Editora: Madras
ISBN: 978-85-3700-300-8
Opinião: ★★★☆☆
Páginas: 183
Sinopse: Ordem
monástica constituída para defender a Cristandade na Terra Santa, os Templários
têm desde sempre exercido um imenso fascínio no imaginário ocidental. Numa
investigação que teve pela primeira vez acesso aos Arquivos do Vaticano, a
autora traça o percurso da ordem desde a sua fundação, deslindando as causas e
reais motivações por detrás do fantástico processo que no século XIV levaria à
extinção dos cavaleiros do Templo.
“O signo mais forte que Hugues de Payns
desejava imprimir à sua fraternidade era aquele da pobreza e da penitência. O
grupo devia viver com o espírito de serviço voltado à Terra Santa, cumprir a
missão militar de defesa dos cristãos, para expiar os seus pecados. Por esse
motivo, os cavaleiros não possuíam inicialmente uma sede fixa, vestiam-se com
as roupas dadas pela população como esmola e obedeciam ao capítulo dos Cânones
do Templo. Foi o rei de Jerusalém que interveio na estrutura original
da fraternidade para modificar suas intenções e tal transformação teria
feito sentir imediatamente seus efeitos.”
“Os militares cristãos não eram muito
clementes, mas os sarracenos, às vezes, faziam exibições de crueldade
exasperada contra o inimigo: no final de junho de 1119, os soldados turcomanos
do príncipe sírio Ilghazi haviam arrastado os prisioneiros
francos para uma planície de Aleppo e os massacraram, mas não tanto a ponto de
matá-los, porque o chefe deles não queria privar a plebe da cidade de toda a
diversão. Logo, foram levados da planície e torturados até a morte nas vias
públicas da mesma cidade. As reticências do prior da Grand-Chartreuse
correspondiam a uma linha de pensamento antiga, mas muito compartilhada. A
moral cristã sempre se mostrou contra a realização da guerra, mesmo que nenhuma
das passagens do Evangelho a condene. Já nos primeiros passos do Cristianismo,
a escolha militar era considerada como um ato de desprezo em relação às leis de
Deus, havendo diversos exemplares de santos que, para abraçar a vida cristã,
haviam dado solenemente o adeus às armas. Essa questão, porém, havia sido
enfrentada nos tempos de Ambrósio e Agostinho, mas o tema da legalidade das
armas e da guerra justa era extremamente delicado.”
“A finalidade
de quem se faz Templário é aquela de expiar os seus
próprios pecados, colocando a vida em risco para proteger Jerusalém e a Terra
Santa. É uma espécie de cruzado em vida, mas que depois da morte terá sua
alma como a de um homem dedicado, a serviço da Igreja e da fé. A morte dos
sarracenos significa assassinato aos assassinos; é a eliminação de todos que se
fazem instrumentos do mal: não homicídio, mas malicídio, ou a morte
do mal. Como São Miguel Arcanjo, chefe das hostes celestes contra o poder das
trevas, trespassa o demônio na grande batalha do último dia, o cavaleiro
Templário far-se-á servo da fé combatendo e dando a sua vida; e a
própria Virgem, pela qual Bernardo tem uma devoção fortíssima, não seria aquela
que esmagaria sob o seu pé a cabeça da serpente, encarnação do mal.”
“Ainda que as
argumentações dos estudiosos sejam muito válidas, não se deve esquecer da
opinião de São Bernardo, preposta ao nascimento da Ordem, e da qual
não se têm dúvidas:
É, portanto, coisa digna de admiração e de
singularidade ver como estes são os mais moderados dos cordeiros e, ao mesmo
tempo, os mais ferozes dos leões, sim que quase duvido se será melhor chamá-los
monges do que soldados, amenos que talvez não seja oportuno chamá-los de ambos
os modos, enquanto a eles não falta nem a suavidade do monge nem a coragem do
guerreiro.”
“A excelência militar dos cavaleiros
templários devia ser evidente no momento do combate: o prestigioso
emblema bipartido branco e preto, cujo significado os historiadores ainda não
estão certos, era a imagem visível do orgulho religioso e militar da
Ordem. Não eram admitidas recusas a esse espírito de heroísmo, em nome da imagem
moral do Templo que era defendida a todo custo. O único refúgio era a
solidariedade dos outros confrades, prontos a se expor pessoalmente para salvar
um companheiro:
Ninguém deve se afastar da sua posição sem a
permissão do superior, nem mesmo se estiver
ferido. E se
estiver em situação de não conseguir pedir
licença, deve
mandar um companheiro que o faça. E se por
acaso ocorrer
dos cristãos serem derrotados, que Deus os
receba! Nenhum
frade deve afastar-se do campo de batalha até
que seja
exposta ao inimigo a insígnia do Templo: e
quem desrespeitar
essas normas será caçado e excluído para
sempre da Ordem.
Quando um frade vir que não há mais nenhum
estandarte do
Templo nas imediações, deverá deslocar-se
para o estandarte
dos Hospitalários mais próximo que puder ser
encontrado, e se
mesmo estes estiverem próximos da derrota,
desde então
estará livre para se colocar a salvo da forma
que Deus lhe
sugerir.”
“O especialista em história militar Claude
Gaier afirma que a organização templária era muito eficiente, pois
representava uma inovação: a normativa havia sido pensada para exaltar a coesão
interna, o espírito de corpo, a ação coordenada em uma época em que a tática
ainda se baseava fortemente no valor individual. A análise das fontes revela
que a Ordem era caracterizada por uma notável compactação,
enquanto na cavalaria laica as iniciativas pessoais frequentemente provocavam
desordem. O Templo era o único corpo do exército cruzado capaz
de manter uma disciplina constante.”
“Os cavaleiros do Templo deviam
compartilhar substancialmente aquilo que os antropólogos chamam de “cânone
social”, isto é, um sistema de valores que devia ser respeitado caso quisesse
ser considerado como parte do grupo. De um modo mais simples, poderíamos falar
de uma visão compartilhada de mundo que devia ser obedecida e unanimemente
aceita.
O cânone social é imposto a todos os
indivíduos que fazem parte de um grupo específico, e isso dá a marca ao
comportamento e à sensibilidade individual.
Os cavaleiros formavam, então, um grupo
potencialmente coeso na mentalidade mesmo antes de seu ingresso à Ordem:
um grupo que andava, assim, acostumado com seu comportamento moderado,
disciplinado e oportunamente catequizado mesmo enquanto a educação típica da
aristocracia militar tivesse produzido convicções divergentes a respeito da
moral cristã.”
“Em 1291, a queda de Acri, último baluarte da
presença cristã na Terra Santa, pôs fim ao Ultramar e
inferiu um golpe fatal à honra das ordens militares. O Grão-Mestre
do Templo, Guillaume de Beaujeu, pertencente à maior nobreza da França e
magnífico exemplo de valores cavalheirescos e de virtudes cristãs, morreu na
tentativa de salvar a cidade e foi sepultado pelos companheiros na igreja
da Ordem pouco antes que os Templários, últimos entre todos,
abandonassem a cidade em chamas. Mas nem mesmo a reputação de Beaujeu,
caracterizada pelo heroísmo e pelas muitas contribuições que fazia publicamente
e também às escondidas, nem o comportamento honroso dos Templários puderam
apagar a amarga verdade: o sonho cruzado estava completamente falido.”
“O corpo dos Estatutos Hierárquicos
templários, na parte que regulava as normas a serem obedecidas durante a
batalha, previa que os Cavaleiros do Templo não podiam
abandonar o campo de batalha nem mesmo se ficassem completamente desarmados: a honra
da Ordem requeria o sacrifício da vida. De uma fonte islâmica, como
visto, aprendemos que, quando os Templários defendiam uma cidade, faziam
baluarte com os seus próprios corpos, assim que o inimigo abrisse uma brecha
nas muralhas: tão logo um deles caía, outro logo vinha substituí-lo. Uma igual
capacidade de abnegação requeria obviamente fortíssima adesão ideológica às
motivações éticas que animavam a Ordem, e também um oportuno
condicionamento psicológico, para tornar esses guerreiros capazes de tais
sacrifícios. Assim, a educação ao conceito de obediência absoluta era
evidentemente a chave do problema.”
O Templo ou a Igreja de Roma
Com a investigação de Chinon, Clemente V
pretendia, talvez, devolver a Felipe, o Belo, o tiro pela culatra dado no ano
anterior quando ele, às vésperas de retornar das férias e de instruir a
investigação da Igreja sobre os Templários, havia ouvido de um
mensageiro que os seus imputados já tinham sido capturados, interrogados e
declarados culpados. Mesmo assim, obteve um sucesso efêmero, como ele mesmo
logo pôde verificar.
O antigo plano régio de processar Bonifácio
VIII não havia caído no esquecimento nem mesmo após a morte do pontífice, já
que o desaparecimento físico de Benedito Caetani não dava fim nas sanções que
ele havia decretado a Felipe, o Belo. Entre as sanções decretadas
estava a perigosa excomunhão redigida na Super Petri solio, com a
finalidade de impedir a oficialização do que havia sido concretizado durante
o atentado de Anagni: sabia-se que a bula havia sido emitida pelo
papa em suas plenas faculdades mentais, e o texto, ainda que jamais promulgado,
era uma perigosa espada de Dâmocles que poderia comprometer a legitimidade da
Coroa francesa. Havia, depois, outros documentos contra Felipe, o Belo, e que o
papa havia emitido nos momentos mais ásperos de seu conflito, como a bula Ausculta
filii além da Unam sanctam, que sancionava a
impossibilidade da salvação eterna para quem se encontrasse fora da Igreja
de Roma, condição esta que Felipe, o Belo, entrado em profundo
conflito com o pontífice, beirava perigosamente.
Clemente V encontrara em sua longa
experiência jurídica e diplomática um hábil estratagema para reduzira tensão
fazendo riscar dos suntuosos registros de Bonifácio VIII os passos que soavam
demasiadamente duros contra o rei, de modo que, eliminada a matéria
contrastante, Felipe, o Belo, não teria mais interesse em declarar
como ilegítimo todo o pontificado dos Caetani. A tarefa do Templo e
especialmente o golpe executado pelo papa com o evento de Chinon induziram os
estrategistas régios a se desfazer da espinhosa questão do processo contra
Bonifácio VIII para usá-la como moeda de troca.
O soberano solicitou formalmente a abertura
de um processo em memória do falecido Benedito Caetani que teve de seguir as
pegadas de um terrível precedente ocorrido no período mais negro de toda a
história do papado, quando o trono apostólico estava à mercê dos conflitos
entre as facções da nobreza romana. No ano de 891, Formoso havia
subido ao trono apostólico, clérigo este com uma carreira eclesiástica complexa
e muito discutível. Enquanto ocupou o cargo de bispo do Porto, Formoso fez-se
conhecer por intermédio de sua brilhante habilidade política e diplomática, no
entanto, uma facção rival interrompeu a carreira, boicotando sua candidatura
a Patriarca da Bulgária, com o pretexto de que os cânones vetavam a
um bispo passar de uma sede episcopal para outra. Envolvido nas tramas de um
alto funcionário da corte apostólica, Formoso cometeu o erro
de fugir, o que o tornou culpado perante os olhos de todos, sendo excomungado
com outros conspiradores verdadeiros. Em seguida, durante o Concilio de
Troyes, atirara-se aos pés do papa Giovanni VIII que o absolvera, fazendo
com que, em troca, o mesmo jurasse não retornar mais a Roma e que não
procurasse mais reassumir seu lugar na antiga sede no Porto. Nos anos
seguintes, Marino I foi eleito papa e, já sendo bispo em Caere, fez cair
no esquecimento a convocação aos cânones que privou Formoso do
Patriarcado da Bulgária. De resto, Marino operou uma espécie de reparos nas
relações que os partidos mantinham entre si, e, com essa linha política,
Formoso recebeu sua cátedra episcopal do Porto, apesar do juramento prestado
anteriormente a Giovanni VIII.
Com a morte de Estêvão V, no ano de 891, o
nome de Formoso impôs-se pela sua experiência e também pela indubitável
qualidade que os historiadores lhe atribuem. Como papa, talvez o único erro
cometido foi o de se comprometer em favor de Arnolfo, rei da Alemanha, que
aspirava reconquistar a coroa imperial contra a casa dos duques de Spoletò, que
ambicionava o mesmo título. Em 895, Arnolfode de Carinzia chegou a Roma, onde
Formoso, durante uma solene cerimônia, coroou o imperador. O soberano logo
depois seria morto, seguido por Formoso, que foi sepultado na Basílica de São
Pedro, juntamente com seus predecessores. A eleição de Estêvão VI, um expoente
da facção hostil a Formoso ao partido alemão, foi a premissa do episódio
passado para a história como o "Concílio do Cadáver". O novo
pontífice naquela sede teria a possibilidade de declarar ilegítimo o papa
Formoso e, por consequência, invalidar a coroação que este havia promulgado. Os
despojos do papa, que jaziam na tumba há diversos meses, foram exumados e ele,
ainda paramentado como papa, foi colocado sobre um assento e, em uma macabra
recitação, o mesmo Formoso "reconhecia" suas culpas por
intermédio de um diácono aterrorizado.
Condenado como papa ilegítimo por ter violado
as prescrições canônicas que na realidade o papa Marino teria revogado, o seu
cadáver foi mutilado na língua e nos três dedos da mão direita, pelos quais
haviam partido as ordenanças. Enfim, foi atirado no rio Tevere, sendo
recuperado secretamente em suas margens por um corajoso monge. O cenário
que Felipe, o Belo, pretendia expor à custa do falecido Benedito
Caetani seria o de percorrer exatamente todas as macabras passagens do concilio
do cadáver, com exceção do uso do próprio cadáver, que, jazendo em sua tumba há
cerca de cinco anos, presumia-se estar já reduzido a somente um punhado de
ossos. Assim, interpretando o pavoroso ato noir com o qual os
estrategistas de Felipe, o Belo, prepararam todos os processos
políticos de seu reino, chantagearam Clemente V com a ameaça de se reexumar os
ossos do falso papa Bonifácio VIII em um procedimento declarado como herético,
blasfemo, ateu, dedicado à feitiçaria, queimando, enfim, os restos dos inimigos
da fé. O resultado da operação contra a autoridade apostólica superava em muito
a de seu precedente: Formoso, de fato, havia sido processado por ter violado a
proibição canônica de passar de uma sede episcopal para outra, sem prejuízo
moral, enquanto neste caso um papa era acusado por um titular do poder laico
por atos religiosos de heresia e feitiçaria, como se o rei da França representasse
a boa fé ao pontífice corrompido. A fogueira feita com os restos de Bonifácio
VIII teria servido somente para mostrar com o seu espetáculo a total inversão
no sistema das instituições, a fim de imprimir no imaginário coletivo a ideia
de que uma nova época se iniciava e que o poder laico carismático da monarquia
francesa guiaria a sociedade cristã, se necessário, como alternativa à
autoridade papal, julgada num estado tal de decadência que não podia mais
desenvolver seu papel. E enquanto se preparava a fogueira a ser acesa na praça,
no Palácio Real os homens do Conselho redigiam um
programa para reformar completamente a estrutura da Igreja,
reunindo em torno do soberano a fidelidade dos bispos, na hipótese de se criar
uma Igreja francesa autônoma e separada de Roma.
Em outubro de 1308, quando Clemente V apenas
havia assinalado a sua vitória judiciária em Chinon, o plano régio dava seu
primeiro passo: o bispo Guichard de Troyes foi acusado de bruxaria e queimado
na fogueira, embora o mesmo pontífice o tivesse absolvido. Com esse
gesto, Felipe, o Belo, pretendia demonstrar que a Igreja de
Roma estava contaminada completamente pela heresia, uma vez que um papa, um
bispo e por que não toda uma ordem religiosa estavam afundados na corrupção.
Poucos meses depois, o cardeal Napoleão Orsini escrevia ao rei alegando ter
encontrado na Itália a autoridade máxima que provaria a culpa de Bonifácio VIII
e que estava pronto para trazê-la à França a fim de que participasse do
processo. O papa, já neste momento afastado pela doença que o afligia há anos,
renunciou à luta abandonando a Ordem Templária ao seu próprio
destino. Enquanto fosse chefe da Igreja de Roma, ele era antes de
tudo responsável pela segurança daquela instituição, fazendo a chantagem
de Felipe, o Belo, partir-se em duas. Foi, sobretudo, um cálculo de
ordem prática guiou o pontífice a uma escolha que lhe parecia óbvia: os membros
da Ordem, que não haviam sido mortos na prisão ou sob a tortura dos
soldados régios, estavam desmotivados e derrotados, vencidos pela infâmia que
se abatera sobre o grupo, e, mesmo que fossem bem-sucedidos em salvar a Ordem,
pouquíssimos deles teriam desejado fazer parte dela.
A Igreja precisou embarcar
então em outro embate similar ao que foi enfrentado por Bonifácio VIII em seu
tempo, com a perspectiva de ir ao encontro de uma ruína certa, dada a
desproporção de forças, mas visando a obter a sobrevivência jurídica de uma
ordem já manchada com a infâmia, e que talvez continuasse existindo somente na
vontade de alguns de seus membros mais ferrenhos. Em agosto de 1309, quando a
ação do rei já havia dado convincente prova de força, Clemente V escrevia uma
carta a todos os bispos da cristandade que, apesar de já há quase um ano
estarem encarregados de abrir inquéritos sobre os Templários de suas
dioceses, não haviam ainda sido instruídos sobre qualquer procedimento. A
carta explicava “a todos aqueles que tinham a esperança de que o pontífice
destilasse uma nova regra para os Templários” que aquilo não
ocorreria, logo, exortava-os a não prorrogar por mais tempo as audiências.
Aquela parte do bispado que não se opunha ao Templo estava
convencida de que Clemente V pretendia salvar e reformar a Ordem,
um fato bem compreensível se considerarmos que a bula enviada aos bispos para
ordenar o desenvolvimento das investigações diocesanas iniciava-se com a frase
“Concedendo o perdão” e que nenhum outro documento com uma premissa daquelas
poderia conter uma ordem de condenação.
Toda uma série de fontes escritas por pessoas
que se encontravam junto à corte pontifícia exprime a mesma convicção, ou seja,
a de que o papa estava trabalhando um modo para garantir a sobrevivência
do Templo. À luz desses conhecimentos, explicam-se as atitudes de
alguns altos prelados como Rinaldo da Concorezzo, arcebispo de Ravenna,
que ordenou a absolvição dos Templários de sua diocese por
falta de provas, ou como Peter di Magonza, que se preocupou em redigir um
inventário detalhado dos bens possuídos pela Ordem em seu
território, de modo a poder recuperar todos os bens quando o Templo estivesse
reabilitado.
Em agosto de 1309, Clemente V, que se deu
conta de estar pressionado e escolhendo aquilo que em sua consciência lhe
parecia o mal menor, sacrificou a existência da Ordem Templária para
salvar a unidade da Igreja. O fim da Ordem estava
então decretado, tratava-se agora de salvar os ex-Templários.”
“Os historiadores têm acreditado que os
prelados escolhidos pelo papa tivessem sido completamente coniventes com
Felipe, o Belo, mas essa consideração é exagerada e os eventos o demonstrarão.
Escutando o veredicto do cárcere em vida, o Grão-Mestre e o seu mais
fiel companheiro, o Preceptor da Normandia Geoffroy de Charny, rebelam-se e
proclamam a completa inocência do Templo em todas as suas culpas que lhe foram
imputadas: nesse ponto, os bispos da comissão foram confundidos e decidiram
interromper seus trabalhos, já que um fato dessa magnitude necessitava de certa
ponderação, sendo necessário consultar a vontade do papa. Vendo escapar de suas
mãos aquela solução do compromisso que provavelmente Clemente V havia proposto
e que a parte regia já havia aceitado, o rei começou a temer que a desativação
do Templo não fosse mais tão segura aos seus olhos, retornando ao
espectro da absolvição ou de outro ato imprevisto que pudesse recolocar em
discussão todo o êxito do processo. Foi decidida uma maneira de encerrar de uma
vez por todas a questão templária, de modo que esta não pudesse
mais ser rediscutida: o rei manda raptar Jacques de Molay e Geoffroy de Charny,
subtraindo-lhes da legítima custódia dos comissários, mandando-os à morte pelo
fogo em uma pequena ilha do Senna, pouco após o anoitecer.
As fontes que nos falam desses fatos
concordam com o grande heroísmo dos dois dignitários, que enfrentaram uma morte
que teriam escolhido voluntariamente como ato supremo de testemunho
pela própria Ordem. Jacques de Molay pediu aos carrascos que afrouxassem a
corda que lhe cerravam os pulsos para que pudesse dirigir seus olhares à
Catedral de Notre-Dame, que por mais de uma vez já havia visto testemunhar a
sua inocência e rezou à Virgem Maria a quem São Bernardo havia dedicado a Ordem.
Os Templários diziam que em nome da Virgem tudo
havia tido início e que, em nome dela, tudo terminaria. Assim, com essa prece,
o Grão-Mestre pretendia encerrar gloriosamente o fim do Templo,
proclamando sua perfeita fé cristã.
A multidão presente agitou-se e para acender
a fogueira foi necessário esperar que parte da mesma fosse dispersada. Segundo
o testemunho do poeta Geoffroy de Paris, que provavelmente assistiu em pessoa à
execução, Jacques de Molay teria chamado diante do Tribunal de Deus
tanto o rei da França (que o havia traído) quanto o papa (que
o havia abandonado). Clemente V morreu no dia 20 de abril seguinte, pouco mais
de um mês depois da fogueira: parece que no momento de sua morte ele não teria
perdoado o mísero fim dos Templários, aos quais sempre tratou de se
opor. O fato de ambos morrerem logo um ano depois de terem sido chamados
pelo Mestre para responderem as suas culpas diante do
juízo de Deus favoreceu o surgimento de lendas que proliferaram
naqueles tempos, alimentadas pelo mistério da extraordinária coragem que os
dois fanáticos dignitários haviam mostrado diante de seus executores.
Setecentos anos depois daquele evento,
o mito dos Templários, dado como história verdadeira ainda que
recheado de invenções, está inacreditavelmente vivo. A pesquisa deu-nos novas
certezas ao abrir portas para se descobrir o quanto ainda deve ser esclarecido.
Clemente V jamais lançou sentenças de condenação contra os Templários;
em vez disso, procurou reverter a excomunhão que havia sido
lançada contra eles. Aquela absolvição jamais foi revogada, e
a sentença de suspensão das atividades da Ordem, sancionada no Concilio
de Viena, permanece ainda hoje inalterada, mesmo após sete séculos, sob a
forma de uma decisão não definitiva.
O Grão-Mestre e o Preceptor da
Normandia, sequestrados e assassinados pelo soberano antes que a comissão
destinada a julgá-los pudesse emitir um veredicto, morreram no mesmo estado em
que a autoridade pontifícia os havia colocado, isto é, cristãos absolvidos e
reintegrados à comunhão católica, assim como os plenipotenciários apostólicos
haviam decidido por ordem de Clemente V em Chinon.”
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