarney que decretasse feriado
bancário, a fim de facilitar a tomada de medidas econômicas do novo governo.
Só quem viveu aqueles
dias sabe a hecatombe que aconteceu. Não só os 31 milhões de brasileiros que votaram
em Lula, mas também os 35 milhões que votaram em Collor caíram das nuvens naquele
início de novo governo. Collor confiscou por 18 meses as contas bancárias acima
de 50 mil cruzados de todos os cidadãos e empresas – muitas delas pela primeira
vez em sua história deixaram de pagar os funcionários em dia. Houve gente que havia
poupado durante anos e anos e só contava com aquela soma para tocar a vida, gente
que tinha acabado de vender a casa para construir outra, gente que se suicidou,
e toda sorte de atropelo para milhões de brasileiros. Não se sabe até que ponto
Collor informou Sarney, mas com certeza o clã ficou sabendo que haveria confisco.
Um passarinho contou
a Fernando Sarney, ou terá sido um bumba-meu-boi. Usando suas prerrogativas de filho
do presidente da República, Fernandinho sorrateiramente dirigiu-se à agência do
extinto BBC, Banco Brasileiro Comercial, de propriedade do ex-governador goiano
e ex-senador Irapuã Costa Júnior, para combinar o resgate de dezenas de certificados
de depósitos bancários (CDBs) ao portador. Não era pouco. Foi preciso fretar um
carro blindado, como um daqueles da Brink's, para retirar a dinheirama, que saiu
do subsolo do BBC no Setor Comercial Sul da capital federal. Fernando Sarney comandou
a operação pessoalmente.
A capacidade dessa
gente de escapar das maiores safadezas de que se tem notícia neste país é de dar
um friozinho na barriga, ao imaginar que nem uma Operação Mãos Limpas poria esses
colarinhos sujos atrás das grades. Ora veja que, em 2001, sequer uma Comissão Parlamentar
de Inquérito relou num dedinho deles. Foi a CPI da CBF-Nike, e quem tentou mexer
com eles foi quem se estrepou: a editora Casa Amarela, que publicava a revista Caros
Amigos, produziu um livro-reportagem sobre a maracutaia e amargou o prejuízo
de ver o trabalho impedido de sair pela Justiça. O presidente da Confederação Brasileira
de Futebol, Ricardo Teixeira, se safou mais uma vez. Ele e seu vice predileto, Fernando
Sarney.”
“Fernando, um dos vice-presidentes
da CBF, antes da Operação Boi-Barrica tinha vasta pretensão: chegar a presidente
da entidade-mor do futebol brasileiro, sob a bênção de Ricardo Teixeira. Todo o
mundo sabe da grande amizade entre os dois. Ricardo sempre foi presença certa nas
comemorações da família Sarney. Imagine o que a dupla vinha maquinando para faturar
na Copa de 2014. Construção ou reforma de estádios? Muito pouco. Era sintomático
que Ricardo Teixeira viesse se batendo pela privatização da Infraero, que toma conta
dos aeroportos. Dizia que o país só poderia ser sede de uma Copa de padrão de primeiro
mundo com aeroportos modernizados. A ideia geral era deixar Carlos Arthur Nuzman,
presidente do Comitê Olímpico Brasileiro, envergonhado com a mixaria que a turma
dele faturou no Pan-Americano do Rio em 2007.
Ricardo Teixeira e
Fernando Sarney iriam provar, na Copa de 2014, que dinheiro pode dar em árvore,
sim.”
“Vanitas vanitatum, vaidade das vaidades, tudo é vaidade. Está no
Eclesiastes, livro da Bíblia sagrada que todo velho pecador teme ao abrir. A vaidade
não se dá jamais por vencida; desmesurada, vai contra a lei dos homens – e até de
Deus, se você crê. Como a esperteza, como dizem os mineiros, quando é demais engole
o dono. O neocoronel segue como purpurado em cortejo sem ouvir a criança na calçada
gritar que ele está é nu, pelado, peladinho.
Corre o mundo virtual
o anedotário. Num blog, Veridiana Serpa, que se apresenta como bacharel
em Turismo, se estarrece com o que descobriu. Em meados de 2009, ela postou na internet
que, em São Luís e outras cidades do Maranhão, pode-se:
• Nascer na Maternidade Marly Sarney.
• Morar numa dessas vilas: Sarney,
Sarney Filho, Kyola Sarney ou Roseana Sarney.
• Estudar nas escolas: Municipal
Rural Roseana Sarney (Povoado Santa Cruz, BR-135, Capinzal do Norte); Marly Sarney
(Imperatriz); José Sarney (Coelho Neto).
• Pesquisar na Biblioteca José
Sarney.
• Informar-se pelo jornal Estado
do Maranhão, TV Mirante, Rádios Mirante AM e FM, todos de Sarney; no interior,
por uma de suas 35 emissoras de rádio ou 13 repetidoras da TV Mirante.
• Saber das contas públicas no
Tribunal de Contas Roseana Murad Sarney.
• Entrar de ônibus na capital pela
Ponte José Sarney, seguir pela Avenida Presidente José Sarney, descer na Rodoviária
Kyola Sarney.
• Reclamar? No Fórum José Sarney
de Araújo Costa, na Sala de Imprensa Marly Sarney, e dirigir-se à Sala da Defensoria
Pública Kyola Sarney.
Veridiana encontrou
mais estas:
• Travessa José Sarney, Anil, São
Luís, Rua José Sarney, Tirirical, São Luís.
• Rua Marly Sarney, Açailândia.
• Rua Fernando Sarney, Santa Inês.
• Travessa Roseana Sarney, São
Francisco, São Luís.
• Avenida Governadora Roseana Sarney,
Barra da Corda.
• Avenida José Sarney, Chapadinha.
• Travessa José Sarney, Caxias.
• Avenida Sarney Filho, Vila Embratel,
São Luís.
• Avenida Senador José Sarney,
São Luís.
Divirta-se! O Google
está aí para isso. Procure que você acha mais. Nem Tiradentes, mártir da Inconfidência
e Herói Nacional, recebe tanta honraria. E está morto. Eles estão muito vivos.”
“O deputado federal
Eduardo Cunha (PMDB-RJ), tal como aquele ministro que ditou nossa política econômica
nos “anos de chumbo”, seu negócio é números. Trabalhou na Xerox e na auditoria Arthur
Andersen, então entrou para a política. E passou a inscrever no currículo inumeráveis
suspeições.
Em 2000, a Receita
Federal acusou “incompatibilidade entre sua movimentação financeira e o montante
declarado ao Imposto de Renda”. Três anos depois, segundo denúncia que chegou ao
presidente da Câmara, Aldo Rebelo, do PCdoB paulista, Eduardo Cunha e dois colegas
deputados estavam tomando dinheiro de empresários do setor de combustíveis. Usavam
a Comissão de Fiscalização e Controle para os convocar e, se quisessem livrar-se
da convocação, pagavam “pedágio”. A denúncia não deu em nada.
A deputada estadual
Cidinha Campos, do PDT do Rio de Janeiro, mais tarde acusou Eduardo de esquisita
transação com o traficante colombiano Juan Carlos Abadia, preso em agosto de 2007
num condomínio de alto luxo em São Paulo. Cidinha afirmou em discurso na Assembleia
que Eduardo vendeu para Juan Carlos uma casa no litoral fluminense por 800 mil dólares.
Casa recomprada, em seguida, por 100 mil dólares a menos. Negócio feito por meio
de laranjas, segundo Cidinha. Eduardo nega.
Eduardo tem afinidades
com o clã Sarney – adora, por exemplo, lidar com energia. E fundos de pensão. Contra
a posição da ministra da Casa Civil, Dilma Roussef, e usando artifícios regimentais
da Câmara que lhe permitiam chantagear, pôs na presidência de Furnas Centrais Elétricas
o ex-prefeito carioca Luiz Paulo Conde. Após 14 meses no cargo, Conde ficou doente
e se afastou, depois de lutar para pôr a mão no fundo de pensão Real Grandeza, dos
funcionários de Furnas, que detém mais de RS 6 bilhões em caixa (lutando por
seu próprio futuro, os funcionários de Furnas chegaram a entrar em greve tendo como
pauta somente a não aceitação da nomeação de um apaniguado de Eduardo Cunha para
seu fundo de pensão).
Entre 2003 e 2006,
outro fundo de pensão, o Prece, da companhia de saneamento do Rio, gerido por gente
que Eduardo indicou, deu prejuízo de mais de R$ 300 milhões, segundo apurou a CPI
dos Correios. Parte do dinheiro regou o “valerioduto”, esquema de desvio de verbas
públicas para comprar apoio de parlamentares – o chamado Mensalão.
Quem o pôs na política
foi o tesoureiro do ex-presidente Fernando Collor, de trágica memória, Paulo César
Farias, o PC. Com menos de 30 anos, Eduardo era figura importante na campanha de
Collor no Rio. Virou presidente da Telerj, companhia de telecomunicações fluminense.
Aliou-se a Anthony Garotinho e à mulher dele, Rosinha. Evangélico, em 2000 elegeu-se
deputado estadual pelo PPB de Paulo Maluf.
Deputado federal, reeleito
em 2006, tornou-se especialista em energia. Então, em 25 de março de 2009, incluiu
uma mudança na regra das licitações, abrindo a possibilidade de a Eletrobrás comprar
bens e contratar serviços por meio de um “procedimento licitatório simplificado”.
Em seu blog, o preparado jornalista de economia Luis Nassif chamou Eduardo
pelo eufemismo de “operador”. Ou seja: Eduardo Cunha operou, e doravante a turma
do Sarney e do Lobão pode fechar negócio com quem quiser, como quiser. Comentário
do mesmo Luis Nassif sobre a nova regra:
“Sempre existe o
risco de deixar a raposa solta no galinheiro”.”
“O Maranhão, depois
de 40 anos de predação promovida pelo clã dos Sarney, tornou-se o maior exportador
de gente do país. Na primeira década do século 21, você encontraria maranhense nos
lugares mais improváveis, nos garimpos da fronteira com a Venezuela, no corte de
cana do interior paulista, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul, na lavoura do Tocantins,
no Amapá, nas Guianas, até em Florianópolis – que jamais havia visto um maranhense
ao vivo, salvo turista.
A maioria dos passageiros
que, partindo de São Luís, seguia no trem da ferrovia Carajás em direção ao Pará,
era de maranhenses que possivelmente nunca mais voltariam. Espalhavam-se pela Amazônia
como formiguinhas sem rumo em busca de migalhas. No sul do Pará, um em cada quatro
habitantes já era maranhense. Dos 19 sem-terra assassinados em 1996 pela PM do Pará
em Eldorado dos Carajás, 11 tinham vindo do Maranhão. Mas a que se deve tanta desgraça?”