Editora: Campus-Elsevier
ISBN: 978-85-352-1561-8
Tradução: Celso Márcio Teixeira
Opinião: ★★★★☆
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Páginas: 238
Sinopse: Neste livro encontram-se os artigos considerados principais pelo autor, escritos ao longo de muitos anos sobre o tema dos direitos do homem. O problema é estreitamente ligado aos da democracia e da paz, aos quais o autor dedicou a maior parte de seus escritos políticos.
São onze ensaios, nascidos em ocasiões diversas (comunicações
em simpósios, conferências em universidades italianas e estrangeiras) mas que
têm em comum a emergência, constante e orgânica, de algumas teses: os direitos
naturais são direitos históricos; nascem no início da era moderna, juntamente
com a concepção individualista da sociedade; tornam-se um dos principais
indicadores do progresso histórico.
“Em outras palavras, a democracia é a sociedade
dos cidadãos, e os súditos se tornam cidadãos quando lhes são reconhecidos alguns
direitos fundamentais; haverá paz estável, uma paz que não tenha a guerra como alternativa,
somente quando existirem cidadãos não mais apenas deste ou daquele Estado, mas do
mundo.”
“Do ponto de vista teórico, sempre defendi – e
continuo a defender, fortalecido por novos argumentos – que os direitos do homem,
por mais fundamentais que sejam, são direitos históricos, ou seja, nascidos em certas
circunstâncias, caracterizadas por lutas em defesa de novas liberdades contra velhos
poderes, e nascidos de modo gradual, não todos de uma vez e nem de uma vez por todas.
O problema – sobre o qual, ao que parece, os filósofos são convocados a dar seu
parecer – do fundamento, até mesmo do fundamento absoluto, irresistível, inquestionável,
dos direitos do homem é um problema mal formulado: a liberdade religiosa é um efeito
das guerras de religião; as liberdades civis, da luta dos parlamentos contra os
soberanos absolutos; a liberdade política e as liberdades sociais, do nascimento,
crescimento e amadurecimento do movimento dos trabalhadores assalariados, dos camponeses
com pouca ou nenhuma terra, dos pobres que exigem dos poderes públicos não só o
reconhecimento da liberdade pessoal e das liberdades negativas, mas também a proteção
do trabalho contra o desemprego, os primeiros rudimentos de instrução contra o analfabetismo,
depois a assistência para a invalidez e a velhice, todas elas carecimentos que os
ricos proprietários podiam satisfazer por si mesmos.
Ao lado dos direitos sociais, que foram chamados
de direitos de segunda geração, emergiram hoje os chamados direitos de terceira
geração, que constituem uma categoria, para dizer a verdade, ainda excessivamente
heterogênea e vaga, o que nos impede de compreender do que efetivamente se trata.
O mais importante deles é o reivindicado pelos movimentos ecológicos: o direito
de viver num ambiente não poluído. Mas já se apresentam novas exigências que só
poderiam chamar-se de direitos de quarta geração, referentes aos efeitos cada vez
mais traumáticos da pesquisa biológica, que permitirá manipulações do patrimônio
genético de cada indivíduo. Quais são os limites dessa possível (e cada vez mais
certa no futuro) manipulação? Mais uma prova, se isso ainda fosse necessário, de
que os direitos não nascem todos de uma vez. Nascem quando devem ou podem nascer.
Nascem quando o aumento do poder do homem sobre o homem – que acompanha inevitavelmente
o progresso técnico, isto é, o progresso da capacidade do homem de dominar a natureza
e os outros homens – ou cria novas ameaças à liberdade do indivíduo ou permite novos
remédios para as suas indigências: ameaças que são enfrentadas através de demandas
de limitações do poder; remédios que são providenciados através da exigência de
que o mesmo poder intervenha de modo protetor. Às primeiras, correspondem os direitos
de liberdade, ou um não-agir do Estado; aos segundos, os direitos sociais, ou uma
ação positiva do Estado. Embora as exigências de direitos possam estar dispostas
cronologicamente em diversas fases ou gerações, suas espécies são sempre – com relação
aos poderes constituídos, apenas duas: ou impedir os malefícios de tais poderes
ou obter seus benefícios. Nos direitos de terceira e de quarta geração, podem existir
direitos tanto de uma quanto de outra espécie.
Em um dos ensaios, “Direitos do homem e sociedade”,
destaco particularmente a proliferação, obstaculizada por alguns, das exigências
de novos conhecimentos e de novas proteções na passagem da consideração do homem
abstrato para aquela do homem em suas diversas fases de vida e em seus diversos
estágios. Os direitos de terceira geração, como o de viver num ambiente não poluído,
não poderiam ter sido sequer imaginados quando foram propostos os de segunda geração,
do mesmo modo como estes últimos (por exemplo, o direito à instrução ou à assistência)
não eram sequer concebíveis quando foram promulgadas as primeiras Declarações setecentistas.
Essas exigências nascem somente quando nascem determinados carecimentos. Novos carecimentos
nascem em função da mudança das condições sociais e quando o desenvolvimento técnico
permite satisfazê-los.”
“Bastará recordar que muitos direitos, até mesmo
os mais diversos entre si, até mesmo os menos fundamentais – fundamentais somente
na opinião de quem os defendia –, foram subordinados à generosa e complacente natureza
do homem. Para dar um exemplo: ardeu por muito tempo entre os jusnaturalistas a
disputa acerca de qual das três soluções possíveis quanto à sucessão dos bens (o
retorno à comunidade, a transmissão familiar de pai para filho ou a livre disposição
pelo proprietário) era a mais natural e, portanto, devia ser preferida num sistema
que aceitava como justo tudo o que se fundava na natureza. Podiam disputar por muito
tempo: com efeito, todas as três soluções são perfeitamente compatíveis com a natureza
do homem, conforme se considere este último como membro de uma comunidade (da qual,
em última instância, sua vida depende), como pai de família (voltado por instinto
natural para a continuação da espécie) ou como pessoa livre e autônoma (única responsável
pelas próprias ações e pelos próprios bens).
Kant havia racionalmente reduzido os direitos
irresistíveis (que ele chamava de “inatos”) a apenas um: a liberdade. Mas o que
é a liberdade?”
“Pois bem: dois direitos fundamentais, mas antinômicos,
não podem ter, um e outro, um fundamento absoluto, ou seja, um fundamento que torne
um direito e o seu oposto, ambos, inquestionáveis e irresistíveis. Aliás, vale a
pena recordar que, historicamente, a ilusão do fundamento absoluto de alguns direitos
estabelecidos foi um obstáculo à introdução de novos direitos, total ou parcialmente
incompatíveis com aqueles. Basta pensar nos empecilhos colocados ao progresso da
legislação social pela teoria jusnaturalista do fundamento absoluto da propriedade:
a oposição quase secular contra a introdução dos direitos sociais foi feita em nome
do fundamento absoluto dos direitos de liberdade. O fundamento absoluto não é apenas
uma ilusão; em alguns casos, é também um pretexto para defender posições conservadoras.”
“Deve-se recordar que o mais forte argumento adotado
pelos reacionários de todos os países contra os direitos do homem, particularmente
contra os direitos sociais, não é a sua falta de fundamento, mas a sua inexequibilidade.
Quando se trata de enunciá-los, o acordo é obtido com relativa facilidade, independentemente
do maior ou menor poder de convicção de seu fundamento absoluto; quando se trata
de passar à ação, ainda que o fundamento seja inquestionável, começam as reservas
e as oposições.
O problema fundamental em relação aos direitos
do homem, hoje, não é tanto o de justificá-los, mas o de protegê-los.
Trata-se de um problema não filosófico, mas político.”
“Na história da formação das declarações de direitos
podem-se distinguir, pelo menos, três fases. As declarações nascem como teorias
filosóficas. Sua primeira fase deve ser buscada na obra dos filósofos. Se não quisermos
remontar até a ideia estoica da sociedade universal dos homens racionais – o sábio
é cidadão não desta ou daquela pátria, mas do mundo, a ideia de que o homem enquanto
tal tem direitos, por natureza, que ninguém (nem mesmo o Estado) lhe pode subtrair,
e que ele mesmo não pode alienar (mesmo que, em caso de necessidade, ele os aliene,
a transferência não é válida), essa ideia foi elaborada pelo jusnaturalismo moderno.
Seu pai é John Locke. Segundo Locke, o verdadeiro estado do homem não é o estado
civil, mas o natural, ou seja, o estado de natureza no qual os homens são livres
e iguais, sendo o estado civil uma criação artificial, que não tem outra meta além
da de permitir a mais ampla explicitação da liberdade e da igualdade naturais. Ainda
que a hipótese do estado de natureza tenha sido abandonada, as primeiras palavras
com as quais se abre a Declaração Universal dos Direitos do Homem conservam um claro
eco de tal hipótese: “Todos os homens nascem livres e iguais em dignidade
e direitos.” O que é uma maneira diferente de dizer que os homens são livres e iguais
por natureza. E como não recordar as primeiras célebres palavras com que se inicia
o Contrato social de Rousseau, ou seja: “O homem nasceu livre e por toda a parte encontra-se
a ferros”? A Declaração conserva apenas um eco porque os homens, de fato,
não nascem nem livres nem iguais. São livres e iguais com relação a um nascimento
ou natureza ideais, que era precisamente a que tinham em mente os jusnaturalistas
quando falavam em estado de natureza. A liberdade e a igualdade dos homens não são
um dado de fato, mas um ideal a perseguir; não são uma existência, mas um valor;
não são um ser, mas um dever ser. Enquanto teorias filosóficas, as primeiras afirmações
dos direitos do homem são pura e simplesmente a expressão de um pensamento individual:
são universais em relação ao conteúdo, na medida em que se dirigem a um homem racional
fora do espaço e do tempo, mas são extremamente limitadas em relação à sua eficácia,
na medida em que são (na melhor das hipóteses) propostas para um futuro legislador.
No momento em que essas teorias são acolhidas
pela primeira vez por um legislador, o que ocorre com as Declarações de Direitos
dos Estados Norte-americanos e da Revolução Francesa (um pouco depois), e postas
na base de uma nova concepção do Estado – que não é mais absoluto e sim limitado,
que não é mais fim em si mesmo e sim meio para alcançar fins que são postos antes
e fora de sua própria existência –, a afirmação dos direitos do homem não é mais
expressão de uma nobre exigência, mas o ponto de partida para a instituição de um
autêntico sistema de direitos no sentido estrito da palavra, isto é, enquanto direitos
positivos ou efetivos. O segundo momento da história da Declaração dos Direitos
do Homem consiste, portanto, na passagem da teoria à prática, do direito somente
pensado para o direito realizado. Nessa passagem, a afirmação dos direitos do homem
ganha em concreticidade, mas perde em universalidade. Os direitos são doravante
protegidos (ou seja, são autênticos direitos positivos), mas valem somente no âmbito
do Estado que os reconhece. Embora se mantenha, nas fórmulas solenes, a distinção
entre direitos do homem e direitos do cidadão, não são mais direitos do homem e
sim apenas do cidadão, ou, pelo menos, são direitos do homem somente enquanto são
direitos do cidadão deste ou daquele Estado particular.
Com a Declaração de 1948, tem início uma terceira
e última fase, na qual a afirmação dos direitos é, ao mesmo tempo, universal e positiva:
universal no sentido de que os destinatários dos princípios nela contidos não são
mais apenas os cidadãos deste ou daquele Estado, mas todos os homens; positiva no
sentido de que põe em movimento um processo em cujo final os direitos do homem deverão
ser não mais apenas proclamados ou apenas idealmente reconhecidos, porém efetivamente
protegidos até mesmo contra o próprio Estado que os tenha violado. No final desse
processo, os direitos do cidadão terão se transformado, realmente, positivamente,
em direitos do homem. Ou, pelo menos, serão os direitos do cidadão daquela cidade
que não tem fronteiras, porque compreende toda a humanidade; ou, em outras palavras,
serão os direitos do homem enquanto direitos do cidadão do mundo.”
“A Declaração Universal (dos Direitos do Homem)
é apenas o início de um longo processo, cuja realização final ainda não somos capazes
de ver. A Declaração é algo mais do que um sistema doutrinário, porém algo menos
do que um sistema de normas jurídicas. De resto, como já várias vezes foi observado,
a própria Declaração proclama os princípios de que se faz pregoeira não como normas
jurídicas, mas como “ideal comum a ser alcançado por todos os povos e por todas
as nações”. Uma remissão às normas jurídicas existe, mas está contida num juízo
hipotético. Com efeito, lê-se no preâmbulo que “é indispensável que os direitos
do homem sejam protegidos por normas jurídicas, se se quer evitar que o homem seja
obrigado a recorrer, como última instância, à rebelião contra a tirania e a opressão”.
Essa proposição se limita a estabelecer uma conexão necessária entre determinado
meio e determinado fim, ou, se quisermos, apresenta uma opção entre duas alternativas:
ou a proteção jurídica ou a rebelião. Mas não põe em ação o meio. Indica qual das
duas alternativas foi escolhida, mas ainda não é capaz de realizá-la. São coisas
diversas mostrar o caminho e percorrê-lo até o fim.”
“Como todos sabem, o desenvolvimento dos direitos
do homem passou por três fases: num primeiro momento, afirmaram-se os direitos de
liberdade, isto é, todos aqueles direitos que tendem a limitar o poder do Estado
e a reservar para o indivíduo, ou para os grupos particulares, uma esfera de liberdade
em relação ao Estado; num segundo momento, foram propugnados os direitos
políticos, os quais concebendo a liberdade não apenas negativamente, como não-impedimento,
mas positivamente como autonomia – tiveram como consequência a participação cada
vez mais ampla, generalizada e frequente dos membros de uma comunidade no poder
político (ou liberdade no Estado); finalmente, foram proclamados os direitos sociais,
que expressam o amadurecimento de novas exigências – podemos mesmo dizer, de novos
valores –, como os do bem-estar e da igualdade não apenas formal, e que poderíamos
chamar de liberdade através ou por meio do Estado.”
“Afirmei, no início, que o importante não é fundamentar
os direitos do homem, mas protegê-los. Não preciso aduzir aqui que, para protegê-los,
não basta proclamá-los. Falei até agora somente das várias enunciações, mais ou
menos articuladas. O problema real que temos de enfrentar, contudo, é o das medidas
imaginadas e imagináveis para a efetiva proteção desses direitos. E inútil dizer
que nos encontramos aqui numa estrada desconhecida; e, além do mais, numa estrada
pela qual trafegam, na maioria dos casos, dois tipos de caminhantes, os que enxergam
com clareza mas têm os pés presos, e os que poderiam ter os pés livres mas têm os
olhos vendados.”
“Chamamos de “Estados de direito” os Estados onde
funciona regularmente um sistema de garantias dos direitos do homem: no mundo, existem
Estados de direito e Estados não de direito. Não há dúvida de que os cidadãos que
têm mais necessidade da proteção internacional são os cidadãos dos Estados não de
direito. Mas tais Estados são, precisamente, os menos inclinados a aceitar as transformações
da comunidade internacional que deveriam abrir caminho para a instituição e o bom
funcionamento de uma plena proteção jurídica dos direitos do homem. Dito de modo
drástico: encontramo-nos hoje numa fase em que, com relação à tutela internacional
dos direitos do homem, onde essa é possível talvez não seja necessária, e onde é
necessária é bem menos possível.”
“É preciso partir da afirmação óbvia de que não
se pode instituir um direito em favor de uma categoria de pessoas sem suprimir um
direito de outras categorias de pessoas. O direito a não ser escravizado implica
a eliminação do direito de possuir escravos, assim como o direito de não ser torturado
implica a eliminação do direito de torturar. Esses dois direitos podem ser considerados
absolutos, já que a ação que é considerada ilícita em consequência de sua instituição
e proteção e universalmente condenada. Prova disso é que, na Convenção Europeia
dos Direitos do Homem, ambos esses direitos são explicitamente excluídos da suspensão
da tutela que atinge todos os demais direitos em caso de guerra ou de outro perigo
público (cf. art. 15 § 2). Na maioria das situações em que está em causa um direito
do homem, ao contrário, ocorre que dois direitos igualmente fundamentais se enfrentem,
e não se pode proteger incondicionalmente um deles sem tornar o outro inoperante.
Basta pensar, para ficarmos num exemplo, no direito à liberdade de expressão, por
um lado, e no direito de não ser enganado, excitado, escandalizado, injuriado, difamado,
vilipendiado, por outro. Nesses casos, que são a maioria, deve-se falar de direitos
fundamentais não absolutos, mas relativos, no sentido de que a tutela deles encontra,
em certo ponto, um limite insuperável na tutela de um direito igualmente fundamental,
mas concorrente. E, dado que é sempre uma questão de opinião estabelecer qual o
ponto em que um termina e o outro começa, a delimitação do âmbito de um direito
fundamental do homem é extremamente variável e não pode ser estabelecida de uma
vez por todas.”
“Quando digo que os direitos do homem constituem
uma categoria heterogênea, refiro-me ao fato de que – desde quando passaram a ser
considerados como direitos do homem, além dos direitos de liberdade, também os direitos
sociais – a categoria em seu conjunto passou a conter direitos entre si incompatíveis,
ou seja, direitos cuja proteção não pode ser concedida sem que seja restringida
ou suspensa a proteção de outros. Pode-se fantasiar sobre uma sociedade ao mesmo
tempo livre e justa, na qual são global e simultaneamente realizados os direitos
de liberdade e os direitos sociais; as sociedades reais, que temos diante de nós,
são mais livres na medida em que menos justas e mais justas na medida em que menos
livres. Esclareço dizendo que chamo de “liberdades” os direitos que são garantidos
quando o Estado não intervém; e de “poderes” os direitos que exigem uma intervenção
do Estado para sua efetivação. Pois bem: liberdades e poderes, com frequência, não
são – como se crê – complementares, mas incompatíveis. Para dar um exemplo banal,
o aumento do poder de comprar automóveis diminuiu, até quase paralisar, a liberdade
de circulação. Outro exemplo, um pouco menos banal: a extensão do direito social
de ir à escola até os catorze anos suprimiu, na Itália, a liberdade de escolher
um tipo de escola e não outro. Mas talvez não haja necessidade de dar exemplos:
a sociedade histórica em que vivemos, caracterizada por uma organização cada vez
maior em vista da eficiência, é uma sociedade em que a cada dia adquirimos uma fatia
de poder em troca de uma falta de liberdade. Essa distinção entre dois tipos de
direitos humanos, cuja realização total e simultânea é impossível, é consagrada,
de resto, pelo fato de que também no plano teórico se encontram frente a frente
e se opõem duas concepções diversas dos direitos do homem, a liberal e a socialista.”
“Não se pode pôr o problema dos direitos do homem
abstraindo dos dois grandes problemas de nosso tempo, que são os problemas da guerra
e da miséria, do absurdo contraste entre o excesso de potência que criou as condições
para uma guerra exterminadora e o excesso de impotência que condena grandes massas
humanas à fome. Só nesse contexto é que podemos nos aproximar do problema dos direitos
com senso de realismo. Não devemos ser pessimistas a ponto de nos abandonarmos ao
desespero, mas também não devemos ser tão otimistas que nos tornemos presunçosos.
A quem pretenda fazer um exame despreconceituoso
do desenvolvimento dos direitos humanos depois da Segunda Guerra Mundial, aconselharia
este salutar exercício: ler a Declaração Universal e depois olhar em torno de si.
Será obrigado a reconhecer que, apesar das antecipações iluminadas dos filósofos,
das corajosas formulações dos juristas, dos esforços dos políticos de boa vontade,
o caminho a percorrer é ainda longo. E ele terá a impressão de que a história humana,
embora velha de milênios, quando comparada às enormes tarefas que estão diante de
nós, talvez tenha apenas começado.”
“Definindo o direito natural como o direito que
todo homem tem de obedecer apenas à lei de que ele mesmo é legislador, Kant dava
uma definição da liberdade como autonomia, como poder de legislar para si mesmo.
De resto, no início da Metafisica dos costumes, escrita na mesma época, afirmara
solenemente, de modo apolítico – como se a afirmação não pudesse ser submetida a
discussão –, que, uma vez entendido o direito como a faculdade moral de obrigar
outros, o homem tem direitos inatos e adquiridos; e o único direito inato, ou seja,
transmitido ao homem pela natureza e não por uma autoridade constituída, é a liberdade,
isto é, a independência em face de qualquer constrangimento imposto pela vontade
do outro, ou, mais uma vez, a liberdade como autonomia.”
“Na verdade, Kant dizia que, juntamente com o
céu estrelado, a consciência moral era uma das duas coisas que o deixavam maravilhado;
mas a maravilha não só não é uma explicação, mas pode até derivar de uma ilusão
e gerar, por sua vez, outras ilusões. O que nós chamamos de “consciência moral”,
sobretudo em função da grande (para não dizer exclusiva) influência que teve a educação
cristã na formação do homem europeu, é algo relacionado com a formação e o crescimento
da consciência do estado de sofrimento, de indigência, de penúria, de miséria, ou,
mais geralmente, de infelicidade, em que se encontra o homem no mundo, bem como
ao sentimento da insuportabilidade de tal estado.”
“Como disse antes, a história humana é ambígua
para quem se põe o problema de atribuir-lhe um “sentido”. Nela, o bem e o mal se
misturam, se contrapõem, se confundem. Mas quem ousaria negar que o mal sempre prevaleceu
sobre o bem, a dor sobre a alegria, a infelicidade sobre a felicidade, a morte sobre
a vida? Sei muito bem que uma coisa é constatar, outra é explicar e justificar.
De minha parte, não hesito em afirmar que as explicações ou justificações teológicas
não me convencem, que as racionais são parciais, e que elas estão frequentemente
em tal contradição recíproca que não se pode acolher uma sem excluir a outra (mas
os critérios de escolha são frágeis e cada um deles suporta bons argumentos). Apesar
de minha incapacidade de oferecer uma explicação ou justificação convincente, sinto-me
bastante tranquilo em afirmar que a parte obscura da história do homem (e, com maior
razão, da natureza) é bem mais ampla do que a parte clara.
Mas não posso negar que uma face clara apareceu
de tempos em tempos, ainda que com breve duração. Mesmo hoje, quando o inteiro decurso
histórico da humanidade parece ameaçado de morte, há zonas de luz que até o mais
convicto dos pessimistas não pode ignorar: a abolição da escravidão, a supressão
em muitos países dos suplícios que outrora acompanhavam a pena de morte e da própria
pena de morte. É nessa zona de luz que coloco, em primeiro lugar, juntamente com
os movimentos ecológicos e pacifistas, o interesse crescente de movimentos, partidos
e governos pela afirmação, reconhecimento e proteção dos direitos do homem.
Todos esses esforços para o bem (ou, pelo menos,
para a correção, limitação e superação do mal), que são uma característica essencial
do mundo humano, em contraste com o mundo animal, nascem da consciência, da qual
há pouco falei, do estado de sofrimento e de infelicidade em que o homem vive, do
que resulta a exigência de sair de tal estado. O homem sempre buscou superar a consciência
da morte, que gera angústia, seja através da integração do indivíduo, do ser que
morre, no grupo a que pertence e que é considerado imortal, seja através da crença
religiosa na imortalidade ou na reencarnação. A esse conjunto de esforços que o
homem faz para transformar o mundo que o circunda e torná-lo menos hostil, pertencem
tanto as técnicas produtoras de instrumentos, que se voltam para a transformação
do mundo material, quanto as regras de conduta, que se voltam para a modificação
das relações interindividuais, no sentido de tornar possível uma convivência pacífica
e a própria sobrevivência do grupo. Instrumentos e regras de conduta formam o mundo
da “cultura”, contraposto ao da “natureza”.
Encontrando-se num mundo hostil, tanto em face
da natureza quanto em relação a seus semelhantes, segundo a hipótese hobbesiana
do homo homini lupus, o homem buscou reagir a essa dupla hostilidade inventando
técnicas de sobrevivência com relação à primeira, e de defesa com relação à segunda.
Estas últimas são representadas pelos sistemas de regras que reduzem os impulsos
agressivos mediante penas, ou estimulam os impulsos de colaboração e de solidariedade
através de prêmios.
No início, as regras são essencialmente imperativas,
negativas ou positivas, e visam a obter comportamentos desejados ou a evitar os
não desejados, recorrendo a sanções celestes ou terrenas. Logo nos vêm à mente os
Dez mandamentos, para darmos o exemplo que nos é mais familiar: eles foram
durante séculos, e ainda o são, o código moral por excelência do mundo cristão,
a ponto de serem identificados com a lei inscrita no coração dos homens ou com a
lei conforme à natureza. Mas podem-se aduzir outros inúmeros exemplos, desde o Código
de Hamurabi até a Lei das doze tábuas. O mundo moral, tal como aqui o
entendemos – como o remédio ao mal que o homem pode causar ao outro, nasce com a
formulação, a imposição e a aplicação de mandamentos ou de proibições, e, portanto,
do ponto de vista daqueles a quem são dirigidos os mandamentos e as proibições,
de obrigações. Isso quer dizer que a figura deôntica originária é o dever, não o
direito.”
“O problema da moral foi originariamente considerado
mais do ângulo da sociedade do que daquele do indivíduo. E não podia ser de outro
modo: aos códigos de regras de conduta foi atribuída a função de proteger mais o
grupo em seu conjunto do que o indivíduo singular. Originariamente, a função do
preceito “não matar” não era tanto a de proteger o membro individual do grupo, mas
a de impedir uma das razões fundamentais da desagregação do próprio grupo. A melhor
prova disso é o fato de que esse preceito, considerado justamente como um dos fundamentos
da moral, só vale no interior do grupo: não vale em relação aos membros dos outros
grupos.”
“Concepção individualista significa que primeiro
vem o indivíduo (o indivíduo singular, deve-se observar), que tem valor em
si mesmo, e depois vem o Estado, e não vice-versa, já que o Estado é feito pelo
indivíduo e este não é feito pelo Estado; ou melhor, para citar o famoso artigo
2º da Declaração de 1789, a conservação dos direitos naturais e imprescritíveis
do homem “é o objetivo de toda associação política”. Nessa inversão da relação entre
indivíduo e Estado, é invertida também a relação tradicional entre direito e dever.
Em relação aos indivíduos, doravante, primeiro vêm os direitos, depois os deveres;
em relação ao Estado, primeiro os deveres, depois os direitos. A mesma inversão
ocorre com relação à finalidade do Estado, a qual, para o organicismo, é a concórdia
ciceroniana (a omónoia dos gregos), ou seja, a luta contra as facções que,
dilacerando o corpo político, o matam; e, para o individualismo, é o crescimento
do indivíduo, tanto quanto possível livre de condicionamentos externos. O mesmo
ocorre com relação ao tema da justiça: numa concepção orgânica, a definição mais
apropriada do justo é a platônica, para a qual cada uma das partes de que é composto
o corpo social deve desempenhar a função que lhe é própria; na concepção individualista,
ao contrário, justo é que cada um seja tratado de modo que possa satisfazer as próprias
necessidades e atingir os próprios fins, antes de mais nada a felicidade, que é
um fim individual por excelência.”
“A inflexão a que me referi, e que serve como
fundamento para o reconhecimento dos direitos do homem, ocorre quando esse reconhecimento
se amplia da esfera das relações econômicas interpessoais para as relações de poder
entre príncipe e súditos, quando nascem os chamados direitos públicos subjetivos,
que caracterizam o Estado de direito. É com o nascimento do Estado de direito que
ocorre a passagem final do ponto de vista do príncipe para o ponto de vista dos
cidadãos. No Estado despótico, os indivíduos singulares só têm deveres e não direitos.
No Estado absoluto, os indivíduos possuem, em relação ao soberano, direitos privados.
No Estado de direito, o indivíduo tem, em face do Estado, não só direitos privados,
mas também direitos públicos. O Estado de direito é o Estado dos cidadãos.”
“O progresso, para Kant, não era necessário. Era
apenas possível. Ele criticava os “políticos” por não terem confiança na virtude
e na força da motivação moral, bem como por viverem repetindo que “o mundo foi sempre
assim como o vemos hoje”. Kant comentava que, com essa atitude, tais “políticos”
faziam com que o objeto de sua previsão – ou seja, a imobilidade e a monótona repetitividade
da história – se realizasse efetivamente. Desse modo, retardavam propositalmente
os meios que poderiam assegurar o progresso para o melhor.
Com relação às grandes aspirações dos homens de
boa vontade, já estamos demasiadamente atrasados. Busquemos não aumentar esse atraso
com nossa incredulidade, com nossa indolência, com nosso ceticismo. Não temos muito
tempo a perder.”
“No estado de natureza de Locke, que foi o grande
inspirador das Declarações de Direitos do
Homem, os homens são todos iguais, onde por “igualdade”
se entende que são iguais no gozo da liberdade, no sentido de que nenhum indivíduo
pode ter mais liberdade do que outro.”
“[Thomas Paine afirma que] A história nada prova
salvo os nossos erros, dos quais devemos nos libertar. O único ponto de partida
para escapar dela é reafirmar a unidade do gênero humano, que a história dividiu.
Só assim se descobre que o homem, antes de ter direitos civis que são o produto
da história, tem direitos naturais que os precedem; e esses direitos naturais são
o fundamento de todos os direitos civis. Mais precisamente: “São direitos naturais
os que cabem ao homem em virtude de sua existência. A esse gênero pertencem todos
os direitos intelectuais, ou direitos da mente, e também todos os direitos de agir
como indivíduo para o próprio bem-estar e para a própria felicidade que não sejam
lesivos aos direitos naturais dos outros”.”