Editora: Ediouro
ISBN: 978-85-0002-553-2
Tradução: Fernando
Py
Opinião: ★★★★☆
Páginas: 331
Sinopse: Em 1907,
Marcel Proust começa a escrever sua obra prima: Em Busca do Tempo Perdido,
composta por 7 volumes diferentes. O volume No Caminho de Swan foi publicado em 1913, após ter sido recusado por quatro editoras. Em
1918 publica-se À Sombra das Moças em Flor, romance que obteve o Prêmio Goncourt de 1919 – única láurea conseguida
pelo autor em vida. Nos anos seguintes são publicados os demais títulos: O Caminho de Guermantes, Sodoma e Gomorra e A Prisioneira. O volume A Fugitiva foi publicado em 1925 com o título de Albertina Desaparecida e O Tempo Recuperado foi dado ao público em 1927.
Nos sete romances que compõem o ciclo de Em Busca do
Tempo Perdido o autor perpassa não somente a vida exterior, episódica e
histórica de personagens e da própria França, com alguns ecos de fatos
ocorridos na Europa e no mundo inteiro, mas, acima de tudo, a vida interior, as
sensações, paixões, sentimentos e emoções do narrador e demais personagens,
todos envoltos numa atmosfera de análises psicológicas minuciosas e implacáveis.
Embora a realidade do ciclo se baseie na vida de Proust,
a sua transposição para o plano ficcional obedece a leis internas da narrativa
e, sobretudo, à imaginação criadora do autor, afastando-se muito da realidade
factual. Os principais temas do ciclo são o Tempo e a Memória. Proust analisa a
passagem do tempo em seus personagens, mostrando como eles apresentam aspectos
diversos no decorrer da narrativa, mudam de ideias, de gostos, de sentimentos
e, às vezes, até de personalidade.
E é a memória, não a memória comum, mas a memória
involuntária, aquela que não depende do esforço consciente de recordar, mas que
está adormecida em nós, que nos restitui o passado já remoto, fazendo com que o
narrador possa enfim recuperar o Tempo Perdido e realizar a obra literária que
tanto almejava construir.
“O hábito!
arrumadeira hábil mas bastante morosa e que principia por deixar sofrer nosso
espírito durante semanas numa instalação provisória; mas que, apesar de tudo, a
gente se sente bem feliz ao encontrá-la, pois sem o hábito e reduzido a seus
próprios meios, seria nosso espírito impotente para tornar habitável qualquer
aposento.”
“Já adulto pela covardia, eu fazia o que
todos fazemos, quando somos grandes, e há diante de nós sofrimentos e
injustiças: não queria vê-los.”
“Acho bem razoável a crença céltica de que as
almas das pessoas que perdemos se mantêm cativas em algum ser inferior, um
animal, um vegetal, uma coisa inanimada, e de fato perdidas para nós até o dia,
que para muitos não chega jamais, em que ocorre passarmos perto da árvore, ou
entrarmos na posse do objeto que é sua prisão. Então elas palpitam, nos chamam,
e tão logo as tenhamos reconhecido o encanto se quebra. Libertas por nós, elas
venceram a morte e voltam a viver conosco.
O mesmo se dá com o nosso passado. É trabalho
baldado procurar evocá-lo, todos os esforços de nossa inteligência serão
inúteis. Está escondido, fora de seu domínio e de seu alcance, em algum objeto
material (na sensação que esse objeto material nos daria), que estamos longe de
suspeitar. Tal objeto depende apenas do acaso que o reencontremos antes de
morrer, ou que o não encontremos jamais.”
“– Mas estou fazendo você perder seu tempo,
minha filha.
– Ora, não, senhora Octave. Meu tempo não é
assim tão caro. Quem fez o tempo não o vendeu para a gente.”
“– Adoro os artistas – respondeu a dama
cor-de-rosa –, só eles é que compreendem as mulheres...”
“Depois desta crença central que, durante a
leitura, executava movimentos incessantes de dentro para fora, no sentido da
descoberta da verdade, vinham as emoções que me dava a ação na qual tomava
parte, pois as tardes eram mais cheias de acontecimentos dramáticos do que,
muitas vezes, uma vida inteira. Eram os acontecimentos que ocorriam no livro
que estava lendo; é verdade que as personagens a quem interessavam não eram
“reais”, como dizia Françoise. Mas todos os sentimentos que nos fazem
experimentar a alegria ou a desgraça de uma personagem real só ocorrem em nós
por intermédio de uma imagem dessa alegria ou dessa desgraça; a engenhosidade
do primeiro romancista consistiu em compreender que, no aparelho das nossas
emoções, sendo a imagem o único elemento essencial, a simplificação que
consistiria em suprimir pura e simplesmente as personagens reais seria um
aperfeiçoamento decisivo. Um ser real, por mais profundamente que simpatizemos
com ele, em grande parte só o percebemos através dos sentidos, isto é,
permanece opaco para nós, oferece um peso morto que nossa sensibilidade não
consegue erguer. Se uma desgraça o atinge, esta só poderá nos comover numa
pequena parte da noção global que temos dele, e ainda mais, só numa pequena
parte da noção total que tem de si mesmo é que sua própria desgraça poderá
comovê-lo. O achado do romancista foi ter tido a ideia de substituir essas
partes impenetráveis à alma por uma quantidade idêntica de partes materiais,
isto é, que nossa alma pode assimilar. Desde então, que importa que as ações,
as emoções desses seres de um novo tipo nos pareçam verdadeiras, visto que
fizemo-las nossas, que é dentro de nós que se produzem, que mantêm sob seu
domínio, enquanto viramos febrilmente as páginas do livro, a rapidez da nossa
respiração e a intensidade do nosso olhar. E uma vez que o romancista nos pôs
nesse estado, no qual, como em todos os estados exclusivamente interiores, toda
emoção é duplicada, e onde seu livro vai perturbar-nos, à maneira de um sonho,
mas de um sonho mais claro que os que temos ao dormir, e cuja lembrança vai
durar mais, então, eis que ele deflagra em nós, durante uma hora, todas as
fortunas e todas as desgraças possíveis, algumas das quais iríamos levar a vida
inteira para conhecer, ao passo que outras, as mais intensas, jamais nos seriam
reveladas porque a lentidão com que se produzem impede que as percebamos.
(Assim vai mudando o nosso coração, durante a vida, e esta é a pior das dores;
porém só a conhecemos através da leitura, pela imaginação: na realidade o
coração se transforma da mesma maneira como se produzem certos fenômenos da
natureza, tão vagarosamente que, embora possamos verificar de modo sucessivo
seus estados diferentes, em compensação nos foge a própria sensação da
mudança.)”
“Até as mulheres que pretendem avaliar um
homem só pelo físico, veem neste físico a emanação de uma vida especial. É por
isso que amam os militares, os bombeiros; o uniforme as faz menos exigentes
para o rosto; julgam beijar, por baixo da couraça, um coração diferente,
aventuroso e suave; e um jovem soberano, um príncipe herdeiro, para efetuar as
conquistas mais lisonjeiras nos países estranhos que visita, não precisa ter o
perfil regular que talvez fosse indispensável a um corretor da Bolsa.”
“Os fatos não penetram no mundo em que vivem
nossas crenças, não as fizeram nascer, não as destroem; podem infligir-lhes os
desmentidos mais constantes sem enfraquecê-las, e um aluvião de desgraças ou de
doenças, sucedendo-se ininterruptamente numa família, não a fará duvidar da
generosidade de seu Deus ou do talento de seu médico.”
“A indiferença pelos sofrimentos que causamos
e que, mesmo com os mais diversos nomes que se lhe deem, é a forma terrível e
constante da crueldade.”
“De todas as formas de produção do amor, de
todos os agentes de disseminação do mal sagrado, um dos mais efetivos é esse
turbilhão agitado que por vezes passa por nós. Então, o ser com quem nos
divertimos nesse instante – a sorte está lançada – há de ficar sendo a pessoa
amada. Nem há necessidade que até aquele momento nos tenha agradado mais que as
outras. Precisava era que o nosso gosto por ela se tornasse exclusivo. E
semelhante condição se realiza quando – no momento em que ela nos fez falta – a
busca de prazeres que sua convivência nos trazia é de repente substituída em
nós por uma necessidade angustiosa, que tem por objeto essa mesma pessoa, uma
necessidade absurda, que as leis deste mundo tornam de satisfação impossível e
de difícil cura: a precisão insensata e dolorosa de possuí-lo.”
“– Sim, a poesia... Não tenho dúvidas de que
não haveria nada mais belo se fosse verdadeira, se os poetas pensassem tudo
aquilo que dizem. Porém, muitas vezes, não existe ninguém mais interesseiro do
que eles. Sei disso, eu tinha uma amiga que se apaixonou por um tipo de poeta.
Nos seus versos ele só falava do amor, do céu e das estrelas. Ah, que de nada
adiantou a ela! Ele lhe roubou mais de trezentos mil francos.”
“E que verdade dolorosa assumiam para ele
estas linhas do Diário de um Poeta de
Alfred de Vigny, que antigamente havia lido com indiferença: “Quando a gente se
apaixona por uma mulher, devemos dizer: De que forma ela está cercada? Qual foi
a sua vida? Toda a felicidade da vida se apoia nisto”.”
“Não sabia eu então que o que sentia por ela
não dependia nem de seus atos nem de minha vontade?”
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